Military Review

 

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Mantenha o Foco no Objetivo Final

A Importância das Operações de Estabilização

Cel (Res) George F. Oliver, Exército dos EUA

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O Secretário de Defesa dos EUA, Robert McNamara, aponta para um mapa do Vietnã durante uma coletiva de imprensa em Washington, D.C., 26 Abr 1965. O planejamento estratégico e operacional para a condução da Guerra do Vietnã não descreveu, suficientemente, um estado final exequível, que levasse em consideração a história ou as condições sociais e geoeconômicas predominantes na nação dividida. (Foto da Biblioteca do Congresso dos EUA)

“Você sabe que nunca nos derrotou no campo de batalha”, disse o coronel norte-americano.

O coronel norte-vietnamita ponderou essa observação por um momento. “Pode ser”, retrucou, “mas isso também é irrelevante”.

—Conversa em Hanói, abril de 1975


Essa epígrafe foi explicada de forma mais breve e direta por muitos em relação à Guerra do Vietnã: os Estados Unidos da América (EUA) venceram todas as batalhas, mas perderam a guerra. Muitos líderes militares hoje comparam as experiências dos EUA no Vietnã com os conflitos mais recentes no Iraque e no Afeganistão, ponderando como os estrategistas e planejadores operacionais militares podem garantir que a árdua guerra, que custou vidas e dinheiro, não seja perdida.

É preciso tempo antes que se possa realizar uma análise aprofundada das guerras no Iraque e no Afeganistão. Por exemplo, o livro de Harry Summers, On Strategy (“Sobre a Estratégia”, em tradução livre, fonte da epígrafe), foi escrito em 1982, quase uma década depois que os EUA perderam a guerra no Vietnã. Com o tempo, os estudiosos farão o mesmo em relação ao Afeganistão e ao Iraque. No entanto, como na perspectiva citada, muitos acreditam que os EUA venceram todas as batalhas no Afeganistão e no Iraque, mas perderam ambas as guerras. Isso levanta a questão de saber se os EUA mantiveram o foco no objetivo: o estado final desejado. No caso da Operação Iraqi Freedom, pelo menos, a resposta pode ser “sim”. Conforme essa terrível guerra se desenrola, é possível que a coalizão que derrubou Saddam Hussein tenha obtido o êxito. Afinal, embora ainda seja instável, imaturo e propenso à corrupção generalizada, pode-se dizer que o Iraque tem uma democracia em funcionamento. O tempo dirá se ela vai se estabilizar e arraigar permanentemente. O resultado final no Afeganistão é bem mais duvidoso quanto à possibilidade de que o objetivo de tempo de guerra de estabelecer um governo democrático se concretize.

Ambos os conflitos dão o que pensar aos observadores. As guerras bem-sucedidas geralmente terminam em decorrência de algum tipo de operação de estabilização. É a qualidade de tal operação que realmente determina o sucesso ou fracasso final de uma guerra. Assim, entender o caráter e o escopo de que tipo de operação de estabilização pode ser executada é fundamental para alcançar a vitória final em qualquer guerra. Mais do que no combate de encontro, as operações de estabilização são assoladas por problemas complexos, que vão muito além do simples emprego de força. Tendo, de modo geral, esquecido ou ignorado as lições das operações de estabilização da Segunda Guerra Mundial e de outras guerras anteriores, as Forças Armadas dos EUA tiveram de reaprender muita coisa com base em suas experiências no Afeganistão e no Iraque. A Publicação Conjunta 3-07, Estabilidade (JP 3-07, Stability), de 2016, resultante, em grande parte, de nossa experiência recente com a guerra, é muito boa, e a recém-lançada Publicação Doutrinária do Exército 3-07 (ADP 3-07), também intitulada Estabilidade (Stability), é ainda melhor1. No entanto, há uma lição que precisa de uma ênfase bem maior: fazer com que a vitória após a guerra se conclua com a tomada de medidas firmes e decisivas para conquistar a paz por meio de operações de estabilização.

Uma guerra prolongada, que foge a um esforço de identificar e definir objetivos, frequentemente indica que os líderes políticos não realizaram uma análise completa de fins, métodos e meios antes de iniciar o conflito.

Infelizmente, conforme a prática tem demonstrado, desenvolver uma compreensão de como se pode alcançar um estado final aceitável no início de uma guerra é muito mais difícil do que parece. Os líderes políticos muitas vezes não querem fazer essa previsão porque as guerras e as operações de estabilização são situações mutáveis, assim como o ambiente em que elas têm de ser executadas. Contudo, uma guerra prolongada, que foge a um esforço de identificar e definir objetivos, frequentemente indica que os líderes políticos não realizaram uma análise completa de fins, métodos e meios antes de iniciar o conflito. Por conseguinte, independentemente do tipo de guerra, é imperioso que os estrategistas militares e civis e os planejadores no nível operacional mantenham o foco no estado final desejado — ou seja, como os líderes do escalão mais elevado acham que o ambiente operacional pós-conflito deve ser quando a guerra terminar, mesmo que seja algo um pouco abstrato inicialmente.

A Arte Operacional e o Estado Final

A arte operacional está no cerne do planejamento para a guerra e as operações de combate subsequentes. A doutrina militar inclui muitas ideias de teóricos militares que podem ajudar os planejadores a conceber operações de grande porte e campanhas para alcançar a vitória na guerra. Tal doutrina é ensinada em programas de ensino profissional militar para permitir que futuros planejadores criem abordagens eficazes em relação a futuras operações militares. O estudo da história é um bom apoio para a doutrina. Os líderes e estrategistas militares em todos os escalões devem refletir sobre a história dos conflitos armados e das operações de estabilização, para ajudar a evitar os erros do passado e aprender com as boas práticas. Cabe enfatizar que aprender com atividades pós-guerra de conflitos anteriores é tão importante quanto aprender com operações de combate históricas.

Além disso, todo artigo sobre arte operacional deve prestar tributo aos seus pioneiros, Sun Tzu e Carl von Clausewitz. Os breves ditos de Sun Tzu sobre a arte da guerra abordam, claramente, o que os comandantes devem considerar após um conflito armado. Em seu capítulo sobre a ofensiva, Sun Tzu afirma: “Em uma guerra, o melhor é sempre tomar o reino inimigo sem destruí-lo; aniquilá-lo não lhe servirá de nada”2. Em outro capítulo, ele escreve: “Dito isso, o que se valoriza em uma guerra é a vitória, não o prolongamento das operações. O general que compreender como utilizar suas tropas se tornará dono do destino do povo e o árbitro que definirá o destino da nação”3. Nessas duas breves observações sobre a guerra, ele está claramente focado no que acontece após o combate. O povo da nação derrotada é a chave para o sucesso na guerra, e qualquer comandante que evite a destruição total da sociedade e proteja a população aumentará, significativamente, a probabilidade de alcançar a vitória final.

Clausewitz tem várias máximas relacionadas a como proceder na guerra. Uma máxima sua que é frequentemente citada — “a guerra não é meramente um ato de política, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas realizada com outros meios” — deveria impelir os líderes políticos a pensar nas ramificações de longo prazo de suas políticas4. Em outro capítulo, Clausewitz se concentra no estado final, ao declarar: “Ninguém dá início a uma guerra — ou melhor, ninguém em sã consciência deveria fazê-lo — sem ter primeiro claro em sua mente o que pretende obter através dela”5. Para aumentar a probabilidade do êxito final, os líderes devem ser claros quanto às linhas gerais do que pretendem alcançar antes de iniciarem operações militares. Deve haver alguma visão de um estado final, embora, obviamente, as aspirações dentro dela possam ter de ser modificadas, conforme as circunstâncias relacionadas a uma guerra evoluam.

B. H. Liddell Hart, historiador e teórico militar britânico, é um tanto crítico quanto à abordagem de Clausewitz sobre estratégia e política. Liddell Hart coloca as políticas em um patamar mais elevado, no nível dos governos. Em seu livro Strategy [“Estratégia”, publicado pela BIBLIEx no Brasil — N. do T.], Liddell Hart critica o termo “objetivo” utilizado por Clausewitz, afirmando: “O termo objetivo, embora de uso comum, não é, na realidade, um bom termo. Tem um sentido físico e geográfico e, portanto, tende a confundir o pensamento. Seria melhor falar do ‘objeto’ ao lidar com o propósito de uma política”6. Ele se aprofunda, em outro capítulo:

O objeto, na guerra, é um melhor estado de paz, mesmo que apenas de seu próprio ponto de vista. Por isso, é essencial conduzir a guerra considerando, constantemente, a paz que se deseja. Essa é a verdade subjacente à definição de guerra de Clausewitz como uma ‘continuação da política por outros meios’— o prolongamento dessa política por meio da guerra para a paz subsequente deve ser sempre levada em consideração. Caso se concentre exclusivamente na vitória, sem pensar no efeito posterior, poderá estar esgotado demais para tirar proveito da paz, enquanto é quase certo que ela será uma paz ruim, que contém as sementes de uma outra guerra. Essa é uma lição corroborada por muitas experiências7.


A teoria da guerra evoluiu ao longo dos séculos. Nem Sun Tzu nem Clausewitz abordaram, diretamente, um estado final desejado promulgado por líderes políticos antes do início de uma guerra. Liddell Hart foi mais preciso quanto ao papel dos líderes políticos ao tratar da política, ou do “objeto” da guerra. Entretanto, Clausewitz foi inflexível quanto a manter o foco no objetivo. Isso significa que o objeto, conforme propõe Liddell Hart, é uma paz melhor? É mais provável que ele esteja falando de um estado final claramente definido.

Por mais de 30 anos, Milan Vego, da Escola de Guerra Naval dos EUA (U.S. Naval War College), estudou, traduziu e escreveu extensivamente sobre a arte operacional. Seu livro Joint Operational Warfare: Theory and Practice (“Combate Operacional Conjunto: Teoria e Prática”, em tradução livre) é, provavelmente, o mais abrangente sobre o assunto. O capítulo introdutório, “On Operational Art” (“Sobre a Arte Operacional”, em tradução livre), aborda a necessidade de que os dirigentes políticos considerem um estado final desejado para qualquer operação ou campanha militar8. No capítulo intitulado “Policy-Strategy-Operational Art Nexus” (“Nexo Política-Estratégia-Arte Operacional”, em tradução livre), Vego afirma: “O estado final desejado engloba as considerações políticas, diplomáticas, militares, econômicas, sociais, étnicas, humanitárias e de outra natureza — ou, em palavras simples, ‘o panorama’ — que a mais alta liderança política quer que existam ou sejam criadas após o fim das hostilidades”. Afirma, ainda: “Definir o estado final desejado requer muito debate entre líderes políticos e militares. Quando bem definido e compreendido, o estado final estratégico desejado é um pré-requisito fundamental para determinar o método, duração e intensidade do emprego dos recursos disponíveis do poder militar e não militar, para atingir um determinado objetivo militar ou estratégico do teatro de operações”9.

Vego enfatiza a necessidade de que os dirigentes políticos e os líderes do planejamento estratégico militar definam o estado final desejado. Isso confere foco e direção aos planejadores operacionais. A figura 1 ilustra esse relacionamento. Na arte operacional, os objetivos são alinhados. Os objetivos táticos apoiam o cumprimento dos objetivos operacionais, que, por sua vez, apoiam a consecução dos objetivos estratégicos. A realização dos objetivos estratégicos deve levar (em teoria) ao estado final desejado. As linhas convergentes em direção ao estado final desejado mostram a abordagem de governo como um todo (whole-of-government) necessária para o êxito nas operações de estabilização. Ao longo de sua obra Da Guerra, Clausewitz se concentra no objetivo, que pode ser tático ou operacional. Como todos os objetivos apoiam a realização de um objetivo em um nível mais elevado, eles levam a um estado final. De modo ideal, o estado final idealizado deve estar claro para todos os comandantes ao longo da cadeia de comando.

Figura 1. Relação entre Objetivos e Estado Final Desejado. (Figura do U.S. Naval War College. Este diagrama é frequentemente utilizado por instrutores do Departamento de Operações Militares Conjuntas do U.S. Naval War College para mostrar a relação entre os objetivos táticos, operacionais e estratégicos e o estado final desejado.)

No entanto, obter uma visão clara de um estado final desejado, conforme escreve Vego, é muito difícil. Os estados finais evoluem e mudam ao longo da guerra e, muitas vezes, os líderes políticos adiam a descrição de que cenário querem obter no mundo, região ou país após o combate cessar. Não obstante, Vego afirma que, na guerra, definir o estado final é difícil, mas necessário. É por isso que o estado final desejado é ilustrado, na figura 1, como uma curva aberta: uma ideia geral do que ele deve ser. Vego descreve vários exemplos históricos. Os aliados tinham apenas uma ideia vaga do cenário que queriam para a Europa quando deram início à Operação Overlord. Esse também foi o caso nas Operações Desert Storm, Allied Force e Enduring Freedom10. No entanto, a título de esclarecer a afirmação de Vego, os líderes políticos em todas essas guerras formularam estados finais mais claramente definidos à medida que elas se desenrolaram.

Para ser justo, conforme Vego descreve, é difícil prever o resultado na guerra. É por isso que Helmuth von Moltke, o Velho, afirmou: “Nenhum plano de operações se estende com qualquer tipo de certeza além do primeiro contato com a principal força hostil”11. Também pode ser a razão pela qual o General Dwight Eisenhower repetiu, em várias ocasiões, esta citação de um soldado anônimo: “Os planos são inúteis, mas o planejamento é indispensável”12. As duas citações são frequentemente utilizadas por estudiosos e líderes militares. Ambas se aplicam à guerra, mas também são adequadas para as operações de estabilização. A névoa e a fricção de Clausewitz na guerra resultam em mudanças inesperadas. Tanto Moltke quanto Eisenhower estavam dizendo, em essência, o mesmo. Ou seja, um planejamento minucioso permite que o comandante altere seus planos para enfrentar mudanças imprevistas. Também possibilita que ele se mantenha concentrado no verdadeiro objetivo e não se distraia com outros mais interessantes, que possam não estar alinhados com as linhas de esforço iniciais.

Os dirigentes políticos e comandantes militares mais antigos também podem extrapolar, facilmente, essa noção para as operações de estabilização: nenhum plano sobrevive aos diálogos iniciais com a nação anfitriã. Na execução de operações de estabilização, a nação anfitriã precisa ser envolvida nos debates sobre um estado final. Isso evoca a ideia de Sun Tzu de que os comandantes se tornam donos do destino do povo.

Os dirigentes políticos também devem refletir profundamente sobre suas políticas e estratégias antes que as guerras tenham início. Essa foi a tese do livro do General Tony Zinni, Before the First Shots are Fired (“Antes que os Primeiros Tiros sejam Disparados”, em tradução livre): “Poucos norte-americanos compreendem quantas peças essenciais precisam se encaixar antes que ‘Johnny’ saia para a guerra ou até que ponto essas peças levam ao sucesso ou fracasso depois de ele ser enviado ‘para lá’”13.

O planejamento antecipado para o estado final desejado mantém as forças militares e as agências civis (quando chegar a hora certa) concentradas em sua tarefa ou, como afirma Liddell Hart, no objeto (estado final). Além disso, devido à natureza mutável das operações militares, é ainda mais provável que o estado final também o seja. Assim, conforme a guerra se desenrolar, será necessário que o mesmo aconteça com o estado final desejado. Esse foi, seguramente, o caso durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã.

Outro fator que envolve a previsão de um estado final para os comandantes militares é a interação com outros aliados. Ao longo da história, os EUA raramente combateram sozinhos em uma guerra. Cada nação aliada terá uma perspectiva diferente sobre como ela quer que seja o ambiente futuro. Isso exige que os aliados colaborem e criem uma visão comum. Foi o que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. Conferências Aliadas em Québec, Casablanca e Yalta produziram uma visão quase comum sobre o rumo da guerra, ainda que não se tratasse de um estado final desejado — isso veio bem mais tarde.

Se os planejadores militares estiverem elaborando potenciais planos de guerra para seus dirigentes políticos, devem perguntar, então, que cenário estes últimos querem para o Estado, região, etc. quando o combate cessar. Em outras palavras, qual será o cenário da vitória? Se os líderes políticos não delinearem, de um modo quantificável, o que eles idealizam como cenário futuro, então os líderes e planejadores militares devem propor as características de um estado final desejado. Ignorar esse elemento essencial do planejamento, de descrever um estado final desejado antes do início da guerra, pode levar a que se vençam todas as batalhas, mas se perca a guerra. O velho ditado vem à mente: “Se não souber para onde vai, qualquer estrada o levará até lá”. De fato, o General Zinni usou esse mesmo ditado em seu livro. Ele enfatiza que os dirigentes políticos devem refletir sobre os fins, métodos e meios para alcançarem um objetivo político14. Caso contrário, isso não só levará a um desperdício de recursos, em pessoal e dinheiro, como também ao próprio fracasso.

As guerras são situações mutáveis, e o inimigo é um fator de influência. No caso das operações de estabilização, a população local é um fator de influência. As operações de estabilização são problemas mal estruturados e sistemas adaptativos complexos, em que as interações humanas fazem com que a situação mude. Deixar de considerar esse ponto pode levar a uma insurgência ou a uma guerra prolongada. Assim, à medida que as operações em um determinado país se desenrolem, os líderes estratégicos devem rever seu estado final desejado e alterá-lo conforme o necessário. Esse foi, seguramente, o caso da visão para a Europa entre 1942 e 1946. O mesmo ocorreu no Iraque entre 2003 e 2011.

A Doutrina Militar sobre Estabilização

A atual doutrina militar dos EUA se apoia nos conceitos dos teóricos citados anteriormente, incorporando-se a noção de entender o estado final nas doutrinas de combate e de estabilização. As publicações conjuntas e do Exército adotaram, ao longo das últimas três décadas, os conceitos da arte operacional. No entanto, mais recentemente, a inclusão de um estado final desejado antes de acontecerem os primeiros disparos tem recebido nova atenção.

Os atentados do 11 de Setembro de 2001 levaram as Forças Armadas dos EUA a intervir primeiro no Afeganistão e, em seguida, no Iraque. Segundo a opinião geral, o planejamento para a fase pós-conflito da Operação Iraqi Freedom foi falho15. O planejamento inadequado e as premissas falhas estimularam, consequentemente, vários estudos dentro do governo dos EUA. O primeiro relatório foi o Defense Science Board 2004 Summer Study on Transition to and from Hostilities (“Estudo sobre a Transição de Entrada e Saída de Hostilidades, Verão de 2004, Conselho de Ciência de Defesa”)16. Esse estudo resultou em uma diretriz do Departamento de Defesa, que afirmou: “As operações de estabilização constituem uma missão militar central dos EUA, que o Departamento de Defesa deve estar preparado para executar e apoiar”17.

Com as atividades no Iraque diariamente nas manchetes e essa nova diretriz do Departamento de Defesa, multiplicaram-se os artigos, livros e estudos sobre as operações de estabilização. Essas ideias rapidamente ganharam força e se transformaram em uma série de ideias viáveis, que logo se tornaram parte da doutrina militar. A Publicação Conjunta 3-07, Operações de Estabilização (JP 3-07, Stability Operations), foi publicada pela primeira vez em 2011, com uma versão revisada intitulada Stability (Estabilidade) publicada em 2016. Junto com os esforços internacionais de construção da paz (um sinônimo de operações de estabilização), surgiram excelentes conceitos para ajudar Estados frágeis e falidos a evitar a guerra ou ajudar nações a se recuperarem dela. A abordagem em relação à estabilização, conforme descrita na mais recente doutrina do Exército dos EUA, inclui “um ambiente seguro, Estado de Direito estabelecido, bem-estar social, um governo estável e uma economia sustentável”18. Essas cinco linhas de esforço ganharam reconhecimento internacional como formas de ajudar Estados frágeis ou falidos.

Para visualizar o documento aprovado pelo Departamento de Defesa, Departamento de Estado e Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, A Framework for Maximizing the Effectiveness of the U.S. Government Efforts to Stabilize Conflict Affected Areas, visite https://media.defense.gov/2018/Jun/13/2001931133/-1/-1/1/stabilization-assistance-review.pdf.

Ao se concentrar em um estado final, a versão atual da JP 3-07 afirma: “Durante ações de estabilização, os comandantes alcançam a unidade de esforços nos setores de estabilização focando todas as atividades em direção a um entendimento comum do estado final desejado. O estado final se concentra nas condições necessárias para apoiar uma paz duradoura e segura: uma economia viável e um governo legítimo da nação anfitriã, capaz de manter sua legitimidade por meio do atendimento às expectativas de seus cidadãos e proteção de sua população e território”19.

A ADP 3-07 aborda o estado final desejado com certa clareza: “Em operações em que predominam as tarefas ofensivas e defensivas, o estado final é, geralmente, quantificável e bem definido em termos das forças inimigas e tempo. A estabilização é um esforço de longo prazo e só pode ser alcançada por meio da integração das ações coletivas de todos os instrumentos do poder nacional, e não por um único instrumento, empregado de maneira isolada”20.

À medida que as novas ideias se desenvolveram em relação às operações de estabilização, a doutrina militar e os conceitos em outras agências e departamentos do governo dos EUA demonstraram um entendimento claro de que elas poderiam ser realizadas ao longo do amplo espectro dos conflitos — na paz, na guerra e no pós-guerra21. Para integrar, plenamente, todos os instrumentos do poder nacional e incorporar todas as agências e departamentos relevantes dos EUA no planejamento e atividades das operações de estabilização, em 2017 e 2018, o Departamento de Estado, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e o Departamento de Defesa concluíram uma análise de assistência de estabilização (stabilization assistance review — SAR). A SAR incluiu uma avaliação de artigos e relatórios, examinando oito enfrentamentos atuais e passados dos EUA em países afetados por conflitos, além de entrevistas com especialistas. A análise também incluiu o envio de questionários aos seis comandos geográficos conjuntos do Departamento de Defesa. O resultado foi um novo documento aprovado pelo Departamento de Defesa, Departamento de Estado e USAID denominado A Framework for Maximizing the Effectiveness of the U.S. Government Efforts to Stabilize Conflict Affected Areas (“Um Modelo para Maximizar a Eficácia dos Esforços do Governo dos EUA para Estabilizar as Áreas Afetadas por Conflitos”, em tradução livre)22.

O relatório reconhece: “Os EUA têm fortes interesses de segurança nacional e econômicos em reduzir o grau de violência e promover a estabilidade em áreas afetadas por conflito armado”23. Contudo, ele afirma, também, que os EUA não têm o “desejo de repetir esforços de reconstrução em larga escala”. O relatório fornece, ainda, uma nova definição de estabilização: “Um esforço político para criar condições para que autoridades e sistemas legítimos localmente possam gerir pacificamente um conflito e prevenir um ressurgimento da violência”24. Cabe observar que essa assertiva retoma a noção de Clausewitz de que a guerra é uma continuação da política.

Walt Whitman Rostow (à direita) mostra (da esquerda para a direita) ao Secretário de Imprensa George Christian, Presidente Lyndon B. Johnson e General Robert Ginsberg um modelo da área de Khe Sanh no Vietnã, na Sala de Situação da Casa Branca, Washington, D.C., 15 Fev 1968. (Foto do Arquivo Nacional dos EUA)

O Departamento de Estado, especificamente o Bureau of Conflict and Stabilization Operations (Escritório de Operações de Conflito e Estabilização), é responsável por liderar o planejamento do apoio norte-americano a países afetados por conflitos. A USAID é a parceira de implementação, e o Departamento de Defesa desempenha uma função de apoio. Vários princípios fundamentais delineados nesse relatório representam, em essência, lições do passado, mas se concentram mais nos ensinamentos dos últimos 18 anos de condução de operações de estabilização.

A National Security Strategy (“Estratégia Nacional de Segurança”) e a National Defense Strategy (“Estratégia Nacional de Defesa”), publicadas em 2017 e 2018, respectivamente, mudaram o foco das Forças Armadas dos EUA para os rivais com poder de combate quase equiparado25. Na expectativa desse novo foco, o Exército publicou sua versão mais recente do Manual de Campanha 3-0, Operações (FM 3-0, Operations)26. Nesse novo manual de operações, o Exército dos EUA se distanciou da doutrina anterior, em que conduzia operações ofensivas, defensivas e de estabilização. Esse novo manual se concentrou na ofensiva, defensiva e consolidação de ganhos. A abordagem sobre a consolidação de ganhos confundiu muitos, e houve certa preocupação de que as ideias sobre estabilização desapareceriam.

Para esclarecer o que o Exército dos EUA quis dizer com consolidação de ganhos, o ex-Comandante do Centro de Armas Combinadas do Exército dos EUA, Gen Div Michael Lundy, e três coautores publicaram um artigo na Military Review intitulado “Three Perspectives on Consolidating Gains” (“Três Perspectivas sobre a Consolidação de Ganhos”). O artigo traça a história militar do Exército dos EUA nas operações de estabilização. Os autores direcionam sua discussão sobre a consolidação de ganhos para os pontos de vista tático, operacional e estratégico. Na seção “The Operational Artist’s View” (“O Ponto de Vista do Especialista em Arte Operacional”), eles afirmam: “Planejar a consolidação de ganhos é essencial para o êxito no conflito armado. Qualquer campanha em que não se considere a necessidade de consolidar ganhos é uma expedição punitiva ou que, provavelmente, resultará em uma guerra prolongada. O planejamento deve, portanto, levar em conta o estado final desejado das operações militares e ser efetuado em ordem inversa a partir disso”27.

Foi bom ver os autores desse artigo se referirem à arte operacional e ao estado final desejado. Manter o foco militar no estado final é fundamental para o êxito em qualquer operação, especialmente nas operações de estabilização. O planejamento de modo inverso a partir do estado final é a chave para qualquer boa campanha ou operação militar de grande porte.

Recentemente, em julho de 2019, o Exército dos EUA lançou a ADP 3-07, junto com a ADP 3-0, Operações (ADP 3-0, Operations)28. Esses dois documentos oferecem uma abordagem mais detalhada sobre a consolidação de ganhos e sua relação com as operações de estabilização. Os novos documentos reiteram que as forças terrestres dos EUA se concentram em operações ofensivas, defensivas e de estabilização.

A ADP 3-07 é um documento sólido, que incorpora muitas das ideias aprendidas sobre operações de estabilização nos últimos 15 anos. Tanto a ADP 3-0 quanto a ADP 3-07 ajudam a concentrar o Exército em prováveis missões. As tarefas de estabilização relacionadas na figura 2 refletem os tipos de missão que o Exército talvez tenha de executar. Uma relevante lição destacada na doutrina é a de incorporar não só outras agências e departamentos do governo dos EUA, mas também atividades de entidades como a Organização das Nações Unidas, Banco Mundial, órgãos regionais e organizações não governamentais.

Figura 2. Tarefas de Estabilização do Exército dos EUA. (Figura extraída de Army Doctrine Publication 3-07, Stability, Jul. 2019)

Além disso, a recente SAR mostra, claramente, que a estabilização é um esforço do governo como um todo. Em abril de 2019, o congressista Eliot Engel apresentou um projeto de lei chamado de Lei da Fragilidade Global. Esse projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Representantes dos EUA e, quando da redação deste artigo, aguarda debate no Senado. De acordo com um resumo do projeto de lei, o “Departamento de Estado deverá selecionar países e regiões prioritários que estejam particularmente em risco e apresentar ao Congresso um plano decenal para cada um deles. Cada plano deverá incluir informações que compreendem descrições de metas, planos para alcançá-las e parâmetros para medir o progresso”29. Se convertido em lei, o projeto apoiaria, com verbas, as atividades descritas na SAR. O projeto de lei reconhece que as operações de estabilização são um esforço do governo como um todo e podem ocorrer ao longo de todo o espectro dos conflitos. No entanto, à semelhança da SAR, seu foco é prevenir confrontos violentos e apoiar Estados frágeis que estejam saindo de conflitos30

Exemplos Históricos

Os três exemplos a seguir — Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial, Vietnã e Iraque — demonstram como um estado final claramente definido contribuiu para os esforços de guerra dos EUA.

Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Enquanto os planejadores de Eisenhower desenvolviam planos para a invasão da Europa pela Normandia, uma seção de planejamento separada liderada pelo Gen Div Frederick Morgan, da Grã-Bretanha, começou a trabalhar nos planos pós-guerra31. Esses planos foram guiados por debates políticos entre os chefes de Estado das potências aliadas. Winston Churchill e Franklin Roosevelt se reuniram várias vezes durante a guerra para definir diretrizes para seus comandantes militares. Embora Josef Stalin não tenha participado dos primeiros encontros, Churchill e Roosevelt estavam em comunicação com ele. As ideias para a Europa pós-guerra surgiram dessas reuniões, que forneceram aos planejadores algumas informações para começar os preparativos, mas consistiam em uma visão incompleta de como ela seria depois da guerra. Toda vez que os chefes de Estado se reuniram, o plano para o pós-guerra mudou. Na segunda Conferência de Québec, o Secretário do Tesouro dos EUA, Hans Morgenthau, apresentou seu parecer. Como a Alemanha se recuperou após a Primeira Guerra Mundial, Morgenthau recomendou que a obrigassem a se tornar um estado agrário, com pouca ou nenhuma capacidade industrial32. Esse parecer foi aceito por Churchill, mas houve grandes divergências no gabinete de Roosevelt.

Um operário alemão remove destroços como parte dos esforços de reconstrução em Berlim Ocidental, em 1949. A placa diz “Emergency Program Berlin with the help of the Marshall Plan” (“Programa de Emergência de Berlim com a ajuda do Plano Marshall”). A ajuda do Plano Marshall para a Alemanha totalizou USD$ 1.390.600 e permitiu que o país se reerguesse das cinzas da derrota, conforme simbolizado por este trabalhador em Berlim Ocidental. Já um ano antes do final do Plano Marshall, em 1951, a Alemanha havia ultrapassado seu nível de produção industrial pré-guerra. (Foto do Arquivo Nacional dos EUA)

O principal opositor ao Plano Morgenthau foi o Secretário de Guerra dos EUA, Henry Stimson. Depois, uma versão suavizada do Plano Morgenthau levou o Estado-Maior Conjunto (Joint Chiefs of Staff — JCS) a emitir a Diretriz JCS 1067 para Eisenhower em abril de 194533. As ideias para a Alemanha pós-guerra foram alteradas por decisões no Conselho de Controle Aliado e na Conferência de Potsdam. Mais tarde, um ano após a capitulação da Alemanha, o Estado-Maior Conjunto emitiu uma nova diretriz, a JCS 1779. Essa nova diretriz combinou as zonas de ocupação da França, Grã-Bretanha e EUA e foi a base para a Alemanha Ocidental34.

A recuperação total da Europa só viria a ocorrer quando o Secretário de Estado George C. Marshall delineou suas ideias no âmbito do Plano Marshall, em um discurso de 1947. No entanto, até mesmo o Plano Marshall evoluiu no decorrer de sua implementação. Não obstante, o plano era um esforço do governo como um todo para reconstruir a Europa Ocidental. Alguns estudiosos consideram o Plano Marshall como a mais importante iniciativa de política externa dos EUA no século XX. Por exemplo, o ex-Secretário de Estado Henry Kissinger afirmou:

Toda geração requer uma visão antes que ela possa construir sua própria realidade. Contudo, nenhuma geração pode dormir sobre os louros da vitória de seus antecessores. Cada uma precisa fazer um novo esforço, adaptado às suas próprias condições. Na Europa, o Plano Marshall ajudou a consolidar nações cuja legitimidade política havia evoluído ao longo de séculos. Uma vez estabilizadas, essas nações poderiam passar a criar uma ordem mais inclusiva e cooperativa35.


Em essência, a Alemanha pós-guerra não seguiu a teoria sobre como proceder para ajudar uma nação a se recuperar da guerra por meio de operações de estabilização. Inicialmente, apenas a destruição da Wehrmacht (as forças armadas alemãs) estava prevista. As complexas ideias de um estado final para a Alemanha e para a Europa levaram muito mais tempo para serem desenvolvidas. Não obstante, foi necessário que os líderes políticos criassem uma visão para que o governo como um todo pudesse prosseguir para a vitória total.

Bill Graham (à direita) aborda um projeto para reabrir o canal da aldeia de Thạnh Phú, no Distrito de Châu Thành, Vietnã, em janeiro de 1970. A dragagem para o Acampamento Base de Đồng Tâm, da 9a Divisão dos EUA, havia enchido o canal, e o Exército se recusou a ajudar a escavá-lo. A ajuda fornecida por meio do programa CORDS, incluindo dinheiro em espécie e produtos alimentícios excedentes, foi usada para compensar os moradores da aldeia por removerem o sedimento. O canal tinha quase um quilômetro de extensão e foram necessários cerca de três meses para concluir a tarefa. (Foto da American Foreign Service Association/The Foreign Service Journal, http://afsa.org/sites/default/files/flipping_book/0415/files/assets/basic-html/page-1.html)
Foto sem data de um escritório do CORDS em Châu Đốc, Vietnã. (Foto da Coleção James Nelson Tull, The Vietnam Center and Sam Johnson Vietnam Archive, Texas Tech University, VA067961)

Vietnã. A diretriz política é mais essencial em guerras limitadas, e a Guerra do Vietnã representou um exemplo clássico desse tipo de guerra. Os EUA queriam deter a expansão comunista e, assim, demarcaram um limite entre o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul. O Presidente Lyndon Johnson queria, no final das contas, derrotar o inimigo e forçá-lo a retornar para o Vietnã do Norte.

Tanto o Presidente Johnson quanto o Presidente Richard Nixon enxergavam a pacificação e o fortalecimento das forças militares vietnamitas como uma forma de vencer a guerra. No entanto, nenhum desses objetivos estratégicos representava uma visão de um estado final. Johnson não descreveu, publicamente, um estado final para a guerra no Vietnã36. No entanto, em conversas com Robert Komer, que, em 1966, serviu brevemente como seu assessor de segurança nacional, Johnson “queria fazer do Vietnã um exemplo de desenvolvimento econômico, social e político na Ásia”37. Isso se aproximava mais de um estado final.

Johnson nomeou Komer como responsável pela pacificação na primeira metade de 1966. Isso significava que Komer enfrentaria a outra guerra no Vietnã: a luta contra os vietcongues para unir todo o país sob a liderança do governo sul-vietnamita. Após deixar o Conselho de Segurança Nacional, Komer foi para o Vietnã, a fim de administrar o programa de pacificação denominado Apoio às Operações Civis e Desenvolvimento Revolucionário (Civil Operations and Revolutionary Development Support — CORDS). O CORDS era uma abordagem do governo como um todo para restabelecer o controle e legitimidade nas aldeias rurais em todo o Vietnã. Johnson selecionou Komer por ele ser conhecido por sua capacidade de executar tarefas. Ele era conhecido, informalmente, como “Blowtorch Bob” (“Bob Maçarico”). Em 1970, segundo Richard Stewart, por causa do programa CORDS, de Komer, “93% da população sul-vietnamita vivia em cidades e aldeias ‘relativamente seguras’, um aumento de 20% em relação a meados de 1968”38.

Embora dados estatísticos possam ser enganosos, muitos estudos mostraram que o CORDS foi bem-sucedido e, verdadeiramente, um esforço do governo norte-americano como um todo. O programa também teve forte apoio do governo sul-vietnamita. No programa CORDS, os civis representavam 20% das 8 mil funções, enquanto o Departamento de Defesa fornecia o restante. No entanto, os civis detinham 50% das principais funções de liderança39.

Quando Nixon assumiu a Presidência, sua equipe de segurança nacional se reuniu em julho de 1969 para debater a guerra. Segundo Henry Kissinger, assessor de segurança nacional na época, o governo elaborou um novo enunciado de missão para o General Creighton Abrams Jr., Comandante do Comando de Assistência Militar–Vietnã: “O novo enunciado de missão (que entrou em vigor em 15 de agosto) concentrava-se na prestação de ‘máxima assistência’ aos sul-vietnamitas para fortalecer suas forças, apoiar esforços de pacificação e reduzir o fluxo de suprimentos para o inimigo”40. Mais uma vez, esse não era um estado final particularmente bom.

Em uma análise de vários livros — incluindo The White House Years (“Os Anos de Casa Branca”, em tradução livre), de Kissinger; On Strategy: A Critical Analysis of the Vietnam War (“Sobre Estratégia: Uma Análise Crítica da Guerra do Vietnã”, em tradução livre), de Harry Summers; e Presidential Decisions for War: Korea, Vietnam and Persian Gulf (“Decisões Presidenciais para a Guerra: Coreia, Vietnã e Golfo Pérsico”, em tradução livre), de Gary Hess —, não se constatou nenhuma informação sobre um estado final desejado para o Vietnã após a guerra. Nem mesmo uma análise dos memorandos de ações de segurança nacional de Johnson revelou um estado final claro. Não obstante, como Komer tinha um relacionamento pessoal com Presidente Johnson, ele entendeu sua visão de um estado final e se empenhou em executá-la.

O Vietnã tinha outros problemas que talvez tenham levado os EUA a perderem a guerra. No entanto, como principal líder responsável pelo programa de pacificação no Vietnã, Komer manteve seu foco no objetivo: um governo democrático, em que os habitantes das aldeias pudessem viver livremente, sem a ameaça dos vietcongues.

Iraque. A Operação Iraqi Freedom é outro exemplo histórico no qual talvez um estado final claramente definido tenha ajudado o esforço de guerra. Há inúmeros livros, artigos e blogs sobre o fracasso dos EUA na operação. No entanto, ao examinar estados finais, talvez os EUA tenham se saído melhor do que muitos pensam.

O Presidente George W. Bush se reúne com seus assessores de segurança nacional e comunicações após autorizar operações militares contra o Iraque, 19 Mar 2003. Estavam presentes (da esquerda para a direita) Steve Hadley, Vice-Assessor de Segurança Nacional; Karen Hughes, Assessora Especial do Presidente; Chefe do Estado-Maior Conjunto Richard B. Myers; Dan Bartlett, Diretor de Comunicações; Vice-Presidente Dick Cheney; Secretário de Defesa Donald Rumsfeld; Assessora de Segurança Nacional Condoleezza Rice; e Secretário de Estado Colin Powell. (Foto de Eric Draper, Arquivos Oficiais da Casa Branca)

Em outubro de 2002, cinco meses antes do início da guerra contra Saddam Hussein, o Presidente George W. Bush divulgou um documento elaborado por sua então assessora de segurança nacional Condoleezza Rice e intitulado “Principals Committee Review of Iraq Policy Paper” (“Documento de Análise do Comitê de Alto Nível sobre a Política no Iraque”). Nesse documento, os objetivos dos EUA foram descritos como um Iraque que atue da seguinte forma:

  • “não ameace seus vizinhos;
  • renuncie ao apoio e ao patrocínio do terrorismo internacional;
  • continue a ser um único estado unitário;
  • esteja livre de armas de destruição em massa, de seus meios de lançamento e dos programas relacionados;
  • não mais oprima ou tiranize seu povo;
  • respeite os direitos fundamentais de todos os iraquianos, incluindo mulheres e minorias;
  • respeite o Estado de Direito e os direitos humanos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão e de crença; e
  • incentive a construção de instituições democráticas”41.

À primeira vista, parece ser um estado final bem elaborado. É, claramente, uma visão de como o Presidente Bush queria que fosse o Iraque quando a guerra terminasse. Como muitos sabem o que aconteceu no Iraque, os leitores podem tirar suas próprias conclusões quanto a esse estado final ter sido ou não alcançado. Contudo, em minha opinião, quase todos esses objetivos foram atingidos.

Estados Finais de Tempo de Paz

As operações de estabilização, segundo a doutrina militar dos EUA, também acontecem em tempo de paz. As unidades militares que executam atividades de cooperação em segurança em nações que apoiem os interesses da política dos EUA ou estejam em competição com outros rivais com poder de combate quase equiparado podem ter programas militares, de assistência e de desenvolvimento organizados pelos embaixadores norte-americanos nesses países. Esses programas ou exercícios militares são concebidos para atingir os objetivos de longo prazo dos EUA.

Em tempo de paz, provavelmente haverá diretrizes estratégicas limitadas sobre um país específico. No entanto, o embaixador dos EUA em tal país normalmente tem uma visão do que ele quer realizar publicada na “Estratégia Integrada de País” da embaixada. De acordo com o site do Departamento de Estado, os embaixadores são incumbidos de conduzir uma avaliação dentro do país, examinar a Estratégia Nacional de Segurança, reunir-se com o chefe do escritório regional do Departamento de Estado e elaborar seu próprio plano estratégico42. Por exemplo, o plano do embaixador dos EUA para a Ucrânia oferece um bom estado final:

Uma Ucrânia forte, resiliente e engajada diplomaticamente, com forças armadas, agências de segurança e guardas de fronteira fortes, em parceria com os EUA para contribuir para a estabilidade regional, resistir à agressão multidimensional russa e responder eficazmente a ameaças nacionais e globais transnacionais, tais como a migração ilícita e as pandemias, protegendo, assim, os norte-americanos na Ucrânia e no território dos EUA e mantendo a ameaça russa mais distante das fronteiras da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)43.


Esse excelente estado final permite que os departamentos e agências dos EUA formulem planos para alcançar essa visão.

Faz sentido que os líderes que estejam executando programas de cooperação em segurança no teatro de operações de um país específico examinem sua “Estratégia Integrada” do embaixador. O mesmo se aplica a representantes da USAID ou de quaisquer outras agências governamentais dos EUA que atuem em um determinado país. Para serem eficazes em termos de custo e adequados à Estratégia Nacional de Segurança, os programas em um país específico devem estar em conformidade com o estado final do embaixador.

O General Douglas MacArthur (centro), acompanhado do Gen Div Robert L. Eichelberger (à direita, com as mãos entrelaçadas na frente do corpo), responde a perguntas de repórteres, logo após sua chegada ao Campo de Pouso de Atsugi, no Japão, 30 Ago 1945. (Foto do Arquivo Nacional dos EUA)

O General Douglas MacArthur (centro), acompanhado do Gen Div Robert L. Eichelberger (à direita, com as mãos entrelaçadas na frente do corpo), responde a perguntas de repórteres, logo após sua chegada ao Campo de Pouso de Atsugi, no Japão, 30 Ago 1945. (Foto do Arquivo Nacional dos EUA)

Operação Blacklist

Reconhecendo que o conflito entre os EUA e o Japão poderia ser reativado caso um programa eficaz de pacificação não fosse conduzido rapidamente após a capitulação oficial japonesa em 1945, o General Douglas MacArthur elaborou e supervisionou a Operação Blacklist, um plano detalhado e abrangente de desenvolvimento econômico e engenharia social, que incorporou o envolvimento direto do imperador e de outros respeitados líderes japoneses. As prioridades centrais do General MacArthur para o plano de ocupação e pacificação incluíam o estabelecimento de uma imprensa livre, um livre movimento trabalhista e a separação de Igreja e Estado. Para visualizar o relatório pessoal completo do General MacArthur, MacArthur in Japan, The Occupation: Military Phase, visite https://history.army.mil/books/wwii/MacArthur%20Reports/MacArthur%20V1%20Sup/.

Conclusão

Para que as Forças Armadas dos EUA sejam vitoriosas na guerra e não apenas vençam batalhas, os líderes desde o âmbito nacional até pelo menos o nível operacional da guerra devem seguir o conselho de Clausewitz: não começar ou se envolver em uma guerra, a menos que se saiba o que se quer alcançar até o final dela. Isso significa que os líderes do alto escalão, civis ou militares, devem fornecer algum tipo de visão sobre como deve ser o ambiente operacional quando o combate terminar. É extremamente provável que esse estado final mude durante a condução da guerra, mas é essencial que seja dada alguma orientação inicial com respeito aos objetivos a serem alcançados antes que os primeiros tiros sejam disparados.

Mesmo em guerras limitadas, um estado final desejado mantém os comandantes militares e as agências civis focadas e reduz o emprego de recursos para alcançar a vitória. Uma reflexão e debate sérios, tanto por parte dos dirigentes políticos quanto dos comandantes militares mais antigos, são necessários para a elaboração de um estado final claro. Se os dirigentes políticos não fornecerem tal raciocínio sobre um estado final, os comandantes militares devem solicitá-lo ou, caso não lhes seja fornecido, tomar a iniciativa de elaborá-lo e enviá-lo a seus superiores para aprovação. Esse estado final será muito importante, conforme o conflito passar do término do confronto armado para a fase mais árdua, de operação de estabilização.

Em tempo de paz, ter uma noção vaga de uma visão do que deve ser realizado é algo bom, mas, após o início das hostilidades, é preciso dar o segundo passo e descrever em mais detalhes as características desejadas de um estado final. Isso permitirá que todos os elementos do poder nacional compartilhem uma intenção comum e façam bom uso de recursos limitados. A cooperação em segurança é uma forma de operação de estabilização que pode contribuir para a consecução de um estado final desejado.

Durante qualquer esforço interagências, em guerra ou paz, os planejadores devem manter o foco no objetivo: o estado final desejado. Em resumo, as ideias doutrinárias sobre o papel das Forças Armadas nas operações de estabilização evoluíram para um conjunto viável e eficaz, assim como a política do governo dos EUA. Cabe agora às Forças Armadas assegurar que a importância de que o planejamento de operações de estabilização advenha de uma concordância sobre os detalhes de estados finais seja infundida em seus integrantes como um elemento essencial para alcançar a vitória definitiva na guerra.


Referências

  • Epígrafe. Harry Summers, On Strategy: A Critical Analysis of the Vietnam War (Novato, CA: Presidio Press, 1982), p. 11.
  1. Joint Publication (JP) 3-07, Stability (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], 2016); Army Doctrine Publication (ADP) 3-07, Stability (Washington, DC: U.S. GPO, 2019).
  2. Sun Tzu, The Art of War, trad. Samuel B. Griffith (Oxford, UK: Oxford University Press, 1963), p. 77. [Os trechos da obra A Arte da Guerra de Sun Tzu foram extraídos da tradução de Sally Tilelli, a partir da versão em inglês de Yuan Shibing (São Paulo: Editora Gente) — N. do T.]
  3. Ibid., p. 76.
  4. Carl von Clausewitz, On War, ed. e trad. Michael Howard e Peter Paret (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1976), p. 87. [Os trechos da obra Da Guerra foram extraídos da tradução para o português do CMG (RRm) Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle, a partir da versão em inglês de Michael Howard e Peter Paret. — N. do T.]
  5. Ibid., p. 579.
  6. B. H. Liddell Hart, Strategy, 2nd ed. (New York: Meridian, 1967), p. 338.
  7. Ibid., p. 353.
  8. Milan Vego, “On Operational Art”, in Joint Operational Warfare: Theory and Practice (Newport, RI: U.S. Naval War College, 2009), I-3 a I-14.
  9. Ibid., I-44 a I-45.
  10. Ibid., I-45.
  11. Helmuth von Moltke, Moltke on the Art of War: Selected Writings, ed. e trad. Daniel J. Hughes (New York: Ballantine Books, 1993), p. 92.
  12. “Dwight Eisenhower to Hamilton Fish Armstrong, 31 December 1950”, in The Papers of Dwight David Eisenhower, Volume XI: Columbia University, ed. Louis Galambos et al. (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1984), p. 1516.
  13. Tony Zinni e Tony Koltz, prefácio de Before the First Shots are Fired: How America Can Win or Lose off the Battlefield (New York: St. Martin’s Griffin, 2015).
  14. Ibid., p. 94.
  15. Há várias referências que demonstram que o planejamento das operações de estabilização no Iraque não funcionou bem. Elas incluem Michael Gordon e Bernard Trainor, Cobra II: The Inside Story of the Invasion and Occupation of Iraq (New York: Vintage Books, 2006); Tom Ricks, Fiasco: The American Military Adventure in Iraq, 2003 to 2005 (New York: Penguin Books, 2006); Special Inspector General for Iraq Reconstruction, Hard Lessons: The Iraq Reconstruction Experience (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2009).
  16. Department of Defense, Defense Science Board 2004 Study on Transition to and from Hostilities (Washington, DC: Office of the Under Secretary of Defense for Acquisition, Technology, and Logistics, 2004), acesso em 18 fev. 2020, https://apps.dtic.mil/dtic/tr/fulltext/u2/a430116.pdf.
  17. Department of Defense Directive 3000.05, Military Support for Stability, Security, Transition, and Reconstruction (SSTR) Operations (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 28 Nov. 2005), p. 2.
  18. ADP 3-07, Stability, 1-10.
  19. JP 3-07, Stability, II-1.
  20. ADP 3-07, Stability, 4-4.
  21. JP 3-0, Joint Operations (Washington, DC: U.S. GPO, 17 Jan. 2017), V-8 a V-15.
  22. A Framework for Maximizing the Effectiveness of the U.S. Government Efforts to Stabilize Conflict Affected Areas (Washington, DC: Department of State, U.S. Agency for International Development, and Department of Defense, 2018), acesso em 18 fev. 2020, https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/06/SAR-Final.pdf.
  23. Ibid., p. 1.
  24. Ibid., p. 4.
  25. The White House, National Security Strategy of the United States of America (Washington, DC: The White House, December 2017); Office of the Secretary of Defense, Summary of the 2018 National Defense Strategy of the United States of America (Washington, DC: Department of Defense, 2018), acesso em 18 fev. 2020, https://www.defense.gov/Portals/1/Documents/pubs/2018-National-Defense-Strategy-Summary.pdf.
  26. Field Manual 3-0, Operations (Washington, DC: U.S. GPO, Oct. 2017).
  27. Michael Lundy et al., “Three Perspectives on Consolidating Gains”, Military Review 99, no. 5 (Sept.-Oct. 2019): p. 16-29, acesso em 21 abr. 2020, https://www.armyupress.army.mil/Journals/Military-Review/English-Edition-Archives/September-October-2019/Lundy-Three-Perspectives/.
  28. ADP 3-0, Operations (Washington, DC: U.S. GPO, Jul. 2019).
  29. Congressional Research Service (CRS), “H.R.2116 – Global Fragility Act”, Congress.gov, acesso em 18 fev. 2020, https://www.congress.gov/bill/116th-congress/house-bill/2116.
  30. Ibid.; CRS, “S.727 – Global Fragility Act of 2019”, Congress.gov, acesso em 18 fev. 2020, https://www.congress.gov/bill/116th-congress/senate-bill/727.
  31. Kenneth McCreedy, “Planning the Peace: Operation Eclipse and the Occupation of Germany”, Journal of Military History 65, no. 3 (July 2001): p. 713-35.
  32. Earl F. Ziemke, The U.S. Army in the Occupation of Germany, 1944–1946 (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 1975), p. 103.
  33. Ibid., p. 104. A Diretriz 1067 do Estado-Maior Conjunto (Joint Chiefs of Staff—JCS) se intitulava “Directive to Commander in Chief of U.S. Forces of Occupation Regarding the Military Government of Germany in the Period Immediately Following the Cessation of Organized Resistance” (“Diretriz ao Comandante em Chefe das Forças de Ocupação Norte-Americanas Quanto ao Governo Militar da Alemanha no Período Imediatamente Após a Cessação da Resistência Organizada”, em tradução livre).
  34. JCS, “1947 Directive to the Commander in Chief U.S. Forces of Occupation (JCS 1779)”, in U.S. Department of State, Germany 1947–1949: The Story in Documents (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, March 1950), article II.
  35. Henry Kissinger, “Reflections on the Marshall Plan”, Harvard Gazette, 22 May 2015, acesso em 19 fev. 2020, https://news.harvard.edu/gazette/story/2015/05/reflections-on-the-marshall-plan/.
  36. “National Security Action Memorandums (NSAMs) [Johnson Administration, 1963-69]”, Federation of American Scientists, acesso em 19 fev. 2020, https://fas.org/irp/offdocs/nsam-lbj/index.html; Gary R. Hess, Presidential Decisions for War: Korea, Vietnam, and the Persian Gulf (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2001). Em uma análise dos memorandos de ações de segurança nacional do governo Johnson e do livro de Hess, não encontrei referências a um estado final desejado no Vietnã.
  37. Frank L. Jones, Blowtorch: Robert Komer, Vietnam, and American Cold War Strategy (Annapolis, MD: Naval Institute Press, 2013), p. 99.
  38. Richard W. Stewart, ed., American Military History, Volume II: The United States Army in a Global Era, 1917–2003, 2nd ed. (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 2010), p. 348.
  39. Thomas Scoville, Reorganizing for Pacification Support (Washington, DC: U.S. Army Center for Military History, 1982), acesso em 19 fev. 2020, https://history.army.mil/books/Pacification_Spt/index.htm.
  40. Henry Kissinger, The White House Years (Boston: Little, Brown, 1979), p. 276.
  41. Condoleezza Rice, “Principals’ Committee Review of Iraq Policy Paper” (Washington, DC: The White House, 29 Oct. 2002), acesso em 19 fev. 2020, http://library.rumsfeld.com/doclib/sp/4136/2002-10-29%20From%20Condoleezza%20Rice%20re%20Principals%27%20Committee%20Review%20of%20Iraq%20Policy%20Paper.pdf.
  42. “Integrated Country Strategies”, U.S. Department of State, acesso em 19 fev. 2020, https://www.state.gov/integrated-country-strategies/.
  43. “Integrated Country Strategy: Ukraine”, U.S. Department of State, acesso em 19 fev. 2020, https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/01/ICS_Ukraine_UNCLASS_508.pdf.

O Cel George F. Oliver, Ph.D., da reserva remunerada do Exército dos EUA, aposentou-se, recentemente, como professor do U.S. Naval War College. No Exército, serviu em várias unidades de infantaria leve, Ranger e Forças Especiais. Nos últimos anos de sua carreira, foi Assessor Militar do Embaixador dos EUA na Organização das Nações Unidas e Diretor do U.S. Army Peacekeeping and Stability Operations Institute. Como professor do U.S. Naval War College, foi responsável pelas lições sobre operações de estabilização e lecionou uma disciplina eletiva sobre o entendimento e resolução de conflitos. Concluiu dois mestrados e um doutorado pela George Mason University School of Conflict Analysis and Resolution. É, ainda, o autor de um curso on-line sobre construção de paz no Peace Operations Training Institute.

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Quarto Trimestre 2020