Revista Profissional do Exército dos EUA

Edição Brasileira

Artigos Exclusivamente On-line de Março de 2018

Como Entender as Informações como uma Arma

A Realidade Virtual e Modelo do Caixão de Areia da Guerra Informacional

Ten Cel Jon Herrmann, Reserva da Força Aérea dos EUA
Ten Cel Brian Steed, Exército dos EUA

Artigo publicado em: 15 de março de 2018

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Amela Sadagic, uma professora-pesquisadora associada do Modeling, Virtual Environments and Simulation (MOVES) Institute da Naval Postgraduate School

Conforme a realidade virtual foi desativada, o coronel saiu da simulação gráfica do ambiente de informações. A montanha representava a resistência cultural ao seu ataque — a intenção da sua mensagem era persuadir um grupo particular de alvos. Foi, também, uma surpresa amarga. Ele podia tentar explodi-la, usando uma série de ações diretas, transmitidas por meio de mensagens e imagens documentadas reais, mas isso provocaria o risco de chamar atenção para a montanha e reforçá-la. O coronel sabia que seus comandantes subordinados seriam capazes de ver isso, nas suas simulações como “defensores informacionais” abrigados nas “trincheiras” de suas posições ideológicas, mas a visão disso não proporcionaria discernimento. Por outro lado, ele podia prosseguir no ataque informacional contornando a “montanha”, usando estórias lentamente desenvolvidas para mudar a opinião da população alvo aos poucos. A questão era se ele dispunha de tempo para isso.

Milhares de comandantes por toda a História enfrentaram decisões semelhantes entre ser rápido e se arriscar, ou, ser lento e cauteloso. A diferença foi que, dessa vez, a “montanha” era formada de informações. Quer queiramos ou não, as informações são menos previsíveis e infinitamente mais fluidas do que as pedras. O coronel fez uma breve prece para que sua rede de informações fosse mais capaz de lidar com o caos, e até prosperar, do que o sistema do seu oponente. Depois, deu a ordem para atacar diretamente a montanha. Os chatbots foram empregados para reforçar o ataque e produzir, amplamente, mensagens diversionárias de apoio. No entanto, a condução de linhas de ação compreendia apenas uma pequena parte do combate informacional. Ulysses precisava voltar à realidade virtual para tentar manter a consciência situacional sobre o “terreno” informacional.

Embora muitos de nós não tenhamos trabalhado com um caixão de areia, como as gerações anteriores de combatentes, todos nós podemos imaginar um. Mesmo as crianças em caixas de areia ou na praia podem imaginar como pareceriam as estruturas na areia, ou como elas podem mudar. Essa facilidade de imaginação faz com que o caixão de areia seja um modelo útil para qualquer um que busque uma maneira mais simples de entender ou explicar como “se parece” a guerra informacional. Um modelo mais avançado, como descrito acima, pode ser a realidade virtual, com sua capacidade de criar, destruir e manipular estruturas “sólidas”, com a velocidade das máquinas. Seja em areia ou elétrons, os chefes de alto escalão — militares e civis — têm que desenvolver a habilidade de visualizar o ambiente informacional para facilitar a tomada de decisões rápidas com o mesmo tipo de intuição baseada em experiência, com a qual, por muito tempo, os comandantes têm contado no campo de batalha físico. O ambiente informacional, por exemplo, não é criado quando a força militar chega. Tem existido, frequentemente por séculos ou milênios, na História e na Cultura de uma área; nos seus idiomas e lendas; nas suas identidades familiares, tribais e pessoais; e etc. Ninguém cria o ambiente informacional. Como o terreno e as condições meteorológicas, ele já existe e precisa ser superado quando é negativo e explorado ao máximo quando é positivo.

Homens e mulheres que se preparavam para trabalhar no Exército ou em empresas recebem uma aula de camuflagem, em 1943

A guerra é principalmente sobre as “opções” — a criação, a limitação e a maximização das opções que se apresentam diante de nós. No nível tático, operacional ou estratégico, buscamos manter ou aumentar nossas opções e reduzir aquelas disponíveis aos nossos adversários. Podemos pensar nas armas e nas táticas como os meios para remover opções dos nossos inimigos e acrescentar opções para nós mesmos. A destruição de uma ponte ou a captura de um acidente capital para tirar opções de um adversário, enquanto mantemos ou aumentamos nossas opções. Esse conceito ajuda a explicar por que comandantes têm usado xadrez para ensinar a guerra por séculos. A guerra moderna depende dos mesmos conceitos. A guerra econômica pode fazer com que seja difícil ou impossível arcar com algumas opções. A guerra informacional se diferencia muito da guerra terrestre, mas essa premissa central pode ajudar a esclarecer o conceito.

Imagine dois grupos de miniaturas de soldados enfrentando-se através de um caixão de areia liso, sem características. Cada jogador pode manipular não apenas os soldados, mas, também, o ambiente, assim fazendo com que o caixão de areia seja tudo, menos liso. Cada jogador tem em mente uma estratégia e uma preferência de como o ambiente deverá se caracterizar, para melhor utilizar essa estratégia. Cada jogador busca manipular o ambiente para impedir as ações de seu oponente. Ao representar de forma física o ambiente informacional complexo e frequentemente mal entendido, ele pode ser melhor compreendido. O terreno inicial não é plano como um tabuleiro de xadrez. Ele é baseado na história, idioma e cultura do grupo afetado, seja ele uma nação, uma afiliação étnica, uma seita religiosa ou qualquer outro grupo. Alguns “terrenos” são recentes e podem ser influenciados com relativa facilidade, como areia no mundo físico. Outros “terrenos” são profundamente vinculados à história e à cultura e são tão difíceis de manipular, como granito.

Ao simular as técnicas militares do caixão de areia usadas no planejamento de operações de combate

Vale mencionar que os jogadores tentam afetar os outros em seu terreno enquanto, simultaneamente, protegem o seu próprio. Os jogos de guerra precisam retratar as diferentes zonas de combate. Uma maneira para obter uma vantagem poderosa é fazer com que o terreno do seu oponente seja, tanto quanto possível, parecido com o seu próprio, estendendo a vantagem de jogar em casa. Uma nação que prefere um campo aberto e plano, por exemplo, pode tentar nivelar e abrir o terreno do oponente. As táticas de velocidade e de coordenação se tornariam mais efetivas. Sun Tzu recomendava que generais adaptem suas táticas e capacidades para aproveitar o terreno no domínio físico1. No campo de batalha informacional, os generais podem assim adaptar o terreno para maximizar o uso de suas táticas e capacidades preferidas.

Neste exemplo, chamaremos os jogadores Ulysses e Charlie. Ulysses gosta de jogar com velocidade, movendo os seus soldados por todo o tabuleiro, dependendo de movimento rápido e de boa coordenação para vencer. Charlie prefere um jogo mais lento e cauteloso, usando sua vantagem em soldados. Charlie raramente faz um movimento decisivo, mas quando faz, é poderoso. Ulysses gosta da situação inicial — uma mesa plana. As mesas planas — com menos restrições — maximizam o emprego da tecnologia, e Ulysses gosta da tecnologia. Charlie quer reduzir o ritmo. Charlie cava trincheiras no caixão de areia, constrói colinas e cria caminhos para lugar nenhum. Ele despeja água na mesa para criar rios e solta um pano sobre parte do tabuleiro, fazendo que seja difícil ver o que ocorre lá. Ulysses quer tantas opções possíveis (a mesa plana). Charlie quer remover tantas opções possíveis para que possa concentrar seus esforços contra Ulysses. Charlie não quer combater em toda parte ao mesmo tempo. Charlie usa colinas, vales, áreas inundadas e de cobertura vegetal para reduzir as boas opções de Ulysses, até para negar um bom entendimento das opções disponíveis a ele. Essas ações ajudam mais a Charlie, porque ele é o defensor local, e ele já conhece o terreno, enquanto Ulysses, como um invasor, tem que aprender quais são os pontos característicos principais do terreno. A confusão, a opacidade ou qualquer outra negação de informações beneficia o defensor, porque ele já sabe muito sobre o que a ação de negação previne que o invasor aprenda.

O que todos esses efeitos significam quando traduzidos em termos reais? Quando Charlie solta um pano sobre parte do caixão de areia, isso significa que há camuflagem, cobertura e operações de dissimulação. Ao negar a Ulysses a capacidade de ver as características de parte do tabuleiro, Charlie faz com que seja arriscado para Ulysses planejar como utilizar seus soldados nessa área. Se Ulysses dedicar um grande esforço contra a área coberta, e não há nada de valor no lugar, então Charlie obtém uma grande vantagem em outras áreas. Se Ulysses coloca recursos insuficientes lá, então Charlie pode ser capaz de capturar essa área com pouco custo. Até forçar Ulysses a pensar sobre a área coberta utiliza recursos cognitivos, cansando-o mentalmente. A exaustão faz com que Ulysses esteja mais suscetível aos erros enquanto o jogo continua. Além disso, como um defensor nativo, Charlie quer usar a exaustão como sua estratégia principal, não simplesmente como uma vantagem tática. Charlie quer esgotar os recursos de Ulysses e forçar que ele lute contra um povo que não o apoia, nem na sua terra natal e nem no teatro de operações do conflito.

No entanto, as informações têm muito mais recursos do que a camuflagem, cobertura e dissimulação simplesmente. O que acontece se Charlie cria um aclive (ou obstáculos para o avanço de Ulysses sobre um aclive existente), fazendo com que seu lado do tabuleiro seja mais alto? Podemos ver paralelos a essa situação quando adversários visam a disposição de lutar de uma nação poderosa. Cada passo extra se torna uma penosa batalha, exigindo muito mais recursos do que as ações do inimigo de mover-se encosta abaixo. O apoio público produz ímpeto. A falta de apoio, ou oposição, faz com que Ulysses combata uma penosa batalha. O dano físico, baixas entre militares e civis, é um meio para reduzir o apoio público — um exemplo típico de um método usado por muito tempo para aumentar a inclinação da encosta acima em um conflito prolongado.

Também, Charlie pode construir muros de areia, restringindo áreas inteiras. Na guerra tradicional, isso pode representar as muralhas de fortalezas ou um terreno intransponível. Na guerra informacional, isso pode significar que uma opção tornou-se politicamente inviável e que líderes civis foram persuadidos a negar a opção aos comandantes no campo de batalha. Exemplos podem incluir o uso de um local religioso ou um hospital como uma base de operações, “eliminando” a opção de um ataque contra o quartel-general do inimigo e deixando apenas a opção de uma operação de contrainsurgência prolongada e custosa como o “caminho” aberto.

Nem todos os efeitos das informações são iguais. A opinião pública se opõe ao emprego de armas nucleares. Essa norma internacional tem existido por décadas. Como tal, limita o emprego de tais armas (embora a força dessa limitação seja discutível). Contudo, quando um participante do conflito não possui, ou tem muito menos, armas nucleares, sua proibição torna-se muito mais fortalecida. Visualize isso como uma colina no caixão de areia que é incrivelmente inclinada para um participante, eliminando uma opção. O outro lado pode ter uma inclinação gradual, deixando a opção disponível, embora mais difícil, para um grupo disposto a rejeitar as normas internacionais. Da mesma forma, ao continuar a analogia anterior sobre baixas, se um participante é muito avesso às baixas, a inclinação da colina de areia é muito acentuada do seu lado, mas mais gradual para o participante menos preocupado com as baixas.

O papel de civis no conflito serve como um exemplo adicional da assimetria das informações. Durante a era de Carl von Clausewitz, as forças militares profissionais desprezavam o envolvimento de civis. O Grande Armée de Napoleão e o conceito de guerra total demonstraram que civis são muito importantes na guerra, e que as linhas entre combatentes e não combatentes podem se confundir com muita facilidade. Conforme as forças armadas do Ocidente têm se tornado exclusivamente de voluntários e progressivamente mais profissionalizadas, o terreno informacional deles tem inclinado mais e mais acentuadamente contra o emprego de civis, ou mesmo do serviço obrigatório. Outros grupos, contudo, enfrentam uma inclinação mais suave, devido as suas culturas serem mais tolerantes com civis sendo usados como recursos em conflitos — em grande parte por causa da realidade vivida diariamente, onde civis são efetivamente usados como recursos em conflitos.

Os rios que são difíceis de atravessar podem caracterizar as opções indesejáveis, representando que a passagem exige o envio de mensagens especializadas (A mensagem especializada pode ser apresentada como uma ponte móvel, por exemplo, ou uma ponte flutuante). Os rios, as montanhas e o terreno acidentado podem ajudar um comandante tradicional a melhor refletir sobre os problemas do ambiente informacional. Quão rápido um lado pode criar obstáculos em relação à capacidade do outro lado de desmanchá-los? Um lado depende mais de defesas ou estruturas frágeis do que o outro? Qual terreno é mais fácil de se construir sobre (metanarrativas culturais, que são vistas como alicerces de pedra sólida) e qual terreno é mais difícil de se construir sobre (tendências e modas, melhor visualizado como um terreno informacional pantanoso)?

O terreno cultural existe, e é um fator primordial na guerra informacional. A visualização de um possível oponente como uma cidade amuralhada (difícil de entrar, mas também difícil de sair para atacar) implica táticas diferentes do que um oponente que é mais semelhante a uma selva enevoada, onde o movimento é devagar, mas possível, e o terreno é incerto, difícil de entender ou de mapear. Em nosso exemplo, isso pode representar as condições de vitória. Por exemplo, talvez Charlie saia vitorioso quando impede ou faz com que a maioria das opções para Ulysses seja indesejável e tenha pressionado Ulysses até o ponto em que a melhor opção que permanecente é a rendição e a retirada dos soldados miniaturas. O jogo já não compensa. A determinação de lutar já se foi.

Independentemente das metáforas específicas, comandantes têm descoberto que o ambiente informacional é difícil de compreender e até mais difícil de ser usado como um campo de batalha. O uso de um modelo que explica o campo de batalha informacional em termos físicos pode enriquecer o entendimento. No entanto, nenhum modelo pode representar todos os aspectos de um ambiente complexo. O uso incorreto ou a falta de entendimento de um modelo pode desorientar um comandante. Contudo, se as limitações do modelo são bem entendidas, há lições que podem ser aprendidas. Independentemente do modelo usado, os Estados Unidos têm que conseguir desenvolver um melhor entendimento do campo de batalha informacional. Se um determinado modelo pode ajudar nesse entendimento, então vale a pena ser considerado.


Referências

  1. Sun Tzu, The Art of War, trad. Samuel B. Griffith (New York: Oxford University Press, 1963), p. 117, 116, 131. “Todos os chefes preferem estacionar as suas tropas em terreno alto ao invés de terreno baixo ... / Combata na colina, não suba para atacar. / Nunca lance um ataque sobre um inimigo que ocupa um terreno alto”.

O Ten Cel Brian L. Steed, Exército dos EUA, é professor assistente de História Militar no Command and General Staff College do Exército dos EUA, em Fort Leavenworth, Kansas, e Oficial da Área de Assuntos Internacionais, especializado em estudos do Oriente Médio. Criou, como parte do seu trabalho de PhD na University of Missouri–Kansas City, a Teoria de Manobra no Espaço Narrativo e enfatizou o emprego efetivo de conhecimento cultural para desenvolver influência no seu livro, de 2014, Bees and Spiders: Applied Cultural Awareness and the Art of Cross-Cultural Influence (“Abelhas e Aranhas: Conhecimento Cultural Aplicado e a Arte de Influência Transcultural”, em tradução livre)

O Ten Cel Jon Herrmann, Reserva da Força Aérea dos EUA, possui mais de 25 anos de experiência como oficial de Operações de Informações e de Inteligência. Possui mestrado em Serviço Internacional pela American University e, também, mestrado em Ciência Política pela George Mason University. Serviu como parte do corpo docente executivo/reserva do programa de Inteligência Estratégica da National Intelligence University, desde 2013, e atualmente apoia atividades de ensino de espionagem analítica do Departamento de Defesa. Seu emprego anterior se concentrou em torno de Operações de Informações e planos de Inteligência; concepção de sistemas de instrução e de ensino; estado-maior de nível estratégico e operacional; e conselho/consulta para oficiais de mais alto escalão em instituições militares, acadêmicas e de pesquisa.

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