Revista Profissional do Exército dos EUA

Edição Brasileira

Artigos Exclusivamente On-line de abril de 2020

O Exército Brasileiro e o Apoio ao Combate à COVID-19

Gen Bda José Ricardo Vendramin Nunes, Exército Brasileiro

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Militares do 9o Batalhão de Engenharia de Combate estabelecem barreiras sanitárias no Estado do Mato Grosso do Sul. (Foto do Sub Ten Solano, Exército Brasileiro)

Para fins deste artigo, não se faz necessária uma longa digressão sobre a pandemia de COVID-19, considerando que é o tema mundial do momento já há algum tempo, gerando grande tensão e múltiplas ações nacionais e internacionais, e, ainda, que é evento em andamento, cujo desfecho é impossível de predizer com os dados existentes. A emergência nacional está em curso e impõe a todos união, coordenação e iniciativa para atravessar o atual e tormentoso período.

O texto pretende expor, de modo sumário, o esforço do Exército em apoio à sociedade brasileira no combate ao surto mundial de coronavírus.

O ponto de partida ocorreu entre 9 e 23 de fevereiro de 2020, quando do envolvimento do Exército na Operação Regresso, no contexto de uma operação conjunta coordenada pelo Ministério da Defesa, que objetivou resgatar 58 brasileiros residentes na cidade de Wuhan, na China, desejosos e aflitos para retornar ao Brasil.

A importante participação do Exército na Operação Regresso se deu por meio da descontaminação de material, aeronaves, viaturas e pessoal que retornou da China, por tropa especializada em Defesa Química, Biológica, Radiologia e Nuclear, bem como da montagem e gerenciamento de um hospital de campanha na Base Aérea de Anápolis, local de recepção e quarentena. A Operação foi muito bem-sucedida, e todos os brasileiros repatriados deixaram a quarentena sãos e prontos para voltarem às suas casas. Essa operação tornou-se um ensaio relevante para a tomada de medidas e elaboração de planejamentos que seriam úteis quando da chegada massiva do vírus ao Brasil.

O monitoramento do ambiente internacional e a visualização da gravidade da penetração do coronavírus no País indicaram ao Ministério da Defesa, em sintonia com o Ministério da Saúde e outros entes federais, o lançamento da Operação COVID-19. Constituiu-se esta em uma nova operação conjunta, desta feita em uma escala nunca antes vista no Brasil, com a ativação de dez comandos conjuntos que cobrem todo o território nacional. A Operação COVID-19 é inédita pela sua envergadura e metas diante da dimensão de uma crise nacional sem precedentes.

O Exército, mesmo antes da criação da Operação COVID-19, já havia se antecipado em planejamentos e ações, deslocando meios, pré-posicionando materiais e enviando recursos humanos e financeiros para que determinados setores e comandos subordinados pudessem tomar iniciativas de aquisição de material sanitário extra e de reorganização de recursos humanos de saúde, de modo a fazer frente às demandas que seriam certamente crescentes por parte do poder público e da sociedade. Essas ações preliminares foram rápidas proporcionaram condições satisfatórias para que, no desembocar da Operação COVID-19, o Exército estivesse focado e com os meios iniciais alocados.

Militares brasileiros realizam desinfecção no aeroporto internacional de Natal (RN). (Foto do 1o Ten Maurício, Exército Brasileiro)

Foram elaborados cenários e levados a cabo planejamentos diversos, em diferentes escalões de comando, para que a Força Terrestre possa se ajustar com a necessária flexibilidade às diferentes exigências que a crise oferece. Além disso, a Força também buscou as informações de exércitos de países amigos que estão enfrentando crises semelhantes para que suas experiências e estratégias pudessem ser adaptadas a realidade brasileira. O planejamento estratégico do Exército considerou cinco estados finais desejados, com linhas de esforço e de operações adequadas:

  • surto de coronavírus controlado;
  • imagem do Exército Brasileiro fortalecida;
  • nível de prontidão e operacionalidade mantidos;
  • Exército Brasileiro reconhecido como um dos fatores de não proliferação da COVID-19; e
  • confiança da família militar no Exército Brasileiro fortalecida.

Transcorrida a fase inicial da Operação, observa-se que o lema do Exército: “Braço Forte e Mão Amiga” revela-se, uma vez mais, aquele que melhor traduz a maneira como a Instituição se enxerga e como a Nação a vê. Décadas de apoio incondicional à população brasileira, em uma miríade de tarefas exitosas, produz nas pessoas a expectativa de que o Exército fará o certo, no momento oportuno e da maneira correta.

Depois de duas semanas de operação, pode-se afirmar que a confiança construída ao longo dos anos junto ao cidadão brasileiro é um ativo que facilita a ação. Em uma fase de dúvidas e apreensão generalizadas, o Exército é fator de coesão e estabilidade do tecido social.

Das Forças Singulares, na Operação COVID-19, cabe ao Exército comandar oito dos dez comandos conjuntos e estar com meios majoritários nos demais, abrangendo sob sua responsabilidade direta mais de 85% do território, valendo-se de sua enorme capilaridade, de sua imensa credibilidade e de sua sólida efetividade no cumprimento de missões dessa natureza.

E agora, vale a pena tratar da natureza da missão, que, de modo simples, pode ser expressa pelo apoio operacional e logístico aos órgãos de saúde e de segurança pública. Esse apoio é permanente e inserido em um quadro interagências, em que os poderes públicos municipais, estaduais e federais, bem como entidades da sociedade civil, apresentam solicitações que podem ser respondidas de diferentes formas.

Os exemplos de atividades de apoio são muitos e se materializam em um amplo espectro de ações que cobre o apoio ao controle de acesso a fronteiras; apoio à segurança pública; apoio direto de saúde e montagem de infraestrutura sanitária; desinfecção e descontaminação de espaços comunitários e de pessoas; transporte, alojamento e alimentação de indivíduos em estado de necessidade; apoio à triagem e à vacinação; e à produção de medicamentos. Essas tarefas têm forte impacto local e são executadas em coordenação com agências públicas e representantes da sociedade.

A condução da operação, no que toca ao Exército, considera essencial a comunicação estratégica da Força com seus diferentes públicos, apontando para que a atuação seja transparente e eficaz, e que seus efeitos suportem as ações operacionais e logísticas, reforçando uma narrativa séria e comprometida com os anseios da Nação, que se vê envolta em um ambiente de tensão crescente.

Até o dia em que este breve ensaio foi escrito, dia 6 de abril, duas semanas após o começo da operação, o Exército estava empregando diariamente mais de 20 mil militares, homens e mulheres que profissionalmente contribuem de forma decisiva para que as ações de combate à pandemia produzam os resultados desejados, com a utilização de 792 viaturas, 64 embarcações e 4 aeronaves, em 278 ações em todo o País.

A Força Terrestre dispõe de mais de 650 organizações militares, desdobradas nos grandes centros urbanos e nas mais distantes localidades, em condições de serem gradualmente empregadas com comando e controle eficientes.

Há, naturalmente, a preocupação com os nossos militares e a família militar, entendida como a soma dos primeiros com o pessoal da reserva e todos os dependentes. Desse ângulo, o Exército tem adotado procedimentos sanitários rigorosos e expedido inúmeras orientações para que a enfermidade cause danos mínimos na prontidão e na operacionalidade da Força, bem como nos familiares dos militares. O Sistema de Saúde do Exército tem se preparado a contento, expandido suas capacidades para absorver mais pacientes, a fim de tratá-los adequadamente e recuperá-los no menor tempo possível.

Militares empregados na confecção de máscaras de proteção individual. (Foto do 1o B Com, Exército Brasileiro)

É interessante, também, notar que outras operações de apoio às comunidades brasileiras não foram interrompidas. Podemos citar, dentre elas, as ações de defesa civil e de apoio de engenharia, além da Operação Carro Pipa, na qual o Exército coordena e controla a distribuição de água potável para mais de 2,5 milhões de brasileiros que residem na área do semiárido nordestino. Nada disso é simples ou fácil, e requer elevado nível de organização e competência para que não ocorra solução de continuidade enquanto a mitigação dos efeitos da pandemia é realizada.

A Operação COVID-19 seguramente deixará lições aprendidas cruciais para o enfrentamento de crises futuras de natureza biológica. O Exército está atento e buscando soluções inovadoras para lidar com o ineditismo da crise em suas muitas facetas. Possivelmente, haverá a necessidade de se reestudar as operações e a logística em ambientes com restrição biológica.

Como tem ocorrido em outros países, há muita incerteza sobre os tremendos desafios que a pandemia ainda trará ao Brasil e ao Exército. Estamos nos preparando e ajustando nossos planejamentos segundo os indicadores dos cenários que vão se concretizando. Os dias mais duros da crise ainda estão por vir e, certamente, teremos muito a apreender e a executar, com a criatividade e a celeridade que a emergência obriga.

Nesse prisma, é crucial que a Força Terrestre mantenha tropas em condições de serem empregadas: hígidas, instruídas e com os recursos e capacidades necessárias para exercer a flexibilidade e adaptabilidade que alterações na situação poderão exigir. Há ainda que considerar que a fluidez e a volatilidade do ambiente operacional podem conduzir a Força ao desempenho de múltiplas outras ações. A capacidade de mobilidade estratégica, por exemplo, tem sido preservada em virtude de mudanças de cenário que requeiram intervenção rápida e eficaz.

É certo que o caminho a ser percorrido é longo e árduo, e o término da crise impreciso, mas o Exército estará à altura do chamamento que a Nação fez, com o comprometimento de sempre e com o foco no cidadão brasileiro mais necessitado.

O Gen Bda José Ricardo Vendramin Nunes, do Exército Brasileiro, é Chefe de Emprego da Força Terrestre, no Comando de Operações Terrestres. Possui o Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército e é pós-graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Nova York. Comandou a 3a Brigada de Cavalaria Mecanizada e o Campus Brasília da Escola Superior de Guerra.

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