Military Review

 

Isenção de responsabilidade: Em todas as suas publicações e produtos, a Military Review apresenta informações profissionais. Contudo, as opiniões neles expressas são dos autores e não refletem necessariamente as da Army University, do Departamento do Exército ou de qualquer outro órgão do governo dos EUA.


 

Planejamento quadridimensional à velocidade da relevância

Processo decisório militar apoiado na inteligência artificial

 

Cel Michael S. Farmer, Exército dos EUA

 

Baixar PDF Baixar PDF

 
Refugiados afegãos se aglomeram em um Globemaster III C-17 da Força Aérea estadunidense para serem evacuados, no aeroporto de Cabul, Afeganistão, em 19 de agosto de 2021

Ter um computador como parceiro significou nunca se preocupar em cometer um erro tático. O computador podia prever as consequências de cada medida que consideramos, apontando possíveis resultados e contramedidas que poderíamos não ter percebido. Sem isso para nos preocupar, podíamos nos concentrar no planejamento estratégico em vez de gastar tanto tempo em cálculos trabalhosos. A criatividade humana era ainda mais importante nessas condições, não menos importante.

—Garry Kasparov, Deep Thinking

 

A tomada de decisão tem sido há tempos o elemento central da guerra. Os recentes aumentos no ritmo, escala, opacidade, não linearidade e conectividade da guerra desafiam cada vez mais o processo decisório contemporâneo. No futuro, essa mudança aumentará a importância da tomada de decisão oportuna e eficaz, ao mesmo tempo que agravará ainda mais os desafios cognitivos e decisórios de muitos comandantes. Os comandantes buscarão soluções para problemas mal estruturados e de alta complexidade que abrangem os seis domínios: ar, terra, mar, informação, ciberespaço e espaço. A situação futura apresenta um possível crescimento da complexidade, que aumentará exponencialmente à medida que novas tecnologias e aplicações forem desenvolvidas. O aprendizado humano e até mesmo a capacidade de intuição do comandante mais experiente não acompanharão o caráter evolutivo da guerra. Para estender ao futuro os insights que vencem batalhas, é preciso que ocorra uma melhoria na cognição humana, no processo decisório, ou seu aumento.

A cisão entre competência de decisão e o apoio disponível criou uma lacuna crescente entre o processo decisório analítico, a intuição do comandante e a tomada de decisão eficaz. Os ambientes atuais e futuros demonstram a necessidade de desenvolver ferramentas mais ágeis de apoio à decisão que possam reduzir a lacuna e recuperar uma vantagem decisória para os comandantes. A capacidade de prever com eficácia vários engajamentos à frente em um ambiente opaco e complexo será essencial para o sucesso. Simultaneamente, a capacidade de compreender e reagir primeiro em um ambiente dinâmico, capaz de invalidar rapidamente os planos anteriores, será essencial para obter e reter a iniciativa.1

A ciência da complexidade e o estudo do caos têm enfrentado problemas semelhantes e oferecem insights relevantes ao novo desafio para o comandante militar. O trabalho com a modelagem computacional e a inteligência artificial (IA) tem obtido grandes avanços. Em muitos jogos, os computadores eclipsaram a capacidade de tomada de decisão do ser humano.

Adaptando-se e evoluindo a partir da superioridade da IA, as equipes homem-máquina no xadrez alcançaram um novo auge na tomada de decisão, combinando a excelência tática dos algoritmos que avaliam movimentos futuros, vários lances à frente, com a capacidade estratégica do ser humano. Os atuais esforços de defesa dos EUA relacionados à IA e à tomada de decisão parecem focados no Big Data e na análise de dados. No entanto, não é possível tirar proveito da análise preditiva sem uma melhor estrutura de tomada de decisão militar. Caso contrário, o aumento da quantidade de dados e análises simplesmente agravará o desafio de compreender um ambiente operacional cada vez mais complexo e dinâmico.

O processo decisório militar (military decision-making process, MDMP), embora analiticamente sólido, não está estruturado de forma a acompanhar o ambiente futuro. O ritmo do conflito superará a capacidade de um estado-maior para processar uma contribuição analítica.

Modificar e aumentar o MDMP com o uso da IA criará um processo que gera entendimento do ambiente com base em uma estrutura de informação física a uma velocidade muito maior. O desenvolvimento da linha de ação não se originará, como agora, de um estado final desejado trabalhado de trás para frente, aplicando métodos e meios em uma retrospectiva teórica, para criar um futuro idealizado. O MDMP apoiado na IA trabalhará em direção ao futuro a partir do estado atual. Explorará, através de possíveis ramificações de árvores de decisão amigas e adversárias, rumo a uma gama de ambientes e linhas de ação do adversário, materializadas como agentes adaptáveis por meio de uma árvore de decisão ao estilo minimax.2 Futuros operacionais alternativos serão construídos com o surgimento da viabilidade, concluídos por meio da otimização das contribuições das funções de combate, inerentemente distinguíveis, e, em seguida, avaliados pelo componente humano da equipe homem-máquina como sendo adequados e aceitáveis. A nova visão de MDMP baseado no binômio homem-máquina acompanhará o futuro ambiente operacional, mantendo a relevância ao operar em velocidade próxima à das máquinas, permitindo uma visão superior capaz de atravessar uma névoa da guerra cada vez mais densa.

Os comandantes, embora apoiados por seus estados-maiores, usam, no fim das contas, suas próprias faculdades para a tomada de decisão. Quando os comandantes conduzem a resolução de problemas para formular diretrizes para seu estado-maior ou subordinados, estão essencialmente realizando “a análise de meios-fins, um processo de busca dos meios ou passos para reduzir as diferenças entre a situação atual e o objetivo desejado”.3 Até mesmo a intuição, uma interpretação perspicaz repentina de um acontecimento ou dado, funciona com um método semelhante. “Apesar do aparente lampejo de insight que parece gerar uma solução para os problemas, pesquisas indicam que os processos mentais usados pelas pessoas para resolver problemas de insight são mais bem descritos como uma análise de meios-fins incremental”.4 Os líderes reconhecem semelhanças e fazem conexões com a história estudada e pessoal, que conduzem ao insight. O psicólogo, economista e ganhador do Prêmio Nobel Daniel Kahneman explicou o processo interno, muitas vezes semiconsciente, com a descrição de que “o trabalho mental que produz impressões, intuições e muitas decisões ocorre de forma silenciosa em nossas mentes”.5 Roger Penrose, físico matemático, filósofo da ciência e ganhador do Prêmio Nobel, descreveu um desenvolvimento inconsciente de ideias e um julgamento consciente delas.6

O MDMP tem uma dinâmica semelhante e não menos humana. O estado-maior gera opções com o desenvolvimento de linhas de ação (LA), e o comandante decide. Entretanto, da mesma forma que no raciocínio de meios-fins, durante a criação de opções no processo de desenvolvimento de LA, as heurísticas, utilizadas para simplificar cálculos e algumas falhas neuropsicológicas, limitam as opções e introduzem subjetividade. Em última análise, o atual processo de desenvolvimento de LA no MDMP ainda requer brainstorming para boa parte da solução.

Em contraste com o desenvolvimento subjetivo de opções está o desenvolvimento de opções baseado em medições e cálculos que um processo apoiado na IA realizaria. Com alguns cálculos baseados em informações e dados disponíveis sobre conflitos anteriores, é possível comparar as recomendações que o MDMP apoiado na IA teria fornecido.

A avaliação da tomada de decisão e do planejamento durante a Guerra Russo-Georgiana de 2008 ajuda a entender a vantagem do MDMP apoiado na IA em comparação com as decisões, ações e resultados históricos. O que se segue é a lógica e o processo por trás do MDMP apoiado na IA.

Diz-se que a inteligência impulsiona a manobra; então, os resultados da preparação de inteligência do campo de batalha devem servir como um ponto de partida para o desenvolvimento das LA, permitindo a criação de uma LA amiga que alcance a assimetria frente ao adversário e execute as ações mais vantajosas contra as do adversário.

A partir da análise das forças inimigas, é possível determinar a força amiga necessária com base nas variáveis da missão específica. Para isso, é necessário um método de medição do poder de combate do adversário. Há diversos métodos de complexidades diferentes para determinar um valor que represente o poder de combate.

Um programa de IA pode viabilizar até mesmo os sistemas mais tediosos, portanto não é limitado pela complexidade como ocorre com os estados-maiores, especialmente quando o tempo é restrito. Embora esse exemplo use o modelo de análise do teatro de operações (theater analysis model, TAM), o TAM não é a questão. Pode ser usado qualquer modelo recomendado pelo comandante, estado-maior ou doutrina.

Antes do início da Guerra Russo-Georgiana de 2008, as forças russas estavam organizadas na Ossétia do Norte. Essas forças podem corresponder a um valor de poder de combate por localidade. Por exemplo, as forças russas nas proximidades da Passagem de Mamison podem ser calculadas a partir de seus componentes, como pessoal, carros de combate T-72, peças de artilharia autopropulsadas 2S3 e sistema de lançamento múltiplo de foguetes BM-21.7 A realização de cálculos de correlação de forças e meios (correlation of forces and means, COFM) quanto a essa força produz seu poder de combate relativo baseado no tipo de missão e terreno, resultando no valor de 59 quando se realiza um ataque deliberado através do terreno ondulado ao sul do Túnel de Roki, ou 50 quando se realiza um ataque em direção à cidade de Tsequinváli.

Farmer-fig1

A faixa de poder de combate mostrada na Figura 1 pode servir de base para o poder de combate necessário, a partir dos locais da força georgiana (ilustrados com retângulos azuis), para derrotar essa força russa em diversos cenários possíveis. Os dois cenários descritos na Figura 1 são o uso pelos russos da Passagem de Mamison a oeste, ou do Túnel de Roki a leste (linha vermelha com setas).

Como cálculos de poder de combate, um cálculo derivado da modelagem computacional pode ser usado para prever baixas com base na correlação correspondente de forças e meios.8 No algoritmo usado aqui, o poder de combate foi ajustado para cada capacidade ou sistema conforme o terreno e tipo de missão. Após ajustes no poder de combate, o modelo descreveu uma distribuição igual de baixas em uma relação de forças de 1:1, com uma curva não linear que se achata a uma relação de poder de combate de aproximadamente 4,4:1, demonstrando um ponto de rendimentos decrescentes aproximado.9 Esse cálculo não apresenta uma porcentagem da probabilidade de “sucesso da missão”, mas pode fornecer iterações de baixas e danos em combate previstos, indicando como o poder de combate de ambos os lados é afetado ao longo do tempo. Devem ser feitas suposições sobre a perda do poder de combate que resultará em derrota ou retirada, mas esse é um bom exemplo de casos em que o insight humano pode ser forçado a oferecer especificidade. O começo de insight que surge desses cálculos é que uma relação de 1:1 permanece sendo de desgaste, enquanto uma relação de 2:1 provavelmente aumentará para 2,4:1 e, depois, para 4,5:1, em duas iterações. Isso cria um mecanismo para buscar relações de combate favoráveis a tempo, que possam abalar o equilíbrio de forma decisiva. Isso não funciona como uma bola de cristal, mas oferece as melhores estimativas disponíveis, que podem ser trabalhadas de forma metódica por um estado-maior ou com a velocidade de uma máquina por um programa. Por ser a guerra um empreendimento tipicamente humano, podem ser incluídos modificadores adicionais para o moral ou outros fatores não incluídos nesse exemplo. Essa compreensão da aplicação do poder de combate ao longo do tempo oferece um importante insight e pode fundamentar a tomada de decisão sobre a alocação de forças. Nesse momento, pode ser gerado um requisito de poder de combate vantajoso para forças amigas correspondentes a locais específicos. A Figura 2 destaca um poder de combate desejável para as forças georgianas caso defendam em terreno ondulado em qualquer uma das rotas de invasão russa.

Farmer-fig2

Com o agravamento da situação na Ossétia do Sul, o Presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, definiu, em 7 de agosto de 2008, três objetivos para as Forças Armadas. Ordenou que “primeiro, impedissem que qualquer veículo militar oriundo da Rússia entrasse na Geórgia pelo Túnel de Roki; segundo, neutralizassem todas as posições que estivessem atacando mantenedores da paz e postos do Ministério do Interior georgianos ou aldeias georgianas; e terceiro, protegessem os interesses e a segurança da população civil durante a implementação dessas ordens”.10 Como o Secretário do Conselho de Segurança Nacional da Geórgia, Alexander Lomaia, declarou mais tarde, “A lógica de nossas ações foi neutralizar as posições de tiro na periferia de Tsequinváli e tentar avançar para mais perto do Túnel de Roki o mais rápido possível, contornando Tsequinváli”.11 Essa diretriz e a lógica que sustentou a resposta militar da Geórgia proporcionam um contraste útil à continuação do desenvolvimento de uma LA apoiada em IA neste artigo.

As forças russas analisadas anteriormente (Figura 1) foram as forças de primeiro escalão que, posteriormente, tentariam entrar na Geórgia através do Túnel de Roki. As forças que dispararam contra forças e aldeias georgianas operavam nas proximidades de Tsequinváli e consistiam em ossetianos assistidos pelos batalhões russo e ossetiano de “manutenção da paz”, que cresceram em número para 830 integrantes, aproximadamente 300 mercenários e artilharia mais significativa.12 Devido à sua considerável infantaria, missão diferente e terreno de defesa sumária a partir do centro urbano de Tsequinváli, seu potencial de combate é calculado em 60, conforme o mesmo método usado anteriormente.

Quanto às forças georgianas e à continuação do desenvolvimento de sua linha de ação mais favorável, o poder de combate e os locais das 2a, 3a, 4a e 5a Brigadas de Infantaria georgianas, bem como um batalhão de carros de combate distinto em Gori, serviram como ponto de partida para os cálculos. Podem ser calculadas suas distâncias e tempos de percurso até as forças russas, ou o acidente capital do terreno. A combinação dessas informações com as forças russas previamente delineadas e o conhecimento das relações de forças abordado anteriormente permite que a programação dos objetivos seja utilizada para otimizar matematicamente o poder de combate a partir de cada local na Geórgia até o Túnel de Roki ou Tsequinváli, para alcançar relações de forças favoráveis, minimizando, ao mesmo tempo, a distância total percorrida e, consequentemente, o tempo e os requisitos logísticos.

Farmer-fig3

Os resultados do programa de otimização incluídos no canto superior esquerdo da Figura 3 alocam poder de combate georgiano suficiente para alcançar uma relação de forças de 2:1 contra as forças atacantes russas. Para a 4a Brigada de Infantaria, à qual se recomenda dividir o poder de combate entre objetivos, foi realizada uma otimização subsequente para determinar as quantidades de diferentes sistemas de combate por função de combate para cada objetivo, conforme mostrado na parte superior direita da Figura 3. O resultado é uma solução de escolha racional fundamentada na doutrina e formada pelo tipo de cálculos reservados para o julgamento dos jogos de guerra na etapa posterior de MDMP na análise de LA. O que o MDMP apoiado na IA conquistou foi o uso de análise detalhada como base para o desenvolvimento inicial da linha de ação, evitando a futura dependência de trajetória (path dependency) em relação a uma LA abaixo do ideal.

Esse resultado é como analisar dados para criar informações. A fusão desses componentes de informação pode gerar conhecimento, ao qual o comandante ou o estado-maior pode aplicar a sabedoria. Em vez de possuir um elemento de inexplicabilidade, como o que seria introduzido pela intuição, essa abordagem pode ser explicada e modificada com diretrizes de planejamento específicas do comandante.13 Nesse caso, a eficácia de blindados, infantaria e artilharia tanto no ataque quanto na defesa, bem como em terreno urbano e colinas, foi considerada na otimização, e o resultado priorizou a artilharia para o Túnel de Roki. Essa recomendação, embora gerada por algoritmos, alinha-se ao discernimento militar humano, que reconheceria a dificuldade comparativa de empregar artilharia em uma cidade, bem como a vantagem relativa da infantaria. Não surpreende que as análises pós-ação constataram a eficácia da artilharia georgiana quando utilizada contra os avanços das colunas russas no terreno montanhoso.

Mais uma vez, os tipos de cálculos normalmente reservados para a etapa posterior da análise de LA são aplicados no desenvolvimento inicial da LA nessa modificação. Da mesma forma que Garry Kasparov descreveu os benefícios de trabalhar em equipe com um computador, os seres humanos também podem aplicar a arte operacional a um conceito que já incorporou a ciência.

Um exemplo dos muitos cálculos que podem ser integrados em um programa que reduzirá a carga cognitiva e permitirá que estados-maiores avancem para análises humanas de nível mais elevado é o tempo de percurso. Para cada um dos trechos de percurso recomendados, pode ser realizado um cálculo para determinar um tempo de percurso mais preciso com base no número de veículos e outras variáveis.

A comparação do resultado de uma LA rudimentar desenvolvida pelo binômio homem-máquina descrita acima com o que o Conselho de Segurança Nacional da Geórgia descreveu sobre sua linha de ação geral destaca a vantagem que o MDMP apoiado na IA poderia proporcionar. A recomendação apoiada na IA direcionou uma força georgiana mais poderosa para o Túnel de Roki simultaneamente ao emprego de forças rumo a Tsequinváli. É provável que um emprego mais precoce e significativo de forças em uma defesa nas proximidades do Túnel de Roki teria desorganizado consideravelmente as forças invasoras russas, que já estavam canalizadas, assim como teria impedido que deslocassem seus sistemas de foguetes na área de alcance de Tsequinváli e baterias de mísseis balísticos através do túnel para aumentar a penetração na Geórgia, o que se mostrou decisivo para os russos.14

O método modificado até esse ponto estabeleceu uma forma de desenvolver o “próximo lance” com base na compreensão do poder de combate amigo e adversário por local, como esse poder de combate é afetado pelo tipo de missão e terreno e a relação de tempo entre forças durante o movimento e manobra em contato. Esses exemplos de forças terrestres devem naturalmente se estender à aplicação do poder de combate e efeitos de todos os domínios. Essa técnica permite a análise simultânea de domínios individuais e fornece um mecanismo para a integração de efeitos interdomínios. As surtidas de apoio aéreo aproximado podem ser integradas ao domínio terrestre para proporcionar um melhor relação de poder de combate em locais e momentos-chave no combate terrestre. Além disso, os cálculos de combate ar-ar podem ser efetuados considerando os meios de defesa antiaérea em terra. A Figura 4 mostra o poder de combate das forças terrestres russas que atacam através do Túnel de Roki e das forças terrestres georgianas recomendadas, bem como destaca como aeronaves SU-25 russas ou sistemas SA-11 georgianos poderiam ser incorporados. Isso cria uma estrutura multidimensional para as operações de combate realizadas dentro e entre domínios e oferece um método para a sincronização da convergência. À medida que as condições em um domínio mudam, o impacto em outros domínios e operações pode se dar em um nível de complexidade que começa a ultrapassar em muito os cálculos do estado-maior.

Farmer-fig4

Com o núcleo da LA desenvolvido, a melhor integração de cada função de combate pode ser identificada de forma algorítmica. Por exemplo, conhecendo-se as rotas e distâncias até os objetivos, assim como as taxas de consumo e outros fatores de planejamento, podem ser calculados os elementos do conceito de apoio.

Esse exemplo demonstrou a capacidade de integração do planejamento para todas as funções de combate em múltiplos domínios. De posse de detalhes suficientes que considerem a consecução e a amplitude da LA, a explicação pode agora focar na profundidade. Para criar uma LA no nível operacional que tenha profundidade tanto no tempo quanto no espaço, ela deve prever vários engajamentos futuros para alcançar posições de vantagem relativa e procurar alcançar um mecanismo para derrotar os adversários que se traduza em sucesso. Embora tenham sido, em grande parte, criações de algoritmos que conectam a atual doutrina ou estudo militar, os processos anteriores têm dificuldades para ir além das decisões imediatas e criar arte operacional. Para isso, a inteligência artificial existente proporciona exemplos aplicáveis.

O algoritmo minimax básico usado no xadrez com IA pontua todas as disposições do tabuleiro dois lances à frente, a ação e reação, e depois compara as pontuações com base no programa.15 A disposição que tiver a pior pontuação é podada. Tendo-se eliminado a pior opção futura dois lances à frente, a melhor opção remanescente é selecionada. O processo de poda e eliminações evita um cenário em que se poderia obter uma peça de baixo valor no lance imediato, mas, em seguida, perder uma peça de alto valor. O algoritmo repete o processo com base em cada lance subsequente. Em muitos programas, o algoritmo analisa vários lances à frente, acrescentando disposições de tabuleiro de forma exponencial para avaliar e classificar possíveis lances.16 Para facilitar os cálculos no computador, um processo conhecido como poda alfa-beta é capaz de remover ramificações quando fica claro que não serão a melhor opção, e essas deixam, então, de ser avaliadas. Com base na capacidade demonstrada para avaliar as formações militares com base em sua correlação de forças e meios, é possível ver como até mesmo a simples metodologia de xadrez com IA poderia servir de base para o desenvolvimento da arte operacional.

Ao utilizar uma árvore de decisão e o algoritmo minimax do xadrez com IA, o programa avalia o tabuleiro para todos, ou a maioria, dos futuros alternativos e gera um valor comparável. O ataque das forças russas, inicialmente na Passagem de Mamison a oeste em vez de no Túnel de Roki a leste, é um exemplo de uma opção. Isso teria criado um “lance” diferente, ao qual as forças georgianas teriam de reagir. Além do valor agregado das peças no xadrez com IA, modificadores de posições também são usados com frequência. Em termos conceituais, o método de avaliação das peças restantes de cada lado assemelha-se aos cálculos do poder de combate feitos pelo TAM e usados anteriormente para analisar as forças russas e georgianas. Em vez de valores de cada peça de xadrez, seria considerado o poder de combate das formações militares. A princípio, a concepção desse mecanismo parece estar focada no desgaste, preservando o poder de combate amigo, removendo o do adversário e priorizando com base no valor. O traço marcante que surge do que inicialmente parece ser muito mecânico é a criação e interligação de relações de forças favoráveis no tempo e no espaço, que alcançam assimetria para desgastar significativamente o adversário e preservar o poder de combate amigo. Em resumo, cria arte operacional.

Quando múltiplas LA georgianas são comparadas dessa forma, surge uma linha de ação diferente do que foi descrito na Figura 3. Devido às variações no tempo de percurso em direção ao Túnel de Roki e como os engajamentos foram previstos para desdobrar suas respectivas árvores de decisão, identificou-se uma mudança nas unidades direcionadas ao Túnel de Roki (representada na Figura 5).

Quando o processo de desenvolvimento da LA apoiada na IA continua sua busca ainda mais à frente, o 503o Regimento de Fuzileiros Motorizado russo (Motor Rifle Regiment, MRR) em Troitskoye e a 42a Divisão de Fuzileiros Motorizada e o 50o Regimento de Artilharia Autopropulsada em Khankala são identificados como poder de combate russo a ser considerado. Ao estilo do minimax, esse evento, mais adiante na árvore de decisão, é considerado antes da decisão inicial de alocação de forças entre o Túnel de Roki e Tsequinváli. Ao surgir um entendimento das forças ao longo do tempo e dos efeitos de segunda e terceira ordem, identifica-se uma decisão não intuitiva de atacar em direção ao Túnel de Roki com o batalhão de carros de combate em Gori e a 4a Brigada em Tbilisi devido às ações previstas com respeito às forças do segundo escalão russo no futuro.

A disposição original das forças georgianas, como ilustrada na Figura 3, não conseguiria alcançar o Túnel de Roki a tempo de defender, caso as forças russas começassem a se movimentar ao mesmo tempo. Entretanto, uma força favorável foi capaz de defender nas proximidades de Didi Gupta ou Java ao empregar o batalhão de carros de combate em Gori ou a 4a Brigada de Infantaria, mantendo as forças russas canalizadas nas colinas, com poder de combate suficiente para prever uma derrota do ataque russo. Essa defesa poderia resistir ao 503o MRR do segundo escalão russo, mas não à 42a Divisão de Fuzileiros Motorizada, que estaria nos calcanhares do 503o MRR, conforme representado na parte superior direita da Figura 5. Por causa disso, para cumprir sua missão, a defesa georgiana precisava contra-atacar até o túnel antes da chegada do 503o MRR para defender no túnel extremamente canalizador. Com essas conexões advindas da complexidade, a liderança da Geórgia poderia pensar em tempo hábil e obter um insight para a vitória no combate.

Farmer-fig5

O processo algorítmico para a definição de LA disponíveis ajuda muito a reduzir a lacuna criada pela insuficiência de tempo, enquanto introduz um nível de rigor acadêmico ao MDMP que, de outra forma, poderia ter sido pouco mais do que uma avaliação subjetiva, com todos os perigos implicitamente desconhecidos encobertos por tal avaliação.

No atual ambiente operacional, muitas vezes não há tempo disponível para desenvolver múltiplas LA, realizar jogos de guerra com todas as LA desenvolvidas, aplicar critérios de avaliação de LA e, então, identificar uma LA recomendada. Com o MDMP apoiado na IA, a análise e comparação de LA estão incorporadas e aproveitam ao máximo a tecnologia disponível, tudo isso antes que um estado-maior convencional consiga reunir as ferramentas.

A fusão e modificação da etapa de desenvolvimento da LA por meio das etapas de análise e comparação de LA para tirar proveito da velocidade, poder e insights das capacidades atuais de IA aumentarão a possibilidade de prever múltiplas escolhas e futuros alternativos, permitindo que o comandante não pense apenas em três dimensões, mas no tempo. Compreender o tempo, dada sua raridade cada vez maior, e ter as ferramentas para trabalhar com ele e através dele em múltiplos domínios, pode ser a maior vantagem que a IA oferece.

Em outros setores, as ferramentas de inteligência artificial já demonstram sua aptidão para a tarefa de fornecer cálculos rápidos, consistentes e precisos. Para ser útil, a IA não precisa operar de forma autônoma ou replicar um ser senciente. A IA só precisa preencher a lacuna crescente entre a adequação das ferramentas atuais de planejamento e decisão e a eficácia da cognição humana em sistemas adaptativos complexos. Uma melhoria modesta no tratamento da complexidade, mesmo que apenas reduza a carga cognitiva que induz a erros, garantirá uma vantagem decisória sobre os comandantes sem apoio.

Levando as implicações do MDMP apoiado na IA ainda mais longe, a IA poderia completar o MDMP de forma semiautônoma após a primeira iteração, conduzindo o processo completo de MDMP de forma quase contínua, sem fadiga, incorporando cada novo acontecimento. Um MDMP contínuo executado por IA forneceria feedback sobre as atuais posições e ações das forças. O feedback quase em tempo real permitiria o acompanhamento das unidades subordinadas com relação às operações atuais, à conformidade com as medidas de controle e ao progresso.

Em segundo lugar, um MDMP quase contínuo pode antecipar ramificações ao avaliar qual LA deve ser executada com base nas condições atuais e até mesmo prever a configuração de futuros engajamentos decisivos à medida que as condições mudam. O MDMP contínuo apoiado na IA combaterá o inimigo e não o plano. Um processo apoiado na IA terá o benefício adicional de integrar recursos para qualquer LA nova, sincronizando e otimizando efeitos de todos os domínios e tornando mais viável a transição para um novo plano de contingência. Tal capacidade obteria um enorme progresso no sentido de permitir que as forças se adaptem rapidamente para que prosperem à beira do caos em um ambiente futuro volátil.


Referências

  • Epígrafe. Garry Kasparov, Deep Thinking: Where Machine Intelligence Ends and Human Creativity Begins (New York: PublicAffairs, 2017), p. 245.

 

  1. “The Changing Character of Warfare”, Mad Scientist (blog), U.S. Army Training and Doctrine Command, 9 April 2018, acesso em 5 jul. 2022, https://madsciblog.tradoc.army.mil/43-the-changing-character-of-warfare-takeaways-for-the-future/; Alan P. Hastings, “Coping with Complexity: Analyzing Unified Land Operations Through the Lens of Complex Adaptive Systems Theory” (monografia, Fort Leavenworth, KS: U.S. Army Command and General Staff College, 2019), p. 4-6, acesso em 5 jul. 2022, https://apps.dtic.mil/sti/pdfs/AD1083415.pdf; John D. Rosenberger, “The Burden our Soldiers Bear: Observations of a Senior Trainer”, Combat Training Center Quarterly Bulletin (1995): p. 13, 16, 22, acesso em 5 jul. 2022, https://www.globalsecurity.org/military/library/report/call/call_95-11_ctc1-01.htm.
  2. Rune Djurhuus, “Chess Algorithms Theory and Practice” (apresentação em PowerPoint, Oslo, NO: University of Oslo, 2013), slides 6-12, acesso em 5 jul. 2022, https://www.uio.no/studier/emner/matnat/ifi/INF4130/h13/undervisningsmateriale/chess-algorithms---theory-and-practice_ver2013.pdf.
  3. Daniel Schacter et al., Psychology, 3rd ed. (New York: Worth Publishers, 2014), p. 382.
  4. Ibid., p. 386.
  5. Daniel Kahneman, Thinking, Fast and Slow (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2013), p. 4.
  6. Roger Penrose, The Emperor’s New Mind (Oxford: Oxford University Press, 1989), p. 546.
  7. Alexandros Fox Boufesis, The Russia-Georgia War of 2008: Russia’s Geostrategic Ascension (Ann Arbor, MI: Nimble Books, 2015), p. 45.
  8. Reiner Huber, Lynn F. Jones e Egil Reine, eds., Military Strategy and Tactics: Computer Modeling of Land War Problems (New York: Plenum Press, 1975), p. 113.
  9. A modificação do potencial de combate por terreno e tipo de missão mostra de onde vem a heurística de relação de forças típica de ataque a 3:1 ou 5:1 em operações urbanas, bem como a capacidade de defesa a 1:3.
  10. Svante E. Cornell e S. Frederick Star, Guns of August 2008: Russia’s War in Georgia (Oxford, UK: Routledge, 2009), p. 169.
  11. Ibid.
  12. Ibid., p. 73-74.
  13. O intervalo desejado e aceitável de correlação de forças e meios é um ótimo exemplo de diretriz de planejamento de um comandante.
  14. Cornell e Star, Guns of August 2008, p. 174.
  15. Djurhuus, “Chess Algorithms Theory and Practice”, slides 6-12.
  16. Bart Selman, “Foundations in Artificial Intelligence” (apresentação em PowerPoint, Ithaca, NY: Cornell University, 2014), slides 21-50, acesso em 5 jul. 2022, http://www.cs.cornell.edu/courses/cs4700/2014fa/slides/CS4700-Games1_v5.pdf.

 

O Cel Mike Farmer, do Exército dos EUA, é oficial de operações do J-35, Estado-Maior Conjunto. Dentre suas missões recentes, serviu como comandante de Regimento de Cavalaria, professor de Ciência e Liderança Militar e observador controlador/instrutor. Possui mestrado em Planejamento e Estratégia de Campanhas Conjuntas pela National Defense University, mestrado em Estudos de Defesa pelo King’s College de Londres e bacharelado em Engenharia Mecânica pela Lehigh University.

 

Voltar ao início

Janeiro-Junho 2023