Military Review

 

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Primeiro Trimestre 2022

O Problema com o Comando de MissãoMcArthur2nd

A Cultura do Exército e as Suposições dos Comandantes

Maj David J. Devine, Exército dos EUA

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Em 1911, o Cap Harry Cootes, do 13o Regimento de Cavalaria dos Estados Unidos da América (EUA), escreveu um breve artigo sobre liderança que foi publicado no Journal of the United States Cavalry Association. Em seu artigo, o Cap Cootes lamentou o fato de que o microgerenciamento e uma falta de confiança haviam reduzido os comandantes dos esquadrões de cavalaria, no início dos anos 1900, a “meros chefes nominais e, na realidade, a ‘primeiro-sargento’ de um coronel”.1 Cootes, que havia observado várias manobras militares europeias, comparou a liberdade de que gozavam os comandantes franceses, alemães e russos com a conformidade e as restrições impostas aos oficiais estadunidenses. Segundo ele, o autoritarismo excessivo, a desconfiança e a interferência de comandantes superiores prejudicavam gravemente a iniciativa e a adaptabilidade dos oficiais do Exército dos EUA. Esses comportamentos negativos resultavam, de modo geral, em uma cultura de liderança do tipo “sentar rápido e não fazer nada” entre os comandantes de esquadrão.2

Os tempos mudaram, mas essa condição lamentável persiste. Em 2020, o Gen Div David Barno, da reserva remunerada do Exército dos EUA, e a Dra. Nora Bensahel escreveram um livro intitulado Adaptation under Fire: How Militaries Change in Wartime (“Adaptação sob Fogo: Como Forças Armadas Mudam em Tempos de Guerra”, em tradução livre). O livro dedica considerável atenção à filosofia de comando de missão e, especialmente, às dificuldades que o atual Exército dos EUA tem encontrado para incutir esse conceito em seus comandantes. Barno e Bensahel sugerem que o comando de missão representa um elemento crucial que contribui para a adaptabilidade e agilidade mental dos comandantes do Exército em ambientes operacionais dinâmicos. Também afirmam que o Exército não pratica, de modo eficaz, sua filosofia de comando de missão. Os autores apresentam várias razões para essa falha, incluindo burocracia excessiva, microgerenciamento difundido, aversão generalizada ao risco e desconfiança endêmica. Esses comportamentos negativos surgem em resposta a requisitos burocráticos em tempos de paz e persistem na guerra.3

Apesar de nunca ter visto o termo “comando de missão”, Cootes possivelmente concordaria com as observações de Barno e Bensahel. A Publicação Doutrinária do Exército 6-0, Comando de Missão: Comando e Controle das Forças do Exército (ADP 6-0, Mission Command: Command and Control of Army Forces), define o comando de missão como “a abordagem do Exército para o comando e controle, que permite ao subordinado poder de decisão e execução descentralizada de forma apropriada a cada situação”.4 Essa abordagem fornece a filosofia geral que os comandantes e subordinados usam para executar operações descentralizadas em condições mutáveis. No entanto, o Exército enfrenta, atualmente, problemas significativos na prática de sua filosofia de comando de missão. Essa dificuldade decorre de muitos dos fatores descritos por Barno e Bensahel e persiste devido a questões culturais profundamente arraigadas que existem na maioria das organizações do Exército.5 Para “consertar” o comando de missão, o Exército deve, primeiro, examinar os alguns comportamentos difundidos dos comandantes e desafiar as suposições básicas nas quais eles se apoiam para resolver problemas e obter êxito.

O problema

A abordagem de comando de missão do Exército dos EUA apareceu pela primeira vez na doutrina em 2003, mas é possível afirmar que militares de vários exércitos se valem de filosofias semelhantes há séculos. Os alemães certamente praticaram a chamada Auftragstaktik (tática de missão) nos séculos XIX e XX, e o caos e a incerteza da guerra forçaram muitos exércitos a adotar táticas do tipo missão por necessidade.6 O comando de missão representa apenas um estilo de comando possível, e vários autores defendem abordagens diferentes e conceitos alternativos dessa filosofia.7 Não obstante, ele ocupa um lugar de destaque na doutrina do Exército dos EUA relativa à liderança. A menos que mude essa doutrina, o Exército dos EUA deve tentar praticá-la — ou pelo menos reconhecer a falta de alinhamento entre o que está impresso nos manuais de campanha e o que seus comandantes praticam todos os dias.

Além disso, esses comandantes parecem acolher a abordagem de comando de missão e enaltecer suas virtudes, pelo menos em público. Então, por que muitos desses mesmos comandantes não praticam essa filosofia? Por que o Exército dos EUA tem problemas para incutir a abordagem de comando de missão?

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Muitos comandantes parecem acreditar que a profissão militar requer a autocracia — que os exércitos precisam de comandantes rígidos, agressivos e de temperamento forte para lidar com o assunto sério do combate

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Três características inter-relacionadas de liderança se destacam como causas específicas dessa dificuldade: uma preferência pelo autoritarismo, gosto por “bull” (forma abreviada do termo chulo bulls--t, ou BS, ou seja, disparates, tapeação ou atividades “sem sentido”) e falta de imaginação. Norman Dixon elucida essas questões fundamentais no livro On the Psychology of Military Incompetence (intitulado A Psicologia da Incompetência dos Militares, no Brasil), um estudo de 1976 sobre os fracassos militares britânicos e os obstáculos psicológicos relacionados enfrentados pelos comandantes mais antigos. Historiadores e teóricos, como Williamson Murray e Meir Finkel, repetem muitas das mesmas preocupações. Embora Dixon tenha estudado a cultura militar britânica e publicado seu livro há décadas, várias de suas conclusões ainda se aplicam ao Exército dos EUA no início do século XXI.

Autoritarismo

As organizações militares têm uma história longa e complicada com respeito a estilos de liderança autoritários.8 Esse autoritarismo talvez tenha origem em estereótipos clássicos de liderança militar e os perpetue: o instrutor draconiano, o oficial exigente e inflexível e o general imperioso. Muitos comandantes parecem acreditar que a profissão militar requer a autocracia — que os exércitos precisam de comandantes rígidos, agressivos e de temperamento forte para lidar com o assunto sério do combate. Essas qualidades podem beneficiar forças armadas se aplicadas de maneira adequada, e as técnicas de liderança autoritária têm seu lugar em certas condições de risco e situações específicas.9 Com efeito, a ADP 6-0 esclarece que os comandantes devem exercer mais controle em situações em que lhes falte treinamento, haja pouca coesão e a confiança ainda precise ser desenvolvida.10 Assim como acontece com desafios de liderança em diversas organizações, variáveis situacionais e ligadas aos seguidores nas unidades militares podem influenciar o comportamento do comandante.

Contudo, o autoritarismo excessivo também pode criar condições que prejudicam o comando de missão. Dixon observa que os comandantes autoritários tendem à desonestidade, suspeita, comportamento obsessivo, pessimismo e uso de bodes expiatórios.11 Afirma, ainda, que eles, muitas vezes, ignoram o feedback sincero e não agem de acordo com informações que não apoiem suas noções preconcebidas.12 Por fim, tanto Dixon quanto Finkel sustentam que os comandantes extremamente autoritários têm dificuldade em demonstrar adaptabilidade ou exibir a iniciativa disciplinada exigida pela filosofia de comando de missão.13 Todos esses comportamentos colocam em risco sua execução eficaz. Os comandantes podem precisar empregar estilos autocráticos dependendo da situação, mas o autoritarismo excessivo — e culturas militares que o priorizam em excesso — ameaça a descentralização.14

Bulls--t

O termo bulls--t, traduzido neste artigo por atividades “sem sentido”, diz respeito a todos os comportamentos, procedimentos, regras e rituais que os exércitos adotam e mantêm para reduzir a ansiedade e mitigar a ambiguidade.15 Essa definição difere do conceito de chickens--t (mesquinhez) de Paul Fussell, que se refere a comportamentos vingativos e mesquinhos destinados a gerar angústia e aumentar o caráter desagradável inerente a uma atividade militar.16 As atividades “sem sentido” assumem muitas formas — algumas estranhas, outras irritantes, muitas desnecessárias. Limpeza excessiva, organização compulsiva, obsessão com as aparências e uma devoção doentia à uniformidade podem ser qualificadas como atividades “sem sentido”. Muitas, mas não todas, práticas burocráticas ligadas ao serviço militar também podem estar relacionadas a atividades “sem sentido”, visto que esses processos e sistemas existem para reduzir ou eliminar a ambiguidade. Grande parte delas existe principalmente no aquartelamento. Podem desaparecer até certo ponto em ambientes operacionais, mas frequentemente persistem.17

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Da mesma forma que acontece com o autoritarismo, um grau moderado de atividades “sem sentido” pode, ocasionalmente, frustrar os soldados, mas não representa uma ameaça significativa ao comando de missão. As organizações podem até exigir atividades normalmente qualificadas como “sem sentido” para manter a boa ordem e a disciplina em certas situações. Contudo, os comandantes que se apoiam excessivamente nelas para mitigar situações ambíguas podem criar um clima organizacional que reprime a descentralização, a iniciativa e a confiança. Ao aliviar ansiedades e impor conformidade, as atividades “sem sentido” também destroem a adaptabilidade e a inovação.18 Os comandantes não podem aprender a praticar o comando de missão com eficácia em ambientes que eliminam, implacavelmente, todas as formas de risco, imprevisibilidade ou desordem. Os atuais ambientes operacionais apresentam todas essas características, e nenhum comandante pode esperar erradicá-las.

Apesar de seus efeitos negativos, o Exército deve administrar, cuidadosamente, as atividades “sem sentido”. Muitos soldados inconvenientes e comandantes excessivamente críticos tendem a caracterizar tudo como “sem sentido”, mesmo aquelas atividades que, comprovadamente, contribuem para o êxito organizacional. A burocracia gera um certo volume de atividades “sem sentido”, e Murray observa que burocracias como as que sustentam as Forças Armadas estadunidenses também existem, primordialmente, para aliviar ansiedades, impor a ordem e proteger, eficientemente, o status quo.19 Dessa forma, atividades “sem sentido” podem representar uma parte inevitável da experiência militar que, muitas vezes, promovem a eficiência e, ao mesmo tempo, dificultam a criatividade. Já que elas continuam a fazer parte do ambiente militar, os comandantes ou podem administrá-las com eficácia ou deixar que elas controlem a eles mesmos e às suas unidades. Os comandantes devem equilibrar, cuidadosamente, as atividades corriqueiras que contribuem para o bem-estar e disciplina organizacionais, com o entendimento de que o Exército dos EUA não pode substituir a iniciativa pela ordem.

Falta de imaginação

O autoritarismo e uma quantidade desenfreada de atividades “sem sentido” servem para produzir a terceira característica que dificulta seriamente o comando de missão dentro do Exército: a falta de imaginação, definida como a relutância em considerar soluções alternativas ou aplicar o pensamento criativo. O Exército dos EUA frequentemente reconhece a capacidade de imaginação tática, mas raramente recompensa sargentos ou oficiais que demonstrem originalidade nas escolhas de carreira ou interpretem ordens de maneira criativa. O Exército, com frequência, pune, direta ou indiretamente, esse tipo de comportamento. Em consequência, a maioria dos comandantes se contenta com soluções cautelosas e planos de carreira prescritos. Muitos oficiais não internalizam as publicações doutrinárias do Exército que exigem a quebra de paradigmas e a inovação; consequentemente, a inovação continua sendo um atributo classificado de modo desfavorável nas pesquisas do Exército sobre liderança.20

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No entanto, Barno, Bensahel, Dixon e Murray concordam que a inovação e a adaptação não podem ocorrer sem uma abertura a novas ideias, e muitos comandantes contemporâneos não contam com essas faculdades imaginativas.21 Até mesmo a Publicação Doutrinária do Exército 6-22, Liderança do Exército e a Profissão (ADP 6-22, Army Leadership and the Profession), destaca a imaginação e o pensamento criativo como componentes cruciais da adaptabilidade e agilidade mental.22 Comandantes sem imaginação têm dificuldade em praticar o comando de missão por não conseguirem confiar livremente nos outros; também não têm interesse em avaliar riscos prudentes ou desenvolver um senso de iniciativa disciplinada. Esses comportamentos contribuem para a cultura de aversão ao risco que Barno e Bensahel identificam como o principal impedimento à implementação eficaz do comando de missão.23

Oficiais sem imaginação podem não se opor ao comando de missão, e a falta de imaginação não significa falta de competência. Na verdade, esses comandantes ainda podem beneficiar organizações e demonstrar liderança eficaz no nível direto. Ademais, os não conformistas e os propensos a quebrar regras não demonstram, inevitavelmente, o tipo necessário de criatividade e imaginação para o êxito do comando de missão. Contudo, os líderes organizacionais que demonstram uma falta crônica de imaginação e criatividade podem descartar mais prontamente a filosofia de comando de missão, com sua ênfase na aceitação de riscos e na iniciativa disciplinada.

Confrontar as suposições básicas

Em seu influente livro Organizational Culture and Leadership (intitulado Cultura Organizacional e Liderança no Brasil), Edgar Schein argumenta que a cultura consiste em três níveis: artefatos, valores expostos e suposições básicas.24, NT A cultura do Exército — e as subculturas das diferentes armas, quadros, serviços, componentes e organizações — inclui esses três níveis. Continências, fardas e cerimônias constituem seus artefatos, enquanto os “Valores do Exército” e a “Ética do Exército” compreendem seus valores expostos. Por sua vez, as suposições básicas representam princípios arraigados, decorrentes de comportamentos que resolveram, repetidas vezes e de modo eficaz, problemas organizacionais. Essas suposições se tornaram parte da estrutura cultural da organização; os integrantes do grupo raramente as reconhecem e frequentemente as seguem inconscientemente. Essas suposições profundamente arraigadas guiam vários comportamentos e crenças organizacionais.25

A cultura do Exército tem muitas suposições básicas. Muitas dessas crenças arraigadas resultam no tipo de comportamento excepcional reconhecido por condecorações por bravura, mas outras servem como obstáculos à descentralização, responsabilidade, confiança, iniciativa e gestão eficaz de riscos. Em suma, essas suposições podem impedir o comando de missão. O autoritarismo, o gosto por atividades “sem sentido” e uma falta de imaginação ajudaram a criar muitas dessas suposições negativas. Para implementar com sucesso sua filosofia de comando de missão, o Exército dos EUA deve confrontar e mudar várias das suposições mais prejudiciais dos comandantes, como as três descritas a seguir.

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Por meio do treinamento e do desenvolvimento de líderes, os comandantes podem servir como a fonte dessa confiança e acabar construindo organizações adaptáveis.

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Primeira suposição: um comandante deve confiar, mas verificar, mesmo que a verificação resulte no microgerenciamento. Todo oficial do Exército dos EUA que se equivocou ao confiar em um subordinado malsucedido ouviu falar do antigo provérbio russo “confie, mas verifique”. Essa máxima da era Reagan pode resolver problemas organizacionais, especialmente em organizações relativamente imaturas ou quando se lida com líderes não treinados. Entretanto, esse mantra autoritário mal disfarçado destrói a confiança quando usado como “estrela guia” para orientar os comandantes no Exército em suas interações com oficiais subordinados. O provérbio “confie, mas verifique” — uma vaca sagrada em muitas organizações do Exército dos EUA — muitas vezes fornece aos oficiais uma justificativa para o microgerenciamento. Em consequência, muitos comandantes confiam muito pouco e verificam tudo. Em caso de falha, os comandantes mais antigos podem ver a falta de verificação pessoal do comando como um sinal de incompetência, em vez de uma oportunidade para os comandantes aprenderem e aumentarem ainda mais a confiança mútua.

NT: Os termos traduzidos foram extraídos de Edgar H. Schein, Cultura Organizacional e Liderança, tradução de Ailton Bomfim Brandão, revisão técnica de Humberto Mariotti (São Paulo: Atlas, 2017).

Por mais doloroso que pareça, o Exército deve abandonar a máxima “confie, mas verifique”. Deve abater essa “vaca sagrada”. No lugar dela, os comandantes deveriam adotar “certificar e confiar” como sua máxima. Os comandantes não devem, automaticamente, a confiança a seus subordinados ou vice-versa. Contudo, os comandantes que treinam e desenvolvem, de modo intensivo, seus subordinados podem, mais tarde, certificar sua competência. Da mesma forma, os subordinados podem aprender sobre os comportamentos e motivações de seus comandantes durante esse treinamento. Ambas as partes podem, por fim, desenvolver a confiança mútua — a base do comando de missão. Por meio do treinamento e do desenvolvimento de líderes, os comandantes podem servir como a fonte dessa confiança e acabar construindo organizações adaptáveis. Por outro lado, os comandantes que optam apenas por “confiar, mas verificar” promovem o autoritarismo e seu correlato, o microgerenciamento — precisamente a qualidade de liderança da qual Cootes se queixou em 1911.

Segunda suposição: o comando de missão ocorre naturalmente, sem nenhum treinamento ou envolvimento do comandante. Muitos comandantes presumem que seus subordinados entendam a filosofia de comando de missão e que sua organização possa aplicar essa abordagem facilmente sem um envolvimento constante do comandante. A ADP 6-0 contesta essa suposição, afirmando que “os comandantes não podem esperar que os subordinados respondam de forma eficaz a uma abordagem de comando de missão quando as operações forem iniciadas caso não tenham desenvolvido subordinados que se sintam à vontade com seu uso de antemão”.26 Contudo, os comandantes, muitas vezes, esperam justamente isso de seus subordinados, os quais, com frequência, não experimentaram o nível de desenvolvimento institucional ou operacional necessário para exercer o comando de missão. Suas expectativas se manifestam na noção de que comandantes devem “resolver por conta própria” (ou “se virar”), outro mantra muito apreciado do Exército. É bem possível que “resolver por conta própria” ajude os oficiais a desenvolver habilidades de pensamento crítico ou criativo no tipo apropriado de ambiente de treinamento. No entanto, esperar que os oficiais tentem lidar com a aplicação de uma abordagem de liderança complexa e baseada na confiança durante a execução de operações reais sem receberem suficiente treinamento prévio provavelmente representa, como observa a ADP 6-0, uma meta irreal.

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A suposição de que o comando de missão ocorre de maneira natural e fácil influencia muitos fatores relacionados ao desenvolvimento de líderes no Exército dos EUA, incluindo o aconselhamento, a mentoria e os relatórios de avaliação.

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A suposição de que o comando de missão ocorre de maneira natural e fácil influencia muitos fatores relacionados ao desenvolvimento de líderes no Exército dos EUA, incluindo o aconselhamento, a mentoria e os relatórios de avaliação. Os comandantes querem subordinados que possam “resolver” problemas complexos e esperam que os comandantes subalternos cheguem a soluções eficazes e exerçam a iniciativa disciplinada com pouco ou nenhum treinamento. Comandantes sem imaginação ou autoritários que querem contornar o árduo trabalho de incutir a filosofia de comando de missão frequentemente agem de acordo com essa suposição. No entanto, até mesmo comandantes diligentes que queiram aplicar o comando de missão também podem acabar sucumbindo a essa suposição devido às pressões relacionadas à rotatividade de liderança, fadiga, situações desconhecidas e tempo.

Como no caso da máxima “confie, mas verifique”, o Exército deve mudar essa suposição por meio do treinamento. A ADP 6-0 incentiva os comandantes a conduzir o treinamento sobre o comando de missão incorporando essa abordagem com a maior frequência possível. Contudo, a doutrina do Exército sobre gestão de treinamento enfatiza a padronização, a uniformidade e a eficiência. Não recompensa, necessariamente, comandantes que incorporem ambiguidade ou complexidade em seus planos de treinamento. Significativamente, a Publicação Doutrinária do Exército 7-0, Treinamento (ADP 7-0, Training), propõe um treinamento realista e centrado no combate, mas não contém nenhuma menção ao comando de missão.27 Nem todo treinamento é adequado para a inclusão de tais oportunidades; afinal, exercícios de tiro de instrução básico de fuzil não exigem muita complexidade. Entretanto, muitos adestramentos coletivos das unidades se beneficiariam de maior ambiguidade e de mais oportunidades para demonstrar a iniciativa disciplinada em lugar de uma uniformidade memorizada. Sempre que possível, os comandantes devem incorporar os fundamentos do comando de missão — descentralização, iniciativa, confiança e aceitação de riscos — aos planos de treinamento. Não treinar os subordinados para o comando de missão antes de esperar que eles executem tal abordagem durante as operações apenas contribui para suposições equivocadas.

Terceira suposição: os comandantes devem evitar o risco porque ele ameaça a chance de promoção e avanço na carreira. Essa crença arraigada representa a ameaça mais perigosa e prejudicial à prática eficaz do comando de missão. Muitos oficiais não confiam, delegam ou tomam a iniciativa devido ao medo do fracasso pessoal ou organizacional. Evitam correr riscos porque, caso resultem em fracasso ou acidentes, colocarão carreiras em perigo. As unidades do Exército raramente oferecem a segurança psicológica que Schein e outros autores consideram necessária para desenvolver organizações que aprendem.28 Apesar das declarações em contrário, os oficiais sabem que falhas, mesmo em busca da inovação ou adaptação, muitas vezes afetam negativamente os relatórios de avaliação. Muitos comandantes, portanto, optam por trilhar o caminho seguro e sem imaginação. Alternativamente, eles e suas organizações recorrem a atividades “sem sentido” na forma de níveis burocráticos e processos trabalhosos de gestão de risco que buscam mitigar a ambiguidade, mas que, em vez disso, destroem a confiança e frustram a iniciativa.

Todos esses comportamentos dificultam seriamente a execução do comando de missão. O Exército deve se livrar da suposição que os impulsiona, recompensando comandantes que internalizem a filosofia de comando de missão ao confiar nos outros, aceitar riscos com prudência e permitir erros não propositais. A ADP 6-0 especifica que os comandantes não podem tolerar todos os tipos de falha, como violações éticas e repetidos erros perigosos.29 Até mesmo as falhas toleradas devem beneficiar os indivíduos afetados, produzindo oportunidades de aprendizagem influenciadas e guiadas pelos comandantes. Esse processo de aprendizagem contribui ainda mais para a certificação de comandantes subordinados competentes e confiáveis.

Atualmente, alguns comandantes no Exército reconhecem e enfatizam qualidades como confiança, aceitação de riscos e segurança psicológica. Contudo, muitos valorizam oficiais autoritários que priorizam a obtenção de resultados acima do desenvolvimento de líderes e do crescimento organizacional. A filosofia de comando de missão busca evitar a falha catastrófica na guerra, criando comandantes adaptáveis que aprenderam com repetidas falhas na paz. Essa abordagem não poderá ter sucesso caso continue a ser regida por um status quo que dá preferência a soluções de liderança pouco inventivas, avessas ao risco e profissionalmente conservadoras.

Conclusão

O Exército dos EUA codificou o comando de missão há quase 20 anos e ensina essa filosofia, de alguma forma, a todos os seus comandantes. Entretanto, poucas organizações do Exército praticam, efetivamente, essa abordagem hoje em dia. Em vez disso, as unidades frequentemente deixam de confiar, treinar, alcançar um entendimento comum e recompensar aqueles que demonstram verdadeira iniciativa. Os comandantes na Força contribuem para essas falhas por meio de comportamentos autoritários, da priorização excessiva de atividades “sem sentido” e de uma nítida falta de imaginação. Esses comportamentos levaram a suposições básicas dos comandantes sobre a necessidade de constante microgerenciamento, expectativa de aplicação do comando de missão sem treinamento e primazia da aversão sobre a aceitação prudente de riscos.

O Exército e seus comandantes devem confrontar essas suposições e desafiar os paradigmas que as fomentam, para aplicar, com sucesso, a filosofia de comando de missão. Os comandantes no Exército devem, primeiro, identificar e mudar seus comportamentos — autoritarismo excessivo, confiança exagerada em banalidades e na ordem e falta de imaginação — antes que possam abordar, de forma realista, as suposições culturais básicas. Ao mudar comportamentos e confrontar velhas crenças, o Exército dos EUA poderá fazer com que seus comandantes cultivem o tipo de adaptabilidade e flexibilidade exigido por futuros campos de batalha. Os comandantes que não veem nenhum valor nessa liderança adaptável fariam bem em seguir a sabedoria do Cap Harry Cootes, que, mais de um século atrás, desejava maior confiança e latitude de seu comandante para gerar “o entusiasmo, a iniciativa e o ímpeto” exigidos de exércitos bem-sucedidos.30


Referências

  1. Harry N. Cootes, “More Responsibility for the Troop Commander”, in Cavalry and Armor Heritage Series Volume I: Leadership, ed. Royce R. Taylor Jr. e Burton S. Boudinot (Columbus, GA: Brentwood Publishers Group, 1986), p. 21.
  2. Ibid., p. 21-22.
  3. David Barno e Nora Bensahel, Adaptation under Fire: How Militaries Change in Wartime (New York: Oxford University Press, 2020), p. 265-68.
  4. Army Doctrine Publication (ADP) 6-0, Mission Command: Command and Control of Army Forces (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], 2019), p. 1-3.
  5. Barno e Bensahel, Adaptation under Fire, p. 280.
  6. Meir Finkel, On Flexibility: Recovery from Technological and Doctrinal Surprise on the Battlefield (Stanford, CA: Stanford University Press, 2011), p. 100-2.
  7. Amos C. Fox, “Cutting Our Feet to Fit the Shoes: An Analysis of Mission Command in the U.S. Army”, Military Review 97, no. 1 (January-February 2017): p. 49-56 [NT – O artigo traduzido, intitulado “Cortando os Pés para Caber nos Sapatos: Uma Análise do Comando de Missão no Exército dos EUA” consta da edição brasileira do quarto trimestre de 2017, https://www.armyupress.army.mil/Journals/Edicao-Brasileira/Arquivos/Quarto-Trimestre-2017-Edicao-Brasileira/Cortando-os-Pes-para-Caber-nos-Sapatos/]; Andrew Hill e Heath Niemi, “The Trouble With Mission Command: Flexive Command and the Future of Command and Control”, Joint Force Quarterly 86 (3rd Quarter, July 2017): p. 94-100.
  8. P. D. Harms et al., “Autocratic Leaders and Authoritarian Followers Revisited: A Review and Agenda for the Future”, The Leadership Quarterly 29 (2018): p. 115-16, https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2017.12.007.
  9. Ibid.
  10. ADP 6-0, Mission Command, p. 1-24.
  11. Norman F. Dixon, On the Psychology of Military Incompetence (New York: Basic Books, 1976), p. 416-32.
  12. Ibid., p. 417-20.
  13. Finkel, On Flexibility, p. 99-100.
  14. Ibid., p. 108-10.
  15. Dixon, Military Incompetence, p. 283-90.
  16. Paul Fussell, Wartime: Understanding and Behavior in the Second World War (New York: Oxford University Press, 1989), p. 80-81.
  17. Dixon, Military Incompetence, p. 283-95.
  18. Ibid., p. 299-301.
  19. Williamson Murray, America and the Future of War: The Past as Prologue (Stanford, CA: Hoover Institution Press, 2017), p. 219-29.
  20. Ryan P. Riley et al., 2016 Center for Army Leadership Annual Survey of Army Leadership (CASAL): Military Leader Findings (Fort Leavenworth, KS: Center for Army Leadership, 2017), p. 11-13.
  21. Barno e Bensahel, Adaptation under Fire, p. 262-65; Dixon, Military Incompetence, p. 588-90; Williamson Murray, Military Adaptation in War: With Fear of Change (Cambridge: Cambridge University Press, 2011), p. 758-59.
  22. ADP 6-22, Army Leadership and the Profession (Washington, DC: U.S. GPO, 2019), p. 4-1.
  23. Barno e Bensahel, Adaptation under Fire, p. 279-80.
  24. Edgar H. Schein, Organizational Culture and Leadership, 5th ed. (Hoboken, NJ: Wiley, 2017), p. 17-25.
  25. Ibid., p. 21-25.
  26. ADP 6-0, Mission Command, p. 2-21.
  27. ADP 7-0, Training (Washington, DC: U.S. GPO, 2019).
  28. Schein, Organizational Culture, 328–29; John P. Kotter, Leading Change (Boston: Harvard Business Review Press, 2012), p. 108-12.
  29. ADP 6-0, Mission Command, p. 2-17.
  30. Cootes, “More Responsibility”, p. 21.

O Maj David J. Devine, do Exército dos EUA, é oficial de operações do 5o Batalhão, 1o Regimento de Cavalaria, 1o Brigada de Combate Stryker, 25o Divisão de Infantaria, em Fort Wainwright, Alasca. É bacharel pelo Rhode Island College. Serviu na 1o Divisão de Cavalaria, 4o Divisão de Infantaria e 1o Brigada de Assistência às Forças de Segurança.

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