Military Review

 

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Criando um programa de treinamento militar com IA de acesso aberto a partir de experiências de prisioneiros de guerra

 

Cel (Res) John P. Albano, M.D., Exército dos EUA
CF (Res) Steven E. Linnville, Ph.D., Marinha dos EUA*
CT Jacob R. Westerberg, Ph.D., Marinha dos EUA
Travis V. Meyer

 

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Mark Schiefelbein, Associated Press

O ChatGPT é o carro-chefe da organização estadunidense de inteligência artificial OpenAI. É um programa de processamento de linguagem natural que emprega inteligência artificial geral para gerar respostas detalhadas e complexas de acordo com a solicitação do usuário.1 Quando questionado sobre o que seria a inteligência artificial geral (artificial general intelligence, AGI), o ChatGPT afirmou:

Simplificando, a Inteligência Artificial Geral, ou AGI, refere-se a máquinas ou sistemas extremamente autônomos capazes de entender, aprender e aplicar conhecimentos em uma grande variedade de tarefas, em um nível comparável à inteligência humana. Ao contrário da IA especializada, ou estreita, designada para tarefas específicas, a AGI visa a demonstrar habilidades cognitivas gerais semelhantes às dos seres humanos. Envolve máquinas capazes de adaptar, raciocinar, resolver problemas e aprender em diversas situações, assim como os seres humanos aplicam sua inteligência a várias atividades, sem se limitar a um domínio específico. A AGI representa um nível de inteligência artificial em que as máquinas podem lidar com tarefas complexas em diferentes domínios, demonstrando uma versatilidade de compreensão do mundo comparável com a humana.2

Relembrando o “HAL” 9000 (também conhecido como Heuristically Programmed Algorithmic Computer) no filme 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, de 1968, a AGI saltou da ficção científica para fato científico.3 O objetivo da OpenAI é fornecer à sociedade programas de computador interativos e de ponta, que sejam seguros e tragam benefícios a qualquer pessoa.4 Em um ambiente militar, uma aplicação útil dessa tecnologia seria no desenvolvimento de um currículo educacional oportuno. A aplicação dessa tecnologia para apoiar a educação já foi considerada em um contexto militar, no âmbito da educação médica de pós-graduação.5

Este estudo explora a utilização da AGI para fins de desenvolvimento de currículo voltado a preparar militares para sobreviver a uma experiência de cativeiro. Os dados utilizados neste estudo foram provenientes de livros publicados por ex-prisioneiros de guerra dos EUA, mantidos no Vietnã entre 1964 e 1973. Esses prisioneiros de guerra representavam todas as Forças Armadas dos EUA, em sua maioria, aviadores. Eles foram submetidos a atos prolongados de tortura, desnutrição e períodos de isolamento.

Muitos desses prisioneiros de guerra escreveram e publicaram obras narrando suas experiências no cativeiro e suas experiências de vida depois de libertados. Com o avanço da AGI, surgiu a oportunidade de abrir um novo canal para compilar essas experiências já publicadas e identificar objetivos de ensino que pudessem ser usados por militares mediante um método de instrução sobre sobrevivência e resiliência. Aqui, sobrevivência é definida como “o estado ou o fato de continuar a viver ou existir, especialmente diante de condições adversas”. Resiliência é definida como “o processo e o resultado de adaptar-se com sucesso a experiências de vida difíceis ou desafiadoras, principalmente por meio de flexibilidade mental, emocional e comportamental, bem como a capacidade de ajustar-se a demandas externas e internas”.6 Para os fins deste estudo, a sobrevivência é considerada um processo contínuo durante determinado acontecimento, e a resiliência é um processo que pode ocorrer tanto durante como após um acontecimento. Esses são dois temas cruciais para o treinamento de militares em preparação para o combate e a vida pós-combate.

Método

Esta análise incluiu obras escritas exclusivamente por ex-prisioneiros de guerra sobre suas experiências durante o cativeiro no Vietnã. Para este estudo-piloto, quatro livros já publicados foram selecionados.7 Aproximadamente 80% de cada livro foi digitalizado e carregado no ChatGPT, versão gratuita 3.5. Devido às limitações de análise de texto com um prompt de comando único, os segmentos de cada livro foram carregados separadamente. Para cada segmento, solicitou-se ao ChatGPT que identificasse dez temas comuns do texto. Uma vez desenvolvido um conjunto de temas comuns para cada livro, todos os 40 temas dos quatro livros foram inseridos novamente no ChatGPT. Solicitou-se ao programa que criasse um conjunto de 12 temas comuns entre os livros. Depois desses 12 temas, criou-se um conjunto intermediário de temas – um sobre sobrevivência e outro sobre resiliência. A partir desses dois últimos temas, foram desenvolvidos objetivos de ensino voltados especificamente para a sobrevivência e a resiliência.

Resultados

A Tabela 1 (ao final do artigo) mostra os temas gerados a partir dos escritos (os “narradores” são os quatro autores). Os temas reunidos incluem treinamento militar, conflitos internos e externos, camaradagem com outros prisioneiros de guerra, barreiras enfrentadas com seus captores (como diferenças culturais e linguísticas), o medo constante e a luta pela sobrevivência, sem saber quando e se seriam libertados, além das reflexões no momento da escrita e durante o cativeiro.

Desses 12 temas, foram solicitados dois conjuntos de temas: um para a sobrevivência (Tabela 2) e outro para a resiliência (Tabela 3), com o ChatGPT adicionando um 13o tema sobre resiliência. Nos temas de sobrevivência e resiliência, foram indexadas tanto questões internas (memória, emoções, identidade e instinto) quanto externas (físico, informacional e união/apoio), conforme mostram as Tabelas 2 e 3. Esses temas intermediários foram gerados já para a etapa final, onde seriam desenvolvidos os objetivos de ensino nessas duas áreas (Tabela 4).

Comparando os objetivos de sobrevivência e resiliência lado a lado, as diferenças entre os dois estão destacadas em negrito e itálico. Para cada um dos 13 temas, os objetivos exigiriam que os alunos compreendessem a distinção entre os dois objetivos e discutissem detalhadamente cada um deles a partir dessas perspectivas. O objetivo seria que os alunos desenvolvessem um entendimento mais aprofundado nessas áreas, além de como refletir sobre elas e abordá-las em seus próprios processos de aprendizagem.

Discussão

Este estudo foi o primeiro do tipo a utilizar a tecnologia de AGI para criar um conjunto de temas para o desenvolvimento de um currículo relativo ao cativeiro. Estas seriam as principais contribuições deste estudo:

  • Primeiro, até o momento, esta é a única pesquisa que utilizou a AGI para compreender a experiência de ex-prisioneiros de guerra estadunidenses mantidos em cativeiro a partir de suas perspectivas.
  • Segundo, este trabalho demonstrou a capacidade da AGI de gerar currículos para domínios específicos com base em aportes de usuários, relevantes para um contexto militar. O uso dessa nova tecnologia poderia ser aproveitado para a geração de conteúdo e design instrucional que apoiem a instrução de pessoal militar como parte de seu treinamento. Isso teria algumas implicações para as escolas militares encarregadas de ensinar o currículo de técnicas de sobrevivência, evasão, resistência e fuga.
  • Terceiro, de uma perspectiva metodológica, este estudo delineou um processo para analisar rapidamente obras extensas tendo a validade de face de uma coorte, para desenvolver temas compartilhados entre indivíduos com experiências semelhantes. Para futuras pesquisas nessa área, seria importante considerar a catalogação de todas as obras disponíveis dos integrantes da coorte, a fim de incluí-las na análise de dados. Esse esforço adicional provavelmente gerará insights mais abrangentes e detalhados. Este estudo demonstrou a relevância e o potencial de aproveitar novas tecnologias de AGI para auxiliar no desenvolvimento de currículos relativos à área militar. Além disso, a utilização da AGI representa um grande avanço tecnológico do século XXI e indica o caminho do futuro para a civilização.

Referências

 

  1. Dinesh Kalla et al., “Study and Analysis of Chat GPT and Its Impact on Different Fields of Study”, International Journal of Innovative Science and Research Technology 8, no. 3 (March 2023): p. 827-33, https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4402499.
  2. “ChatGPT”, OpenAI, acesso em 7 mar. 2024 [login obrigatório], https://chat.openai.com/.
  3. Aaron M. Lamb, “Through the Lens of HAL 9000: Using Stanley Kubrick’s 2001: A Space Odyssey as a Modeling Tool to Create a Precursive Sapient Quotient to Foster Humanity’s Moral Obligation to Evolve into Machines” (tese de doutorado, Johns Hopkins University, 2022), https://jscholarship.library.jhu.edu/items/9e87418f-d4a6-4bd9-88b0-8f0e9e35e687.
  4. “OpenAI Charter,” OpenAI, acesso em 7 mar. 2024, https://openai.com/charter.
  5. Jonathan R. Spirnak e Sameer Antani, “The Need for Artificial Intelligence Curriculum in Military Medical Education”, Military Medicine (site), 20 October 2023, https://academic.oup.com/milmed/advance-article/doi/10.1093/milmed/usad412/7326531.
  6. Britannica Dictionary Online, s.v. “survival”, acesso em 13 mar. 2024, https://www.britannica.com/dictionary/resilience; “Resilience”, American Psychological Association, acesso em 7 mar. 2024, https://www.apa.org/topics/resilience.
  7. Everett Alvarez Jr. e A. S. Pitch, Chained Eagle: The Heroic Story of the First American Shot Down Over North Vietnam (Lincoln, NE: Potomac Books, 2005); Charles J. Plumb, I’m No Hero, a POW Story As Told to Glen DeWerff (autopublicação, 1995); John Borling, Taps on the Walls: Poems from the Hanoi Hilton (Chicago: Master Wings Publishing, 2013); Frank Anton e Tommy Denton, Why Didn’t You Get Me Out? A POW’s Nightmare in Vietnam (New York: St. Martin’s Paperback, 2000).

 

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O Cel John P. Albano, M.D., da reserva remunerada do Exército dos EUA, é diretor do programa do Robert E. Mitchell Center for POW Studies na Base Aérea Naval, em Pensacola, Flórida. É formado em Medicina pela University of South Dakota, tem mestrado em Saúde Pública pela University of Texas e é credenciado em Medicina Aeroespacial. Finalizou sua carreira de 25 anos no Exército como Diretor de Saúde do U.S. Army Space and Missile Defense Command. Atua no REMC desde 2012.

O CF Steven E. Linnville, Ph.D., da reserva remunerada da Marinha dos EUA, obteve seu doutorado em Psicologia pela Southern Illinois University, em Carbondale. Em 26 anos de carreira no Navy Medical Service Corps, fez pesquisas sobre os efeitos do HIV sobre o desempenho militar, estudou os efeitos prolongados dos sonares de baixa frequência, lecionou na Academia Militar de West Point, do Exército, como professor assistente da Marinha e pesquisou, no Robert E. Mitchell Center, em Pensacola, sobre a resiliência psicológica dos prisioneiros de guerra dos EUA na era do Vietnã. Após passar à reserva remunerada, começou a prestar consultoria sobre desempenho cognitivo e saúde de aviadores. *É o principal autor deste artigo.

O CT Jacob R. Westerberg, Ph.D., Marinha dos EUA, é diretor associado e psicólogo pesquisador no Robert E. Mitchell Center for POW Studies na Base Aérea Naval, em Pensacola, Flórida. Lidera pesquisas sobre resiliência, dinâmica de equipe e liderança entre ex-prisioneiros de guerra dos EUA com o objetivo de apoiar o desenvolvimento dos combatentes.

Travis Meyer, MBA, trabalhou para o Departamento de Defesa nos últimos 18 anos em funções civis e militares. Atualmente é administrador de escritório no Robert E. Mitchell Center for POW Studies na Base Aérea Naval, em Pensacola, Flórida, e é um colaborador importante na elaboração deste artigo.

 

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Quarto Trimestre 2024