Military Review

 

Isenção de responsabilidade: Em todas as suas publicações e produtos, a Military Review apresenta informações profissionais. Contudo, as opiniões neles expressas são dos autores e não refletem necessariamente as da Army University, do Departamento do Exército ou de qualquer outro órgão do governo dos EUA.


 

Preparação para o Combate de “Hoje à Noite”

O Combate em Múltiplos Domínios e o Manual de Campanha FM 3-0

Gen Ex David G. Perkins, Exército dos EUA

Baixar PDF Descargar PDF

(Ilustração da página anterior cedida pelo Exército dos EUA)

Este é o segundo de três artigos que abordam o Combate em Múltiplos Domínios pelo prisma do U.S. Army Training and Doctrine Command — TRADOC. Este artigo discute a fundamentação e a abordagem para incorporar aspectos do Combate em Múltiplos Domínios no Manual de Campanha FM 3-0, Operações do Exército (FM 3-0, Army Operations), com publicação prevista para outubro de 2017. Em reconhecimento ao centenário da entrada das Forças Expedicionárias Americanas (AEF, na sigla em inglês) na Primeira Guerra Mundial, os artigos incluirão relevantes observações e lições históricas, para ajudar na compreensão do novo conceito e diferenciá-lo dos anteriores.

No dia 10 Set 01, o Exército dos Estados Unidos da América (EUA) sabia que ia combater e vencer conduzindo Operações no Amplo Espectro e, em 2003, o início da Operação Iraqi Freedom demonstrou a superioridade norte-americana no campo de batalha1. Entretanto, nos anos seguintes, a Força teve dificuldades em adaptar-se, conforme os ambientes operacionais foram mudando. A introspecção que ocorreu em seguida levou a uma nova doutrina.

À medida que o ritmo de mudança se intensifica, aumenta a tensão entre a necessidade de se preparar para futuras operações e a dificuldade de prever os ambientes operacionais. Contudo, resistir à mudança não é uma opção; o Exército precisa se adaptar ao menos tão rápido quanto os adversários da Nação mudam seus modos de conduzir operações. Embora possamos antever algumas mudanças e tendências, muitas das características dos futuros ambientes são desconhecidas. Para mitigar essa incerteza, as forças do Exército devem estar aptas a se adaptar e inovar continuamente, para que possamos combater e vencer nos ambientes que talvez enfrentemos — dentro dos próximos cinco anos, ou “hoje à noite”; daqui a uns cinco a dez anos, ou “amanhã”; e no futuro além de 2030.

O Exército precisa prever tendências de médio e longo prazo e se preparar para elas da melhor forma possível, mas também precisa desenvolver princípios operacionais que possam orientar a adaptabilidade e a inovação durante as operações e o adestramento na atualidade. O Combate em Múltiplos Domínios atende a todos esses requisitos.

O Exemplo da Mudança Doutrinária Alemã durante a Primeira Guerra Mundial

Com base na experiência alemã durante a Primeira Guerra Mundial, fica claro que o êxito militar depende de que a organização esteja disposta a aprender, de um conceito central que possa integrar a inovação e a adaptação, e da capacidade de disseminar e promover a implementação por toda a Força. O êxito tático alemão prolongou a guerra com um elevado custo para os Aliados, ainda que as forças alemãs tenham acabado sendo derrotadas.

No verão de 1914, as forças oponentes de ambas as potências centrais e aliadas previram uma campanha breve e decisiva, com base em suas doutrinas e táticas2. Entretanto, ao chegar dezembro daquele ano, constatou-se a insuficiência dos fundamentos doutrinários de todas as forças combatentes. Os exércitos se adaptaram durante o combate, estabelecendo fortificações de campanha bem elaboradas ao longo de toda a Frente Ocidental, porque nenhum deles podia arcar com o número de baixas sofrido nos primeiros meses da guerra. Havia começado a corrida por novas táticas e doutrinas para acabar com o impasse — em um conflito que resultaria em mais 8,5 milhões de mortes antes de o armistício pôr fim à guerra3.

Criar uma nova doutrina no meio de um combate em larga escala é um empreendimento caro porque as táticas doutrinárias são concebidas com base na tentativa e erro e são pagas em sangue. Entre os exércitos da Primeira Guerra Mundial, os alemães são considerados os mais bem-sucedidos em mudar e implementar a doutrina tática durante a guerra4. Eles empregaram um processo dinâmico, que utilizava um conceito central, complementado com a inovação originada no nível tático e fortalecido por uma organização disposta a aprender5.

Inicialmente, porém, as forças alemãs ficaram presas a uma doutrina rígida. “Halten, was zu halten ist”, que significa “mantenha tudo o que puder ser mantido”, refletia a teoria militar alemã por trás de uma inflexível primeira linha de defesa desprovida de uma verdadeira profundidade6. Com o desenrolar da guerra, os Aliados evoluíram ao realizarem, efetivamente, o emprego maciço de fogos de artilharia para apoiar assaltos de infantaria, com resultados letais7. No período anterior ao verão de 1916, apesar da doutrina deficiente e das mudanças no campo de batalha, as Forças Armadas alemãs resistiram a mudanças doutrinárias, e seu poder relativo de combate ficou prejudicado8.

Não é que as tropas alemãs não estivessem se empenhando. O que houve foi uma falha de liderança. Os que sobreviveram às linhas de frente eram inovadores e adaptáveis. Como gracejou um general alemão, “as munições rapidamente escrevem novas táticas”, mas essas novas táticas foram contidas nos âmbitos locais, não chegando a alcançar uma organização que precisava desesperadamente de melhores práticas9. Embora integrantes do Alto-Comando alemão houvessem identificado exemplos escalonáveis de táticas que tiveram êxito ao longo da Frente Ocidental, o Gen Erich von Falkenhayn, Comandante das Forças Alemãs, não viu necessidade dessas mudanças. Foi somente após a remoção de Falkenhayn e a chegada do Marechal de Campo Paul von Hindenburg e do Gen Div Erich Ludendorff que o Alto-Comando alemão implementou a tão necessária mudança.

O Marechal de Campo Paul von Hindenburg (à esquerda) foi nomeado Chefe do Estado-Maior Geral, com o Gen Ex Erich Ludendorff (à direita) como Subchefe, em 29 de agosto de 1916, após o insucesso do ataque alemão contra Verdun e a subsequente renúncia do Chefe do Estado-Maior Geral alemão Erich von Falkenhayn. Ludendorff foi o responsável pelo desenvolvimento e implementação do Programa Hindenburg, uma tentativa de organizar o que restava dos esgotados recursos materiais e humanos da Alemanha em um novo esforço de guerra nacional total. Como parte desse processo, Ludendorff tomou a iniciativa de reformular a doutrina tática do Exército, a qual, de modo geral, havia se tornado ineficaz. Colhendo observações durante frequentes visitas pessoais ao front, ele desenvolveu e promoveu um sistema de defesa flexível que inicialmente abalou os exércitos da França e Grã-Bretanha em 1917. (Foto cedida pela Biblioteca do Congresso dos EUA)

A liderança que Ludendorff trouxe para o Alto-Comando alemão possibilitou a disseminação de novas ideias que se consolidaram por toda a força. Em dezembro de 1916, a Seção de Operações do Alto-Comando alemão havia reunido relatórios de campo e Inteligência de toda a Frente Ocidental para formular uma nova doutrina. O documento “Princípios de Comando no Combate Defensivo na Guerra de Posição” estabeleceu um marco de quando as Forças Armadas alemãs adotaram o conceito central de “profundidade operacional” e o aplicaram como uma organização que aprende10.

No decorrer de 1917, os alemães frustraram, repetidas vezes, as forças francesas e britânicas, que lutavam com uma doutrina tática dogmática e convencional, com um efeito desastroso. A resposta da Alemanha foi a contínua reavaliação e evolução de sua doutrina11. O aprendizado compensou, porque as primeiras unidades a empregarem elementos do documento “Princípios” e de outros novos conceitos doutrinários alemães recuperaram suas vantagens em poder relativo de combate, que haviam estado em declínio desde 191512. Os Aliados acabaram reconhecendo o valor da nova doutrina da Alemanha e tentaram, em vão, incorporar aspectos dela durante o inverno de 1917 para 1918.

Viatura de transporte <i>Stryker</i> capotada após explosão de um artefato explosivo improvisado (AEI) enterrado, no Iraque, 06 Jan 07. Essa viatura <i>Stryker</i> foi recuperada e protegeu seus soldados em muitas missões até que uma outra bomba a colocou fora de ação. A doutrina conjunta se concentrou na neutralização de AEI e na condução da contrainsurgência durante a maior parte da guerra no Iraque e no Afeganistão, até a introdução da ADP 3-0, <i>Operations</i>, em 2011, a qual ampliou o escopo das capacidades necessárias para futuros conflitos. (Foto cedida pelo Exército dos EUA)

A Necessidade de Modificar a Doutrina do Exército em 2017

A atual doutrina do Exército dos EUA dá orientação, efetivamente, para os relativamente familiares combates híbridos de baixa intensidade que a Força provavelmente enfrentaria em um futuro imediato, ou “hoje à noite”, mas não aborda, de modo adequado, as operações de combate de grande vulto. Por exemplo, quando da redação deste artigo, a doutrina não levava suficientemente em consideração como sincronizar as capacidades nos domínios marítimo, cibernético ou espacial durante operações de combate de grande vulto contra adversários com poder de combate equivalente. A revisão do Manual de Campanha 3-0, Operações do Exército (FM 3-0, Army Operations), com publicação prevista para outubro de 2017, começará a corrigir essa deficiência.

Algumas ideias se disseminam por toda a força operativa e levam à mudança independentemente de sua fonte. Uma ideia normalmente surge por causa de condições que exigem uma mudança urgente. Na guerra, quando o número de baixas aumenta e as táticas falham, a urgência se torna clara e convincente. Entretanto, de modo geral, a mudança fica mais lenta conforme uma profusão de possibilidades e probabilidades circula em uma Força não envolvida em operações de combate de grande vulto. Nesse ambiente nebuloso, em que não há um consenso entre os comandantes em relação tanto a problemas quanto a soluções, a mudança pode parecer menos urgente e mais difícil de obter. Entretanto, é nesse período de possibilidades e probabilidades que existe a oportunidade e utilidade para a mudança.

A doutrina, conforme descrita nos manuais de campanha e outras publicações doutrinárias, orienta as forças do Exército empenhadas no adestramento, desdobramentos e operações em todo o mundo atualmente — forças que podem estar conduzindo o combate “hoje à noite”. Os conceitos, conforme descritos nas publicações do Comando de Instrução e Doutrina do Exército dos EUA (U.S. Army Training and Doctrine Command — TRADOC), mudam a Força; os conceitos que o TRADOC está usando em 2017 representam como o Exército talvez conduza operações entre 2020 e 2040 (estavam sendo efetuadas revisões quando da redação deste artigo).

Os conceitos do TRADOC orientam a mudança planejada, útil, significativa e em larga escala de uma das maiores organizações do mundo. Entretanto, os órgãos centrais que utilizam os conceitos do TRADOC para o planejamento representam menos de 1% do “Total Army” (todos os componentes do Exército dos EUA, incluindo a Ativa, Reserva e Guarda Nacional) — ou seja, indivíduos trabalhando no estado-maior do Departamento do Exército, em aquisições, ou como parte do Centro de Integração de Capacidades do Exército (Army Capabilities Integration Center — ARCIC). Cabe lembrar que o TRADOC normalmente publica conceitos com antecedência de cinco anos antes que suas ideias devam se transformar na doutrina que guia as forças operativas. Por exemplo, o U.S. Army Capstone Concept (“Conceito Fundamental do Exército dos EUA”), Manual 525-3-0, do TRADOC, foi publicado em 2012. Introduziu um precursor do Combate em Múltiplos Domínios chamado “sinergia entre os diversos domínios”, em que as forças buscariam a “complementaridade […] em diferentes domínios [incluindo o espaço e o ciberespaço] de modo que cada uma delas contribua à efetividade e compense as vulnerabilidades das demais”13. No caso do Combate em Múltiplos Domínios, portanto, certos aspectos foram estudados nos últimos cinco anos. Esses elementos já validados estão sendo integrados no FM 3-0 ao mesmo tempo que o TRADOC continua a formular o conceito de Combate em Múltiplos Domínios.

O manual de campanha FM 3-0, <i>Army Operations</i>, fornecerá doutrina para ajudar os comandantes do Exército a prever requisitos e sincronizar capacidades nos domínios terrestre, aéreo, marítimo, cibernético e espacial durante operações de combate de grande vulto contra oponentes com poder de combate equivalente no presente e no futuro imediato. (Ilustração composta de Jim Crandell, Army University Press<i>.</i> Imagem do segundo plano de Call of Duty: Black Ops 3-OFFICIAL TRAILER & BREAKDOWN!, Flickr.com. Imagem de primeiro plano de Cherie A. Thurlby, Departamento de Defesa)

Como a Atual Força e Doutrina Evoluíram

No 11 de Setembro de 2001, os EUA foram lançados em um período definido por guerra e conflitos persistentes. No Afeganistão e no Iraque, as Forças Armadas dos EUA empregaram a força decisiva, que levou a rápidas vitórias iniciais e resultou em uma esmagadora superioridade em todos os domínios. Contudo, quando a poeira de Bagdá assentou, no final de 2003, a doutrina que havia preparado o Exército dos EUA para combates vindouros rapidamente se tornou inadequada para os conflitos que ele enfrentou no ambiente real.

O Exército passou os anos seguintes formulando, implementando e ajustando princípios, táticas, técnicas e procedimentos a serem empregados contra um inimigo que operava em meio à população, com armas que não estávamos preparados para enfrentar. Lentamente, da mesma forma que o exército alemão na Primeira Guerra Mundial, as Forças militares dos EUA vieram a reconhecer que a doutrina precisava refletir os atuais ambientes operacionais, assim como o ritmo de mudança.

Durante a década seguinte, as forças conjuntas se concentraram quase exclusivamente em neutralizar artefatos explosivos improvisados e desenvolver as capacidades necessárias para enfrentar as insurgências. Em 2006, o Exército dos EUA publicou o Manual de Campanha 3-24, Contrainsurgência (FM 3-24, Counterinsurgency), para fornecer a doutrina de que as forças operativas precisavam (até 2009, a literatura doutrinária do Exército consistia apenas em manuais de campanha, que hoje enfatizam a doutrina tática)14. A doutrina no FM 3-24 ofereceu um modelo central e um ponto de partida para uma situação que vinha mudando rapidamente. Novas lideranças e forças que foram sendo empregadas no conflito aplicaram a nova doutrina, e, como resultado, o governo do Iraque e as Forças Multinacionais que atuavam no Iraque acabaram ganhando uma posição de relativa vantagem. Essas ações salvaram vidas de norte-americanos, e o número de baixas diminuiu de 904, em 2007, para 149, em 200915.

É fundamental entender que, durante as guerras no Iraque e no Afeganistão, o Exército dos EUA aceitou o risco à modernização, tanto intelectualmente quanto financeiramente. Enquanto o Exército desenvolvia capacidades de contrainsurgência e de cooperação em segurança, nossos adversários com poder de combate equivalente e quase equivalente investiam fortemente na modernização de suas capacidades para degradar e sobrepujar as vantagens de que gozavam as forças norte-americanas desde o fim da Guerra Fria.

A partir de 2002, o futuro Vice-Secretário de Defesa Bob Work alertou sobre novas preocupações em relação à China, Rússia e Irã, que estavam modernizando vigorosamente suas estratégias de antiacesso/negação de área16. Por meio dessas estratégias, a Rússia e a China desenvolveram capacidades consideráveis para limitar os pontos fortes dos EUA.

Após mais de uma década em uma campanha de contrainsurgência e reconstrução nacional, o Exército dos EUA introduziu a Publicação Doutrinária 3-0, Operações (ADP 3-0, Operations), em 2011. A ADP 3-0 deu início a uma renovação da ação decisiva com a introdução das Operações Terrestres Unificadas, um conceito evolutivo, que refletia a progressão a partir do Combate Ar-Terra (AirLand Battle) e das Operações no Amplo Espectro17. As Operações Terrestres Unificadas possibilitaram a reintrodução de elementos que haviam sido descartados. Por exemplo, o modelo operacional reintroduziu as áreas profunda, aproximada e de apoio, reconhecendo a letalidade como sendo fundamental às operações militares, e a doutrina acrescentou duas competências centrais do Exército: manobra das armas combinadas e segurança de área18. A ADP 3-0 fez com que antigos termos da arte e ciência operacional passassem a ser novos e relevantes outra vez. A Publicação de Referência Doutrinária do Exército 3-0, Operações (ADRP 3-0, Operations) fez o mesmo, em mais detalhes. Entretanto, desde 2011 que o Exército dos EUA não tem um FM 3-0 focado em operações de combate de grande vulto no nível de exército de campanha, corpo de exército ou divisão.

Apesar de algumas atualizações desde 2011 e uma revisão significativa em 2016, tanto a ADP 3-0 quanto a ADRP 3-0 continuam oferecendo apenas princípios limitados para as operações de combate de grande vulto. Ficou claro que havia a necessidade de um novo FM 3-0 para suprir essa lacuna doutrinária nesse meio tempo. O novo FM 3-0 promoverá mudanças necessárias na ADP 3-0 e ADRP 3-0, assim como no resto da doutrina do Exército. O Combate em Múltiplos Domínios será integrado no FM 3-0 de modo que as forças operativas do Exército possam aplicar a doutrinar sem efetuar mudanças significativas na força atual.

A Força e Doutrina de que a Nação Precisa

O Combate em Múltiplos Domínios capta a ideia de que o êxito militar depende de capacidades nos domínios aéreo, cibernético, terrestre, marítimo e espacial e no espectro eletromagnético. Isso se aplica ao Exército e às demais Forças Singulares; assim como aos nossos adversários. Do ponto de vista das Forças dos EUA, é uma ideia que ajudará as unidades a evitar uma posição de relativa desvantagem contra um adversário com poder de combate equivalente ou quase equivalente em espaços geográficos críticos ao redor do mundo. O Combate em Múltiplos Domínios guia a coordenação e integração de capacidades de uma forma mais estreita que antes.

Por exemplo, o Exército não pode depender da Força Aérea para resolver problemas táticos quando um inimigo tiver fogos de longo alcance superiores e boa capacidade de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento, em um ambiente onde exista uma grande concentração de sistemas de defesa antiaérea integrados. As unidades que sumirem no terreno ao fazerem contato para esperar por diretrizes ou emprego de capacidades do poder aéreo provavelmente seriam destruídas pelo emprego maciço de fogos de artilharia na área de combate aproximado.

Embora as forças conjuntas empreguem, atualmente, elementos do Combate em Múltiplos Domínios, a mais grave lacuna doutrinária consiste na inexistência de princípios para as capacidades em múltiplos domínios nas operações de combate de grande vulto. O Exército e as demais Forças Singulares devem estar aptos a concentrar as capacidades nos múltiplos domínios de maneira integrada para obter e, então, explorar a iniciativa. Em suma, nossa doutrina precisa produzir forças prontas com capacidades convergentes e integradas ao longo dos diversos domínios, em comparação a ter de sincronizar um conjunto “federado” de capacidades compartimentadas.

A revisão do FM 3-0 não suprirá todas as lacunas doutrinárias, mas fornecerá diretrizes aos comandantes, estados-maiores e comandantes subordinados, ao empregarem capacidades em múltiplos domínios no adestramento, planejamento e operações. Caberá aos líderes de hoje inovar, reavaliar e adaptar essa doutrina antes de um conflito armado em larga escala, caso venha a acontecer.

As Operações Terrestres Unificadas e o Combate em Múltiplos Domínios

O novo conceito de Combate em Múltiplos Domínios está sendo formulado, portanto, para ajudar a preparar o Exército dos EUA para os desafios previstos. Como conceito do TRADOC, o Comando em Múltiplos Domínios consistirá em alinhar requisitos a fim de desenvolver as futuras capacidades necessárias para vencer no combate do futuro. Contudo, o que dizer dos desafios que o Exército poderá enfrentar “hoje à noite”? Na Europa, no Pacífico e no Oriente Médio, nossos adversários têm adaptado suas capacidades para neutralizarem vantagens às quais nos acostumamos. Precisamos começar o processo de mudança agora, reconhecendo formas de melhorar e inovar com a tecnologia e as capacidades de que dispomos atualmente e, o que é mais importante, precisamos começar a adotar, culturalmente, uma nova mentalidade em relação aos problemas operacionais.

Duas seções do FM 3-0 se concentrarão especificamente em elementos centrais do Combate em Múltiplos Domínios. O primeiro deles será o campo de batalha ampliado do conceito de múltiplos domínios, a ser descrito em uma seção sobre os ambientes operacionais previstos. Ele integrará o espaço, o ciberespaço, o espectro eletromagnético e o ambiente informacional no modo pelo qual os comandantes enxergam o ambiente operacional como um todo. Dirá que todo combate é em múltiplos domínios. A doutrina guiará os comandantes e estados-maiores em relação a como fazer convergir e integrar as capacidades em múltiplos domínios durante as operações19.

O segundo elemento consistirá em um modelo operacional atualizado para a condução das Operações Terrestres Unificadas, relacionado ao entendimento do ambiente operacional. É provável que os inimigos deem início às hostilidades a partir de uma posição de relativa vantagem física, temporal e cognitiva, assim como outros fatores particulares do domínio terrestre ao longo do espectro dos conflitos20. O aspecto físico é óbvio: geografia, terreno, infraestrutura, alcance das armas e assim por diante. O aspecto temporal introduz a complexidade adicional das diversas variáveis baseadas no tempo que afetam uma operação, exigindo que os comandantes pensem muito além da sincronização apenas. Os aspectos virtuais incluem atividades relacionadas à informação, ciberespaço e guerra eletrônica. Por fim, o aspecto cognitivo diz respeito a entender o inimigo e a nós mesmos, assim como as percepções e comportamentos das populações. As considerações cognitivas serão influenciadas pelos aspectos físicos, temporais e virtuais do modelo operacional.

Para tratar de posições inimigas de relativa vantagem, o FM 3-0 abordará a necessidade de sincronização, convergência de capacidades e acelerado ritmo operacional, ao mesmo tempo em que se aceitam riscos mais significativos que os das tarefas de contrainsurgência ou estabilização21. Métodos sólidos de Comando de Missão, mobilidade, reconhecimento em profundidade, proteção e sustentação (logística) serão fundamentais para a execução eficaz de operações de grande vulto. Além disso, os comandantes e estados-maiores precisam incorporar a inovação e a flexibilidade ao modo pelo qual eles empregam o ritmo e sincronizam a manobra, os fogos nos diversos domínios e as ações de informação. É por meio da convergência desses efeitos nos múltiplos domínios que o Exército prevalecerá contra um inimigo com poder de combate equivalente.

No conceito de Combate em Múltiplos Domínios, as forças conjuntas empregarão a velocidade de reconhecimento, velocidade de decisão e velocidade de ação para explorar intervalos de superioridade em domínios, juntamente com a realização de operações voltadas contra forças, para destruir as capacidades essenciais do inimigo. Os requisitos e considerações do Combate em Múltiplos Domínios fornecerão o modelo a partir do qual os comandantes e estados-maiores empregarão essas ações para derrotar o inimigo. Um conceito de múltiplos domínios que enfatize a oportunidade para alcançar uma ação ofensiva bem sincronizada e de elevado ritmo, potencialmente na forma de uma manobra profunda, ajudará as forças do Exército a derrotar inimigos com capacidades de fogos de longo alcance e de defesa antiaérea superiores22.

Conclusão

Estamos na afortunada situação de termos a humildade para aceitar que precisamos melhorar o modo pelo qual conduzimos as operações, embora não possamos prever o próximo combate com absoluta certeza. Estamos revisando nossa doutrina operacional, a começar pelo FM 3-0 em outubro de 2017, de modo que as forças possam se preparar para enfrentar as tendências que estão evidentes e as mudanças imprevisíveis que surgirão. A partir daqui, caberá aos comandantes e estados-maiores, soldados profissionais e militares em função de comando aplicar e aprimorar a doutrina, de modo que todos estejamos prontos para combater e vencer. A vitória começa aqui.


Referências

  1. Field Manual (FM) 3-0, Operations (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], 2001 [obsoleto]), p. 1-4, apud Bill Benson, “The Evolution of Army Doctrine for Success in the 21st Century”, Military Review 92, no. 2 (2012): p. 5, acesso em 19 jul. 2017, http://usacac.army.mil/CAC2/MilitaryReview/Archives/English/MilitaryReview_20120430_art004.pdf. Observação: Antes de 2009, toda a doutrina do Exército constava de manuais de campanha (Field Manuals, ou FM). Um esforço de reorganização da doutrina denominado “Doctrine 2015”, iniciado no final de 2011, criou as publicações doutrinárias do Exército (ADP) e as publicações de referência doutrinária do Exército (ADRP) para princípios fundamentais, enquanto os manuais de campanha (FM) passaram a tratar predominantemente de táticas. Na versão publicada em 2001, o FM 3-0 continha doutrina operacional fundamental (capstone); a versão de 2017 não será equivalente. Veja ADP 1-01, Doctrine Primer (Washington, DC: U.S. GPO, 2014).
  2. Benjamin Maher, “The Origins of Operational Depth in the First World War” (monografia, School of Advanced Military Studies, Fort Leavenworth, KS, 2016), p. 18.
  3. John Graham Royde-Smith, “World War I, 1914–1918: Killed, Wounded, and Missing”, Encyclopaedia Britannica Online, acesso em 21 jul. 2017, https://www.britannica.com/event/World-War-I/Killed-wounded-and-missing.
  4. Timothy Lupfer, The Dynamics of Doctrine: The Changes in German Tactical Doctrine During the First World War, Leavenworth Papers no. 4 (Fort Leavenworth, KS: Combat Studies Institute, 1981), p. viii.
  5. Robert T. Foley, “A Case Study in Horizontal Military Innovation: The German Army, 1916–1918”, Journal of Strategic Studies 35, no. 6 (December 2012): p. 11.
  6. Maher, “The Origins of Operational Depth in the First World War”, p. 28.
  7. Foley, “A Case Study in Horizontal Military Innovation”, p. 11.
  8. Lupfer, The Dynamics of Doctrine.
  9. Wilhelm Balck, Development of Tactics [in the] World War, trans. Harry Bell (Fort Leavenworth, KS: General Service Schools Press, 1922), p. 14.
  10. Lupfer, The Dynamics of Doctrine, p. 13.
  11. Ibid., p. 35.
  12. Lupfer, The Dynamics of Doctrine.
  13. U.S. Army Training and Doctrine Command (TRADOC) Pamphlet 525-3-0, The U.S. Army Capstone Concept (Fort Eustis, VA: TRADOC, 2012), p. 38.
  14. FM 3-24, Counterinsurgency (Washington, DC: U.S. GPO, 2006 [obsoleto]), substituído por FM 3-24, Insurgencies and Countering Insurgencies, 13 May 2014.
  15. “Operation Iraqi Freedom, Iraq Coalition Casualties: Fatalities by Year”, icasualties.org, acesso em 21 jul. 2017, http://icasualties.org/Iraq/ByYear.aspx.
  16. Andrew Krepinevich, Barry Watts, and Robert Work, “Meeting the Anti-Access and Area-Denial Challenge” (research study, Washington, DC: Center for Strategic Budgetary Assessments, 2003).
  17. ADP 3-0, Unified Land Operations (Washington, DC: U.S. GPO, 2011 [obsoleto]), apud Benson, “The Evolution of Army Doctrine for Success in the 21st Century”.
  18. ADP 3-0, Unified Land Operations (2011).
  19. Versão preliminar não publicada, FM 3-0, Army Operations, publicação prevista para outubro de 2017.
  20. Ibid.
  21. Ibid.
  22. Ibid.

O Gen Ex David G. Perkins, do Exército dos EUA, é o Comandante do Comando de Instrução e Doutrina (U.S. Army Training and Doctrine Command — TRADOC). Concluiu o bacharelado pela Academia Militar dos EUA, o mestrado em Engenharia Mecânica pela University of Michigan e um mestrado em Estudos Estratégicos e Segurança Nacional pelo Naval War College. Serviu, anteriormente, como Comandante do Centro de Armas Combinadas do Exército dos EUA, em Fort Leavenworth, Estado do Kansas.

Voltar ao início

Segundo Trimestre 2018