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As Armadilhas da Compaixão Bem-Intencionada

A Guerra de Informação da Força-Tarefa Conjunta-Haiti em 2010

 

Cel John Boyd, Ph.D., Reserva do Exército dos EUA

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O Cel Buck Elton, da Força Aérea dos Estados Unidos da América (EUA), estava orgulhoso de sua equipe. Ao pousar em Porto Príncipe, no Haiti, aproximadamente às 19h00 do dia 13 de janeiro de 2010, sua 1a Ala de Operações Especiais havia reaberto o aeroporto da cidade, o qual havia sido danificado pelo terremoto, em um tempo recorde de 28 minutos para receber os voos de assistência humanitária e resposta a desastres (AH/RD). Após a chegada, os militares do Cel Elton imediatamente montaram um centro de recepção para as equipes de busca e resgate urbano que chegavam e iniciaram um sistema de slots de oportunidade para coordenar as centenas de voos humanitários que chegavam ao Haiti. "A maioria de nós operou sem parar e sem dormir nas primeiras 40 horas", contou o Cel Elton. "Os mosquitos estão por toda parte, e [está] uma carnificina total do lado de fora da área de segurança".1

A equipe do Cel Elton tomou decisões difíceis. Seus militares administraram o aeroporto por dias, inicialmente desviando muitas das aeronaves que queriam pousar por causa da superlotação. "Estávamos pousando mais de 250 aeronaves por dia, sem telefones, computadores ou eletricidade, e as pessoas reclamavam do congestionamento no aeroporto", lembrou.2 O Cel Elton ainda não sabia, mas as reclamações tinham apenas começado. Sua equipe fez um trabalho excepcional, mas "nenhuma boa ação fica impune".3

O Comando Sul dos EUA (USSOUTHCOM) e a Força-Tarefa Conjunta-Haiti (Joint Task Force-Haiti, JTF-H) se envolveram em uma guerra de informação espinhosa com aliados e analistas políticos dos EUA, detratores internacionais e facções do público estadunidense. Dez anos depois, em 2020, essa experiência fornece lições construtivas para as futuras operações estadunidenses de AH/RD.

A Operação Unified Response (OUR) — seus integrantes das forças armadas e outros — foi uma história de sucesso estadunidense e focou na tarefa à sua frente e cumpriu sua missão. A JTF-H minimizou o sofrimento humano, prestou cuidados médicos essenciais e ofereceu apoio de segurança às forças da Organização das Nações Unidas (ONU) e ao governo do Haiti. Além disso, forneceu à ONU, à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (U.S. Agency for International Development, USAID) e ao governo do Haiti a capacidade de funcionar em longo prazo, alcançando seus objetivos de estado final.4

O terremoto

Às 16h53 do dia 12 de janeiro de 2010, a nação insular do Haiti, a mais pobre das Américas, foi atingida por um terremoto de magnitude 7 na escala Richter. Em um evento sísmico que durou menos de 30 segundos, cerca de 230 mil pessoas morreram.5 O epicentro do terremoto, a 16 km a sudoeste da maior cidade do Haiti, Porto Príncipe, foi atingido por outros 13 tremores secundários nas sete horas seguintes e um total de 30 nas primeiras 24 horas. Em um raio de 64 km, cerca de 3,9 milhões de pessoas foram afetadas. Mais de 97 mil edifícios foram destruídos e outros 188 mil foram danificados. Oito hospitais foram destruídos e 14 dos 16 edifícios públicos do governo do Haiti foram inutilizados.6 O porto de Porto Príncipe foi avaliado como inutilizável devido aos danos no cais. A única grande instalação capaz de receber a ajuda e as equipes humanitárias era o aeroporto do país, que permaneceu funcional, embora o terminal e a torre de controle tivessem desabado e, portanto, não estivessem disponíveis.

Joint Task Force-Haiti's Phased Response

A Embaixada dos EUA no Haiti encaminhou um pedido de ajuda emergencial às 4h11 de 13 de janeiro, parte do qual afirmava: "Oferecer essa assistência é do interesse do governo dos EUA por causa de preocupações humanitárias e da importância de demonstrar que os amigos mais próximos do Haiti estão prontos para ajudar".7

Força-Tarefa Conjunta-Haiti:
a resposta inicial

O Gen Div P. K. Keen, então subcomandante do USSOUTHCOM, estava no país visitando o embaixador dos EUA no Haiti, Kenneth Merton, na casa deste último, no dia do terremoto; ambos sobreviveram sem ferimentos.8 O comandante do USSOUTHCOM, Ten Brig Douglas Fraser, da Força Aérea dos EUA, optou rapidamente por criar a JTF-H e colocar o Gen Div Keen no comando.

O conceito para a Operação Unified Response foi padrão, seguindo a doutrina constante da então nova Publicação Conjunta 3-29, Assistência Humanitária Estrangeira (JP 3-29, Foreign Humanitarian Assistance).9 Além disso, a JTF-H foi orientada a conduzir a fase I (resposta de emergência), passar para a fase II (operações de socorro) e começar a transição (reversão) durante a fase III (restauração), conforme o governo do Haiti, a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), as organizações não governamentais (ONG) e as agências da ONU assumissem a responsabilidade pelas fases IV (estabilização) e V (recuperação).10

Em conformidade com a JP 3-29, o Gen Div Keen solicitou um elemento conjunto de apoio de comunicação social, apoio do Gabinete de Comunicação Social do Secretário de Defesa e uma equipe de reportagem de combate.11 Começando com dois oficiais de comunicação social no dia 13 de janeiro, mais de cem integrantes da área de comunicação social e operações de informação trabalhavam freneticamente no Haiti dez dias depois.12

O Gabinete de Comunicações Estratégicas do USSOUTHCOM (StratComm) divulgou sua diretriz para o Haiti às 8h16 do dia 14 de janeiro, justo a tempo. "A imprensa está por toda parte, é difícil evitar os jornalistas. Dissemos o óbvio", disse o Gen Div Keen por e-mail no dia anterior.13 Na lista de possíveis "obstáculos e restrições" do StratComm estava a necessidade de (1) gerenciar as expectativas, explicando que os EUA não podiam consertar tudo que avaliassem como danificado; (2) contestar os relatos de que a missão de socorro estava focada apenas em pessoal e cidadãos dos EUA; e (3) rejeitar as afirmações de que trazer "um porta-aviões, navios anfíbios, fuzileiros navais e a 82a Divisão Aeroterrestre" foi "uma invasão ao Haiti".14

Ações anteriores de AH/RD pelo USSOUTHCOM já haviam resultado em críticas aos esforços de socorro por serem muito lentos ou não robustos o suficiente. Prevendo isso, Joseph "Pepper" Bryars, do Gabinete de Comunicações Estratégicas do USSOUTHCOM, ofereceu alguns conselhos com base em sua experiência. "Enquanto estamos trabalhando na avaliação para fornecer a assistência humanitária mais necessária e eficaz ao Haiti, recomendo que também nos concentremos em gerar imediatamente a imagem vital dos militares dos EUA entregando 'algo'. Se essa ótica não ficar evidente em breve, isso prejudicará nossa credibilidade no futuro."15

Infelizmente, as críticas aos esforços dos EUA já eram uma realidade; o site de notícias Christian Science Monitor atacou logo cedo, perguntando: "Por que está demorando tanto para a ajuda do Pentágono chegar ao Haiti?". Já a Reuters perguntou: "Quem está comandando o Haiti?" antes de passar a descrever um estado de anarquia em que o governo do país deixou de existir e a força de paz da ONU, a MINUSTAH, ficou impotente em função do terremoto.16 Dan Erikson, especialista em América Latina e membro do grupo de estudos Inter-American Dialogue, com sede em Washington, comentou que "A triste verdade é que ninguém está no comando do Haiti hoje. Esse vácuo, juntamente com a resposta robusta do governo Obama, criou, inevitavelmente, uma situação em que os EUA serão os tomadores de decisão de facto no Haiti".17

Inicialmente, a JTF-H carecia de consciência situacional para tomar qualquer decisão; as equipes de avaliação dos EUA ainda estavam a caminho de Porto Príncipe. Durante os primeiros dias, os veículos de comunicação civis no Haiti superaram em número os militares dos EUA, tornando-se a fonte dominante de informação. Como havia poucas opções, o USSOUTHCOM tomava decisões com base em relatos de casos na imprensa, o que muitas vezes causava o que os membros do estado-maior viam como um "microgerenciamento à distância".18

Uma das pessoas exercendo esse "microgerenciamento à distância" foi o Gen Div Russell Honoré, agora na reserva, famoso por sua coordenação da Força-Tarefa Conjunta Katrina. "Na manhã seguinte ao terremoto, como militar com 37 anos de experiência, presumi […] que haveria aviões entregando ajuda, não tropas, mas ajuda", afirmou o Gen Div Honoré ao USA Today. "O que vimos em vez disso foi uma discussão sobre 'Bem, temos que enviar uma equipe de avaliação para ver quais são as necessidades'. E sempre que ouço isso, minha cabeça fica a ponto de explodir."19

Todos os principais serviços de notícias enviaram jornalistas médicos para Porto Príncipe, entre eles o Dr. Sanjay Gupta, da CNN.20 Chegando ao Hospital Geral da cidade antes das forças dos EUA, Gupta transmitiu um pedido urgente de segurança e ajuda médica de emergência. Ele até contatou o Gen Div Honoré, que ligou para o USSOUTHCOM e informou a JTF-H da situação. Os jornalistas médicos no local frequentemente amplificavam o senso de urgência, desencadeando respostas precipitadas da JTF-H. No dia 19 de janeiro, por exemplo, aproximadamente 60 soldados dos EUA em helicópteros usaram o gramado do palácio presidencial do Haiti como zona de pouso e marcharam até o Hospital Geral para prover segurança. Para alguns haitianos, parecia uma invasão.21

Problemas no aeroporto

A situação congestionada no Aeroporto Internacional Toussaint Louverture, em Porto Príncipe, aumentou as críticas internacionais. O Cel Elton admitiu:

No início, sofremos um pouco de pressão no aeroporto devido ao grande número de desvios que os voos internacionais estavam executando […] Tivemos cerca de 40 a 50 desvios por dia nos primeiros dias porque não havia medidas de controle de fluxo para medir o número de aeronaves que queriam pousar aqui.22

 

A organização Médicos Sem Fronteiras não estava satisfeita, alegando que entre três e cinco de suas aeronaves que transportavam suprimentos médicos foram desviadas. Os aviões comerciais eram frequentemente redirecionados porque demoravam mais para descarregar do que os aviões militares.23 Os voos que não conseguiram coordenar com o USSOUTHCOM para pousar nos slots de oportunidade em Porto Príncipe também foram recusados.24 Infelizmente, isso gerou acusações de que os EUA estavam monopolizando o aeroporto para evacuar apenas seus próprios cidadãos. Quando os controladores aéreos dos EUA desviaram um voo de socorro francês e as tropas terrestres dos EUA atrasaram a evacuação de 63 cidadãos franceses, os ânimos aqueceram. O Ministro da Cooperação francês, Alain Joyandet, protestou, dizendo: "Trata-se de ajudar o Haiti, não de ocupar o Haiti".25

Mais tarde, Guido Bertolaso, chefe da Agência de Proteção Civil da Itália, que havia coordenado a resposta de emergência a um terremoto na Itália em 2009, denunciou o esforço liderado pelos EUA como "patético", declarando: "É uma demonstração de força verdadeiramente poderosa, mas completamente desconectada com a realidade. Eles não têm uma relação próxima com o território e certamente não têm uma relação com organizações internacionais e grupos de ajuda. […] [Quando] confrontados por uma situação de caos". Bertolaso disse ao canal de televisão italiano RAI que os EUA tendem "a confundir intervenção militar com o que deveria ser uma operação de emergência, que não pode ser confiada às Forças Armadas. Está faltando um líder, uma capacidade de coordenação que vai além da disciplina militar".26 Essa crítica veio de aliados dos EUA.

Inserido nessa mistura, o Cel Billy Buckner, do 18o Corpo Aeroterrestre, foi selecionado para chefiar o StratComm da JTF-H. O Gen Div Keen também adquiriu os serviços do The Rendon Group (TRG). Fundado por John Rendon em 1982, o TRG deveria fornecer à JTF-H "recomendações referente a questões de comunicação social, monitoramento e análise de mídias (dependendo do nível funcional da mídia haitiana) e coleta de dados quantitativos e qualitativos para a Avaliação Estratégica".27

Aviation experts from various U.S. agencies work under austere conditions 12 January 2010 to ensure ramp operations and slot times are processed for inbound and outbound air traffic into Haiti's Toussaint Louverture International Airport.

De volta ao USSOUTHCOM, Bryars continuou a trabalhar em comunicações estratégicas. Ele sugeriu o compartilhamento de informações de inteligência, regras de engajamento, rádios acionados manualmente e uma "frente unificada". "Talvez devêssemos considerar um processo diário de postar produtos de inteligência apropriados no portal não classificado para serem usados pelas ONGs, e fazer isso de forma coordenada por meio de parcerias", recomendou. "Tenho certeza de que existem riscos potenciais associados a isso, mas compartilhar imagens de estradas abertas, concentrações de pessoas, hospitais abertos, etc., ajudaria a construir a narrativa desejada de uma 'resposta unificada.'" Quanto ao papel militar dos EUA na segurança, ele estava sujeito à "interpretação do público", o que levantaria diversas questões de "lei e ordem". Elas precisariam ser gerenciadas. Bryars recomendou uma frente unificada, na qual o pessoal da JTF-H sempre fosse visto como subordinado ou trabalhando com civis do governo dos EUA.28

Soldiers assist Haitian citizens 2 February 2010 by carrying bags of food from the World Food Program distribution point. U.S. soldiers were instrumental in initially opening nine distribution points around Haiti.

Temporada de caça à JTF-H: os ataques dos pequenos grupos ideológicos

Quatro dias depois do início da OUR, uma cacofonia de críticas recaiu sobre a recém-criada JTF-H. "O presidente socialista da Bolívia, Evo Morales, chamou o esforço de socorro dos EUA de 'injusto, desumano e oportunista' e pediu uma ação das Nações Unidas para conter o suposto imperialismo ianque."29 Como já era de se esperar, o venezuelano Hugo Chávez acusou os EUA de usar o terremoto do Haiti para ocupar o país. "Por que enviar 3.000 soldados armados a menos que seja para a guerra?" disse ele, irritado, "Parece que eles estão ocupando militarmente o Haiti, se aproveitando da tragédia".30 Seus comentários foram ecoados por outros líderes antiestadunidenses, como Daniel Ortega, da Nicarágua. "O que está acontecendo no Haiti me preocupa seriamente", Ortega acrescentou, "Parece que as bases [na América Latina] não são suficientes […] O Haiti busca ajuda humanitária, não tropas".31 Ele culpou o militarismo estadunidense e o presidente Barack Obama, exigindo a retirada imediata das Forças Armadas dos EUA.32

Nada disso foi uma grande surpresa. O que foi surpreendente mesmo foi o número de meios de comunicação tradicionais — estrangeiros e domésticos — que estavam lançando críticas negativas ao esforço de ajuda dos EUA. De acordo com a Análise de Mídia Regional do Comando Sul do Exército dos EUA, Recent Trends in Media Coverage, no dia 18 de janeiro, as histórias negativas da mídia ultrapassaram as histórias positivas em toda a América Latina em uma relação de quase dois para um.33

Aos responder aos ataques negativos, o Gen Div Keen focou em fazer com que a JTF-H passasse a mensagem certa e necessária. Ele pediu conselhos a John Rendon, do TRG, por e-mail, dizendo: "Eu sei que estamos tendo problemas, mas isso é perfeitamente compreensível (eu acho) :(".34

"As histórias não são negativas. O assunto é negativo", respondeu Rendon. "A primeira leva de histórias é sobre a magnitude da tragédia; a próxima será sobre os socorristas." Ele acreditava que a JTF-H estava entregando a mensagem correta, que o Gen Div Keen precisava "avançar" com mais mensagens sociais. Ele também instou a JTF-H a agradecer a outros países, individual e coletivamente. Até mesmo países que estavam ajudando simbolicamente, "aqueles de quem talvez não gostemos". Rendon continuou, dizendo:

A ajuda militar é muito lenta; Os militares não estão lidando com problemas de logística quando chegam lá (o aeroporto está desorganizado, os aviões não podem pousar; os suprimentos não chegam às pessoas). Essas críticas são quase inevitáveis, dada a extensão do problema e a atuação ininterrupta da imprensa. As respostas que vimos até agora são adequadas. Fornecer atualizações diárias sobre o progresso realizado pode ser útil. Pode até fazer sentido fornecer um resumo sobre cada avião que está pousando (e aqueles que estão em espera e por quê), o que eles contêm e para onde os suprimentos de socorro irão e quando; o uso de podcasts também pode ser útil. Mostrar as capacidades das Forças Armadas dos EUA, não apenas dizer à mídia quais são essas capacidades, também ajudará a mudar o tom das reportagens. Precisa haver mais citações nos próximos dias de pessoas que não sejam membros das Forças Armadas dos EUA abordando o trabalho positivo que está sendo feito (ONGs, nações parceiras e cidadãos haitianos agradecendo aos militares dos EUA por sua ajuda). […] Quando agradecermos a eles, eles provavelmente nos agradecerão também, e as citações deles nos agradecendo resultarão em uma cobertura da imprensa positiva e confiável.35

 

Os "pequenos grupos ideológicos" que acusam os EUA de invasão ou de serem usados como um "serviço de entrega de refeições gratuitas para populações carentes" não têm alcance popular. "Eu normalmente diria para não se distrair", aconselhou Rendon, "mas tenho certeza de que serão feitas perguntas sobre essas críticas nos programas matinais de domingo porque eles [a imprensa] gostam desse jogo político e usam as já consagradas técnicas de resposta, transferência e mensagem".36

Independentemente da mensagem, a JTF-H não estava imune aos ferimentos autoinfligidos. Conforme mencionado anteriormente, no dia 19 de janeiro, os soldados da 82a Divisão Aeroterrestre usaram o gramado ao redor dos destroços do palácio presidencial haitiano como zona de pouso, inserindo vários pelotões destinados à segurança do Hospital Geral. No entanto, a questão da imagem era agravante. Para os críticos do Exército dos EUA, as fotos pareciam uma invasão estadunidense; para outros, parecia uma missão de resgate. "Estamos felizes que eles estejam vindo, pois temos tantos problemas", disse Fede Felissaint, cabeleireiro que acompanhou os pousos. Ele não teve problema algum com as tropas estadunidenses presentes no palácio. "Se quiserem, podem ficar mais tempo do que em 1915", disse ele, lembrando que os fuzileiros navais dos EUA ocuparam seu país por 19 anos (1915-1933).37

Outros haitianos não foram tão tolerantes. A chegada dos militares ao palácio não foi bem recebida por vários refugiados que acampavam nas proximidades. "Isso é uma ocupação. O palácio é nosso poder, nosso rosto, nosso orgulho", afirmou Feodor Desanges.38 Os críticos acusaram as tropas estadunidenses de pousar com "ordens de atirar para matar".39 O canadense e teórico da conspiração Michel Chossudosvsky interpretou os pousos como parte de um esquema estadunidense mais amplo:

A missão tácita do Comando Sul dos EUA (SOUTHCOM) com sede em Miami e instalações militares em toda a América Latina é garantir a manutenção de regimes nacionais subservientes, ou seja, aqueles que servem aos interesses dos EUA e estão comprometidos com o Consenso de Washington e a agenda política neoliberal. Embora os militares dos EUA estejam, no início, ativamente envolvidos na ajuda emergencial e resposta a desastres, essa presença militar estadunidense renovada no Haiti será usada para estabelecer uma posição no país e também perseguir os objetivos estratégicos e geopolíticos dos EUA na bacia do Caribe, os quais são, em grande parte, voltados contra Cuba e a Venezuela.40

 

Ajustando a narrativa

Ao pousarem no aeroporto de Porto Príncipe no dia 16 de janeiro, a Secretária de Estado Hillary Clinton e seu novo chefe da USAID, Dr. Rajiv Shah, fizeram uma visita de quatro horas para mostrar o apoio dos EUA e conversar com o presidente haitiano René Préval.

Em 20 de janeiro, Clinton reagiu às críticas sobre a OUR. Ela escreveu para funcionários do Departamento de Estado, dizendo: "Estou profundamente preocupada com os casos de cobertura imprecisa e desfavorável da imprensa internacional sobre o papel e as intenções dos EUA no Haiti". "Essas informações erradas ameaçam minar a parceria internacional necessária para ajudar o povo do Haiti e prejudicam nosso envolvimento internacional em uma série de outros assuntos. É fundamental corrigir a narrativa em longo prazo." Chefes de missão foram instruídos a rastrear e corrigir "histórias mal informadas ou distorcidas". "Também peço que vocês me mantenham informada por meio de seu secretário-adjunto", ela orientou, "Trata-se de uma prioridade pessoal e eu ficarei no aguardo dos seus relatórios".41

Clinton sabia o que estava por vir? Nos dias 20 e 21 de janeiro, Hugo Chávez e seus "chavistas" acusaram os EUA de atacar o Haiti com uma arma secreta tectônica causadora de terremotos. Ao acusar os EUA de utilizar uma "arma causadora de terremotos" que poderia produzir "anomalias climáticas […] inundações, secas e furacões", o homem forte insistiu que o "ataque" ao Haiti foi um teste militar dos EUA em preparação para um ataque com terremoto ao Irã. Citando "um suposto relatório da Frota do Norte da Rússia", Chávez acusou o Programa não classificado de Pesquisa Ativa de Alta Frequência de Auroras (High Frequency Active Auroral Research Program, HAARP), localizado no Alasca, de ter executado o suposto ataque.42

A acusação de Chávez combinou duas teorias da conspiração. A primeira teve origem em um relatório de 14 de janeiro da teórica da conspiração Sorcha Faal, intitulado "U.S. Quake Test Goes 'Horribly Wrong', Leaves 500,000 Dead In Haiti" ("Teste de terremoto dos EUA dá 'terrivelmente errado', deixa 500.000 mortos no Haiti", em tradução livre). A segunda história atribuiu a culpa pelo terremoto de 2008 em Sichuan, na China, ao HAARP. O relatório da Frota do Norte da Rússia provou ser uma invenção de Faal. Os comentários de Chávez foram noticiados por Al Manar no Líbano e por outros meios de comunicação no Irã, Rússia e Paquistão.43

A jornalista Sharon Weinberger caracterizou o HAARP como "a Moby Dick das teorias da conspiração".44 O verdadeiro propósito do HAARP era analisar "as interações das ondas de rádio na ionosfera e os efeitos subsequentes nos sistemas de comunicações, radar e de navegação".45 Seja lá o que fosse, os tiros disparados por Chávez e seus companheiros contra a JTF-H estavam derrubando a política externa dos EUA em toda a América do Sul.

Uma JTF-H mais amadurecida responde

Buckner (StratComm) conseguiu chegar na "narrativa certa". A estratégia vencedora foi a consistência de tema/mensagem projetada em longo prazo. À medida que o número de soldados dos EUA em Fort Bragg, Carolina do Norte, aumentava no período de 18 a 22 de janeiro, as capacidades da força-tarefa também aumentavam. Uma célula conjunta de informações interagências (Joint Interagency Information Cell, JIIC) foi estabelecida. Essa combinação de agências governamentais dos EUA desenvolveu temas, mensagens e pontos de discussão comuns e proporcionou unidade de esforços (mensagens) para todas as agências estadunidenses que trabalhavam no Haiti.46

O gabinete de Buckner ficou ocupado acompanhando e incorporando repórteres nas unidades, marcando entrevistas e divulgando uma variedade de histórias e análises por meio de diversos meios de comunicação. Uma das mais novas fontes de mídia, o Twitter, ganhou destaque durante a OUR quando os meios de comunicação do Haiti caíram. O autor Tim Leberecht acredita que o Twitter "cresceu" como resultado do terremoto. "A Sysomos, uma empresa de análise de dados de Toronto, estimou que cerca de 150 mil postagens contendo 'Haiti' e 'Cruz Vermelha' foram publicadas no Twitter desde o terremoto", relatou ele. A Cruz Vermelha publicou um tuíte afirmando que eles ajudaram a arrecadar USD 8 milhões.47

Buckner administrava um Centro de Informações Conjunto (CIC) totalmente funcional na embaixada dos EUA e um elemento avançado no aeroporto. Outros elementos foram alocados com a 2a Brigada, a 82a Divisão Aeroterrestre, o navio-hospital USNS Comfort, o superporta-aviões USS Carl Vinson e a missão de socorro anfíbio.

A colagem fotográfica é de uma apresentação acadêmica e mostra como Hugo Chávez culpou o programa não classificado de Pesquisa Ativa de Alta Frequência de Auroras (HAARP.

Guiada pelo JIIC, a JTF-H permaneceu entregando a mensagem correta. O público-alvo era o povo haitiano, a liderança haitiana, o povo estadunidense e a comunidade internacional. Os temas centrais incluíam: (1) uma resposta global destinada a salvar vidas e aliviar o sofrimento, (2) os haitianos ajudando os haitianos e (3) os EUA "estarão com o Haiti por muito tempo". Havia também temas "indesejados" que exigiam contestação: (1) esforços dos EUA muito lentos/insuficientes/desorganizados, (2) "Os EUA Estão Mantendo o Inepto Governo Haitiano à Tona", (3) militares dos EUA como força ocupante e (4) os EUA vão reconstruir o Haiti.48

Houve boas notícias. Embora os estadunidenses estivessem igualmente divididos quanto à política do governo Obama e iniciativas legislativas, 74% dos cidadãos entrevistados acreditavam que o país estava "fazendo o suficiente" pelo Haiti e classificaram o esforço militar como "muito bom" ou "excelente". Uma pesquisa privada da empresa Gallup Poll descobriu "pouca diferenciação" ao avaliar o desempenho das diferentes Forças Singulares; todas foram vistas como "fazendo um trabalho excelente ou muito bom". Televisão, sites de notícias e rádio continuaram sendo as principais fontes de notícias, enquanto os estadunidenses mais jovens (um em cada cinco) usavam sites de redes sociais.49

No entanto, também havia más notícias. A JTF-H estava perdendo a guerra de informação em partes da América Latina, área de responsabilidade do USSOUTHCOM. Para fins de análise e operação, o USSOUTHCOM dividiu a América Latina em quatro áreas geográficas: Caribe, América Central, Cordilheira dos Andes e Cone Sul. Na quarta semana da OUR, 57% das matérias discutindo os esforços militares dos EUA eram negativas em comparação com 43% de matérias neutras ou positivas. A Cordilheira dos Andes (Venezuela, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru) liderava em matérias negativas. A Venezuela de Chávez empreendeu uma campanha antiestadunidense com apoio esporádico da Bolívia e do Equador. Nenhuma outra nação latino-americana publicou mais histórias do que a Venezuela. A segunda posição ficou com Ortega, da Nicarágua, que foi responsável por um terço das histórias provenientes da América Central.50

Se havia alguma luz no fim do túnel, com o tempo, as matérias da mídia foram diminuindo e se afastando das forças armadas dos EUA.

Uma queda notável começou por volta de 18 de janeiro. O volume de novas matérias na mídia "diminuiu significativamente, enquanto o foco da maioria dos itens mudou do Componente Militar de AH/RD para questões geopolíticas mais abrangentes".51

A transição do Haiti: mudanças nas mensagens

No início da OUR, a capacidade da JTF-H de contar sua história estava fragmentada. A Fase I (resposta de emergência) foi, por sua própria natureza, frequentemente reativa; os eventos com a imprensa eram aleatórios, caóticos e muitas vezes ultrapassavam as capacidades da JTF. No entanto, conforme a JTF-H passou para as operações da fase II (operações de socorro), o StratComm tornou-se mais pró-ativo.52

Isso começou com a chegada do navio-hospital USNS Comfort, no dia 20 de janeiro, "uma promessa de esperança ancorada a 1,6 km da baía". Um símbolo visível do compromisso dos EUA com o Haiti, o navio-hospital se tornou um ponto focal para os jornalistas que importunavam o CIC e a Secretaria Conjunta de Visitantes para embarcarem.53

O trabalho de estabilização dos engenheiros da JTF-H se destacou. A descoberta de que centenas de haitianos tinham medo de dormir em suas residências, fossem elas edificações estruturalmente sólidas ou não, exigiu ação. O que garantiria às pessoas de que eram seguras? Os engenheiros estadunidenses criaram um sistema de inspeção para avaliar a integridade das edificações, o que incentivou os haitianos a voltarem para casa. Para ajudá-los em seu trabalho, os engenheiros desenvolveram um programa de treinamento para ensinar o sistema de inspeção aos cidadãos haitianos. À medida que sua transição (reversão) se aproximava, os engenheiros da JTF-H se concentraram em remover os escombros e restaurar o bairro de Turgeau. Um oficial apelidou as atividades de "uma vitória rápida".54

A imagem positiva do projeto Turgeau demonstrou a boa vontade e o trabalho árduo da JTF-H. Essas oportunidades de mídia foram possíveis na fase II:

Na sexta-feira [22 de janeiro], a mídia haitiana e a Associated Press observaram o treinamento sobre o sistema de inspeção em Turgeau. O evento foi um grande sucesso. Mais de 50 jornalistas de veículos como a CNN, o Washington Post, o Wall Street Journal, NPR e Voice of America, além de diversos meios de comunicação haitianos, estiveram presentes.55

 

Enquanto os "pequenos grupos ideológicos" exigiam uma retirada imediata dos EUA, muitas ONGs, bem como elementos do público estadunidense e haitiano, insistiram que os EUA não partissem tão cedo. Meia dúzia de autoridades estadunidenses acreditavam que deixar o Haiti antes que a situação de segurança fosse restabelecida seria contraproducente. "O risco é […] de que eles irão embora muito rapidamente e, então, teremos o caos", disse Andrew Natsios, administrador da USAID de 2001 a 2005. "Eles estão ocupados com o Iraque e o Afeganistão-Paquistão. As Forças Armadas dos EUA não querem fazer isso, ou seja, fazer mais do que a resposta humanitária."56

Após anos de operações de combate, as Forças Armadas dos EUA se viram em uma posição incômoda — elas eram amadas! Muitos haitianos preferiam tê-las por lá em vez do governo do Haiti, e queriam que ficassem. Para os haitianos, o governo do Haiti parecia inepto, indiferente e corrupto.57 Apesar das repetidas tentativas do StratComm de convencê-las do contrário, as pessoas não acreditavam. Imagine a surpresa dos EUA — e o constrangimento — quando manifestações pró-EUA começaram a surgir em Porto Príncipe. Uma manifestação de apoio aos militares estadunidenses aconteceu no dia 2 de fevereiro, ao longo da Rua Delmas, onde escritórios do governo, sedes de ONGs e instalações diplomáticas estavam localizados. Os manifestantes rasgaram bandeiras haitianas enquanto marchavam carregando bandeiras dos EUA.58

Elizabeth Ferris, da Brookings Institution de Washington, ponderou sobre esses momentos. "O papel das Forças Armadas dos EUA ainda não está claro para mim", comentou. "Existem planos para que elas saiam de lá em um período razoável?" A conclusão dela foi que "[h]á muitas armadilhas em toda essa compaixão bem-intencionada".59

A primeira partida significativa das forças terrestres estadunidenses ocorreu no dia 24 de fevereiro, quando o 1o Esquadrão do 73o Regimento de Cavalaria, retornou a Fort Bragg. Em seguida, foi a vez do 1o Batalhão do 325o Regimento de Infantaria Paraquedista, que saiu no dia 5 de março. A mídia percebeu. "As tropas dos EUA estão se retirando em massa do Haiti", alertou uma matéria da Associated Press, declarando que "as tropas dos EUA estão se retirando da capital haitiana, deixando os residentes com medo de que sua partida seja um sinal de diminuição do interesse internacional pela situação do povo haitiano".60 Esse tipo de história é justamente o que a JTF-H queria evitar.

O símbolo mais visível do compromisso estadunidense no Haiti, o USNS Comfort, entrava no jogo agora. A partir de 27 de fevereiro, o Comfort não tinha mais um trabalho a fazer. Todos os pacientes haviam recebido alta e o navio estava vazio. A capacidade médica da ONU, das ONGs, do governo do Haiti, da USAID e de outras entidades havia melhorado, a ponto de haver 700 leitos disponíveis em terra.61 No entanto, a liberação do USNS Comfort foi complicada; o navio não poderia simplesmente partir sem que sua partida fosse bem anunciada para que não gerasse pânico e nem uma sensação de abandono.

A JTF-H considerou três linhas de ação (LA) para liberar o USNS Comfort: LA 1 – saída imediata (recomendada); LA 2 – saída em dez dias e redução de algumas equipes médicas; e LA 3 – saída em dez dias e redução da equipe médica e da tripulação para o nível destinado à condição de prontidão de tempo de paz (peacetime cruising).

Os líderes da JTF-H escolheram a LA 3 híbrida: saída em dez dias com uma equipe médica reduzida a um custo de cerca de USD 200 mil por dia. A partida foi marcada para o dia 10 de março. Essa escolha foi considerada reconfortante e compassiva.62

A partida do USNS Comfort foi bem divulgada por meio de comunicados de imprensa e da mídia haitiana local. Dez dias antes, a aeronave EC-130J "Commando Solo", uma estação de rádio voadora, transmitiu a data da partida misturada com anúncios de serviços públicos, sempre garantindo aos haitianos que os EUA estariam com eles por um longo prazo.63 Para amortecer o golpe e testar possíveis reações negativas, foi divulgada uma missão de reabastecimento de um dia fora de Porto Príncipe. Esse "ensaio geral", realizado no dia 5 de março, funcionou bem; a cidade de Porto Príncipe permaneceu calma. Cinco dias depois, nas primeiras horas da manhã do dia 10 de março, o USNS Comfort partiu de Porto Príncipe, sem incidentes, para Baltimore, seu porto de origem.

A young female patient receives treatment 10 February 2010 aboard the USNS <em>Comfort</em> in Port-au-Prince, Haiti.
 
A young female patient receives treatment 10 February 2010 aboard the USNS <em>Comfort</em> in Port-au-Prince, Haiti.

Quer queira, quer não, a partida do USNS Comfort enviou uma mensagem bem clara sobre a retirada iminente dos EUA. Ao longo de março e abril, a JTF-H continuou a transição (reversão), deixando vestígios de elementos e trazendo unidades novas, mas menores, do Comando Sul do Exército dos EUA e do 377o Comando de Sustentação (Apoio Logístico)NT, Reserva do Exército dos EUA, para continuar fornecendo um apoio limitado. No final de maio, a JTF-H consistia em duas companhias da polícia militar (equivalente à Polícia do Exército no Brasil), o 5330o Batalhão de Sustentação (Apoio Logístico) ao Combate, e pequenos destacamentos de engenharia e saúde. No dia 28 de maio, a JTF-H foi desmobilizada, transferindo sua missão para o New Horizons, o programa anual de assistência humanitária conjunta e combinada do USSOUTHCOM.64 A OUR se aproximava do fim.

Lições da guerra de informação de AH/RD para uma força-tarefa conjunta

Existem lições operacionais da Força-Tarefa Conjunta-Haiti e da OUR que podem ser aplicadas a uma força-tarefa conjunta de AH/RD.

Fase I. As missões de AH/RD são mais vulneráveis durante a fase I (resposta de emergência). No início de uma operação de AH/RD, as mensagens da JTF são mais reativas do que proativas devido às restrições de tempo e à natureza caótica da crise. Sem equipes de avaliação, o processo decisório referente a AH/RD permanece aleatório e incerto; emergências requerem consciência situacional. A situação incerta no terreno pode abrir qualquer JTF a acusações de incompetência e desorganização.

A introdução repentina de um grande número de militares fardados oferece oportunidades para qualquer pessoa interpretar seu propósito. A possibilidade de ferimentos autoinfligidos com base na interpretação da mídia ou comportamento inadequado da tropa deve ser antecipada.

A consistência da mensagem é um pré-requisito; espere receber críticas de amigos e aliados, bem como de pequenos grupos internacionais. A crítica pode incluir teorias da conspiração, desinformação e mentiras descaradas, e todas devem ser contestadas. Em alguns casos, como as críticas recebidas dos países da Cordilheira dos Andes, o tempo e a pouca atenção podem ser o único remédio. Como disse Leo Tolstoy: "Os mais fortes de todos os guerreiros são estes dois: tempo e paciência" [o trecho traduzido foi extraído da versão em português intitulada Guerra e Paz, traduzida por Rubens Figueiredo].65

Em um ambiente de fase I, o StratComm deve buscar oportunidades de boas notícias sobre o salvamento de vidas. Para moldar as discussões, é necessário ter um modelo de mensagem AH/RD desde o início.

Uma vez ativada, certifique-se de que a equipe da JTF-StratComm receba claramente a intenção e prioridades do comandante, um enunciado da missão e um estado final, sabendo que o estado final pode mudar com o tempo.

A maioria, quando não todas as JTFs de AH/RD, trabalhará sob a liderança da ONU, da USAID e do governo da nação anfitriã. Essas organizações ou governos podem não ter o pessoal necessário e precisar das capacidades da JTF, e as JTFs devem estar preparadas para ajudá-los com o planejamento e os recursos do StratComm. É útil desenvolver mensagens de "liderar por trás da linha de frente" enquanto se constrói relacionamentos com outras forças de AH/RD em campo — até mesmo equipes de busca e resgate urbano.

É importante que a liderança da JTF conheça seu ambiente, quem são os principais parceiros e o que se sabe sobre a cultura na qual a operação de AH/RD é implementada.

O conhecimento das interações históricas dos EUA com as nações anfitriãs é obrigatório. Por exemplo, uma história contenciosa de intervenção e ocupação do Haiti pelos EUA precedeu a formação da JTF-H. Compreenda a história dos EUA e como suas mensagens influenciarão seu público (público internacional, do país anfitrião, dos EUA e funcionários do governo).

Fase II. Na fase II (operações de socorro), uma estratégia de comunicação proativa torna-se possível. A presença de um elemento conjunto de apoio de comunicação social totalmente guarnecido e do setor de comunicação social (JIIC, CIC, Secretaria Conjunta de Visitantes) no país resultará em planejamento e análise eficazes. As atividades de socorro planejadas fornecerão ao StratComm as oportunidades positivas de mídia enquanto a JTF realiza seu trabalho de entrega de ajuda, assistência médica, melhoria do saneamento, construção de abrigos e muito mais. Da fase II para a fase III, a transição e reversão de forças militares mudarão as mensagens. Durante a reversão, identifique símbolos de compromisso humanitário, como navios-hospital, hospitais, atividades de reconstrução ou unidades de apoio que estejam partindo. Isso pode exigir um planejamento detalhado de mídia e divulgação antes da partida.

Diversos grupos de interesse, como a ONU, ONGs, nações estrangeiras, o público estadunidense, cidadãos da nação anfitriã e até mesmo o governo da nação anfitriã podem tentar atrasar ou interromper a saída das forças dos EUA.

Em todas as fases de AH/RD, nunca se esqueça do "trabalho vital de relações públicas". Fotos/filmagens de militares dos EUA empenhados em ajudar as vítimas captam a verdadeira essência das operações humanitárias estadunidenses que salvam vidas.

Por fim, nas palavras do Gen Div Keen: "Esteja sempre pronto […] não tivemos nenhum aviso […] tivemos que implantar tudo do zero".66


Referências

  1. Buck Elton, "Haiti: Boots on the Ground Perspective", Small Wars Journal, 2009, p. 1, acesso em 4 set. 2020, https://smallwarsjournal. com/blog/journal/docs-temp/355-elton.pdf.
  2. Ibid., p. 3.
  3. "The Upside of Yankee Imperialism in Haiti", Washington Times (site), 25 January 2010, acesso em 4 set. 2020, https://www.washingtontimes.com/news/2010/jan/25/the-upside-of-yankee-imperialism-in-haiti/.
  4. Joint Task Force-Haiti ( JTF-H) Briefing to MINUSTAH LL, 29 March 2010, USSOUTHCOM historical collection (SCHC). Em dois meses e meio, a JTF-H forneceu 4,9 milhões de refeições, 7,7 milhões de quilos de comida a granel e 2,6 milhões de garrafas de água; apoiou a distribuição de abrigos de emergência para 525 mil pessoas, 163 mil lonas e 23 mil barracas; conduziu inspeções de engenharia em 2.043 estruturas e uma área total de 114 hectares; e removeu 77 blocos de entulho em Porto Príncipe. O apoio médico do Departamento de Defesa totalizou mais de 19.000 pacientes tratados, 1.200 internações, 1.025 cirurgias, 255 evacuações médicas, 2.200 transferências de pacientes, 75 toneladas de suprimentos médicos distribuídos e cinco operações de busca e resgate. O aeroporto foi reorganizado e voltou a operar: foram realizadas 3.334 surtidas da JTF-Haiti (a partir de 5 de março), 3,1 milhões de toneladas de carga foram transportadas e 16 mil cidadãos estadunidenses foram evacuados. O porto danificado foi reaberto e a capacidade do porto foi duplicada: 8.400 TEUs (unidades equivalentes a vinte pés) e 10,2 milhões de STs (toneladas curtas) foram descarregadas; a reparação do lado sul do cais foi concluída no dia 26 de março; e a Guarda Costeira instalou equipamentos de auxílio à navegação.
  5. As estimativas variaram, começando em 57 mil, dias após o terremoto, e chegando a uma estimativa do governo do Haiti de 230 mil, divulgada posteriormente.
  6. John Ryan, Russ Goehring, and Robert Hulslander, "USSOUTHCOM and Joint Task Force-Haiti … Some Challenges and Considerations in Forming a Joint Task Force", Joint Center for Operational Analysis Journal XII, no. 2 (Summer 2010): p. 1.
  7. U.S. Embassy-Haiti, email message, "DISASTER DECLARATION: PORT AU PRINCE", 13 January 2010, SCHC.
  8. Lamentavelmente, o Maj Ken Bourland, ajudante do Gen Div Keen, foi morto no terremoto. Ele havia deixado o Gen Div Keen na residência do embaixador e retornado ao Hotel Montana, que desabou.
  9. Joint Publication 3-29, Foreign Humanitarian Assistance (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 17 March 2009 [obsoleta]).
  10. "Haiti Concept of Operations (CONOPS)", SJFHQ and JTF-HAITI OPORD 01-10, OPERATION UNIFIED RESPONSE (Final, dated 26 January 2010); A Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti era conhecida em francês como Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haïti, ou MINUSTAH.
  11. Haiti HADR [Humanitarian Assistance/Disaster Relief] Mission Update Brief, 14 January 2010, SCHC. A Unidade Conjunta de Apoio de Comunicação Social fornece profissionais de comunicação social da força conjunta prontos e disponíveis para o rápido emprego que planejam e implementam a estratégia de comunicação social de um comandante militar.
  12. Joint Task Force-Haiti Public Affairs, Operation Unified Response Daily SITREP [Situation Report], SCHC, 26 January 2010.
  13. Lt. Gen Keen, email message to Col. Jim Marshall (Director, Public Affairs), "RE: POTUS Press Synch", 13 January 2010, SCHC.
  14. "Haiti HA/DR StratComm Guidance (as of 13 Jan 2010)", Haiti HA/DR Mission Update Brief, 14 January 2010, SCHC.
  15. 15. Joseph Bryars, email message to Gen Doug Fraser, "Vital Optics", 14 January 2010, SCHC.
  16. Gordon Lubold, "Why Is It Taking So Long for Pentagon Aid To Reach Haiti?", Christian Science Monitor (site), 14 January 2010, acesso em 8 set. 2020, https://www.csmonitor.com/USA/Military/2010/0114/Why-is-it-taking-so-long-for-Pentagon-aid-to-reachHaiti; Andrew Cawthorne and Tom Brown, "Who's Running Haiti? No One, Say the People", Reuters, 14 January 2010, acesso em 8 set. 2020, https://www.reuters.com/article/us-haiti-earthquake-vacuum/whos-running-haiti-no-one-say-the-people-idUSTRE60D5VB20100114.
  17. Cawthorne and Brown, "Who's Running Haiti?"
  18. Ryan, Goehring, and Hulslander, "Challenges and Considerations", p. 3.
  19. "Retired General: US Aid Effort Too Slow", USA Today, 15 January 2010, cited in Alert-Haiti to Lt. Gen. Keen, 15 January 2010, SCHC.
  20. Lalit K. Jha, "Sanjay Gupta Effect: Medical Correspondents Galore in Haiti", Business Standard, 20 January 2010, acesso em 8 set. 2020, https://www.business-standard.com/article/economy-policy/sanjay-gupta-effect-medical-correspondents-galore-in-haiti-110012000120_1.html.
  21. JTF-H HADR SITREP, 16 January 2010, SCHC; Col. Robert Ament, email message to Lt. Gen. Keen: "Subject: Hospital", 19 January 2010; Lt. Gen. Keen, email message to Brig. Gen. Nicholas Matern (Canadian serving with 18th Airborne Corps) and staff, "RE: Hospital – What Is Our Strategy So We Can Properly Manage Expectations", 19 January 2010, SCHC.
  22. Elton, "Haiti, Boots on the Ground", p. 3.
  23. Uma aeronave chinesa levou nove horas para ser descarregada manualmente; eles não tinham paletizado a carga.
  24. Alert-Haiti email message to Lt. Gen. Keen, "Chaos at Port-au-Prince Airport Slows Emergency Aid Efforts", Associated Press, 15 January 2010, SCHC.
  25. Alert-Haiti email message to Lt. Gen. Ken Keen, "'Haiti Aid Flow Grows: Feuds over Reaching Victims', Associated Press", 16 January 2010, SCHC.
  26. Jerry White, "Criticism Mounts over U.S. Response to Haiti Disaster", World Socialist Web Site, 26 January 2010, acesso em 8 set. 2020, http://www.wsws.org/en/articles/2010/01/hait-j26.html.
  27. Joseph P. Bryars, email message to Lt. Gen. K. Keen, "Strategic Communications Support", 15 January 2010, SCHC.
  28. Joseph P. Bryars, email message to JTF-H leadership, "Strategic Communications Issues", 16 January 2010, SCHC.
  29. "The Upside of Yankee Imperialism".
  30. Alert-Haiti, email message to Lt. Gen. Keen, "'Chavez Accuses U.S. of 'Military Occupation' of Haiti', AFP", 17 January 2010, SCHC.
  31. "Nicaragua's Ortega Raises Specter of U.S. Occupation in Haiti", Counter Vortex, 18 January 2010, acesso 8 set. 2020, https:// http://countervortex.org/blog/nicaraguas-ortega-raises-specter-of-us-occupation-in-haiti/.
  32. Alert-Haiti email message to Lt. Gen. Keen, "Ortega Claims that U.S. Is Using Haiti Tragedy to Install Its Troops", 16 January 2010, SCHC.
  33. Army South Regional Media Analysis; U.S. Stratcomm Daily Media Analysis; Open Source Center Media Analysis & State Department Media Analysis, SCHC.
  34. 34. John Rendon, email exchanges with Lt. Gen. Keen, "Haiti", 16 January 2010, SCHC.
  35. Ibid.
  36. Ibid.
  37. Alfred de Montesquiou and Mike Melia, "U.S. Troops Land on Lawn of Haiti Presidential Palace", Associated Press, 19 January 2010, SCHC.
  38. "U.S. Troops Fan Out across Port-au-Prince", France24, 20 January 2010, acesso em 8 set. 2020, https://www.france24.com/en/20100120-us-troops-fan-out-across-port-au-prince.
  39. Kurt Nimmo, "U.S. Troops Occupy the Symbol of Haitian Sovereignty", Infowars, 19 January 2010, acesso em 20 jan. 2014, https://www.infowars.com/u-s-troops-occupy-the-symbol-of-haitiansovereignty/.
  40. Ibid.
  41. Secretary of State (SECSTATE) email message to All Diplomatic and Consular Posts, "Personally Engaging on Haiti", 20 January 2010, SCHC.
  42. "Hugo Chavez Mouthpiece Says U.S. Hit Haiti with 'Earthquake Weapon'", Associated Press, 21 January 2010, SCHC; Ronald Bailey, "Chavista 'Experts' Say U.S. Military Caused Haitian Earthquake", Reason (site), 20 January 2010, acesso em 8 set. 2020, https://reason.com/2010/01/20/chavista-experts-say-us-milita/.
  43. SECSTATE email message to All Diplomatic and Consular Posts, "Guidance and Talking Points on Developments in Haiti", 27 January 2010, SCHC.
  44. Sharon Weinberger, "The Strange Life and Times of HAARP", Wired (site), April 2008, acesso em 5 abr. 2020, https://www.wired.com/2008/04/haarp/.
  45. SECSTATE email message to All Diplomatic and Consular Posts, "Guidance and Talking Points", 23 January 2010, SCHC.
  46. Ryan, Goehring, and Hulslander, "Challenges and Considerations", p. 9.
  47. Tom Leberecht, "Twitter Grows Up in Aftermath of Haiti Earthquake", CNET, 19 January 2010, acesso em 8 set. 2020, https://www. cnet.com/news/twitter-grows-up-in-aftermath-of-haiti-earthquake/; Entrevista de Buckner com autor, 28 February 2010, SCHC. Buckner mencionou 4.500 seguidores na página da JTF-H no Facebook.
  48. USG [United States Government] Haiti JIC [ Joint Information Center] Talking Points, 2 February 2010, SCHC.
  49. Army South Regional Media Analysis; U.S. Stratcomm Daily Media Analysis; Open Source Center Media Analysis; and State Department Media Analysis, SCHC.
  50. "Public Perception on Haiti", assessment through 10 February 2010, SCHC.
  51. 765 USSOUTHCOM Public Affairs, "Operation Unified Response, Media Analysis/Summary", 27 January 2010, SCHC.
  52. O Gen Div Keen declarou que a JTF-H estava na Fase II no dia 4 de fevereiro.
  53. Steve Sternberg, "Haiti's 'Floating Hospital': Tough Questions on USNS Comfort", USA Today (site), 26 January 2010, acesso em 8 set. 2020, https://www.nationalnursesunited.org/news/haitis-floating-hospital-tough-questions-usns-comfort.
  54. Lt. Col. John Blackwell (USAF [U.S. Air Force]), entrevista com o autor, 4 March 2010.
  55. Mission Update Brief, Operation Unified Response (USSOUTHCOM), 27 February 2010, SCHC.
  56. Alert-Haiti email message to Lt. Gen. Keen, "Warren P. Strobel, 'Will U.S. Troops Leave Haiti Too Soon?' McClatchy", 22 January 2010, SCHC.
  57. USSOUTHCOM Public Affairs, "Operation Unified Response, Media Analysis/Summary", 11 February 2010, 2, SCHC.
  58. 58. Mission Update Brief, Operation Unified Response, 1 February 2010, SCHC.
  59. Alert-Haiti email message to Lt. Gen. Keen, "Warren P. Strobel, 'Will U.S. Troops Leave Haiti Too Soon?' McClatchy".
  60. Ben Fox and Jennifer Kay, "U.S. Troops Withdrawing En Masse from Haiti", Associated Press, 7 March 2010, acesso em 8 set. 2020, https://www.sandiegouniontribune.com/sdut-us-troops-withdrawing-enmasse-from-haiti-2010mar07-story.html.
  61. COAs [courses of action] for USNS Comfort Redeployment, surgeon briefing, 24 February 2010, SCHC.
  62. Ibid.
  63. A Commando Solo era uma aeronave Hércules C-130J modificada, usada para realizar operações psicológicas e missões de transmissão de assuntos civis nas bandas de comunicação padrão AM, FM, HF, TV e militar.
  64. New Horizons é uma série anual de exercícios conjuntos e combinados de assistência humanitária que o Comando Sul dos EUA realiza nas nações da América Latina e do Caribe. Desde que o exercício New Horizons começou, em meados da década de 1980, as tropas estadunidenses foram desdobradas anualmente para o exercício.
  65. Leo Tolstoy, Bethink Yourselves: The Two Most Powerful Warriors are Patience and Time (Exeter, UK: Words to the Wise, 25 October 2013), cover, Kindle. [NT: O trecho traduzido foi extraído da versão em português intitulada Guerra e Paz, traduzida por Rubens Figueiredo.]
  66. Lt. Gen. Keen, entrevista com o autor, 20 February 2010, SCHC.

 

O Cel John Boyd, da Reserva do Exército dos EUA, possui bacharelado pela Vanderbilt University, dois mestrados, sendo um em Educação, pela University of Cincinnati e doutorado pela University of Kentucky. Durante sua carreira, serviu no 4o Batalhão, 54o Regimento de Infantaria, 194a Brigada Blindada; na 100a Divisão; no 15o Batalhão de Operações Psicológicas; e no 45o e no 20o Destacamentos de História Militar. Trabalhou como historiador de comando do Departamento de Defesa para a 81a Divisão de Prontidão, Gabinete de História da Reserva do Exército dos EUA e Centro e Escola de Capelães do Exército dos EUA. Serviu em missões na Bósnia, Iraque e Haiti, onde atuou como historiador de comando da Força-Tarefa Conjunta-Haiti.

 

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Segundo Trimestre 2021