Lewis e Stokes
O que Lawrence da Arábia e seus sargentos nos ensinam sobre o assessor de combate moderno
Ten Cel Garrett M. Searle, Exército dos EUA
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Para garantir a tomada do trem eram necessárias armas e metralhadoras. Então, o Egito escolheu dois instrutores-sargentos enérgicos da Escola do Exército em Zeitum [...] Seus nomes talvez fossem Yells e Brooke, mas se tornaram Lewis e Stokes em razão de suas ferramentas adoradas.
—T. E. Lawrence
O relato autobiográfico de T. E. Lawrence, Os sete pilares da sabedoria, é um dos melhores escritos de tempos de guerra, não apenas pela qualidade atemporal de sua narrativa, mas também pela genialidade única do autor como assessor militar e especialista tático. Winston Churchill, que conhecia Lawrence pessoalmente e admirava muito tanto o homem quanto a sua escrita, escreveu que Os sete pilares revelava “tudo o que é mais vital na guerra”.1 Embora Lawrence seja, sem dúvida, o protagonista de sua própria história, a narrativa também incorpora as experiências de centenas de outros homens envolvidos na Primeira Guerra Mundial e seu teatro de operações do Oriente Médio. Esses personagens menores constituem um componente essencial da vitalidade do livro. Durante a minha leitura, fui atraído para a história — que achei especialmente cativante — de dois homens, provavelmente porque aparentavam ser o que há de mais parecido com dois indivíduos comuns que despencam na órbita insólita de Lawrence. Lawrence apresenta os sargentos Lewis e Stokes na citação acima enquanto se prepara para uma incursão na Ferrovia de Hejaz.2
O nome de guerra dado a cada um por Lawrence refletia sua respectiva expertise com a metralhadora Lewis, uma metralhadora leve revolucionária de calibre .30, e o morteiro Stokes, o primeiro sistema moderno de morteiro de 81 mm. Ambos os tipos de armas são hoje onipresentes no campo de batalha moderno, mas em 1917, representavam uma mudança revolucionária nas ferramentas disponíveis para a infantaria no apoio a fogo e manobra.3 Lawrence claramente reconhecia a utilidade deles em sua campanha. Levou esses especialistas para trabalhar ao seu lado em sua missão de assessoria pois sabia que seus conhecimentos e habilidades seriam vitais ao sucesso de seus parceiros e seu papel de apoio na campanha maior.4
Mais de cem anos após sua aventura no deserto, Lawrence e seus dois sargentos ainda têm muito a nos dizer sobre o papel de um assessor nas operações de combate em larga escala e o possível efeito específico da combinação acertada de personalidade, conhecimentos, força de vontade e apoio externo. A capacidade deles de adotar novas tecnologias para apoiar seu parceiro e vincular suas ações no tempo e no espaço com o esforço de guerra mais abrangente aumentou exponencialmente o impacto da Revolta Árabe no teatro de operações. Atualmente, o moderno corpo de assessores do Exército dos EUA, encontrado principalmente no Comando de Assistência às Forças de Segurança (Security Force Assistance Command) e no 1o Comando das Forças Especiais (1st Special Forces Command), está trabalhando para modernizar suas formações e melhorar sua compreensão de seu papel no apoio a esse tipo de guerra em larga escala.
Mediante uma análise das experiências e impactos de Lawrence e seus dois companheiros, Lewis e Stokes, este artigo explora a função crucial dos assessores militares nas operações de combate em larga escala. Ao traçar paralelos entre insights históricos e os desafios enfrentados pelas unidades modernas de assessores do Exército dos EUA, o estudo identifica componentes essenciais para a assessoria bem-sucedida, recomenda melhorias estruturais para aprimorar o desempenho na guerra contemporânea e destaca os benefícios singulares do trabalho como assessor de combate, tanto para o militar quanto para o Exército.
Contexto estratégico
Eu queria contato com os britânicos; atuar como a ala da direita dos Aliados na conquista da Palestina e da Síria [...] Na minha opinião, se a revolta não chegasse ao campo de batalha principal contra a Turquia, teria de admitir o fracasso, e permanecer como segundo plano do segundo plano.
—T. E. Lawrence5
O teatro de operações do Oriente Médio da Primeira Guerra Mundial foi um esforço de economia de meios tanto para a Tríplice Entente (Grã-Bretanha, França e Rússia) quanto para as Potências Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria). Depois que o Império Otomano (Turquia) juntou-se à guerra ao lado das Potências Centrais, sua participação ameaçou imediatamente o Canal de Suez, que servia como uma ligação vital entre o Reino Unido e seu império distante ao sul e ao leste.
Após derrotar dois ataques otomanos na zona do canal em 1915 e 1916, a estratégia britânica adotou uma mentalidade ofensiva no teatro de operações, motivada em grande parte por aspirações pós-guerra para o Oriente Médio, impulsionadas por uma combinação, ao fim desastrosa, de imperialismo, sionismo, e ganância.6 O apoio a uma revolta incipiente entre as tribos árabes na região ocidental da Península Arábica, conhecida como Hejaz, foi visto como uma maneira de expulsar os turcos, e os britânicos e franceses começaram a investir recursos.
Por uma combinação do destino e suas próprias manobras obstinadas, Lawrence, então um capitão de 28 anos sem um dia sequer de treinamento militar real, tornou-se o principal oficial de ligação e assessor da Revolta Árabe. Antes da incursão descrita neste artigo, Lawrence conquistou o respeito de todos ao conceber e liderar um ataque surpresa terrestre ousado por parte de membros de tribos árabes para tomar o porto de Aqaba, importante do ponto de vista estratégico.7 A partir desse ponto, as forças árabes representaram o flanco direito do avanço liderado pelos britânicos na Palestina. É nesse cenário que encontramos Lawrence, Lewis e Stokes treinando forças irregulares árabes em sua base em Aqaba e se preparando para uma incursão em postos avançados e infraestrutura ferroviária turca no leste da Síria.8
Quem eram Lewis e Stokes
Lewis, o australiano, em um momento de grande ambição, disse que ele e Stokes gostariam de fazer parte do meu grupo. Uma ideia nova e interessante. Com eles, deveríamos nos sentir seguros quanto aos nossos destacamentos técnicos, enquanto atacamos um lugar guarnecido de tropas.
—T. E. Lawrence9
É impossível dizer o que levou os sargentos Stokes e Lewis a se oferecerem para a missão, perigosa e incerta, de acompanhar Lawrence no deserto. No entanto, a trajetória deles certamente não difere muito da de muitos jovens que buscaram a oportunidade de aventuras, glória e perigo presentes apenas no combate aproximado. Sabemos muito pouco sobre eles além do que foi incluído na história de Lawrence. Seus nomes verdadeiros eram Sgt Charles Reginald Yells, do 9o Regimento de Cavalaria Leve da Austrália (9th Australian Light Horse Regiment), e Sd Walter Herbert Brook, do 25o Batalhão dos Fuzileiros Reais do País de Gales (Royal Welsh Fusiliers). O registro oficial inclui o reconhecimento — marcante por ser breve e direto — por ações enquanto acompanhavam Lawrence. Termina com uma descrição da “grande destruição causada” durante a incursão, provando que esses dois homens alcançaram seu objetivo de um combate real.10 No único outro relato contemporâneo da unidade, o jornalista Lowell Thomas descreve Yells (Lewis) como “um glutão por adrenalina e um tigre em combate”.11 Na minha observação dos homens e mulheres que compõem as fileiras das unidades de assessores modernas do Exército dos EUA, um desejo de aventura e a atração por tudo o que não é familiar ainda desempenham um papel importante no preenchimento dessas forças totalmente voluntárias, e um desejo por essas experiências é, provavelmente, um requisito para o sucesso no terreno. Provavelmente nossos dois protagonistas estavam entediados de seu trabalho na guarnição e se voluntariaram para a incursão para se livrarem da monotonia que caracteriza a grande maioria da experiência em tempos de guerra.
A partir da descrição dos homens oferecida por Lawrence, sabemos que suas personalidades eram bem diferentes. Lewis, o atirador de metralhadora, era a força motriz por trás do voluntariado e assumiu mais facilmente suas novas funções inseridas nas forças estrangeiras. Era aberto e generoso com seus novos aliados, assimilando rapidamente suas formas de agir, embora provavelmente não aos extremos como seu comandante. Por outro lado, Stokes pareceu ter se voltado mais para dentro com sua nova posição no exterior, tornando-se mais decididamente britânico. Lawrence descreveu-o como um “John Bull”, uma espécie de Tio Sam britânico.12 Essas duas abordagens fomentaram o respeito de seus parceiros de maneiras diferentes, e sua combinação de várias formas é fundamental para o sucesso como assessor ou instrutor incorporado junto a parceiros estrangeiros.
Para ter êxito, um assessor militar deve estar, ao mesmo tempo, seguro de seus próprios fundamentos e disposto a se despir de predisposições quando necessário para se encaixar no ambiente e demonstrar unidade de propósito. Inclinar-se demasiadamente na direção de qualquer um desses polos resultará em fracasso. Um indivíduo que “se torna local” perderá de vista a missão que for enviado para cumprir. Por outro lado, um militar que não consegue ter empatia com seu parceiro ou olha com superioridade para a cultura, comida, métodos, etc., vai achar impossível construir confiança e terá dificuldade em sua função de ligação e assessor estrangeiro. Vale notar que o próprio Lawrence foi único em sua capacidade de combinar ao extremo essa dicotomia. Sentia-se confortável no comando do Gen Edmund Allenby, no Cairo, com seus pisos polidos e móveis de vime, e estava igualmente satisfeito nas tendas de beduínos da [tribo] Howeitat, com a areia vermelha de Wadi Rum invadindo todas as cavidades. Essa capacidade é rara e não deve ser menosprezada.13 Em vez disso, as unidades de assessores devem tentar identificar militares que apresentem um equilíbrio desses atributos e consigam manter o foco nos objetivos de sua nação de origem, ao mesmo tempo que permanecem flexíveis às exigências e comportamentos culturais que ajudarão a construir confiança e lubrificar as engrenagens da parceria.
Esse requisito é um dos vários fatores que impulsionam as unidades de assessores modernas do Exército dos EUA a manterem um processo sólido de avaliação e seleção. As Forças de Operações Especiais do Exército (Army’s Special Operations Forces, ARSOF) têm uma longa história de dependência de processos de seleção organizados para trazer as pessoas certas para suas unidades. Esses programas de avaliação e seleção incluem uma combinação de desafios físicos, cognitivos e interpessoais, em condições que provocam estresse e fadiga, para avaliar a aptidão para a função específica que o candidato está buscando.14 Desde a criação das Brigadas de Assistência às Forças de Segurança (SFAB) em 2017, o Exército tem mantido a necessidade de tornar essas unidades uma força totalmente voluntária e implementou um processo de seleção em níveis. Embora essas unidades não sejam consideradas forças de operações especiais, seus assessores estão integrados aos parceiros estrangeiros e devem apresentar a combinação certa de atributos para serem bem-sucedidos. Assim, um processo de avaliação e seleção continua a ser importante para a viabilidade a curto e longo prazos dessas unidades. Recentemente, o Comando de Assistência às Forças de Segurança iniciou um esforço para expandir seu programa de avaliação a fim de incluir graduados e oficiais, começando com comandantes de unidade, sargentos de unidade, comandantes de companhia e subtenentes. Anteriormente, esses assessores eram contratados com base na conclusão de uma função de desenvolvimento-chave em seu escalão atual e em uma entrevista de painel. A avaliação e seleção presenciais proporcionarão a oportunidade de obter uma compreensão mais holística de suas principais competências e inteligência emocional, resultando em equipes de assessores melhores e mais eficazes.
O que contribuíram para o combate e o que conquistaram
Na faixa em meia-lua, o inimigo estava protegido das metralhadoras, mas Stokes inseriu seu primeiro projétil, e, depois de alguns segundos, veio um estrondo com a explosão depois do trem no deserto. Ele tocou o parafuso de elevação, e seu segundo disparo caiu bem ao lado dos caminhões no vão profundo onde os turcos haviam se refugiado. Ele deixou o local em ruínas.
—T. E. Lawrence15
Lawrence estava disposto a arriscar e trazer os dois novatos, pois sabia que seus conhecimentos especializados seriam cruciais para o sucesso de seu esforço de incursão e desenvolveria capacidades em seus parceiros, com efeitos duradouros. Certamente, essas novas ferramentas poderiam fazer a diferença entre sucesso e fracasso para seus parceiros, mas a única forma de convencer as forças árabes a empregar as novas armas era demonstrar sua eficácia em um combate de vida ou morte.16 Para isso, ele precisava de especialistas ao seu lado no combate aproximado, capazes de integrar a tecnologia no momento decisivo para alcançar o efeito crítico.
Esse conhecimento especializado é demonstrado claramente na citação acima, com Stokes e Lewis tendo a capacidade (e o apoio de seu comandante) de transitarem de forma fluida entre os papéis de instrutores, assessores e, quando necessário, como atiradores de metralhadora ou morteiro. No decorrer deste artigo, refiro-me a Stokes, Lewis e Lawrence como assessores, mas esse termo parece descrever alguém que permanece à margem, oferecendo conselhos de forma casual e apressada. A realidade para esses homens, como tem sido para os assessores militares em vários outros contextos, foi uma indefinição das linhas entre os papéis de ligação, assessor, instrutor e combatente.17 Antes da missão descrita nas citações, os dois sargentos trabalhavam como instrutores das forças árabes em desenvolvimento. Durante a incursão, passaram a uma função mais direta como combatentes e líderes, assim como Lawrence, que muitas vezes serviu como comandante de fato durante essas expedições.
As unidades de assessores modernas do Exército dos EUA, especialmente as novas equipes de assessores da SFAB, incluem uma gama diversificada de especialistas capazes de aplicar suas habilidades para apoiar um parceiro em conflito. A capacidade que essas equipes oferecem é especificamente orientada para o nível tático da guerra, incorporada no escalão brigada e abaixo das forças armadas de uma nação parceira. Nesse nível, eles atuam como assessores, bem como integradores de fogos, inteligência e sustentação. Oferecem conhecimentos especializados funcionais em armas, equipamentos de comunicação, pequenos sistemas de aeronaves remotamente pilotadas (SARP), morteiros, artilharia e equipamentos essenciais de sustentação e manutenção. Mais importante ainda, no entanto, a diversidade da estrutura da equipe permite que ultrapassem o uso técnico de equipamentos e se concentrem em integrar esses sistemas a um conceito operacional, oferecendo conselhos sobre como combater com o emprego deles conforme uma abordagem de armas combinadas.
Embora as SFABs modernas tenham uma ampla gama de qualificações militares e ampla capacidade geral para apoiar as forças militares estrangeiras, elas não dispõem dos meios para rapidamente integrar conhecimentos específicos e direcionados. O mesmo acontece nas formações das ARSOFs, que enfrentam dificuldade para se desviar de seus quadros de organização, revelando preferência pela santidade de cada “unidade de ação”.18 A autoridade doutrinária e de estrutura organizacional capaz de rapidamente integrar os conhecimentos especializados e ajustar a organização por tarefas está ausente em ambas. Em um cenário de combate em grande escala, o parceiro estrangeiro apoiado por eles quase certamente precisará ou solicitará uma capacidade específica que as SFABs, focadas em generalistas, não serão capazes de disponibilizar em quantidade. No campo de batalha moderno, é mais provável que se trate de conhecimentos especializados no emprego de sistemas de mísseis guiados anticarro, pequenos SARP, munições vagantes, capacidade de guerra eletrônica, fogos de precisão de longo alcance (como o Sistema de Artilharia de Foguetes de Alta Mobilidade) e a combinação desses sistemas em conceitos operacionais eficazes.19 Uma maneira de abordar esse deficiência seria estabelecer uma ligação mais formal entre as forças de assessores e a Organização de Gestão de Treinamento em Assistência de Segurança do Exército (Army’s Security Assistance Training Management Organization). Essa organização encarrega e desdobra equipes especializadas de assistência à segurança para treinar parceiros estrangeiros em equipamentos ou capacidades fornecidos por um programa de assistência à segurança. Ajusta rapidamente seu quadro de organização para contratar o conhecimento especializado adequado para um caso específico de assistência à segurança. Combinar essa especialização com as unidades de assessores operacionais ajudaria a criar o tipo de flexibilidade que será necessária em conflito.
Certamente, a força de assessores deve ter a capacidade de resolver rapidamente as lacunas de conhecimento para atender às necessidades dos parceiros. No entanto, o treinamento recente de equipes de assessores militares nos centros de treinamento de combate do Exército (CTCs) demonstrou que, em um cenário de operações de combate em larga escala, os assessores passarão mais tempo na função de ligação, apoiando seus parceiros com o fornecimento de acesso ou informações provenientes de recursos militares dos EUA ou aliados. Durante um recente rodízio de CTC, uma força-tarefa de assessores atuou como o tecido conjuntivo entre uma divisão do Exército dos EUA e as Forças Armadas de uma nação parceira amiga que se defendia contra um ataque inimigo. A conexão era necessária para vencer a superioridade em fogos da força inimiga sobre a nação parceira amiga. Os meios da divisão ajudaram o parceiro com o desenvolvimento de cenário operativo comum, proteção contra ameaças de asa rotativa inimigas e lançamento de fogos em apoio a combates aproximado e em profundidade amigos. Equipes de assessores posicionadas junto a postos de comando da força parceira facilitaram a integração da aviação de ataque dos EUA, destruindo mais de 80 viaturas de combate e sistemas de artilharia inimigas em um período de três dias. Em última análise, esse apoio permitiu que o parceiro se defendesse de forma eficaz e ganhasse tempo para que as forças estadunidenses desenvolvessem poder de combate.
Sua capacidade de unir a resistência árabe para formar uma força de combate competente e aplicar essa força no flanco direito do teatro de operações contribuiu significativamente para o sucesso final das forças britânicas contra o Império Otomano na Palestina.
Apesar desse sucesso, a ênfase nas funções de ligação e apoio significa que a carga de trabalho de uma equipe de assessores ficará concentrada em um pequeno número de comandantes. O combate em larga escala testaria a capacidade do Exército de manter esse tipo de ligação com os parceiros no nível operacional em grande escala. Os impactos táticos identificados na história de Lewis e Stokes são interessantes e viscerais — um trem fumegante cheio de furos no deserto —, mas a profundidade real do impacto de Lawrence foi evidente no nível operacional. Sua capacidade de unir a resistência árabe para formar uma força de combate competente e aplicar essa força no flanco direito do teatro de operações contribuiu significativamente para o sucesso final das forças britânicas contra o Império Otomano na Palestina. Isso foi possível devido a vários fatores, mas Lawrence manteve estreita coordenação e ligação com Allenby, Comandante da Força Expedicionária Egípcia da Grã-Bretanha, e conseguiu mais ou menos alinhar as operações árabes aos objetivos britânicos, maximizando a eficácia geral do esforço de guerra combinado contra os otomanos.20
As atuais forças de assessores militares do Exército têm capacidade limitada para esse tipo de assessoria estratégica. As formações das ARSOFs tendem a se concentrar fortemente no treinamento e emprego de suas unidades de ação dos escalões mais baixos, lideradas por capitães: destacamentos operacionais Alpha, destacamentos de operações psicológicas e equipes de assuntos civis. Durante treinamentos coletivos, as ações de escalões mais elevados de comando (companhia, batalhão e grupo) privilegiam as funções de comando e controle, em vez de assessoria ou apoio direto aos parceiros. Por outro lado, as SFABs empregam um modelo doutrinário em que cada escalão de comando, desde o nível de grupo de combate até o de brigada, é principalmente uma equipe de assessores liderada pelo comandante daquele escalão, com a capacidade de mudar para um foco maior nas funções de comando e controle, se necessário conforme o perfil da missão.21 Essa estrutura (ou ênfase) aumenta a capacidade de envolvimento em assessoria de nível operacional, conforme descrito acima. Entretanto, ainda é consideravelmente limitado. Cada brigada tem apenas um pequeno número de oficiais e graduados mais antigos com a experiência e antiguidade necessárias para estabelecer credibilidade como assessor ou oficial de ligação acima do escalão brigada nas forças armadas de uma nação parceira.
Para se preparar para esse requisito, o Exército deve implementar várias mudanças estruturais. Primeiro, com pequenas mudanças na sede do Comando de Assistência às Forças de Segurança, essa formação poderia oferecer uma capacidade de assessoria de nível estratégico permanente. Em segundo lugar, o Exército deve desenvolver uma espécie de reserva de assessores (nos componentes da Ativa e Guarda Nacional/Reserva do Exército) composta por oficiais mais antigos e graduados com treinamento e conhecimentos especializados relevantes prévios que poderiam ser aproveitados quando surgisse a necessidade. A integração dessa reserva também concederia autoridade para ajustar rapidamente a organização por tarefas das equipes de assessores a fim de concentrar os conhecimentos especializados necessários para assessorar e estabelecer ligação com um parceiro no escalão divisão ou acima. Por fim, as ARSOFs devem procurar expandir o uso de suas formações lideradas por majores e tenentes-coronéis em suas três principais especialidades mais diretamente como assessores e oficiais de ligação junto a parceiros estrangeiros. Isso aproveitaria a experiência e a maturidade desses comandantes e melhoraria o desempenho em apoio aos objetivos de missão que dependem desses parceiros.
O que aprenderam
De Aqaba, os dois sargentos embarcaram apressadamente em um navio rumo ao Egito. Cairo havia se lembrado deles e não gostou que não tivessem retornado. No entanto, eles se dispunham alegremente a pagar as penalidades por isso. Haviam vencido sozinhos uma batalha, tiveram disenteria, sobreviveram à base de leite de camelo e aprenderam a percorrer 50 quilômetros por dia sobre camelos sem sentir dor. Além disso, Allenby deu uma medalha a cada um.
—T. E. Lawrence22
Além do benefício para a missão ou objetivo, o trabalho realizado por assessores como Lewis e Stokes tem benefícios intrínsecos para o indivíduo. Pode ser uma experiência incrivelmente gratificante para os que são corajosos o suficiente para buscar a oportunidade e dispostos a aceitar suas dificuldades. Lawrence encarou esses desafios como parte da recompensa, adotando a visão cristã que vincula as adversidades com força e salvação.23 Isso explica por que escolheu destacar as dificuldades da experiência como parte de seu benefício mais importante para os dois graduados. Entendeu que eles iriam embora com recompensas tangíveis e intangíveis. O mesmo acontece com os assessores militares modernos: seu serviço junto a parceiros estrangeiros os torna melhores comandantes e seres humanos porque exige o desenvolvimento da empatia, competência e perseverança. Porém sua contribuição mais importante talvez seja a experiência — encher a bagagem de um comandante jovem com desafios superados e novos conhecimentos adquiridos.
Embora a descrição dos benefícios feita por Lawrence se concentre nos graduados como indivíduos, também podemos especular sobre a difusão desses benefícios para as unidades às quais foram designados posteriormente. A competência tática aprimorada deles e o aumento do conhecimento do ambiente operacional por eles certamente tiveram benefícios tangíveis em suas missões seguintes. Essa difusão de benefícios ainda é um componente da proposta de valor para as missões de assessoria no Exército dos EUA. Quando foram criadas em 2017, as SFABs receberam um modelo de geração de forças e efetivo diferente das unidades de operações especiais mais antigas e mais estabelecidas. Ao contrário das formações das ARSOFs, compostas por oficiais e graduados que mudam sua qualificação militar ao entrar e servem a maior parte de suas carreiras nas Forças Especiais, assuntos civis e unidades de operações psicológicas, as SFABs são preenchidas com oficiais e graduados que mantêm sua atual qualificação militar e servem por um período finito, normalmente de dois a três anos. Após o serviço em SFABs, eles retornam para outra unidade convencional do Exército para a próxima função em sua progressão de desenvolvimento profissional. Isso significa que outras formações do Exército se beneficiam diretamente do crescimento e desenvolvimento obtidos durante o trabalho de um militar como assessor.
Conclusão
À medida que o Exército dos EUA se moderniza para enfrentar desafios atuais e previstos, as parcerias e alianças estrangeiras continuarão a desempenhar um papel fundamental em qualquer futuro combate de poder terrestre. Quanto mais o Exército apoiar coletivamente suas unidades de assessores com efetivo e recursos, mais bem preparado estará para desenvolver e manter esses vínculos essenciais. Nossos parceiros confiarão em nós, e nós confiaremos neles para superar sistemas de antiacesso/negação de área, criar linhas interiores e defender linhas de comunicação nos estágios iniciais de qualquer conflito.24 O exemplo de Lawrence e suas forças árabes demonstra esse efeito simbiótico nas etapas decisivas da guerra e o papel que os parceiros podem desempenhar em teatros de operações secundários para reduzir os recursos disponíveis aos adversários. O treinamento recente da SFA do Exército está identificando lacunas a serem abordadas para disponibilizar a força de assessores mais eficaz possível em futuros conflitos. Esse treinamento em exercícios de CTC e Warfighter do Exército deve ser mantido e expandido para ajudar a fechar essas lacunas e desenvolver a interoperabilidade entre as equipes de assessores, a força conjunta e nossos aliados e parceiros.
No nível individual, a história de Stokes e Lewis lembra-nos o papel importante que nossos assessores desempenharão e a necessidade indispensável de investir em seus conhecimentos especializados e expandir a disponibilidade de especialistas no assunto em apoio à missão de assessoria. Devemos continuar a selecionar os melhores indivíduos para servir nessa função e compreender a importância da combinação certa de competência, empatia e perseverança necessárias ao sucesso. Mais importante ainda, a história deles nos lembra o valor da experiência de assessoria para os oficiais e graduados, bem como o benefício coletivo de seu serviço nesta capacidade única para a Força. O investimento contínuo nessa capacidade pode apenas servir para melhorar o nosso Exército a partir de dentro, e não devemos perder de vista esse benefício importante e duradouro para a Força.
Em 1917, foram Lewis e Stokes, mas como chamaríamos nossos sargentos em 2024? Essa hipótese se mostra mais difícil devido ao uso de siglas e tantas combinações sem sentido de letras e números para as armas modernas. Talvez gostaríamos de contar com o Sgt Gustaf por sua experiência com canhões anticarro sem recuo e mísseis guiados. Certamente, a proficiência do Sgt Switchblade em pequenos SARP e munições vagantes seria útil.25 Não importa como sejam chamados, a história desses assessores em combates em larga escala ainda está por ser escrita. Portanto, devemos fazer todo o possível agora para garantir que a capacidade de assessoria em combates de nossa nação esteja totalmente preparada para o próximo grande combate.
Referências
- Epígrafe. T. E. Lawrence, Seven Pillars of Wisdom: A Triumph (1926; repr., New York: Anchor Books, 1991), p. 344.
- Winston Churchill, “An English Classic”, The Daily Mail, 29 July 1935, reprinted in “Churchill and Lawrence—Seven Pillars—Three Appreciations”, International Churchill Society, acesso em 4 jan. 2024, https://winstonchurchill.org/publications/finest-hour/finest-hour-119/churchjll-and-lawrence-seven-pillars-three-appreciations/.
- A Ferrovia de Hejaz era a linha de comunicação norte-sul fundamental conectando a Palestina aos principais centros populacionais da Península Arábica. Representava um componente crítico do controle otomano da região.
- Neil Faulkner, Lawrence of Arabia’s War: The Arabs, The British and the Remaking of the Middle East in WWI (New Haven, CT: Yale University Press, 2016), p. 328–30.
- A descrição da incursão que envolveu Stokes e Lewis e as citações no início de cada seção deste artigo podem ser encontradas nos capítulos 61-68 de Os sete pilares. No total, representam apenas cerca de 30 páginas do livro, portanto uma pequena fração do trabalho de forma geral. Além da incursão repleta de suspense, essas 30 páginas também incluem uma das seções mais enigmáticas da história, segundo a qual o banho de Lawrence em uma nascente é interrompido por um ancião murmurante, visto como um profeta por Lawrence, e cujos gemidos ininteligíveis resultam em uma tangente tortuosa sobre as origens do cristianismo. Como tal, a passagem é uma amostra representativa da abrangência do conteúdo encontrado na história de Lawrence.
- Lawrence, Seven Pillars, p. 274.
- Scott Anderson, Lawrence in Arabia: War, Deceit, Imperial Folly and the Making of the Modern Middle East (New York: Doubleday, 2013), p. 152.
- Ibid., p. 338.
- Veja Nicholas J. Saunders, Desert Insurgency: Archaeology, T. E. Lawrence, and the Arab Revolt (Oxford, UK: Oxford University Press, 2020), p. 207–11; Faulkner, Lawrence of Arabia’s War, p. 302–5. A incursão descrita nas citações é conhecida como a incursão de Halat Ammar devido à sua proximidade com a estação ferroviária de mesmo nome, localizada no que é hoje a fronteira entre a Jordânia e a Arábia Saudita. Pesquisas arqueológicas do Projeto Grande Revolta Árabe em 2013 confirmaram a localização e a geometria da ação.
- Lawrence, Seven Pillars, p. 345.
- Uma cópia do reconhecimento feito aos dois graduados pode ser encontrada nos arquivos do Australian War Memorial: “Honours and Awards (Recommendation): Charles Reginald Yells”, Australian War Memorial, acesso em 3 jan. 2024, https://www.awm.gov.au/collection/R1560412.
- Lowell Thomas, With Lawrence in Arabia (1924; repr., New York: Skyhorse, 2017), p. 145.
- Lawrence, Seven Pillars, p. 345.
- Na verdade, a polaridade dessas duas ideias provavelmente contribuiu para sua depressão mais tarde na vida. Ele teve dificuldade em aceitar os objetivos estratégicos de sua nação em face de um Estado árabe independente.
- Patrick Roberson, Stuart Gallagher e Kurtis Gruters, “Demystifying the Art of Assessment and Selection”, Small Wars Journal, 17 August 2022, https://smallwarsjournal.com/jrnl/art/demystifying-art-assessment-selection.
- Lawrence, Seven Pillars, p. 368.
- A incursão descrita nessa seção do livro teve também um benefício real tangível para as forças árabes participantes, uma vez que resultou em uma quantidade considerável de bens domésticos saqueados do trem destruído.
- Veja Robert K. Sawyer, Military Advisors in Korea: KMAG in Peace and War (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 1962), p. 140. O exemplo dos assessores estadunidenses do Military Advisory Group to the Republic of Korea (KMAG) no início da Guerra da Coreia oferece uma boa ilustração dessa indefinição de papéis.
- “Who We Are”, United States Army Special Operations Command, acesso em 3 jan. 2024, https://www.soc.mil/USASFC/HQ.html. O 1o Comando das Forças Especiais usa o termo “unidade de ação” para descrever seus destacamentos operacionais e equipes. Veja também R. D. Hooker Jr., “America’s Special Operations Problem”, Joint Force Quarterly 108 (January 2023), https://ndupress.ndu.edu/JFQ/Joint-Force-Quarterly-108/Article/Article/3264605/americas-special-operations-problem/.
- Donald Wilkins, “The 2022 Russo-Ukrainian War: Current and Future Employment of Unmanned Platforms Supporting Infantry Operations”, Infantry 112, no. 2 (2023): p. 46-48, https://www.moore.army.mil/Infantry/Magazine/issues/2023/Summer/PDF/Summer23_INFMag.pdf; veja também Josef Danczuk, “Bayraktars and Grenade-Dropping Quadcopters: How Ukraine and Nagorno-Karabakh Highlight Present Air and Missile Defense Shortcomings and the Necessity of Unmanned Aircraft Systems”, Military Review 103, no. 4 (July-August 2023): p. 21-33, https://www.armyupress.army.mil/Journals/Military-Review/English-Edition-Archives/July-August-2023/Grenade-Dropping-Quadcopters/.
- O Gen Edmund Allenby acreditava fervorosamente na utilidade dos esforços de Lawrence junto aos árabes, afirmando que sua cooperação era “de tal importância que nenhum esforço deveria ser poupado para que todos os benefícios resultantes fossem colhidos”. Apud Sean McMeekan, The Ottoman Endgame: War, Revolution, and the Making of the Modern Middle East, 1908–1923 (New York: Penguin Books, 2015), p. 360.
- Army Techniques Publication 3-96.1, Security Force Assistance Brigade (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office, 2 September 2020), para. 1-10.
- Lawrence, Seven Pillars, p. 376.
- Como o sentimento encontrado em Romanos 5:3: “Nós nos alegramos em nossos sofrimentos, sabendo que o sofrimento produz resistência”.
- Charles Flynn e Sarah Starr, “Interior Lines Will Make Land Power the Asymmetric Advantage in the Indo-Pacific”, Defense One, 15 March 2023, https://www.defenseone.com/ideas/2023/03/interior-lines-will-make-land-power-asymmetric-advantage-indo-pacific/384002/.
- Obrigado ao Maj Paul Dunn pela ajuda com esses nomes de guerra. David Hambling: “Failure or Savior? Busting Myths About Switchblade Loitering Munitions in Ukraine”, Forbes (site), 8 June 2022, https://www.forbes.com/sites/davidhambling/2022/06/08/failure-or-savior-busting-myths-about-switchblade-loitering-munitions-in-ukraine/. A Switchblade é uma munição vagante produzida pela AeroVironment que é lançada a partir de um tubo e então direcionada por seu operador para um alvo designado.
O Ten Cel Garrett Searle, do Exército dos EUA, é oficial de assuntos civis, servindo, atualmente, no Estado-Maior do U.S. Army Security Force Assistance Command. Anteriormente, serviu em funções de comando e estado-maior na 95a Brigada de Assuntos Civis e na 2a Brigada de Assistência às Forças de Segurança. Tem mestrado pela Naval Postgraduate School.
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