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Competição Irregular

A Concepção de uma Abordagem de “Governo como um Todo” para o Confronto Indireto e a Dissuasão de Adversários Estatais e Não Estatais pelos EUA

 

Ten Cel (Res) Jeremiah C. Lumbaca, Exército dos EUA

 

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Composição gráfica: Jeff Buczkowski

Apesar do aumento do interesse global pelas atividades de “zona cinzenta”, os Estados Unidos da América (EUA) não dispõem de uma política de “governo como um todo” (whole-of-government) para dissuadir ou enfrentar indiretamente adversários estatais e não estatais nesse crescente domínio da segurança. Com o lançamento da Estratégia de Segurança Nacional de dezembro de 2017, houve, da noite para o dia, uma mudança de política que alterou fundamentalmente a direção que o setor de segurança dos EUA vinha seguindo há duas décadas.1 Após 16 anos, trilhões de dólares gastos e centenas de milhares de vidas perdidas durante a Guerra contra o Terrorismo, os EUA redirecionaram seu foco principal para longe das ameaças assimétricas voltando-se, em vez disso, para a competição estratégica, às vezes denominada “competição entre grandes potências” ou “competição entre adversários com poder de combate quase equiparado”. A Interim National Security Strategic Guidance (Diretriz Estratégica Interina de Segurança Nacional) de 2021, divulgada pela Casa Branca, dá continuidade e reforça a direção voltada para políticas de competição estratégica.2

Apesar do redirecionamento para as questões convencionais de segurança, os adversários estatais e não estatais dos EUA continuam a operar globalmente com intenções malignas por meio de esforços de segurança não convencionais. Consequentemente, é necessário que os EUA e as nações afins implementem indiretamente um conjunto discreto de atividades, em tempos de paz, competição e guerra, para manter a ordem internacional.

“Conflito” ou “guerra” de zona cinzenta, quarta geração, nova geração, irregular, híbrida, assimétrica, composta ou irrestrita: todos esses termos, e muitos outros, já ingressaram no léxico contemporâneo. Cada um chega com um viés e uma definição preconcebida. Pergunte a qualquer pessoa do setor de segurança nacional se os EUA devem ter algum tipo de capacidade de guerra irregular em seu arsenal e a resposta certamente será “sim”. Peça que definam “guerra irregular” e as respostas serão muitas, vagas e confusas. O estabelecimento de um significado comum com que todos concordem seria útil, mas também consumiria um tempo precioso além de, provavelmente, se mostrar impossível. Portanto, para os fins deste artigo, o termo “competição irregular” é utilizado para descrever esse espaço. A razão para o uso desse termo é evitar o viés inerente que acompanha os termos mais comuns listados acima. A competição irregular é definida como o envolvimento de atores estatais e não estatais em atividades durante tempos de paz, competição e guerra para influenciar populações e afetar a legitimidade. Essas atividades por si sós dificilmente provocariam uma resposta cinética. Além disso, “governo como um todo” acompanhará “competição irregular” neste artigo para enfatizar a necessidade de sinergia governamental. Este artigo responderá à seguinte pergunta: Como os EUA poderiam propor um modelo conceitual de uma abordagem de governo como um todo para a competição irregular?

Definições e contexto

Diz-se com frequência que as atividades do tipo competição irregular ocorrem em algum espaço “entre paz e guerra” e que é improvável que essas atividades provoquem uma resposta militar convencional significativa.3 Essa afirmação está apenas parcialmente correta. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, por exemplo, está executando uma campanha agressiva de competição irregular para influenciar populações (globais) e afetar a legitimidade (russa) longe dos campos de batalha. No entanto, continua sendo improvável que as atividades específicas de competição irregular, isoladamente, gerem uma resposta militar convencional significativa. A noção de “entre paz e guerra” é imprecisa, pois a competição irregular persiste independentemente de qualquer estado de paz, competição ou conflito.

Conforme delineado na Estratégia de Segurança Nacional, o Partido Comunista da China é a principal preocupação de segurança estratégica para os EUA, com outros Estados como Rússia, Irã e Coreia do Norte logo atrás. A Estratégia de Segurança Nacional também reconhece as ameaças persistentes de organizações extremistas e terroristas, mas esses atores não estatais deixaram de ser a prioridade máxima que haviam sido por quase duas décadas após os ataques do 11 de Setembro. Nesta era de competição estratégica, é possível supor que as lições e os conceitos associados à competição irregular têm aplicação limitada, uma vez que as prioridades mudaram. Essa suposição está incorreta. Como escreveram David Ucko e Thomas Marks, os dois conjuntos de desafios, tradicionais e não tradicionais, compartilham características cruciais:

Ambos empregam diversas linhas de ataque para minar a determinação e desenvolver poder de influência, muitas vezes explorando vulnerabilidades, sejam econômicas, sociais e/ou políticas, dentro das sociedades-alvo. Ambos usam narrativas como armas para confundir a análise, cooptar públicos disputados e reduzir o custo da ação. E ambos giram em torno de questões de legitimidade ou do direito de liderar, com o fim de moldar realidades políticas novas e duradouras.4

Vista ao entardecer do Blue Shield Casino, de propriedade do Grupo King Romans, na zona econômica especial “Triângulo Dourado” na província de Bokeo, no Laos

O termo “governo como um todo” precisa ser definido para os fins deste artigo. Há inúmeras maneiras de defini-lo, incluindo várias siglas que tentam apreender a ideia. O modelo “DIME” será usado aqui para definir uma estratégia de “governo como um todo” que englobe os instrumentos diplomático, informacional, militar e econômico do poder. Algumas ressalvas devem ser feitas em relação aos atores não estatais e aos instrumentos DIME. Primeiro, os atores não estatais talvez não tenham um governo, no sentido de “governo como um todo”. Segundo, os atores não estatais talvez não tenham uma nação formalmente reconhecida para governar, utilizando elementos do poder nacional. Terceiro, os atores não estatais talvez não tenham forças armadas permanentes (representadas pelo “M” em DIME). Apesar dessas realidades, os atores não estatais podem, no entanto, comportar-se de forma semelhante a um governo, comandar um território da mesma forma que uma nação reconhecida e conduzir atividades semelhantes às militares. Dentre alguns exemplos estão o Estado Islâmico no Iraque e na Síria durante o auge do “califado”, os grupos Maute e Abu Sayyaf na cidade de Marawi (que tentaram governar, mas nunca conseguiram), o Talibã no Afeganistão atualmente e vários outros grupos insurgentes ao longo da história que governaram ou tentaram governar. Isso não significa que não haja diferença entre atores estatais e não estatais. Em vez disso, o fato é que os atores não estatais às vezes se comportam de modo semelhante aos atores estatais e, assim, não se deve limitar o pensamento apenas aos Estados-nação quando se considera a competição irregular do governo como um todo. Os atores não estatais podem empregar os instrumentos de poder encontrados no DIME.

Por fim, é preciso reconhecer que vários adversários dos EUA (com ênfase na China e na Rússia, mas outros também o fazem) executam a competição irregular da sociedade como um todo, pois seu alcance autoritário viabiliza a mobilização de recursos externos ao governo. Ainda que a ação da sociedade como um todo possa ser ideal para conduzir a competição irregular, o autoritarismo contraria os princípios estadunidenses e, por isso, essa expansão da atividade de competição irregular para mobilizar a própria sociedade está, provavelmente, fora do alcance do país. A educação dos EUA sobre competição irregular, entretanto, não deve ser descartada.

Demonstração de competição irregular entre adversários

Embora se possa dizer que a competição irregular — como definida acima — tem sido empregada de várias formas há séculos, a pesquisa, neste artigo, concentra-se na virada do século XXI em diante, uma vez que os cenários globais tecnológicos e de ameaça evoluíram consideravelmente desde então. Os adversários dos EUA são hábeis em operações nesse espaço. Como o ex-assessor de segurança nacional da Casa Branca, Gen Div H. R. McMaster, enfatizou em seu livro Battlegrounds (“Campos de Batalha”, em tradução livre), esses atores combinam desinformação, negação, tecnologias disruptivas, coerção e outras táticas para alcançar objetivos estratégicos abaixo do limiar do que poderia desencadear uma resposta militar.5

Dentre exemplos provenientes do Partido Comunista da China apenas estão:

  • construção de ilhas artificiais e intimidação por frota pesqueira no Mar do Sul da China;
  • diplomacia da dívida e coerção econômica em toda a região do Indo-Pacífico, ao longo da Rota da Seda e na África, para influenciar a conduta estatal de formas benéficas à China; espionagem econômica e furto de propriedade intelectual;
  • intimidação militar de Taiwan;
  • financiamento de pesquisas sobre abordagens alternativas ao Direito Internacional para reescrever a história; esforços para influenciar a política na Austrália e na Nova Zelândia; diplomacia de reféns;
  • apreensão de veículos submarinos não tripulados;
  • internamento e genocídio de uigures em Xinjiang para “purificar” o solo chinês das culturas nativas não chinesas;
  • cooptação de pequenos países do sudeste asiático;
  • patrulhas fluviais, cassinos e o estabelecimento de microcomunidades chinesas na bacia do rio Mekong para exercer influência sobre as nações anfitriãs;
  • uso de coerção na extradição dos críticos estrangeiros de volta à China; e
  • influência sobre a mídia estrangeira, os esportes e as organizações de Hollywood para manter uma imagem positiva da China.6

No caso da Rússia, a competição irregular tornou-se um esforço de estado estável. Isso pode ser constatado nas seguintes atividades:

  • emprego do Grupo Wagner e outros representantes (proxies) externos às Forças Armadas na Síria, Ucrânia, Geórgia, Estônia e outros lugares;
  • emprego da gangue de motociclistas Lobos da Noite para executar operações de informação e conflitos por procuração na Austrália e na Ucrânia;
  • interferência eleitoral na Europa e nos EUA;
  • financiamento de partidos políticos estrangeiros, como o regime opressor de Maduro na Venezuela;
  • coerção energética;
  • voos próximos a navios de guerra dos EUA na tentativa de provocar uma reação exagerada;
  • campanhas de desinformação cibernética; e
  • envenenamento de críticos.7

O Irã patrocina o terrorismo globalmente, muitas vezes por meio de proxies. Além disso, também transfere e vende armas de forma ilegal e usa rotineiramente pequenas embarcações armadas para inquietar navios de guerra do Reino Unido e dos EUA.8 A Coreia do Norte usa a competição irregular ao ameaçar regularmente outras nações com a devastação nuclear (que resultou em sua designação como patrocinadora do terrorismo), bem como no assassinato bem-sucedido de indivíduos considerados como ameaça política.9

A partir de uma posição de fraqueza, os atores não estatais muitas vezes empregam componentes da competição irregular para obter uma vantagem relativa sobre adversários que dispõem de recursos melhores. Essas iniciativas incluem, entre outras:

  • campanhas de desinformação para alegar a ilegitimidade do governo;
  • iniciativas de propaganda para incitar a violência;
  • lavagem de dinheiro e criação de empresas de fachada/organizações não governamentais falsas para apoiar o terrorismo;
  • uso de pirataria, sequestro com pedido de resgate, crimes cibernéticos e outras formas de crime organizado transnacional para arrecadar fundos para operações ilícitas;
  • ataques com gás sarin em transportes públicos; e
  • radicalização on-line para recrutar novos membros.10

Há vários exemplos vindos de outros países e organizações que podem também ser classificados como competição irregular. A lista anterior, portanto, não deve ser considerada completa. Em vez disso, o objetivo dos exemplos fornecidos é informar o leitor sobre a imensa profundidade e amplitude desse ambiente operacional obscuro. Essa arena ambígua com parâmetros pouco claros e definições muitas vezes conflitantes é o pano de fundo para esta pesquisa.

Competição irregular como subcomponente da competição estratégica

A “competição irregular” deve ser entendida como um dos dois subcomponentes da competição estratégica. O outro subcomponente é a “competição tradicional”. A Estratégia de Segurança Nacional não contempla tal conceito e, por isso, a figura foi incluída para fins de ilustração. A competição tradicional é predominantemente centrada no governo, enquanto a competição irregular é centrada nas pessoas. Este artigo enfatiza a competição irregular e não a tradicional, portanto esta última será pouco abordada. É fundamental notar, entretanto, que a figura não destaca adequadamente a sobreposição que existe entre a competição irregular e a tradicional. As linhas entre as duas não são claras, mas indefinidas e intersecionais; as atividades podem e devem ocorrer em ambas ao mesmo tempo e não são mutuamente excludentes.

Para ler a Interim National Security Strategic
Guidance

Conforme ilustrado na figura, os instrumentos de poder DIME na competição irregular manifestam-se de forma diferente do que na competição tradicional. O instrumento diplomático do poder, por exemplo, manifesta-se na competição irregular como guerra política. Em seu livro On Political War (“Sobre a Guerra Política”, em tradução livre), até hoje uma obra influente sobre o assunto, o autor Paul Smith descreve a guerra política como o uso de “meios políticos para forçar um oponente a fazer a vontade [de quem os emprega], com base em intenções hostis”.11 É uma interação calculada entre um ator e um público-alvo, incluindo o governo, as forças armadas e/ou a população geral de um adversário, que usa várias técnicas para coagir a certas ações, ganhando assim uma relativa vantagem sobre um oponente.12 Além disso, a natureza coercitiva da guerra política leva ao enfraquecimento ou destruição da vontade política ou social do adversário e força uma linha de ação favorável ao interesse de um ator.

Lumbaca-fig1

O instrumento informacional do poder se manifesta na competição irregular em forma de propaganda e operações psicológicas. Segundo Smith, a propaganda é impulsionada por objetivos nacionais, conta com muitos aspectos e tem um propósito político hostil e coercitivo. As operações psicológicas, por outro lado, são impulsionadas por objetivos militares estratégicos e táticos e podem ser dirigidas a populações hostis militares e civis. Tanto na propaganda quanto nas operações psicológicas, o principal veículo é o uso de “palavras, imagens e ideias” que, quando combinadas, podem viabilizar campanhas de informação e desinformação para alterar as opiniões de um público-alvo. Envolve encorajar amigos e desencorajar inimigos, obter ajuda para uma causa e provocar o abandono dos inimigos.13 Propaganda e operações psicológicas envolvem tanto a informação quanto a desinformação e podem ser conduzidas por meio cibernéticos.

Left Quote

É uma interação calculada entre um ator e um público-alvo, incluindo o governo, as forças armadas e/ou a população geral de um adversário, que usa várias técnicas para coagir a certas ações, ganhando assim uma relativa vantagem sobre um oponente.

Right Quote

O instrumento militar do poder se manifesta na competição irregular como guerra irregular, em que o setor de segurança de atores estatais e não estatais tenta influenciar as populações e afetar a legitimidade. O Summary of the Irregular Warfare Annex (Resumo do Anexo de Guerra Irregular) do Departamento de Defesa dos EUA deixa claro que a guerra irregular favorece as abordagens indiretas e assimétricas, embora possa empregar toda a gama de capacidades militares e de outras naturezas.14 De acordo com as Forças Armadas dos EUA, a guerra irregular inclui cinco atividades principais: guerra não convencional (possibilitando movimentos de resistência), defesa interna no exterior (apoiando programas de segurança de outro país), contraterrorismo, operações de estabilização e contrainsurgência. Além do que consta formalmente da doutrina militar, a guerra irregular pode ainda incluir apoio à guerra política (definida anteriormente), ações contra a guerra não convencional (oposição à vontade e capacidade de um adversário de possibilitar um movimento de resistência), guerra por procuração, operações de apoio à informação (também conhecidas como operações psicológicas), operações cibernéticas, combate a redes da ameaça, combate às finanças da ameaça, operações civis-militares e cooperação em segurança, entre outras atividades. Como evidenciado acima, o conceito de guerra irregular das Forças Armadas é bastante amplo.

Foto sem data da base militar russa de Trefoil, no Ártico. Por ser uma região essencial às aspirações agressivas militares, econômicas e políticas da Rússia, o Ártico se tornou um ponto focal para a competição irregular

O instrumento econômico do poder se manifesta na competição irregular na forma de pressão, persuasão, coerção e/ou subversão econômica. Ao adaptar o texto de Smith ao tema da competição irregular, as atividades empreendidas no contexto econômico têm o objetivo de infligir os danos econômicos necessários para forçar mudanças políticas. A conduta, nesse caso, será diferente de acordo com o ator — autoritário ou democrático —, pois os padrões, leis, normas e a capacidade de mobilizar os recursos são diferentes. As atividades econômicas na competição irregular apoiam a promoção de objetivos políticos sem o uso do confronto direto. Com a interconexão das economias globais, a atividade econômica executada como parte de qualquer estratégia de competição irregular deve ser cuidadosamente calculada e integrada com todos os demais instrumentos do poder para que sejam atingidos os objetivos políticos sem que se provoquem conflitos diretos.

Conclusões

Poucas pessoas concordam sobre os pontos mais sutis relativos à competição irregular. Este artigo certamente não mudará isso. A competição irregular é um assunto delicado, mas os EUA, seus parceiros e adversários estão todos envolvidos, de uma forma ou de outra. Parafraseando Leon Trotsky, talvez você não se interesse pela competição irregular, mas a competição irregular está interessada em você.15

Left Quote

Fatores políticos, culturais, religiosos, legais, psicológicos e históricos entre populações diversas devem ser todos considerados nessa jornada. Essa é uma luta centrada nas pessoas, na qual a consciência cognitiva e a inteligência emocional são mais importantes do que o poder militar.

Right Quote

Pelo estudo da literatura ou depoimentos perante o congresso ou doutrina militar, entende-se que as atividades de zona cinzenta ou guerra híbrida são aquelas conduzidas pelos adversários. São ameaças que devem ser identificadas, prevenidas, combatidas ou mitigadas. A competição irregular, por outro lado, é uma ferramenta proativa que tanto os EUA quanto seus adversários podem empregar para confrontar e para dissuadir. Fatores políticos, culturais, religiosos, legais, psicológicos e históricos entre populações diversas devem ser todos considerados nessa jornada. Essa é uma luta centrada nas pessoas, na qual a consciência cognitiva e a inteligência emocional são mais importantes do que o poder militar. Além disso, qualquer estratégia de competição irregular deve ser suficientemente flexível para se transformar com as inovações tecnológicas espaciais, cibernéticas, de vigilância, de mídia social, entre outras. Os conceitos de competição irregular da era da Guerra Fria como “resistência” e “subversão”, por exemplo, são importantes e relevantes nessa campanha, mas devem ser adaptados ao ambiente operacional atual, em que os adversários estão hiperconectados. Esse crescente espaço operacional físico e virtual torna mais importante do que nunca trabalhar lado a lado, com e por meio de parceiros que pensam da mesma forma. O espaço de ameaça é maior do que qualquer ator, por si só, é capaz de gerir. Como observou o Gen Richard Clarke, devemos olhar para a comunidade multinacional, “tirar partido dos exportadores de segurança e atraí-los com interesses compartilhados”.16

A competição irregular, como retratada pelo modelo de quatro pilares apresentado na figura, é realmente um esforço do “governo como um todo”. Infelizmente, a maioria dos que dedicam tempo para refletir sobre tais assuntos não consegue mobilizar todo o governo. Por exemplo, a comunidade de operações especiais das Forças Armadas dos EUA pensa, planeja e treina regularmente com base no conceito de guerra irregular. Lamentavelmente, a guerra irregular por si só, implementada principalmente pelo setor de segurança, não é suficiente. Apesar das tentativas de vislumbrar a guerra irregular como sendo do governo como um todo e algo maior do que as Forças Armadas, a literatura e a prática de hoje em dia estão centradas nelas e são incapazes de articular todos os instrumentos do poder destacados na figura. Por questão de justiça com os que estudam e praticam a guerra irregular, esses profissionais estão bem cientes das deficiências dela. Rotularam os esforços de guerra irregular como sendo apenas do “departamento como um todo” e entendem que as Forças Armadas por si sós não estão em condição de liderar um esforço de governo como um todo nesse contexto.

Confiar em um, dois ou mesmo três elementos do conceito DIME para implementar a competição irregular é insuficiente. Todos os quatro instrumentos combinados são essenciais para planejar, sincronizar e liderar uma verdadeira campanha de governo como um todo. De fato, o que é preciso é uma “campanha”, pois essa palavra implica que qualquer estratégia desenvolvida deve ser continuamente aprimorada e executada ao longo de muitos anos, talvez décadas.

As ideias aqui destacadas provavelmente levam a outras questões que devem ser abordadas, mas que vão além do escopo deste artigo. Essas perguntas incluem, entre outras: Quem deve liderar esse esforço de governo como um todo? Como seria, na prática, partir dos objetivos estratégicos da competição irregular e transformá-los em atividades pragmáticas? Quais são os custos e benefícios políticos da implementação de tal estratégia? Como podemos educar e informar nossos próprios cidadãos e nossos parceiros estrangeiros sobre a importância da competição irregular? Embora essas perguntas devam ser consideradas e respondidas de forma cuidadosa, os EUA e seus amigos devem primeiro abraçar o conceito em si de competição irregular do governo como um todo. Isso requer vontade política que transcende as administrações e raramente oferece aos legisladores evidências imediatas de sucesso em troca do custo de fazer negócios nesse espaço.

Este artigo e o modelo proposto não pretendem tomar o lugar da doutrina ou da prática atual. Os bem-versados na doutrina dos EUA perceberão imediatamente que as definições apresentadas neste trabalho são um híbrido de diversos elementos. O leitor deve manter o foco na ideia global de competição irregular do governo como um todo e não em algum dogma organizacional ou cultural codificado na doutrina. Além disso, este artigo não pretende insinuar que uma estratégia de competição irregular deva substituir algum plano ou política atual. Pelo contrário, a intenção é apontar a triste realidade de que não existe uma estratégia de governo como um todo para a competição irregular, e que os EUA precisam de uma para complementar e viabilizar seus objetivos de competição estratégica. Os princípios de competição irregular aqui abordados aparecem ocasionalmente de forma desarticulada, não relacionada e incompleta na literatura ou na doutrina (mas não em políticas), em sua maioria voltada para as Forças Armadas. Não existe nenhuma política. No governo dos EUA, as instituições não estão obrigadas a pensar coletivamente sobre os princípios da competição irregular e não há nenhum órgão ou indivíduo encarregado de sincronizar um esforço holístico, nenhuma instituição incumbida de oferecer educação interagências sobre o assunto (embora as Forças Armadas estejam considerando isso) e nenhum plano estratégico para desenvolver uma rede multinacional de parceiros e aliados com os mesmos interesses focada na competição irregular. Como o próprio Departamento de Defesa escreveu, “Nenhum departamento ou órgão do Governo dos EUA tem, por si só, a primazia na execução do conflito irregular ou da competição entre adversários.”17

A pergunta feita na abertura deste artigo foi: Como os EUA poderiam propor um modelo conceitual de abordagem de governo como um todo para a competição irregular? A resposta a essa pergunta é um modelo de política para a competição irregular de governo como um todo, ilustrado na figura, que inclui quatro pilares: guerra política (o elemento diplomático do poder), propaganda e operações psicológicas (o elemento informacional do poder, podendo ser apoiado por meios cibernéticos), guerra irregular (o elemento militar do poder), e pressão, persuasão, coerção e/ou subversão econômica (o elemento econômico do poder). Sem a sincronização do governo como um todo, inúmeras agências, organizações e indivíduos no governo dos EUA ficam encarregados de executar seus programas de competição irregular — se é que existem — sem um entendimento, direção ou propósito comum. Se, em vez disso, os EUA desenvolverem uma estratégia de competição irregular do governo como um todo com os quatro elementos indicados neste artigo, o país aumentará sua capacidade de dissuadir e enfrentar atores estatais e não estatais adversários nessa nova era de competição.

As opiniões aqui expressas são exclusivamente do autor e não refletem a política ou posição oficial do Departamento de Defesa ou do governo dos EUA.


Referências

 

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  2. The White House, Interim National Security Strategic Guidance (Washington, DC: The White House, 2021), acesso em 12 abr. 2022, https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2021/03/NSC-1v2.pdf.
  3. John Arquilla, “Perils of the Gray Zone: Paradigms Lost, Paradoxes Regained”, PRISM 7 no. 3 (2018): p. 122, acesso em 12 abr. 2022, http://www.jstor.org/stable/26470539; Lyle Morris et al., Gaining Competitive Advantage in the Gray Zone: Response Options for Coercive Aggression Below the Threshold of Major War (Santa Monica, CA: RAND Corporation, 2019): p. iii, acesso em 12 abr. 2022, https://www.rand.org/pubs/research_reports/RR2942.html; Hal Brands, “Paradoxes of the Gray Zone” (January 2016), p. 9, http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2737593; Mark Hoffman e Martin O. Hofmann, “Challenges and Opportunities in Gray Zone ‘Combat’”, in Advances in Cross-Cultural Decision Making (Los Angeles: Springer, July 2017), p. 155-66, https://doi.org/10.1007/978-3-319-60747-4_15; Elizabeth K. Kiessling, “Gray Zone Tactics and the Principle of Non-Intervention: Can ‘One of the Vaguest Branches of International Law’ Solve the Gray Zone Problem?”, Harvard National Security Journal 12, no. 1 (2021): p. 116-63, acesso em 12 abr. 2022, https://harvardnsj.org/2021/02/gray-zone-tactics-and-the-principle-of-non-intervention-can-one-of-the-vaguest-branches-of-international-law-solve-the-gray-zone-problem/.
  4. David Ucko e Thomas Marks, Crafting Strategy for Irregular Warfare: A Framework for Analysis and Action (Washington, DC: National Defense University Press, 2020), p. 4, acesso em 12 abr. 2022, https://ndupress.ndu.edu/Media/News/Article/2245731/crafting-strategy-for-irregular-warfare-a-framework-for-analysis-and-action/fbclid/IwAR2gtE34ADXb-ZZh6IcjKxHN4O1tOtKTYM-kFJpAf1qT2aVaw-kydLuwBjM/.
  5. H. R. McMaster, Battlegrounds: The Fight to Defend the Free World (New York: HarperCollins, 2020): p. 17-18, p. 26, p. 33.
  6. Roland Rajah, Alexandre Dayant e Jonathan Pryke, Ocean of Debt? Belt and Road and Debt Diplomacy in the Pacific (Sydney: Lowy Institute for International Policy, October 2019), acesso em 12 abr. 2022, https://think-asia.org/handle/11540/11721; Hearing on China’s Non-Traditional Espionage against the United States: The Threat and Potential Policy Responses, Before the Senate Judiciary Committee, 115th Cong. (2018) (statement of E. W. “Bill” Priestap, Assistant Director, Counterintelligence Division, Federal Bureau of Investigation), acesso em 12 abr. 2022, https://www.judiciary.senate.gov/imo/media/doc/12-12-18%20Priestap%20Testimony.pdf; Christopher Wray, “Responding Effectively to the Chinese Economic Espionage Threat” (discurso, Department of Justice China Initiative Conference, Center for Strategic and International Studies [CSIS], Washington, DC, 6 February 2020), acesso em 12 abr. 2022, https://www.fbi.gov/news/speeches/responding-effectively-to-the-chinese-economic-espionage-threat; Morris et al., Gaining Competitive Advantage in the Gray Zone, p. 30-39; Daniel De Wit, “Competing through Cooperation: Leveraging Security Cooperation to Counter Chinese and Russian Influence in Africa”, Marine Corps University Journal 10, no. 2 (Fall 2019): p. 162, https://doi.org/10.21140/mcuj.2019100210; Scott Kennedy, “Beijing Suffers Major Loss from Its Hostage Diplomacy”, CSIS, 29 September 2021, acesso em 12 abr. 2022, https://www.csis.org/analysis/beijing-suffers-major-loss-its-hostage-diplomacy; Kiessling, “Gray Zone Tactics and the Principle of Non-Intervention”, p. 127; Joanne Smith Finley, “Why Scholars and Activists Increasingly Fear a Uyghur Genocide in Xinjiang”, Journal of Genocide Research 23, no. 3 (2021): p. 348-70, https://doi.org/10.1080/14623528.2020.1848109; Julia Stern, “Genocide in China: Uighur Re-education Camps and International Response”, Immigration and Human Rights Law Review 3, no. 1 (2021), acesso em 12 abr. 2022, https://scholarship.law.uc.edu/ihrlr/vol3/iss1/2; Kerry Gershaneck, Political Warfare: Strategies for Combating China’s Plan to “Win Without Fighting” (Quantico, VA: Marine Corps University Press, 2020), p. 71, acesso em 12 abr. 2022, https://www.usmcu.edu/Portals/218/Political%20Warfare_web.pdf; Tim Doescher, “How China Is Taking Control of Hollywood”, 13 December 2018, in Heritage Explains, podcast, acesso em 12 abr. 2022, https://www.heritage.org/asia/heritage-explains/how-china-taking-control-hollywood.
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  9. Fabian Maximilian Teichmann, “Recent Trends in Money Laundering and Terrorism Financing”, Journal of Financial Regulation and Compliance 27, no. 1 (2019): p. 22, https://doi.org/10.1108/JFRC-03-2018-0042; Sam Mullins, “Twenty-Five Years of Terrorism and Insurgency in Southeast Asia” in Hindsight, Insight, Foresight: Thinking About Security in the Indo-Pacific, ed. Alexander Vuving (Honolulu: Asia-Pacific Center for Security Studies, 2020), p. 112-13, acesso em 12 abr. 2022, https://apcss.org/wp-content/uploads/2020/09/07-mullins-25thA.pdf; Bilveer Singh, “Crime-Terror Nexus in Southeast Asia: Case Study of the Abu Sayyaf Group”, Counter Terrorist Trends and Analyses 10, no. 9 (September 2018): p. 6-10, acesso em 12 abr. 2022, https://www.jstor.org/stable/26487539; Shyam Tekwani, “Political Violence in South Asia, 1995-2020”, in Vuving, Hindsight, Insight, Foresight, p. 91, acesso em 12 abr. 2022, https://apcss.org/wp-content/uploads/2020/09/06-tekwani-25A.pdf.
  10. Kaukab Jamal Zuberi, “Use of Cyber Space by Terrorist Organizations”, International Journal for Electronic Crime Investigation 2, no. 1 (2018): p. 6, acesso em 12 abr. 2022, http://ojs.lgu.edu.pk/index.php/ijeci/article/view/258.
  11. Paul A. Smith, On Political War (Washington, DC: National Defense University Press), p. 3, p. 7.
  12. Ibid.
  13. Ibid.; Angelo Codevilla, “Political Warfare: A Set of Means for Achieving Political Ends”, in Strategic Influence: Public Diplomacy, Counterpropaganda and Political Warfare, ed. J. Michael Waller (Washington, DC: Institute of World Politics Press, 2009), p. 206.
  14. Department of Defense, Summary of the Irregular Warfare Annex to the National Defense Strategy (Washington, DC: Department of Defense, 2020), p. 2, acesso em 12 abr. 2022, https://media.defense.gov/2020/Oct/02/2002510472/-1/-1/0/Irregular-Warfare-Annex-to-the-National-Defense-Strategy-Summary.PDF.
  15. Alan Furst, Night Soldiers: A Novel (Boston: Houghton Mifflin, 1988).
  16. Richard Clarke e Linda Robinson, “Special Operations Forces and Great Power Competition”, 5 November 2021, in Irregular Warfare Podcast, produção de Irregular Warfare Initiative, acesso em 12 abr. 2022, https://mwi.usma.edu/special-operations-forces-and-great-power-competition/.
  17. Department of Defense, Summary of the Irregular Warfare Annex to the National Defense Strategy, p. 5.

 

Jeremiah Lumbaca é professor civil do Departamento de Defesa e leciona no Centro Daniel K. Inouye da Região Ásia-Pacífico para Estudos de Segurança no Havaí. É oficial da reserva remunerada das Forças Especiais do Exército dos EUA, envolvido atualmente em pesquisas avançadas relacionadas à competição e conflitos internacionais.

 

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Julho-Dezembro 2022