Military Review

 

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Conselhos Práticos para Pensar Além do Nível Tático

O Processo de Seis Passos

Maj Patrick Naughton, Reserva do Exército dos EUA

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Durante missão no Iraque, em 2019, integrante da 1a Divisão de Infantaria lê um conceituado relato histórico que detalha as atividades nos níveis estratégico e operacional antes e durante a invasão norte-americana do país, em 2003. O êxito do Exército dos EUA no futuro requer que os militares norte-americanos se empenhem no autoaperfeiçoamento, a fim de adquirirem um entendimento mais sofisticado das conexões entre estratégia e operações no ambiente operacional complexo do futuro, com particular ênfase na análise crítica de sucessos e falhas. (Foto do Sgt Evan Stanfield, Exército dos EUA)

O Exército dos Estados Unidos da América (EUA) afirma, constantemente, que, conforme vão adquirindo experiência no nível tático, os comandantes precisam, com o tempo, tornar-se pensadores operacionais e estratégicos. É uma evolução que parece fácil de realizar, mas, na verdade, não há uma definição clara de como efetuá-la de um ponto de vista prático. Uma infinidade de conceitos, doutrinas e definições operacionais e estratégicas é apresentada no contexto do serviço ativo e ao longo do ensino profissional militar. As explicações utilizadas para definir essas ideias variam dependendo da arma, quadro ou serviço e se o teórico militar abordado é clássico ou moderno. Para complicar ainda mais esse entendimento, o léxico de conceitos e termos militares também já se inseriu em todos os aspectos da vida civil e dos negócios. Tudo isso pode parecer intenso e intimidador para qualquer comandante que queira pensar e atuar acima do nível tático.

Este artigo não tem como objetivo oferecer definições e descrições finais de termos-chave e teorias, pois já há muito material sobre isso em uma grande variedade de fontes que o leitor pode pesquisar de forma independente. Apresenta, em vez disso, seis técnicas práticas de autoaperfeiçoamento, a partir das quais os comandantes poderão desenvolver uma base sólida de conhecimentos e autoconfiança, antes de avançarem além do nível tático (veja a figura 1).

Figura 1. O Processo de Seis Passos para Pensar Além do Nível Tático. (Figura do autor)

O processo rumo ao objetivo de se transformar em um pensador operacional e estratégico intuitivo e visionário começa com um entendimento dos fundamentos da profissão militar. Isso vem se tornando cada vez mais importante, neste momento em que o mundo retorna para uma era de competição entre grandes potências e o Exército dos EUA continua a antever possíveis conflitos futuros pelo prisma do conceito de operações em múltiplos domínios. São enumeradas a seguir as seis técnicas práticas, que se reforçam mutuamente: (1) explorar a esfera de treinamento centrada no autoaperfeiçoamento; (2) entender os termos e definições doutrinários; (3) reconhecer o espectro dos conflitos e a gama de operações militares; (4) saber a diferença entre ciência e arte; (5) familiarizar-se com abordagens e modelos sistêmicos; e (6) adotar um processo de compreensão que ajude a pensar além do nível tático. A execução desses seis passos práticos facilitará a transição para o pensamento operacional, o qual, por sua vez, ajudará a cultivar o pensamento estratégico no futuro. Somente depois de compreender plenamente essas seis áreas é que o indivíduo terá o conhecimento básico necessário para se sentir familiarizado e confiante o suficiente para avançar mediante o estudo de temas operacionais e estratégicos mais complicados.

Passo 1: Explorar a Esfera de Treinamento Centrada no Autoaperfeiçoamento

O primeiro passo para poder pensar além do nível tático é aceitar que essa responsabilidade cabe ao indivíduo. O Exército dos EUA desenvolve líderes por meio de três esferas de treinamento: a institucional, a operacional e a de autoaperfeiçoamento. O treinamento institucional é realizado por meio dos vários níveis do ensino profissional militar, que todos são obrigados a cursar. O operacional ocorre por meio das experiências práticas que os comandantes adquirem em missões, nos exercícios de campanha e no desempenho de funções-chave. O autoaperfeiçoamento preenche a lacuna entre as duas outras esferas de treinamento ao aprofundar e ampliar os conhecimentos do indivíduo. Ironicamente, embora seja a área de treinamento mais fácil de desenvolver, ela é, frequentemente, a mais ignorada1.

Para realmente avançar além do pensamento no nível tático, é preciso que os comandantes busquem, ativamente, seu autoaperfeiçoamento. Não basta contar, tão somente, com as esferas institucional e operacional de treinamento. Embora sejam eficazes em desenvolver grandes líderes, elas não são suficientes para desenvolver o tipo de sagacidade intelectual operacional e estratégica desejada na profissão militar.

Há várias formas para conduzir esse autoaperfeiçoamento. A abordagem tradicional tipicamente recomendada é a leitura, especialmente sobre história militar. Para ajudar nesse aspecto, os comandantes mais antigos publicam, tradicionalmente, listas de leitura profissional destinadas a desenvolver líderes que sejam capazes de pensar e atuar acima do nível tático. O Gen Ex Mark A. Milley, Comandante do Exército dos EUA, desafiou os soldados a “lerem esses livros e discutirem, debaterem e pensarem de modo crítico sobre as ideias que eles contêm”2. Explorar essa via tradicional e a literatura recomendada contribuirá muito para os esforços de autoaperfeiçoamento.

Conforme mencionado, ler e estudar a história militar também foi algo tradicionalmente apregoado como a principal forma de os militares estudarem para o autoaperfeiçoamento. Segundo o ilustre historiador britânico Sir Michael Howard, o estudo da história militar capacitará o oficial a “entender a natureza da guerra e seu papel em moldar a sociedade, como também melhorar diretamente [sua] competência”3.

Alguns filmes de Hollywood, como Journey’s End, sobre a Primeira Guerra Mundial, oferecem excelentes lições para os comandantes. Quando aliados à leitura de análises históricas, esses filmes oferecem uma abordagem multimídia especial na esfera do autoaperfeiçoamento, fazendo com que se aprenda a pensar acima do nível tático. (Uso da imagem autorizado por Fluidity Films/Lionsgate)

No entanto, embora essa seja uma afirmação perspicaz, apenas ler livros em listas de literatura militar pode não levar em consideração as diferenças entre gerações e o fato de que alguns militares simplesmente não aprendem pela leitura unicamente. As pesquisas vêm mostrando que os integrantes da Geração do Milênio — a faixa de pessoas nascidas entre 1981 e 2004, que compreende os atuais comandantes de escalões inferiores e intermediários — aprendem de um jeito diferente em relação às gerações anteriores. Em vez de aprenderem por meio de um método tradicional como a leitura, eles preferem currículos que ofereçam variedade e incorporem opções de multimídia4.

Felizmente, não faltam opções não tradicionais para os comandantes que estejam tentando aprender como pensar acima do nível tático. A combinação da leitura com vídeos on-line, documentários e até filmes de Hollywood oferece uma plataforma multifacetada, avançada e sólida para o autoaperfeiçoamento. Um exemplo de conteúdo on-line são as palestras do site TED (Technology, Entertainment, and Design). Essas apresentações curtas e, com frequência, comoventes são dadas por uma variedade de líderes no mundo inteiro, oferecendo inúmeras lições sobre o pensamento operacional e estratégico5. Outra opção é assistir a documentários. Já se foram os dias de produções áridas e malfeitas nesse tipo de mídia. Os atuais serviços de transmissão contínua (streaming) oferecem inúmeras opções bem-feitas sobre todos os conflitos da história mundial. Por último, até alguns filmes seletos de Hollywood podem ajudar no aprendizado, sendo o filme Journey’s End [ “A Última Jornada”, no Brasil — N. do T.] sobre a Primeira Guerra Mundial, o exemplo mais recente (2017)6. Quando aliado a um livro de história sobre o conflito, o filme oferece lições brilhantes sobre estratégias falhas, como elas chegaram até o nível tático e o efeito que isso teve nos comandantes.

Adotar a esfera do autoaperfeiçoamento é o primeiro passo rumo à criação de uma base sólida de conhecimentos e de autoconfiança para pensar acima do nível tático. A abordagem conjugada de aprendizado descrita anteriormente é apenas uma sugestão, já que há uma enorme quantidade de opções disponíveis. Se desejado, o estudo de história militar por meio de uma combinação de plataformas tradicionais e de multimídia desenvolverá as habilidades críticas e analíticas necessárias para atuar nos níveis mais elevados.

Passo 2: Entender os Termos e Definições Doutrinários

No filme “cult” The Princess Bride [ “A Princesa Prometida”, no Brasil — N. do T.], de 1987, o herói Inigo Montoya diz, incautamente, a seu pretensioso chefe, que emprega a palavra “inconcebível” repetidas vezes em qualquer situação: “Você vive dizendo essa palavra. […] Acho que não significa o que você pensa”7. Pode-se aplicar essa frase ao segundo passo do processo: entender os termos e definições doutrinários. As palavras têm um significado. Se uma pessoa não utilizar adequadamente os termos básicos que constam do léxico diário do Exército, ela nunca conseguirá avançar para o patamar das complexas teorias e significados que existem nos níveis operacional e estratégico.

Há duas obras de referência que ajudam nesse aspecto. A primeira é o recém-atualizado Department of Defense Dictionary of Military and Associated Terms [“Dicionário de Termos Militares e Relacionados do Departamento de Defesa”, em tradução livre], que oferece definições e uma padronização da terminologia doutrinária para a força conjunta8. A segunda é a Publicação Doutrinária 1-02, Termos e Símbolos Militares (ADP 1-02, Terms and Military Symbols), um guia sobre símbolos militares que, como o dicionário do Departamento de Defesa, fornece definições para o vocabulário do Exército9. Essas publicações extremamente úteis, ainda que frequentemente ignoradas, se assemelham, mas há algumas diferenças.

Como o superior de Inigo Montoya, os líderes que empregam palavras de modo incorreto perdem a credibilidade instantaneamente perante seus interlocutores, especialmente seus colegas e superiores. Para evitar que isso aconteça, e como parte do programa de autoaperfeiçoamento, pode-se ler, todas as manhãs, duas a cinco definições dos documentos citados (cada definição inclui uma referência ao manual que serviu de fonte, que pode ser pesquisado, caso se necessite de mais informações). O entendimento e o emprego adequado de termos militares formam uma sólida biblioteca interna de referências quando se entra no campo das complexas definições operacionais e estratégicas. O que é mais importante, o entendimento e o emprego adequado aumentam a confiança para se falar em público, especialmente quando é preciso comunicar-se com comandantes mais antigos. O Passo 2 é importante, pois não só ajudará a estabelecer a base para se comunicar de forma clara com outros profissionais militares, como também estimulará a autoconfiança e o “ar de autoridade” de um profissional que sabe o que fala. Os comandantes precisam dominar os termos e definições básicas utilizados em sua profissão, caso queiram avançar além do nível tático.

Passo 3: Reconhecer o Espectro dos Conflitos e a Gama de Operações Militares

Desde 2017, o Exército dos EUA promove o conceito de combate (ou batalha) em múltiplos domínios (multi-domain battle) por toda a Força. Contudo, refletindo sobre a natureza dos conflitos, o Gen Stephen Townsend, Comandante do U.S. Army Training and Doctrine Command — TRADOC (Comando de Instrução e Doutrina do Exército dos EUA), percebeu que a palavra battle (“batalha”) restringe o diálogo sobre atividades no ambiente de múltiplos domínios a um foco estritamente voltado ao combate, tolhendo o desenvolvimento do conceito. Por isso, ele substituiu a palavra battle por operations (“operações”) para ampliar o conceito para “Operações em Múltiplos Domínios”, que reflete melhor o atual ambiente operacional10. As ações de Townsend são um bom exemplo do Passo 3: reconhecer o espectro dos conflitos e a gama de operações militares, o que norteia o desenvolvimento das habilidades necessárias para pensar acima do nível tático, a fim de reconhecer que a guerra é um tema extremamente complexo e multifacetado, que engloba mais do que atividades puramente militares (veja a figura 2).

Figura 2. O Espectro dos Conflitos e a Gama de Operações Militares. (Baseado na figura original extraída do manual FM 3-0, Operations)

O Manual de Campanha 3-0, Operações (FM 3-0, Operations), reproduz o conceito conjunto do modelo de espectro de conflitos e gama de operações militares para descrever as hostilidades. O modelo abarca desde as operações de combate em larga escala e a guerra, em um extremo, até vários cenários de baixa intensidade ao longo da gama de operações militares, incluindo a paz11. Para atuar com sucesso acima do nível tático, os comandantes precisam aceitar que o termo “guerra” é extremamente restritivo e não reflete os conflitos da época atual. Quando se emprega unicamente a palavra “guerra” para descrever hostilidades, ela parece levar o interlocutor a pensar imediatamente em operações de combate em larga escala. Isso limita o raciocínio a funcionar apenas nesse nível, quando, na realidade, a guerra é muito mais complexa, podendo incluir, simultaneamente, vários cenários dentro da gama de operações militares, ao longo de todo o espectro dos conflitos. Conforme observa a mais recente Estratégia Nacional de Segurança norte-americana, os adversários dos EUA reconhecem que o país “frequentemente enxerga o mundo de forma binária, em que os Estados estão ‘em paz’ ou ‘em guerra’, quando se trata, na verdade, de uma esfera de competição contínua”12.

A ameaça de possíveis operações de combate em larga escala devido ao surgimento de grandes potências estratégicas rivais é evidente, algo que não era visto desde a Guerra Fria. Contudo, a maioria das hostilidades hoje em dia é classificada como guerra híbrida ou irregular, fervendo lentamente no meio do espectro dos conflitos. Conforme afirma a Estratégia Nacional de Segurança dos EUA, os rivais do país se tornaram “hábeis em operar abaixo do limiar de conflitos militares armados e no limite do direito internacional”13.

Esses tipos de acontecimento são, com frequência, agrupados em uma categoria conhecida como “zona cinza” [ou, ainda, “zona cinzenta” — N. do T.] por ocorrerem em uma faixa acima da paz e abaixo das operações de combate em larga escala. Apesar dos vários exemplos oferecidos pela história militar, os líderes militares operacionais e estratégicos da atualidade têm dificuldade em entender essa área. Conforme explica o estrategista da época atual, Dr. Antulio J. Echevarria II, é preciso que os comandantes adotem um novo processo mental, que “precisa levar em consideração mais do que apenas o emprego da força militar cinética em tempo de guerra e incluir mais do que apenas o objetivo de sobrepujar um adversário por meio de operações decisivas”14. Quanto antes um comandante reconhecer a complexidade de um conflito, mais cedo ele poderá excluir as noções restritivas estimuladas pelo termo simplista “guerra”.

Além disso, os conflitos não se limitam apenas a ações militares. Conforme sustenta Echevarria, ao examinar cenários não cinéticos da “zona cinza”, todos os instrumentos do poder nacional — diplomático, informacional, militar e econômico (DIME) — devem ser explorados e coordenados. Os EUA também devem coordenar esforços “com os de seus aliados e parceiros estratégicos. Em alguns casos, também precisam levar em consideração as atividades de organizações não governamentais e intergovernamentais”15. Para qualquer situação ao longo da gama de operações militares, o Exército dos EUA não pode agir sozinho, necessitando de uma abordagem do governo como um todo para alcançar seus objetivos. Isso exigirá uma forte cooperação interorganizacional entre todas as entidades empregadas nos fatores DIME. Segundo afirmou o Primeiro-Ministro britânico Winston Churchill, “Só há uma coisa pior do que lutar com aliados — é lutar sem eles!”16

Ter um bom entendimento de termos doutrinários e exemplos da história militar, aprendidos por meio do autoaperfeiçoamento, ajudará a decifrar a complexidade dos conflitos. O Passo 3 determina que os comandantes precisam reconhecer que os conflitos são intrinsicamente complexos, caóticos e multifacetados, não se restringindo unicamente a ações militares. Compreender e aceitar esse fato capacitará o comandante a ir além da ênfase tática, de buscar confrontos decisivos focados em ações militares, e a entender como os fatores DIME e a cooperação interorganizacional contribuem para o êxito nos níveis operacional e estratégico.

Passo 4: Saber a Diferença entre Ciência e Arte

A diferença entre ciência e arte é um dos conceitos mais difíceis de entender. Ambos os termos são usados livremente, embora sejam empregados com maior frequência quando se discute “arte operacional”, “ciência do controle” e “arte do comando”, todos os quais estão definidos na doutrina do Exército e na doutrina conjunta. Talvez os alemães, antes da Segunda Guerra Mundial, tenham fornecido a melhor descrição doutrinária do tema que guiou suas ações durante aquele conflito. A frase introdutória do manual do Exército alemão de 1934 para o comando de tropas, Truppenführung, afirma: “A guerra é uma arte, uma atividade livre e criativa fundamentada em princípios científicos”17. Dessa forma, o Passo 4 em desenvolver a capacidade para pensar acima do nível tático é compreender que o conflito consiste tanto em ciência quanto em arte.

A ciência do controle é definida da seguinte forma: “sistemas e procedimentos utilizados para melhorar o entendimento do comandante e apoiar a execução das missões”18. A ciência é o aspecto mais quantificável e fundamentado em dados durante o planejamento. Inclui, por exemplo, calcular quantos litros de combustível são necessários para movimentar uma brigada por uma determinada distância, além de todas as considerações práticas de planejamento que fazem parte desse cálculo. Também se refere a conjuntos de sistemas, procedimentos e princípios orientadores consagrados, que serão abordados no próximo passo. A habilidade na ciência do conflito é desenvolvida, frequentemente, por meio da experiência prática adquirida em missões, exercícios de campanha e desempenho de funções.

Em contrapartida, a arte, segundo definida na doutrina do Exército e doutrina conjunta, é guiada por uma abordagem cognitiva em relação ao planejamento19. Refere-se ao raciocínio, discernimento, criatividade e capacidades mentais dos comandantes. Diferentemente da ciência, a arte é mais abstrata e difícil de identificar ou definir. Conforme declarou o Presidente Dwight Eisenhower, durante o Café da Manhã do Comitê Nacional Republicano de 1958, quanto à probabilidade matemática de que os republicanos vencessem em vários Estados e distritos: “Esses cálculos ignoram o elemento decisivo: o que conta não é, necessariamente, o tamanho do cachorro na luta, mas o tamanho da luta no cachorro”20. Como Eisenhower reconheceu, com base em sua experiência durante a guerra, a ciência não é suficiente para prever conflitos. Às vezes, o que não foi considerado pode ser decisivo. Assim como no caso da ciência, a habilidade na arte pode ser adquirida a partir da experiência prática. No entanto, a verdadeira proficiência nessa área vem do autoaperfeiçoamento. A história militar oferece inúmeras lições em comando e arte operacional e seus efeitos nos conflitos.

Embora essa seja uma visão simplificada desses assuntos, a princípio, é o suficiente. Conforme observado no Truppenführung, os conflitos requerem uma forte capacidade cognitiva que se apoie em preceitos militares científicos. Equilibrar a arte e a ciência nos níveis operacional e estratégico de pensamento pode ser algo desafiador. O simples reconhecimento de que a diferença existe, de que elas se complementam e de que a experiência pode ser adquirida em todas as esferas de treinamento é algo vital para os comandantes entenderem antes de seguirem adiante. O quarto passo do processo é saber a diferença entre ciência e arte, o que abre, então, a porta para um estudo mais aprofundado do conceito.

Passo 5: Familiarizar-se com Abordagens e Modelos Sistêmicos

Os comandantes no Exército passam a primeira metade da carreira sendo expostos a abordagens e modelos sistêmicos de pensamento. Isso tem início com os procedimentos de comando de tropas e, depois, avança para ordens de operações de cinco parágrafos e o processo decisório militar. Por isso, os comandantes se sentem à vontade com abordagens construídas que ofereçam uma estrutura a ser seguida. À medida que começarem a avançar acima do nível tático, eles encontrarão uma enorme quantidade de sistemas e modelos para auxiliar no entendimento operacional e estratégico e compreender a arte e a ciência. Esses conceitos incluem, entre outros, as funções de combate, as variáveis operacionais e da missão, diversos princípios e os fatores DIME. O Passo 5 é familiarizar-se com esses conceitos.

Limitar o processo mental a sistemas e modelos estabelecidos impede o pensamento crítico e criativo.

Os conflitos são algo caótico demais para serem reduzidos a um único modelo organizacional, que possa ser aplicado a todas as situações. Cabe lembrar que, em essência, um conflito é sempre um empreendimento humano e, como tal, não pode ser enquadrado de forma perfeita em categorias21. Os sistemas e modelos operacionais e estratégicos não consistem em fórmulas fixas. Simplesmente oferecem um método para lidar com a complexidade do assunto de uma maneira coerente. Além disso, como todos os comandantes foram expostos a esses mesmos modelos, eles também servem para organizar e comunicar mensagens operacionais e estratégicas para um público mais amplo.

Não se deve usar um único sistema ou modelo para abordar temas acima do nível tático. Na verdade, todos podem ser utilizados em diferentes medidas para entender cenários complexos. Ademais, deve-se evitar pensar sobre esses processos e modelos como uma forma de obter respostas científicas que forneçam fatos e evidências baseadas em resultados. Limitar o processo mental a sistemas e modelos estabelecidos impede o pensamento crítico e criativo. Esses conceitos servem, na verdade, como um método para abordar o pensamento operacional e estratégico e diferenciar entre ciência e arte, e não como uma muleta que restringe o indivíduo a um único modo de pensar.

Conforme mencionado anteriormente, para comunicar e atuar de forma eficaz nos níveis operacional e estratégico, é preciso ter uma base sólida de termos doutrinários. O Passo 5 desenvolve esse ponto com o acréscimo do requisito de familiarizar-se com abordagens e modelos sistêmicos. Os conflitos são um empreendimento humano caótico. Esses conceitos servem para ajudar a organizar o entendimento daquilo que está acontecendo, mas não podem fornecer fatos científicos que sirvam de base para a ação. Usar a esfera do autoaperfeiçoamento por meio de um regime de estudo ajudará o indivíduo a enxergar além dos limites desses modelos e a identificar conexões entre eles, o espectro dos conflitos, a gama de operações miltares e a ciência e a arte da guerra.

Passo 6: Adotar um Processo de Compreensão que Ajude a Pensar Além do Nível Tático

O último passo para pensar acima do nível tático é a adoção de um processo de compreensão. As abordagens em relação a isso são tão numerosas quanto os vários sistemas e modelos já citados. Algumas, como a metodologia de design do Exército dos EUA, podem ser extremamente complicadas, intensas e demoradas. Independentemente de que processos sejam adotados para ajudar no pensamento acima do nível tático, é preciso que um comandante tenha um referencial com o qual ele possa contar repetidas vezes e que ele possa utilizar durante toda a sua carreira.

Para ilustrar um possível processo de compreensão, vale explorar o referencial histórico de Michael Howard. Para realmente entender as lições históricas, ele recomenda que é preciso estudar o tema em sua amplitude, profundidade e contexto22. Com base em uma ligeira variação desse conceito, a metodologia é reordenada para “contexto, amplitude e profundidade”. Ao enfrentarem um dilema tático, os comandantes frequentemente fazem o oposto. Reagem e se concentram na profundidade da questão, em vez de, primeiro, parar por um momento a fim de entender o contexto e a amplitude que envolvem o problema tático. Evidentemente, isso leva à tomada de decisão em meio a um turbilhão, ignorando suas possíveis implicações operacionais e estratégicas.

A simples execução desse exercício mental de três etapas contribuirá muito para se pensar além do nível tático em qualquer situação. Não é necessário que o processo seja demorado ou prejudique a ação decisiva. Os comandantes só precisam parar um momento para rapidamente organizar seu processo mental para entender o contexto, amplitude e profundidade da situação antes de agir (veja a figura 3). Esse breve exercício mental ajudará a prevenir decisões diretas e táticas precipitadas que possam resultar em consequências operacionais e estratégicas negativas e imprevistas.

Figura 3. Contexto, Amplitude, Profundidade: Um Processo de Compreensão para Pensar Além do Nível Tático. (Figura do autor)

O Passo 6 do processo reforça tudo o que foi executado até agora. O modelo de contexto, amplitude e profundidade é apenas uma sugestão, e não uma fórmula mágica. Entretanto, ele oferece um bom ponto de partida prático para o desenvolvimento da capacidade de pensar além do nível tático e de se conectar com os níveis operacional e estratégico. Existem muitos outros modelos de compreensão. Cabe ao indivíduo explorar e decidir qual deles funciona melhor para ele. Independentemente da escolha, os comandantes precisam adotar um processo de compreensão que permita uma breve pausa mental antes da tomada de decisões táticas.

Conclusão

A transformação em um pensador operacional e estratégico efetivo não é privilégio de um clube exclusivo, ao qual só alguns indivíduos seletos podem se associar. Tampouco é fruto, unicamente, das melhores academias militares, do sistema de ensino profissional militar ou da orientação de comandantes estabelecidos. Conforme observado pelo Marechal de Campo Sir William Slim, da Grã-Bretanha, durante a Segunda Guerra Mundial, os dois melhores planejadores operacionais e estratégicos de “alto nível” que trabalharam para ele foram um acadêmico de Oxford e um militar da Guarda Nacional dos EUA23. “Os dois eram realmente excelentes”, Slim escreveu na revista Military Review, “E é preciso ter planejadores de alto nível”24.

Por meio da esfera do autoaperfeiçoamento, é possível tornar-se um comandante eficaz acima do nível tático. Além disso, embora esse processo prático de seis passos — destinado a gerar um entendimento básico e a segurança para pensar acima do nível tático — possa parecer simplista demais, não ter um bom entendimento dos temas mencionados fará com que o indivíduo se sinta totalmente atordoado ao tentar estudar teorias operacionais e estratégicas. O processo de seis passos ajuda a formar uma visão holística de nosso mundo multidimensional, seus conflitos e todos os fatores que os influenciam. Com a multiplicidade de conceitos, doutrinas e definições operacionais e estratégicas existentes, o esquema prático de seis passos e a base de conhecimentos que ele fornece auxiliarão no entendimento desses temas complexos.

Além disso, aqueles que seguirem os seis passos ficarão aptos a ler e compreender melhor as narrativas operacionais e estratégicas emitidas por escalões superiores ou teóricos civis. Essas narrativas são importantes porque elas frequentemente compõem a intenção do comandante e servem de base para a diretriz do comandante, os estados finais desejados e os critérios de término. Caso não entendam o assunto abordado nessas narrativas, desenvolvido na esfera de autoaperfeiçoamento, os comandantes serão ineficazes no estabelecimento de conexões, assim como na conversão de diretrizes escritas em ações práticas.

Por fim, na atual era de grandes potências em ascensão, “surgiram vários fatores complicadores, incluindo Exércitos de grande porte, meios de combate diversos em termos qualitativos, tecnologia altamente sofisticada, colunas muito profundas, a dificuldade de emprego em formação de combate e uma complexa retaguarda de apoio”25. Essa declaração, escrita em 1936 pelo Comandante de Brigada russo Georgii Samoilovich Isserson, um dos criadores do pensamento operacional moderno, previu como seriam os futuros conflitos com uma surpreendente precisão. Sua previsão nos anos entre guerras pode ser facilmente aplicada a teorias modernas de operações em múltiplos domínios. Isserson percebeu, ainda, que, para entender as complexidades de possíveis operações de combate em larga escala, é preciso descartar modelos que aleguem produzir resultados concretos. Em vez disso, os comandantes precisam entendê-los por meio de um contexto teórico geral auxiliado pela ciência26. Sua análise ainda é válida atualmente, podendo ser reconhecida como a combinação e equilíbrio entre a compreensão e a apreciação da arte e da ciência nos níveis operacional e estratégico da guerra.

Contar com os conhecimentos básicos necessários para se sentir firme e confiante no nível tático permite que o indivíduo avance para o estudo de temas operacionais e estratégicos mais complicados. Contudo, as técnicas práticas dos seis passos para pensar além do nível tático — explorar a esfera de treinamento centrada no autoaperfeiçoamento, entender os termos e definições doutrinários, reconhecer o espectro dos conflitos e a gama de operações militares, saber a diferença entre ciência e arte, familiarizar-se com abordagens e modelos sistêmicos e adotar um processo de compreensão que funcione para o indivíduo — ajudarão os comandantes a efetuar a transição para o pensamento operacional. Por sua vez, isso fará com que seja mais fácil avançar rumo a um entendimento de conceitos estratégicos. Isso adquire uma importância ainda maior neste momento em que o Exército dos EUA se prepara para operar no atual ambiente de competição entre grandes potências e possíveis operações de combate em larga escala, dentro do conceito de operações em múltiplos domínios.


Referências

  1. Army Regulation 350-1, Army Training and Leader Development (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], 2017), 3-4.
  2. Mark A. Milley, “The U.S. Army Chief of Staff’s Professional Reading List”, U.S. Army Center of Military History, acesso em 7 fev. 2019, https://history.army.mil/html/books/105/105-1-1/index.html.
  3. Michael Howard, “The Use and Abuse of Military History”, Parameters 11, no. 1 (March 1981): p. 9-14.
  4. Uma excelente visão geral desse tema consta de Amy Novotney, “Engaging the Millennial Learner”, American Psychological Association, acesso em 11 fev. 2019, https://www.apa.org/monitor/2010/03/undergraduates.
  5. “About”, TED, acesso em 11 fev. 2019, https://www.ted.com/about/our-organization.
  6. Journey’s End, dirigido por Sail Dibb (Santa Monica, CA: Lionsgate, 2017).
  7. The Princess Bride, dirigido por Rob Reiner, apresentando Mandy Patinkin (Los Angeles: Twentieth Century Fox, 1987), Amazon on Demand. [Trecho traduzido extraído de A princesa prometida, William Goldman, trad. Alice Mello, Editora Intrínseca, 2018. — N. do T.]
  8. Office of the Joint Chiefs of Staff, DOD Dictionary of Military and Associated Terms (Washington, DC: U.S. GPO, 2019), https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/pubs/dictionary.pdf.
  9. Army Doctrine Publication (ADP) 1-02, Terms and Military Symbols (Washington, DC: U.S. GPO, 2018), https://armypubs.army.mil/ProductMaps/PubForm/Details.aspx?PUB_ID=1005278.
  10. Stephen J. Townsend, “Accelerating Multi-Domain Operations: Evolution of an Idea”, Military Review 98, no. 5 (September-October 2018): p. 4-7.
  11. Field Manual 3-0, Operations (Washington, DC: U.S. GPO, 2017), 1-1.
  12. The White House, National Security Strategy of the United States of America (Washington, DC: The White House, 2017), p. 28.
  13. Ibid.
  14. Antulio J. Echevarria II, An Alternative Paradigm for U.S. Military Strategy (Carlisle Barracks, PA: U.S. Army War College Press, 2016), p. xii.
  15. Ibid.
  16. Arthur Bryant, Triumph in the West 1943-1946: Based on the Diaries and Autobiographical Notes of Field Marshal The Viscount Alanbrooke (London: Collins, 1959), p. 445. [Trecho traduzido extraído de João Andrade, Máximas para o trabalho e sua vida pessoal (Editora Copacabana, 2014). — N. do T.]
  17. Bruce Condell e David T. Zabecki, trad. e ed., On the German Art of War: Truppenführung (London: Lynne Rienner, 2001), p. 17.
  18. ADP 1-02, Terms and Military Symbols, p. 1-84.
  19. Ibid., p. 1-71.
  20. Dwight D. Eisenhower, “Excerpts from Remarks at the Republican National Committee Breakfast, January 31, 1958”, in Public Papers of the Presidents of the United States Dwight D. Eisenhower, January 1 to December 31, 1958 (Washington, DC: Office of the Federal Register, 1959), p. 135.
  21. ADP 3-0, Operations (Washington, DC: U.S. GPO, 2017), p. 2.
  22. Howard, “The Use and Abuse of Military History”, p. 9-14.
  23. William Slim, “Higher Command in War”, Military Review 70, no. 5 (May 1990): p. 19.
  24. Ibid.
  25. Georgii Samoilovich Isserson, The Evolution of Operational Art, trad. Bruce W. Menning (Fort Leavenworth, KS: Combat Studies Institute Press, 2013), p. 11.
  26. Ibid.

O Maj Patrick Naughton, da Reserva do Exército dos EUA, é oficial do quadro de serviço médico e historiador militar. Atua como oficial de ligação legislativo junto ao Senado em Washington, D.C., e foi bolsista do programa interagências. Concluiu o mestrado em Artes e Ciências Militares pelo U.S. Army Command and General Staff College, onde recebeu o título de Art of War Scholar (“Estudioso de Arte da Guerra”), e o bacharelado em História pela University of Nevada, Las Vegas.

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