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Brasil

Comando Conjunto de Prevenção e Combate ao Terrorismo na Segurança dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016

Cel Alessandro Visacro, Exército Brasileiro

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Integrantes do Batalhão de Operações Policiais Especiais

Grandes eventos públicos internacionais, por sua natureza, combinam extrema vulnerabilidade com enorme exposição midiática. Isso, por si só, gera condições favoráveis para a convergência de um conjunto de difusas ameaças, predominantemente não estatais, de atuação doméstica e transnacional, que abrange desde grupos antissistêmicos a organizações extremistas. Um cenário atraente para neoanarquistas, revolucionários, criminosos e terroristas, dispostos a explorar as fragilidades do Estado em suas dimensões física e informacional.

Ainda que se insiram em um quadro de absoluta normalidade institucional, eventos de tamanha envergadura representam um complexo desafio de segurança, exigindo, invariavelmente, capacidades disponíveis nas forças armadas. Por esse motivo, tem sido recorrente, em todo o mundo, o emprego de contingentes militares na promoção de um ambiente seguro e pacífico, sem o qual um grande evento promovido sob a égide do Estado se torna impraticável.

Recentemente, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 encerraram um extenso ciclo de oito grandes eventos sediados no Brasil1. Ao longo de nove anos marcados por um processo de aperfeiçoamento contínuo, o Ministério da Defesa foi partícipe na garantia de proteção e segurança, sendo responsável pela atuação conjunta das forças armadas, em estreita colaboração com agências civis, órgãos de Inteligência e instituições policiais. Seu êxito foi extraordinário, sobretudo, se considerarmos a magnitude dos desafios que se apresentaram diante do governo brasileiro, desde 2007 — ano em que foi realizada a décima quinta edição dos Jogos Pan-Americanos. Embora o envolvimento do Ministério da Defesa, muito acertadamente, não lhe conferisse qualquer tipo de protagonismo ou monopólio na gestão da segurança, o vasto conjunto de aptidões das forças armadas as tornou um ator de notável relevância, ainda que zeloso de sua discrição.

Decerto, em virtude das idiossincrasias nacionais, o contexto no qual as forças armadas brasileiras foram empregadas pode ser considerado único. Ainda assim, oferece subsídios para a reflexão acerca do uso do instrumento militar em uma era pós-industrial, marcada, sobretudo, pelo predomínio da violência armada não estatal. Algumas características fundamentais como, por exemplo, a onipresença da mídia, a ríspida censura da opinião pública, a existência de severas restrições legais, o assédio de organismos de defesa dos direitos humanos, o ambiente interagências ou mesmo o desdobramento de tropas circunscrito aos limites do próprio território nacional, dão forma a um cenário dissonante daquele idealizado pelos exércitos tradicionais em uma ordem westfaliana.

Portanto, a recente experiência brasileira talvez mereça ser considerada uma interessante fonte de estudo. Com o intuito de compartilhar alguns dos ensinamentos e melhores práticas, o presente texto se propõe a realizar uma breve análise da segurança dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, com foco prioritário nas ações de enfrentamento ao terrorismo — temática que, por sua dramaticidade e crescente importância, tem exigido um engajamento cada vez maior dos profissionais militares.

Complexidade, vulnerabilidades e muita apreensão

A despeito da magnitude dos demais eventos que os antecederam, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 se destacaram por sua grandeza. Ao todo, foram trinta dias de competições, que exigiram um esforço hercúleo de 88 mil civis e militares envolvidos em uma robusta estrutura de segurança.

Cerca de onze mil atletas, de mais de duzentos países, atraíram aproximadamente meio milhão de turistas para a cidade do Rio de Janeiro, durante as olimpíadas. Vinte e cinco mil jornalistas credenciados de todo o mundo alcançaram, com suas transmissões ininterruptas, um público estimado em um bilhão de espectadores ao redor do planeta2.

Estação Central do Metrô

As provas atléticas se desenvolveram em trinta e dois locais de competições, distribuídos em quatro clusters pela cidade. Somente o evento de abertura, no dia 5 de agosto de 2016, reuniu aproximadamente oitenta mil pessoas na arena desportiva do Maracanã e contou com a presença de quarenta autoridades estrangeiras, entre chefes de Estado e ministros de relações exteriores, incluindo o Presidente francês François Hollande e o Secretário de Estado norte-americano John Kerry.

O boulevard olímpico, instalado na tradicional região do porto da baía da Guanabara, foi o maior live site da história dos jogos olímpicos. A estimativa diária de público presente no local variou entre oitenta e cem mil pessoas.

Além do Rio de Janeiro, outras cinco metrópoles, dispersas geograficamente pelo extenso território brasileiro, sediaram o futebol olímpico. Convém destacar que a distância entre Manaus e São Paulo, por exemplo, ambas cidades-sede, é maior do que a distância entre Londres e Kiev. Todavia, o sistema de transportes nacional não se assemelha à ampla e eficaz malha rodoferroviária existente no interior do continente europeu. Como se não bastasse, algumas delegações desportivas optaram por se hospedar em centros de treinamento afastados das cidades-sede.

As ameaças à segurança dos jogos olímpicos possuíam diferentes matizes, a começar pelo conturbado cenário doméstico. Uma grave crise econômica e um quadro de recessão interna precipitaram o início de um turbulento processo político, que tem colocado à prova a solidez das instituições democráticas brasileiras. Diante de tal fato, manifestações populares e distúrbios civis se tornaram objeto de inquietação legítima das autoridades governamentais. Cabe ressaltar que durante a Copa das Confederações FIFA, em 2013, e, com menor intensidade, durante a Copa do Mundo FIFA 2014, protestos de rua mobilizaram milhares de manifestantes em todo o país. Grandes passeatas, que se originaram de forma espontânea, atraíram grupos antissistêmicos, notadamente ativistas black blocs, fazendo com que os atos de protesto se degenerassem em violência de rua, com saques, depredações e o enfrentamento deliberado contra forças policiais.

O avanço incontido de endemias tropicais, decorrente da incapacidade de o governo brasileiro erradicar o mosquito transmissor da febre dengue, chikungunya e do zika vírus, também colocava em risco o sucesso das olimpíadas, desestimulando a vinda de atletas e turistas. Além da crise econômica, da crise política e da crise sanitária, uma aguda crise de segurança pública assolava a cidade do Rio de Janeiro — uma metrópole conflagrada pela disputa fratricida entre quadrilhas armadas ligadas ao tráfico internacional de drogas e de armas de fogo.

Mas, em meio a tantas preocupações, a ameaça representada pelo terrorismo internacional avultava de importância à medida que a data de abertura dos jogos se aproximava. Como uma espécie de contagem regressiva, a cronologia de atentados, em todo o mundo, gerou um ambiente de muita apreensão:

  • No dia 14 de novembro de 2015 (aproximadamente nove meses antes das olimpíadas), ataques múltiplos no Stade de France e na casa noturna Bataclan, em Paris, deixaram um saldo de 129 mortos e 350 feridos.
  • Em 2 de dezembro de 2015 (oito meses antes do início dos jogos olímpicos), 14 pessoas morreram e outras 17 ficaram feridas em um atentado no Inland Regional Center, na cidade de San Bernardino, nos Estados Unidos da América (EUA).
  • No dia 22 de março de 2016 (a quatro meses do início das olimpíadas), um atentado a bomba no aeroporto de Bruxelas deixou 34 mortos e 200 feridos.
  • Em 12 de junho de 2016 (55 dias antes da abertura dos jogos), um atirador matou 50 pessoas e feriu outras 53, na boate Pulse, na cidade de Orlando, nos EUA.
  • Em 28 de junho de 2016 (38 dias antes do início dos jogos), um atentado a bomba no aeroporto de Istambul, na Turquia, matou 36 pessoas e feriu 147.
  • No dia 1º de julho de 2016 (35 dias antes da abertura das olimpíadas), um atentado em Bangladesh deixou 20 mortos e 30 feridos.
  • Em 14 de julho de 2016 (21 dias antes do início dos jogos), durante as comemorações nacionais da Queda da Bastilha, um caminhão atropelou 134 pessoas, na cidade francesa de Nice — 84 vítimas do atentado morreram.
  • No dia 22 de julho de 2016 (13 dias antes do início dos jogos), um atentado em um shopping center em Munique, na Alemanha, resultou em 10 mortos e 16 feridos.
  • Na noite de 1º de agosto de 2016 (apenas três dias antes da cerimônia de abertura no Rio de Janeiro), uma bomba caseira, semelhante àquela utilizada no atentado da maratona de Boston, explodiu sem deixar vítimas em um shopping center na cidade de Brasília.3

Felizmente, o desenrolar dos acontecimentos contrariou os prognósticos mais pessimistas e os jogos olímpicos e paralímpicos transcorreram de forma exitosa, graças, em boa medida, à elaborada e bem-sucedida estrutura de segurança que lhes deu suporte.

Governança

A multiplicidade de atores envolvidos, direta e indiretamente, na segurança dos jogos resultou em uma diversificada composição de meios, além de uma complexa arquitetura de governança, comando e controle.

O Brasil é uma república federativa, constituída por 26 Estados e um Distrito Federal. Cada unidade da Federação possui sua própria força de segurança pública, composta pelas polícias estaduais (civil e militar), além da Defesa Civil — responsável pela prevenção e gerenciamento de catástrofes. No nível da administração federal, o Ministério da Justiça conta com o Departamento de Polícia Federal (DPF), com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e com uma pequena Força Nacional de Segurança Pública (FN), formada por quadros das polícias militares estaduais. A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, encontra-se subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR). Por fim, as três forças singulares (Marinha, Exército e Força Aérea) se reúnem sob a égide do Ministério da Defesa.

Respeitar as atribuições legais de cada instituição, buscando a máxima sinergia entre elas, sem ferir o pacto federativo, exigiu um arranjo criativo. Mas, superar culturas organizacionais tão distintas e ir além de interesses divergentes exigiu muito tempo e energia de todos aqueles que se empenharam, genuinamente, na construção de sólidas parcerias. Marco importante nesse processo foi a adoção do Plano Estratégico de Segurança Integrada para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 (PESI Rio 2016)4.

Concebido para integrar as ações de segurança pública, defesa e inteligência no bojo de uma estratégia governamental centralizada, o PESI estabeleceu os princípios fundamentais, segundo os quais as relações institucionais foram regidas5. Além disso, o Plano determinou que a governança dos jogos tivesse como foco a transparência e a fluidez na tomada de decisões em todos os níveis, especialmente naquilo que dizia respeito ao fluxo de informações técnicas, táticas e operacionais. Para tanto, propôs a criação do Comitê Executivo de Segurança Integrada (CESI), em âmbito nacional, composto por autoridades da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Justiça, do Ministério da Defesa e da ABIN, além de representantes dos Estados e dos municípios que sediaram os jogos6. Com o intuito de auferir capilaridade ao CESI, foram criados, no nível local, Comitês Executivos de Segurança Integrada Regionais (CESIR).

A fim de coordenar os meios e integrar as capacidades disponíveis no âmbito da segurança pública, o Ministério da Justiça criou a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (SESGE). O Ministério da Defesa, por sua vez, constituiu comandos conjuntos de defesa de área, apoiados por comandos conjuntos centralizados, conforme ilustra a figura 1.

Figura 1 – Organização geral das forças armadas brasileiras para a segurança dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016

As forças armadas brasileiras possuem uma longa tradição histórica de emprego na segurança interna do país. Elas dispõem de adequado respaldo jurídico, fornecido pela Constituição Federal, além de um conjunto de leis complementares, que regulam e normatizam sua forma de atuação doméstica.

Durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, o empenho do Ministério da Defesa se mostrou decisivo para que o Estado brasileiro, de fato, honrasse o compromisso assumido perante a comunidade internacional. Mais de 43 mil militares foram empregados na segurança dos jogos, atendendo a um portfólio bastante diversificado de tarefas e missões, dentre as quais se destacaram:

  • defesa aeroespacial;
  • ações marítimas, fluviais e aeroportuárias;
  • proteção de estruturas estratégicas;
  • segurança de vias expressas e artérias vitais de escoamento urbano;
  • fiscalização de explosivos e produtos controlados;
  • defesa cibernética;
  • colaboração com a Defesa Civil;
  • apoio à segurança de dignitários;
  • força de contingência;
  • enfrentamento ao terrorismo e defesa química, biológica, radiológica e nuclear.

Comitê Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo

O terrorismo é um fenômeno político e social complexo, difícil de ser combatido e erradicado. Sua compreensão exige uma abordagem holística, que embora, necessária e impositivamente, deva incorporar também uma dimensão criminológica, não pode se restringir, tão somente, a ela. O combate ao terrorismo exige um esforço integrado, pois nenhuma agência do Estado tem, por si só, a capacidade de enfrentá-lo isoladamente. Por esse motivo, as chamadas operações interagências são vistas corretamente como a “pedra angular” da prevenção e da repressão ao terrorismo.

Fomentar os esforços interagências, “promovendo a articulação dos órgãos governamentais com interesse na questão”7, era a missão precípua do Núcleo do Centro de Coordenação das Ações de Prevenção e Combate ao Terrorismo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Criado em junho de 2009, durante a administração do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Núcleo teve vida curta. O órgão foi desativado logo em fevereiro de 2011, durante o primeiro mandato da Presidente Dilma Rouseff.

Dessa forma, ao se aproximarem a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude e a Copa do Mundo FIFA, o Brasil não dispunha de um organismo interministerial, efetivamente, investido da autoridade e da responsabilidade de fomentar a cooperação interagências.

Em face de um volume muito grande de interesses institucionais, alguns deles divergentes, o modelo de governança adotado buscou sua acomodação na definição de duas áreas de responsabilidades: Segurança Pública e Defesa. O eixo denominado Prevenção e Combate ao Terrorismo foi nominalmente atribuído aos militares. Todavia, esse arranjo não se mostrou adequado à realidade brasileira. Pois, em termos práticos, se limitou a atribuir ao Comando de Operações Especiais do Exército (COpEsp) a difícil tarefa de capitanear as ações conjuntas no âmbito do Ministério da Defesa e, em vão, liderar os esforços interagências nos níveis nacional e local. Assim sendo, com a aproximação dos jogos olímpicos, o modelo de governança adotado nos grandes eventos anteriores se tornou alvo de ponderadas críticas e, por fim, foi reavaliado.

O cerne do problema se encontrava, sobretudo, na unidade de comando — princípio de guerra muito caro aos soldados, que não estavam dispostos a abrir mão dele, de forma irrefletida, em nome de uma panaceia interagências. Entretanto, o contexto brasileiro revelou, de forma clara e objetiva, que unidade de comando, simplesmente, não era uma opção, pois todas as instituições envolvidas se negavam a se subordinarem umas às outras. Ademais, o processo interagências não poderia servir de pretexto para a subtração de papéis institucionais claramente definidos no ordenamento jurídico vigente. Fazia-se necessário respeitar a vocação, a destinação e as atribuições legais tanto das forças singulares quanto das corporações policiais e demais agências de segurança do Estado. Além disso, eram inegáveis a expertise e o know how alcançados por alguns órgãos de inteligência e forças de operações especiais (militares e policias) em suas respectivas áreas de atuação.

De acordo com o PESI Rio 2016, o CESI e os CESIR deveriam dedicar especial atenção à integração das ações de enfrentamento ao terrorismo, desenvolvidas pelos três grandes eixos de ação (inteligência, segurança pública e defesa)8. Para se atingir tal propósito, foi criada uma estrutura temporária, de caráter eminentemente consultivo, denominada Comitê Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo (CIET) — figura 2.

Figura 2 – Composição do Comitê Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo

A dinâmica interinstitucional do Comitê pautou-se em um conjunto de protocolos de atuação estratégicos de enfrentamento ao terrorismo, elaborados a partir dos princípios fundamentais constantes do PESI Rio 2016. Com o tempo e apesar das divergências, o ambiente CIET se revelou, de fato, adequado ao aprimoramento de mecanismos de cooperação interagências. O patamar de integração alcançado foi inédito, com o acesso compartilhado aos bancos de dados disponíveis, redistribuição de alvos e ênfase na complementaridade de capacidades. Esse processo levou ao engajamento efetivo do Centro de Inteligência do Exército na temática terrorismo ao lado do CCPCT e seus parceiros.

O CIET também foi responsável pela condução de uma campanha nacional prévia de sensibilização pública, uma vez que a população brasileira, de um modo geral, apresenta níveis muito baixos acerca da percepção da ameaça terrorista. O resultado desse esforço foi tangível. Durante as olimpíadas, por exemplo, foram registradas 78 ocorrências envolvendo denúncias de materiais suspeitos abandonados em locais públicos, nas seis cidades-sede.

Comando Conjunto de Prevenção e Combate ao Terrorismo

O Comando Conjunto de Prevenção e Combate ao Terrorismo (CCPCT) foi a estrutura temporária ativada no âmbito do Ministério da Defesa com o propósito de planejar, coordenar e conduzir ações de enfrentamento ao terrorismo e de defesa química, biológica, radiológica e nuclear (DQBRN). Nada mais era do que um comando conjunto de operações especiais.

Integrantes do DQBRN executam varredura no Maracanã, Jogos Olímpicos Rio 2016, 25 Jul 16  (Foto cedida pelo Exército Brasileiro)

O CCPCT desempenhou papel relevante ao longo de todo o penoso processo de cooperação interagências, despendendo esforços significativos nos níveis estratégico, operacional e tático. Desde o início, se empenhou, junto aos representantes do Departamento de Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência, nas negociações que culminaram com a criação do CIET, bem como na assinatura dos protocolos estratégicos, que deram forma ao novo modelo de governança para o enfrentamento à ameaça terrorista.

Embora estivesse diretamente subordinado ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o CCPCT adotou uma articulação de forças que o aproximou enormemente dos comandos conjuntos de defesa de área (vide novamente a figura 1). Além de desdobrar forças-tarefas de operações especiais e tropas de DQBRN em todas as seis cidades que sediaram eventos olímpicos, destacou equipes de ligação, denominadas Centros de Coordenação Tática Integrados (CCTI), junto aos demais comandos que possuíam encargos de defesa territorial (CDA e CDS) — figura 3. Com isso, pôde atuar, também no nível local, como grande indutor de parcerias interagências, concomitantemente à manutenção de um elevado estado de prontidão e capacidade de pronta resposta a uma eventual crise.

Figura 3 – Composição do Comitê Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo

Durante vinte meses, o CCPCT realizou uma intensa e meticulosa preparação, valendo-se, sobretudo, de sua própria experiência nos grandes eventos que precederam os jogos olímpicos. Um planejamento extenso e detalhado orientou a realização de adestramentos específicos e reconhecimentos em todas as cidades-sede, incluindo possíveis soft targets. Ensaios e exercícios conjuntos interagências foram realizados em hotéis, aeroportos, estações de metrô, shopping centers, pontos turísticos e arenas desportivas. As tropas foram efetivamente preparadas para o contexto específico dos jogos Rio 2016 — um cenário singular, significativamente distinto daquele vivido em 1972, durante as olimpíadas de Munique, por exemplo.

Arquitetura de Força Flexível

O ato de terror caracteriza-se, no nível tático, pela execução de uma ação de efeito cinético, como a detonação de explosivos em um atentado a bomba ou a abertura de fogos indiscriminados em locais públicos, por exemplo. Todavia, seus objetivos vão muito além da mera demonstração de barbárie que as brutais imagens, registradas de forma instantânea e repetidas incessantemente nos dias subsequentes, sugerem. O foco do terror está, de fato, no chamado “ambiente informacional”, pois visa, por meio da publicidade, à consecução de metas políticas e estratégicas bem mais amplas do que, tão somente, o sacrifício localizado de vidas inocentes. Ou seja, ao contrário do que possa parecer, a verdadeira arma de um terrorista não é o fuzil de assalto AK 47 ou o explosivo TATP ou C4. É a câmera de televisão e a mídia espontânea gerada a partir de imagens de um simples aparelho celular.

Quadro – Assimetria entre Terrorismo e Contraterrorismo

Tradicionalmente, em todo o mundo, o aparato de segurança estatal tem apresentado respostas satisfatórias no nível tático. Isto é, antepondo-se ao terrorismo por meio de ações de efeito cinético, definidas pelos verbos capturar, prender, neutralizar, eliminar, resgatar etc. Contudo, quase sempre, os Estados têm fracassado nos níveis político e estratégico, mostrando-se incapazes de oferecer respostas oportunas e eficazes no ambiente informacional, como o fazem no restrito cenário tático. Essa dicotomia representa a essência da assimetria entre terrorismo e contraterrorismo, conforme ilustra o quadro.

O problema se torna mais agudo em países como o Brasil, onde, a despeito de uma retórica inovadora, ainda prevalece, tanto nas corporações policiais quanto nas forças armadas, o modelo de contraterrorismo reativo dos anos 1970 — essencialmente, calcado no uso das consagradas alternativas táticas. Na era da informação, a prevenção e o combate ao terrorismo devem fundamentar-se na combinação de capacidades letais e não letais, respaldadas em políticas de Estado destinadas a moldar o ambiente e erradicar a violência extremista em sua origem. Iniciativa, agressividade e proatividade devem ser buscadas, também (e sobretudo), no ambiente informacional.

Durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, a principal meta do CCPCT foi assegurar que, por meio da cooperação interagências, medidas defensivas de caráter eminentemente preventivo fossem combinadas de modo adequado com ações ofensivas de cunho repressivo. Embora sua prioridade fosse evitar a ocorrência de um atentado, naturalmente, não foi descartada a possibilidade de reagir a um ataque levado a cabo de forma exitosa.

De acordo com as avaliações de risco produzidas pela Agência Brasileira de Inteligência, as potenciais ameaças à segurança dos jogos não eram provenientes de sofisticadas células terroristas, infiltradas em território nacional com o propósito transformar o Brasil em palco de um grande atentado. Ao contrário, os chamados “lobos solitários”, nativos autorradicalizados, representavam maior perigo. Portanto, o grau de imprevisibilidade de um eventual ataque se tornava significativamente maior. Por outro lado, a expectativa de ações letais, porém menos elaboradas ou menos sofisticadas, impunha que a primeira resposta do Estado fosse, também, decisiva.

A solução idealizada originalmente se baseava em “respostas por camadas legais”. Isto é, a adoção de medidas sucessivas de intensidade crescente, a partir do esgotamento das capacidades disponíveis nos órgãos de segurança pública. Esse tipo de manobra, certamente, divergia da natureza da ameaça descrita pelos analistas de inteligência. Com isso, formulou-se o conceito de “composição de capacidades”, destinado a oferecer a resposta mais adequada a cada tipo de cenário, por meio da estreita colaboração entre os diversos atores envolvidos. Para tanto, fez-se necessário realizar um mapeamento detalhado dos meios disponíveis, bem como um diagnóstico realista e pormenorizado das forças de operações especiais policiais e militares, identificando suas principais virtudes e deficiências, em termos de efetivos, equipamentos e capacitação técnica e tática. Procurou-se diminuir as distâncias entre os centros de comando e controle, desburocratizando as ligações interinstitucionais, a fim de proporcionar a agilidade requerida pela missão. Protocolos complementares foram firmados no nível tático, com o intuito de assegurar que as capacidades necessárias estariam, de fato, disponíveis nos locais e momentos cruciais. Ao término desse processo, obteve-se uma arquitetura de força flexível, capaz de responder de forma decisiva àquele que foi admitido como o pior cenário, qual seja: ataques múltiplos, simultâneos ou sucessivos, dispersos geograficamente, com ou sem o uso de agentes QBRN.

Operações

O Brasil não dispunha de um instrumento normativo que tipificava o crime de terrorismo até bem poucos meses antes da abertura dos jogos olímpicos. Em março de 2016, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a lei nº 13.260, cognominada “Lei Antiterrorismo”, proporcionando a base legal para que ações preventivas fossem levadas a cabo com efetividade. Dessa forma, no dia 21 de julho, a Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal desencadeou a primeira etapa da Operação Hashtag, com o propósito de desmantelar uma rede de indivíduos que se autodenominavam “Defensores da Sharia”. Membros do grupo, além de fazerem apologia à organização jihadista Estado Islâmico, demonstraram claramente, nas mídias sociais, possuir a intenção de perpetrar um ataque durante as olimpíadas. Ao todo, dezesseis pessoas foram detidas pela Polícia Federal em diferentes pontos do território nacional.

No decurso da primeira semana de realização dos jogos, um grave incidente envolvendo a Força Nacional de Segurança Pública colocou em cheque todo o robusto aparato de segurança reunido na cidade do Rio de Janeiro. No dia 10 de agosto, uma viatura policial ingressou por engano em uma das comunidades do complexo de favelas da Maré — uma área densamente povoada, reduto de criminosos e narcotraficantes. O veículo foi alvejado por fogos de fuzis. O soldado Hélio Andrade morreu e outros dois policiais ficaram feridos. A enorme presença da mídia nacional e internacional deu grande visibilidade ao episódio, expondo a aguda crise de segurança pública instaurada naquela metrópole há décadas.

No início da noite, o Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (COE/PMERJ) se reuniu no centro integrado de comando e controle regional, a fim de oferecer uma resposta imediata e eficaz. Durante a madrugada, a Força Nacional de Segurança Pública isolou a porção sul do complexo de favelas da Maré. Ao amanhecer do dia 11 de agosto, o COE/PMERJ desdobrou o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) no interior da Vila do João, local do incidente. O Comando de Operações Táticas da Polícia Federal (COT/DPF) também foi chamado e suas equipes incursionaram no enclave urbano ao lado dos homens do BOPE. O CCPCT ofereceu sua contribuição determinando o emprego da Força-Tarefa 1º Batalhão de Forças Especiais, reforçada por uma companhia de fuzileiros paraquedistas e nove viaturas blindadas de transporte de pessoal sobre rodas. A operação, que reuniu as melhores forças de operações especiais policiais e militares do país, foi muito bem-sucedida e incidentes como esse não voltaram a se repetir até o encerramento dos jogos paralímpicos.

Conclusão

Em face da ameaça representada pela violência extremista em todo o mundo, o emprego recorrente de forças militares na segurança de grandes eventos públicos internacionais, constitui uma tendência que deve perdurar. Na verdade, podemos ir além e constatar que, em virtude da ação deletéria de atores armados não estatais, existe uma demanda crescente dos governos e da sociedade pela aplicação de capacidades disponíveis nas forças armadas dentro dos limites territoriais da nação.

Neste contexto, a ameaça proveniente de organizações terroristas foi reconhecida como um dos principais riscos à execução dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Para confrontá-la, o Estado brasileiro viu-se obrigado a buscar soluções originais, adequadas ao cenário doméstico e coerentes com a sua própria dinâmica interinstitucional. Nossas idiossincrasias sugeriam certa cautela na mera incorporação de dogmas e preceitos alienígenas, bem como na adoção de soluções pré-formatadas, sob pena de se criarem expectativas infundadas, absolutamente incompatíveis com a realidade nacional.

Os arranjos concebidos apresentaram nexo com a natureza da ameaça, traduzindo uma arquitetura de força flexível, apoiada em parcerias firmadas no heterogêneo ambiente interagências. Na elaboração de diagnósticos, foi observado que, a despeito de sérias deficiências, as instituições de segurança do Estado, incluindo as forças armadas, possuíam capacidades invejáveis, não encontradas em muitos países do hemisfério norte. O grande desafio era integrar, coordenar e sincronizar todos os atores envolvidos, com o propósito de assegurar que as capacidades requeridas para a gestão satisfatória de uma eventual crise fossem aplicadas com precisão, nos locais e momentos decisivos.

Segundo a avaliação de um oficial do estado-maior do CCPCT, o fato de o Brasil não haver se tornado palco de um grande atentado terrorista durante os jogos olímpicos e paralímpicos não foi decorrente de uma análise de risco incorreta. Ao contrário, se deu em virtude do êxito de medidas preventivas e proativas levadas a bom termo, a exemplo da Operação Hashtag desencadeada pela Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal. Todavia, convém destacar que, no atual quadro geopolítico, nenhum país do globo está imune à violência extremista. Embora tenhamos de reconhecer o sucesso das olimpíadas no Brasil em termos de enfrentamento ao terrorismo, ainda há muito que ser feito.


Referências

  1. Foram eles: XV Jogos Pan Americanos Rio 2007, V Jogos Mundiais Militares Rio 2011, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio + 20 (2012), Copa das Confederações FIFA 2013, Jornada Mundial da Juventude (2013), Copa do Mundo FIFA 2014, Jogos Olímpicos Rio 2016 e Jogos Paralímpicos Rio 2016. Todavia, cabe destacar que, no Brasil, o emprego de tropas em missões dessa natureza possui como marco histórico recente a participação das forças armadas na segurança da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92), realizada na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 1992.
  2. Disponível em <http://exame.abril.com.br/brasil/os-grandes-numeros-das-olimpiadas> acesso realizado em 10 de dezembro de 2016 e <http://epocanegocios.globo.com/Olimpiada/noticia/2016/08/os-jogos-olimpicos-do-rio-de-janeiro-em-numeros.html>, acesso realizado na mesma data, 10 de dezembro de 2016.
  3. Cronologia elaborada pelo Major Felipe Guimarães Rodrigues, do Comando de Operações Especiais do Exército Brasileiro.
  4. Brasil, Presidência da República. Plano Estratégico de Segurança Integrada para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 (PESI Rio 2016). Brasília: Abin, 2015.
  5. Foram eles: complementaridade, cooperação, discrição, eficiência, excelência técnica, integração, interoperabilidade, liderança situacional, e respeito à diversidade e à dignidade humana – Brasil, Presidência da República. Ibid, p. 7 e 8.
  6. Brasil, Presidência da República. Ibid, p. 20.
  7. Buzanelli, Márcio Paulo, “Porque é Necessário Tipificar o Crime de Terrorismo no Brasil”, Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n.8, set. 2013, p. 16.
  8. Brasil, Presidência da República. Ibid, p. 20 e 21.

O Cel Alessandro Visacro foi declarado aspirante a oficial da arma de infantaria pela Academia Militar das Agulhas Negras no ano de 1991. Possui o Curso de Altos Estudos Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Entre suas principais comissões, destacam-se: comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais, comandante do 1º Batalhão de Forças Especiais e oficial de operações do 2º Batalhão de Força de Paz no Haiti. Durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, desempenhou a função de Subchefe do Estado-Maior do CCPCT. Atualmente, é o Chefe do Estado-Maior do Comando de Operações Especiais do Exército Brasileiro.

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Primeiro Trimestre 2018