Compreendendo o Papel do Japão na Segurança do Pacífico Ocidental
Ten Cel (Res) Peter D. Fromm, Exército dos EUA
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O clima político-militar no Japão está passando por uma série de mudanças inéditas, que incluem um novo e amplo debate sobre o futuro relacionamento do país com o Artigo 9 de sua Constituição pós-guerra, concebida pelos Estados Unidos da América (EUA)1. Surpreendentemente, o fato de o Artigo 9 já ter mais de 70 anos não parece ter diminuído sua força em projetar a imagem de um pacifismo intencional, como originalmente pretendido2. A imagem pacifista do Japão ainda é e continuará a ser muito importante para a região nas próximas décadas.
Em um artigo publicado em 2001 no jornal International Herald Tribune, Michael Richardson citou previsões feitas pelo professor chinês Wu Xinbo, do Center for American Studies, da Fudan University, em Xangai:
Considerando as tendências políticas, de segurança e econômicas em evolução no Leste Asiático, o envolvimento dos EUA na segurança da região daqui a dez anos terá de ser transformado, tanto em forma quanto em substância. […] A presença militar avançada dos EUA diminuirá; as alianças de segurança se tornarão menos relevantes como instrumento da política norte-americana; e é bastante provável que surja uma comunidade de segurança pluralista3.
O professor Wu estava, evidentemente, equivocado ao prever o declínio das alianças de segurança dos EUA com nações do Leste Asiático. A aliança bilateral com o Japão e as alianças com a maioria dos outros países na região continuam sólidas como sempre. Além disso, a cooperação dos EUA com o Japão se transformou em um dos relacionamentos de segurança mais fortes e importantes do mundo, fato que é destacado pelo redirecionamento da política externa norte-americana para o Pacífico. Contudo, Wu estava certo ao prever a evolução de uma comunidade de segurança pluralista. Além disso, essa comunidade de segurança, liderada em parte pelos EUA, visa a conter a hegemonia chinesa. Entretanto, as Forças Armadas norte-americanas precisam conduzir sua relação bilateral com o Japão de uma forma que fortaleça o papel deste último na comunidade de segurança do Leste Asiático e evite consequências imprevistas, como no caso das Filipinas, que hoje corteja a China.
A Futura Normalização do Japão
Apesar do recente debate sobre a reinterpretação do Artigo 9 da Constituição japonesa, uma verdadeira aliança de autodefesa coletiva entre os EUA e o Japão provavelmente está a décadas de distância4. Tal acordo envolveria mudanças ainda indeterminadas na situação política do Japão e uma alteração fundamental de sua Constituição; contudo, é inevitável que haja uma mudança significativa, por mais distante que ela esteja. Em suma, há várias razões pelas quais o Japão se movimentará, de maneira inevitável, ainda que lenta, em direção a uma verdadeira autodefesa coletiva junto aos EUA e outras nações. Entre elas estão as seguintes aspirações do Japão:
- Tornar-se, verdadeiramente, um “país normal”, que exerce o direito de autodefesa coletiva em conformidade com o direito internacional;
- Conquistar o respeito da comunidade internacional como uma nação disposta a compartilhar a responsabilidade pela estabilidade mundial;
- Melhorar suas credenciais como um legítimo membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas;
- Demonstrar ao público norte-americano que está disposto a tornar-se um parceiro completo em uma aliança de defesa normal (o que evitaria que o Japão tivesse de se sujeitar à vontade e hegemonia da China na região, caso o público norte-americano viesse a se opor ao que enxerga como uma aliança unilateral);
- Em um aparente paradoxo, libertar-se de sua excessiva dependência em relação ao poderio norte-americano.
Mais uma vez, essas são as razões pelas quais o Japão se normalizará — como uma potência militar — em um futuro distante. Contudo, ele se movimentará tão lentamente que a imagem de “Constituição da Paz” persistirá.
Em uma versão preliminar de sua dissertação para o U.S. Army War College, em 1995, o Gen Bda K. Mochida, da Força Terrestre de Autodefesa do Japão (FTAJ), transmitiu um ponto de vista que não é incomum entre os principais formuladores de política japoneses hoje em dia:
O Japão não poderá tornar-se um parceiro ativo na construção da nova ordem mundial enquanto houver incerteza sobre sua futura direção tanto dentro quanto fora do país. Sem uma direção claramente estabelecida e expressa, o Japão corre o risco de perder o respeito de outras nações e de se converter em nada mais do que um “assinante de cheque” internacional, que não é incluído nas discussões sobre como o “cheque” será utilizado5.
Esta é a condição descrita por John Dower como o problema especial do país em seu influente livro Embracing Defeat: “Os peculiares sonhos de paz do Japão passaram a envolver uma sensação persistente de estar preso em uma armadilha”6.
Essa “sensação” continua viva e forte quase duas décadas após a publicação de Embracing Defeat. A obra de Dower ainda é considerada atual, já que as condições mudaram muito pouco desde então. O livro é utilizado pelo Exército dos EUA no Japão (U.S. Army Japan) em seu Programa de Certificação e Desenvolvimento de Líderes para todos os novos oficiais, graduados mais antigos e funcionários civis de alto escalão.
Algo implícito na observação de Mochida, citada anteriormente, é a ideia de que a segurança do Japão está mais ligada a questões econômicas do que políticas e de que a disposição a compartilhar obrigações militares encerra uma responsabilidade moral que fica acima dos padrões constitucionais de não beligerância. A ligação entre segurança militar e vitalidade econômica não é, evidentemente, algo exclusivo do Japão. Entretanto, por ser a única nação que reconhece, mas rejeita, o direito de autodefesa coletiva, a ligação é perturbadora quando se considera a economia ainda forte do país (terceira mundialmente em 2015)7. O fato de um país tão forte e rico atuar como um mero “assinante de cheque” em lugar de ser um pleno participante na segurança mundial prejudica sua posição para seu interesse próprio e autônomo em assuntos mundiais. Entretanto, 18 anos após as observações de Dower, foram feitos avanços graduais. Vale notar esta observação sobre as divergências existentes, constante de “The Article 9 Debate at a Glance”:
Enquanto o Partido Liberal Democrata insiste que a Constituição deve ser modificada para refletir as realidades de hoje, políticos da esquerda respondem que as realidades da política de segurança japonesa devem ser alteradas para refletir as disposições da Constituição pacifista. Enquanto isso, muitos moderados afirmam que a melhor forma de se adaptar a mudanças nas circunstâncias é continuar a aprovar novas leis em conformidade com as atuais disposições do Artigo 9. Além disso, alguns políticos liberais propõem uma revisão constitucional com um objetivo completamente diferente do expresso pelo Partido Liberal Democrata: definir mais estreitamente e delimitar o escopo de autodefesa e dos deveres das Forças de Autodefesa, incluindo a participação na segurança coletiva8.
Não existe um consenso sobre o melhor caminho a ser tomado, mas esse debate destaca o progresso obtido pelo Primeiro-Ministro Shinzō Abe rumo a uma verdadeira autodefesa coletiva, o qual, no entanto, só pode ser descrito, realisticamente, como limitado. Em 03 Mai 17, Abe divulgou um vídeo em que declarava seus esforços para acrescentar um terceiro parágrafo ao Artigo 9 até o ano de 2020, que definiria, claramente, a existência das Forças Armadas do Japão, mas até mesmo essa pequena mudança, que seria a primeira alteração à Constituição em seus 70 anos de história, foi, quando muito, recebida com ceticismo9.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, nações do Leste Asiático, como China e Coreia, temem um Japão militarmente reincidente e agressivo; por isso, a lenta abordagem para ampliar o escopo do emprego de suas forças militares é pragmática. É difícil prever quando o mundo, em particular a China e a Coreia, aceitaria o Japão como uma verdadeira potência militar e como um parceiro de defesa coletiva a par com a Coreia do Sul ou Austrália.
Ainda assim, as preocupações regionais sobre um Japão agressivo são infundadas e, por mais estranho que pareça, as inquietações de seus vizinhos asiáticos não são, de modo geral, compreendidas ou reconhecidas pelos cidadãos japoneses10. Não obstante, em virtude dessas preocupações, o Japão continuará a parecer resistir a mudanças ao significado da Constituição ao mesmo tempo que visa à normalização, mantendo, assim, a fachada de postura pacifista (ou seja, conservando a imagem de pacifismo), a fim de aplacar os persistentes temores regionais (ou mero ressentimento).
O governo continuará a manter a imagem pacifista para reforçar seu poder político e econômico mundialmente, por mais irônico que pareça. Embora a lenta abordagem em relação à normalização seja algo positivo para a região e para o Japão, a pose de pacifismo do país — como uma fachada que vai desaparecendo pouco a pouco — pode parecer uma noção controversa. Entretanto, a lógica do interesse próprio está na base da conduta de todas as nações, e aparentes contradições são apenas isso: algo na superfície apenas. O próprio fato de o debate sobre mudanças ser extremamente lento revela perspectivas orientais sobre a História e a estratégia nacional.
Essa lenta abordagem também decorre, em parte, do fato que existe, já há algum tempo, uma crença geral, dentro do Japão (e possivelmente em alguns países do Ocidente), de que a nação hoje é fundamentalmente pacifista e de que a Segunda Guerra Mundial de alguma forma transformou a alma cultural japonesa11. Contudo, isso está longe ser verdade. O medo oriental de um Japão neoimperial no futuro representa o outro lado dessa forma de dissimulação. Nem o pacifismo, que o Japão sabe ser algo logicamente incoerente, nem um imperialismo político, que é igualmente incoerente, serviriam aos futuros interesses do país ou de quem quer que seja. A lógica das circunstâncias sugere que — menos por razões ideológicas e mais por razões de interesse econômico próprio — é improvável que haja um retorno a um Japão politicamente imperialista.
Além disso, os EUA podem contribuir muito para minimizar os temores asiáticos quanto ao poder militar japonês ao manterem sua presença militar no Japão e ao apoiarem o país no ritmo de mudança que ele escolher seguir. Ao incentivarem o Japão a mudar de uma maneira equilibrada, os EUA podem ajudá-lo a conservar a aparência de arrependimento por sua história anterior de expansionismo na Ásia que tem, até hoje, estabilizado a região. O desafio que os EUA enfrentam ao cooperarem com o Japão consiste em como incentivar mudanças políticas sem implicar que eles queiram ver uma reinterpretação radical do Artigo 9 ou sua revogação, mesmo que os dirigentes norte-americanos acreditassem que modificá-lo fosse a melhor linha de ação no longo prazo.
Pressionar os japoneses nessa área não seria uma boa ideia; eles devem proceder no ritmo que escolherem para demonstrar que estão buscando uma mudança harmoniosa e previsível. Se os EUA calcularem mal e testarem a paciência japonesa com sua visão sobre o Pacífico Ocidental, o Japão pode se afastar da aliança e passar a se apoiar mais em seu potencial independente para ações unilaterais ou até mesmo na renovação de seu relacionamento com a Rússia ou com a China, por mais improvável que isso pareça hoje. Essas ações seriam desestabilizadoras para a região.
A Importância de uma Contínua Relação de Cooperação
A parceria entre o Japão e os EUA é de vital importância para ambos os países. Também pode ser, para o resto do mundo, a melhor chance de promover a prosperidade do planeta, considerando as economias e a força combinada das duas nações. Desperdiçar esse relacionamento por descuido e arrogância seria uma questão moral que poderia ter, rapidamente, implicações estratégicas. Por ser uma questão do bem comum mundial, a parceria norte-americana com o Japão torna-se de interesse geral para a comunidade de Estados, pois ela representa uma fusão de duas civilizações decisivamente dominantes, no auge de seu desenvolvimento.
Não há nada mais profundo em jogo entre os dois países do que o mero interesse próprio. Em outras palavras, não se trata, fundamentalmente, de um relacionamento de amizade, algo que os norte-americanos costumam associar com um afeto incondicional. A parceria bilateral dos EUA com o Japão representa a coexistência pacífica e a cooperação baseadas no interesse próprio, ao longo da principal linha de divisão da civilização no mundo moderno. Superficialmente, falamos de amizade com o Japão, que é uma metáfora útil. Podemos ter amigos no Japão no âmbito individual, o que pode ajudar. Como nação, porém, o Japão é nosso parceiro bilateral acima de tudo e — como os chineses bem sabem e talvez tentem aproveitar — ele pode deixar de ser a qualquer momento. Um ambiente político nos EUA que busque minimizar ou até mesmo penalizar o Japão de alguma forma poderia ser o primeiro passo para a destruição da parceria12.
Essa parceria não é frágil, mas também é algo que os formuladores de política norte-americanos não devem dar como garantido. Os japoneses são um povo ao qual os EUA deram um ultimato duas vezes em meados do século XX. A primeira vez foi em 1941, quando lhes dissemos que saíssem das colônias que haviam anexado ou sofreriam embargos; a segunda vez foi em 1945, quando exigimos sua rendição incondicional. Para os japoneses, a Guerra do Pacífico foi uma guerra que “adquiriu as qualidades de um choque de civilizações”13. O autor dessas palavras, Mochida, afirmou: “Com isso, quero dizer que não havia uma ideia de coexistência; ao contrário, o combate tinha como base a intensificação da desconfiança mútua, que não tinha fusão/harmonia. Pode-se dizer que essa foi uma repetição do conflito entre Roma e Cartago”14. Em outras palavras, segundo a explicação de Mochida, o Japão tinha em jogo arraigados interesses culturais e ideológicos, assim como interesses econômicos, naquele confronto.
Seu envolvimento na Segunda Guerra Mundial foi, pelo prisma dos japoneses, uma guerra pela sobrevivência, travada ao longo de uma linha divisória entre visões de mundo que determinaria como as civilizações do planeta evoluiriam. Posturas como essas mostram como os próprios japoneses enxergam profundas diferenças entre Oriente e Ocidente. O fato de Mochida não mencionar, em sua analogia, a infame sina que Roma impôs a Cartago implica, por sua ausência, que o Japão jamais se permitiria sofrer um semelhante eclipse total nas mãos do Ocidente. Assim, se o professor Jay Parker, um analista do Exército, estiver certo em sua conjectura de que o Japão acabará optando por apoiar a China, essa seria uma medida para evitar ser eclipsado pelo Ocidente15.
Por sua vez, essa medida sinalizaria uma nova polarização do Oriente em relação ao Ocidente. O professor Paul Bracken adverte contra essa possibilidade em Fire in the East: The Rise of Asian Military Power and the Second Nuclear Age, ressaltando que “as fontes de conflito na Ásia surgem de Estados-nação, e não de civilizações […] uma retirada [por parte dos EUA] seria desastrosa para os EUA e para a Ásia”16.
O que resta aos atuais decisores norte-americanos é a tarefa de encontrar a “fusão/harmonia” de que fala Mochida. O Japão buscará encontrar harmonia independentemente de como a situação mundial evoluir, e — como quase todos concordam — seria melhor para o mundo como um todo se essa harmonia fosse com os EUA, e não com a próxima alternativa. Como a História tem demonstrado desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tem sido de interesse para os EUA persuadir o Japão a deixar seu pacifismo de concepção norte-americana e a movimentar-se, até certo ponto, a um fortalecimento militar racional. Entretanto, é preciso considerar a questão da forma, que é tão importante quanto o conteúdo no Leste Asiático quando se lida com o legado da Segunda Guerra Mundial e os efeitos do governo militar, e isso significa que movimentos bruscos não seriam bons para ninguém. A forma é mais importante do que a substância no desenvolvimento do Japão como um “país normal” com capacidades militares que pudessem comunicar uma disposição a empregar operações ofensivas. A palavra japonesa para “coração” é “kokoro”. O modo pelo qual os japoneses saírem de seu legado do século XX precisa refletir o “kokoro” de paz que eles querem comunicar.
Ao menos para a Coreia e a China, o Japão precisa manter o semblante de benevolência, docilidade e pacifismo, em prol não apenas das aparências, mas também de realidades políticas práticas. Quanto mais tempo ele mantiver uma forte aliança com os EUA, mais tempo ele poderá levar para deixar seu suposto pacifismo publicamente, e menos provável será que surja tensão entre seus países vizinhos.
A Importância da História
A principal diferença entre as culturas ocidental e oriental consiste em suas perspectivas filosóficas fundamentais — até mesmo essa expressão é reveladora. No Ocidente, temos o que chamamos de “visão” de mundo, uma certa perspectiva, e, embora existam muitas, todas elas se originam da mesma fonte (isto é, as tradições judaico-cristãs). No Oriente, as pessoas têm um “modo” de ser no mundo, e embora existam muitos, eles têm uma origem comum diferente da ocidental (os textos originais do hinduísmo, budismo e das filosofias confucionista e taoista). Ambas as perspectivas, oriental e ocidental, sofrem dos males do medo, ignorância e preconceito entre os pobres e os de pouca instrução. Superar esses obstáculos à efetiva cooperação por parte do lado ocidental da divisão cultural é uma obrigação dos EUA para com a aliança. A História indica que os norte-americanos têm dificuldade nessa área. Bracken, em Fire in the East, chama a tendência ocidental de moldar as coisas segundo sua ótica o “desafio da autoconcepção”17. Ao trabalhar com os japoneses, assumir essa postura intencionalmente ou não pode ter consequências indesejáveis para a aliança.
No Japão, séculos de domínio pelo etos militar de uma elite política e moral moldaram os discursos da nação, as ideologias predominantes que formam a alma de um povo e a maneira pela qual ele se conduz no mundo em todos os campos. O acadêmico de Harvard Thomas Cleary lembra ao desatento Ocidente que algo “crucial para entender a mentalidade e o comportamento japoneses é uma avaliação da influência de séculos de governo militar”18. Nem mesmo o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki em 1945, que culminou na capitulação japonesa e no término da Segunda Guerra Mundial, e as mudanças bruscas que se seguiram a esses acontecimentos desastrosos, podem mudar essa característica. Esperar tal mudança seria como dizer aos ocidentais que parassem de usar a tradição judaico-cristã como prisma para olhar o mundo.
Contudo, conforme mencionado anteriormente, esse legado de governo e derrota militar não indica que o Japão se tornará militarista novamente, o persistente temor de algumas nações na região. O país tem uma tendência histórica a adaptar, pragmaticamente, os modos e ideias de outras civilizações (por exemplo, como no caso de adoção da religião e tecnologia chinesa nos séculos VI e VII e das tecnologias militares ocidentais nos séculos XVI e XIX). Esse histórico implica, na verdade, que os japoneses têm uma boa razão para continuar fingindo pacifismo, porque essa é, pragmaticamente, a melhor linha de ação para a segurança e estabilidade econômica da região na atualidade, e para deixar para trás a percepção de relativa impotência político-militar da maneira que melhor sirva aos interesses do país e seu lugar no mundo.
A história do Japão mostra uma clara progressão de elites religiosas para imperadores, ditadura militar, oligarquia militar e, enfim, governo representativo. Os norte-americanos precisam lembrar quanto tempo o Japão foi regido por um governo militar — cerca de 900 anos. A paciência, autossuficiência e autodeterminação fazem parte da ética do Bushido (samurai), que se difundiu na população19. Essas virtudes marciais persistem e são tão importantes para o país quanto para seus cidadãos individuais, e o Japão vê a necessidade de preservá-las para manter seus próprios interesses sob consideração em futuros discursos de poder.
A Argamassa da Aliança de Segurança entre EUA e Japão
Não há como exagerar a importância do engajamento bilateral militar dos EUA no Japão, junto às Forças de Autodefesa e à sociedade japonesa. A aliança depende do relacionamento militar e civil no nível mais básico, em que soldados e comandantes japoneses e norte-americanos se adestram juntos em missões de cooperação; em que os estados-maiores planejam e conduzem exercícios juntos; e em que os políticos e burocratas locais trabalham e interagem com as bases dos EUA. Embora o Japão reúna os melhores fatores geográficos e geopolíticos como local mais adequado para o centro de comando e controle militar dos EUA no Pacífico Ocidental, há melhores razões para se refletir sobre uma futura melhoria da estrutura e qualidade da presença norte-americana no país. Como o Japão representa o fator econômico e cultural de interesse central para o futuro dos EUA e é seu mais importante aliado na Ásia, se não no mundo, as relações com a nação anfitriã devem ser a prioridade máxima das forças militares norte-americanas, e os exercícios devem passar para um plano secundário em relação à natureza qualitativa da manutenção da aliança. Os exercícios militares dever servir à manutenção do relacionamento, e não o contrário. As operações servem à estratégia, e não há espaço para o provincianismo por parte dos planejadores dos exercícios.
O Exército detém a maior parte da responsabilidade por essa manutenção do relacionamento, apesar da menor dimensão de sua presença entre as forças norte-americanas no Japão. A FTAJ é, de longe, a maior e, possivelmente, a mais influente das Forças Armadas japonesas20. Por esse aspecto, o Exército dos EUA tem uma significativa parcela de responsabilidade na manutenção da aliança bilateral — provavelmente a parcela mais crucial entre as Forças Singulares, considerando a atual situação. Além disso, o Exército dos EUA é bem-vindo no Japão. Não há significativos movimentos ou opinião pública negativa para retirá-lo do país, e é improvável que surjam esforços nesse sentido. O desafio para os militares do Exército dos EUA será manter o relacionamento com a FTAJ em um patamar que comunique o respeito que o país merece como nosso aliado. Ao considerar o futuro, o programa de engajamento bilateral do Exército deveria receber renovada ênfase do Departamento do Exército, expressa como uma estrutura de oficiais de grau hierárquico mais elevado no Japão.
Há 15 anos, quando passei para a reserva como oficial do estado-maior do Exército dos EUA no Japão, escutei um comandante mais antigo da FTAJ comentar: “O Exército dos EUA continua a não ter interesse no Japão; continuam cegos como sempre — não veem nenhuma relevância”. Isso talvez ainda seja verdade, considerando a preocupação do Exército dos EUA com o Oriente Médio; se for o caso, isso precisa mudar. Entender o Japão e seu provável futuro papel na segurança da Ásia é de extrema importância para obter os melhores resultados para o mundo como um todo.
O autor gostaria de agradecer ao CF Mark L. Kreuser, da reserva remunerada da Marinha dos EUA, por suas perspectivas e gentil assistência, na qualidade de Chefe da Seção de Assuntos Político-Militares, do Exército dos EUA no Japão. Quaisquer erros cometidos neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor e não se refletem em Kreuser ou no comando. As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor.
Referências
- “Japan: Article 9 of the Constitution”, Library of Congress website, última atualização em 29 set. 2015, acesso em 21 mar. 2017, https://www.loc.gov/law/help/japan-constitution/article9.php. Veja também Kitaoka Shinichi, “The Turnabout of Japan’s Security Policy: Toward ‘Proactive Pacifism’”, Nippon.com website, última atualização em 2 abr. 2014, acesso em 3 mai. 2017, http://www.nippon.com/en/currents/d00108/.
- “The Constitution of Japan”, Prime Minister of Japan and His Cabinet website, acesso em 16 mai. 2017, http://japan.kantei.go.jp/constitution_and_government_of_japan/constitution_e.html.
- Michael Richardson, “China Developing a Navy that Could Confront U.S.”, International Herald Tribune, 5 Jan. 2001.
- “The Article 9 Debate at a Glance”, Nippon.com website, 31 Aug. 2016, acesso em 4 mai. 2017, http://www.nippon.com/en/features/h00146/.
- K. Mochida, “The Dawn of a Second Pacific Era” (trabalho não publicado, 1995), versão preliminar em posse do autor.
- John W Dower, Embracing Defeat (New York: W. W. Norton, 1999), p. 563.
- “Gross Domestic Product 2015”, World Bank data, 2015, acesso em 21 mar. 2017, http://databank.worldbank.org/data/download/GDP.pdf.
- “The Article 9 Debate at a Glance”.
- “PM’s Call for Revision to Article 9 of Constitution Puzzle Even Ruling Parties”, Mainichi, 4 May 2017, acesso em 16 mai. 2017, https://mainichi.jp/english/articles/20170504/p2a/00m/0na/010000c.
- Observação do autor com base em 16 anos vivendo predominantemente no Japão e em suas conversas pessoais com representantes de vários segmentos da sociedade, incluindo parentes, amigos e colegas de turma da International Christian University, assim como colegas de trabalho desde 1972 até o presente.
- O pacifismo formou o núcleo da política externa do Japão na era pós-guerra. Essa política tem como base os horrores da Guerra no Pacífico e o trauma sofrido durante a guerra, incluindo o bombardeio nuclear de Hiroshima e Nagasaki. O Artigo 9 da Constituição pós-guerra, elaborado durante a ocupação norte-americana em 1947, declara que o povo japonês “para sempre renuncia a guerra como um direito soberano da nação”. Veja Matt Ford, “Japan Curtails its Pacifist Stance”, The Atlantic, 19 Sept. 2015, acesso em 4 mai. 2017, https://www.theatlantic.com/international/archive/2015/09/japan-pacifism-article-nine/406318/. Depois do sucesso de Abe em reinterpretar o Artigo 9, “dezenas de milhares de estudantes se manifestaram contra o projeto de lei em Tóquio, e o líder da oposição, Tatsuya Okada, advertiu que o projeto de lei e outras medidas relacionadas à segurança ‘deixariam uma grande cicatriz na política democrática japonesa’”.
- Veja a discussão sobre a arrogância ocidental em relação aos países orientais em E. Valentine Daniel, “The Arrogation of Being by the Blind-Spot of Religion”, Hitotsubashi Journal of Social Studies 33 (2001): p. 83–102, acesso em 1 mai. 2017, https://www.jstor.org/stable/43294582?seq=1#page_scan_tab_contents. O professor Daniel, antropólogo da Columbia University, proferiu uma palestra na Hitotsubashi University em Tóquio sobre as distinções antropológicas entre o Oriente e o Ocidente. Ele crê que um esclarecimento completo do mal-entendido cultural é mais profundo do que permitiria uma explicação. Ele alega que conceber as diferenças segundo ideias típicas ocidentais sobre “visões” de mundo é um erro categórico, um erro lógico. Ele fala da “arrogância inocente” do povo ocidental impondo a ideia de “visão” ao resto do mundo.
- Mochida, “The Dawn of a Second Pacific Era”. Como sua opinião reflete o que muitas pessoas no Japão acreditam, mas não diriam abertamente, o que o Gen Mochida afirmou sobre a guerra a partir da ótica japonesa é revelador e importante para entender a atual perspectiva do Japão sobre sua própria história: “Havia muitos japoneses que acreditavam nos ideais refletidos na ideia japonesa de libertar outras nações dos grilhões da colonização ocidental e no plano japonês de construir uma esfera de coexistência e prosperidade mútua. Acredito que, considerando a atual situação na Ásia, esse plano idealista não é nada de que os japoneses devam se envergonhar hoje […] o Japão acabou sendo derrotado, mas, em decorrência da guerra, muitos países asiáticos foram libertados de seus grilhões coloniais e se tornaram nações independentes. Estamos perto demais do arco-íris para reconhecer o que ele é, mas, com o tempo, será importante avaliar e entender, com calma e objetividade, as ações japonesas desde a Guerra Russo-Japonesa até a Segunda Guerra Mundial. […] É importante ter em mente que a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial serviu como um simbólico ponto de virada histórico, que fez os japoneses entenderem como era impróprio o emprego de força para tentar dominar outros países. A ideia de que seria legítimo empregar a força para realizar os desejos nacionais se baseava na história antiga, e a prática havia continuado desde então. Contudo, com base em nossa experiência durante a Segunda Guerra Mundial, nós, japoneses, viemos a reconhecer que esse modo de pensar não resultou em nada a não ser causar sofrimento e atrasar o progresso humano. Essa é a lição que deveria ser aprendida não apenas pelo Japão, mas também pelos países que foram vitoriosos na guerra. […] Embora haja várias fontes de atrito entre os EUA e o Japão atualmente, nós, japoneses, estamos nos esforçando para abrir nossos mercados no espírito de harmonia, e não de confronto”.
- Ibid.
- Jay M. Parker, “Japan at Century’s End: Climbing on China’s Bandwagon?” Pacific Focus 15, no. 1 (2000): p. 6. O professor (Cel) Parker acredita que, das três opções para o Japão (seguir contando com o acordo de segurança com os EUA, rearmar-se como uma superpotência tecnológica ou atender aos interesses da China), o Japão se afastará dos EUA e se aproximará da China. Isso não aconteceu nos 15 anos desde a publicação do artigo, mas continua sendo uma possibilidade.
- Paul Bracken, Fire in the East (New York: Perennial, 1999), p. 163.
- Ibid., p. 170.
- Thomas Cleary, The Japanese Art of War: Understanding the Culture of Strategy (Boston: Shambhala, 1991), p. 123. Nesse sentido, como observa Cleary: “A frente óbvia não é a medida do que ela, supostamente, representa, embora a existência de fachadas seja um fato inevitável da vida quando se lida com a cultura japonesa como uma realidade política”.
- Edwin O. Reischauer, The Japanese (Boston: Harvard, 1977), p. 214. Veja também Inazo Nitobe, Bushido: The Soul of Japan (Tokyo: Tuttle, 1963), p. 63.
- U.S. Army Japan, “Command Brief” (Camp Zama, Japan, 2016).
O Ten Cel Peter D. Fromm, da reserva remunerada do Exército dos EUA, é o Subchefe da Seção de Pessoal do Exército dos EUA no Japão, Camp Zama, Japão. É bacharel em Ciências Sociais pela San Jose State University e mestre em Filosofia pela Indiana University, em Bloomington. Serviu no 1º Batalhão (Ranger), 75º Regimento de Infantaria; na 82ª Divisão Aeroterrestre; na 1ª Divisão de Cavalaria; e na 2ª Divisão Blindada. Foi chefe de seção de estado-maior do Exército dos EUA no Japão. Lecionou Inglês, Filosofia e Ética durante vários anos na Academia Militar dos EUA, em West Point, Estado de Nova York.
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