Military Review

 

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Primeiro Trimestre 2022

A Evolução da Compulsão Econômica

Christopher Sims, Ph.D.

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Ferramentas econômicas para proteger os interesses nacionais e influenciar o comportamento de outros atores há muito são usadas no cenário mundial. Tarifas, cotas e embargos são facetas da política punitiva e características da arena internacional. Essa ingerência econômica existe em um amplo espectro, que varia da restrição à interdição e destruição, possivelmente colocando em perigo a própria existência de um adversário. As medidas econômicas também abarcam a longa ponte da estratégia, tendo sido concebidas e executadas tanto como um método para alcançar um resultado não econômico quanto como um fim econômico de ações militares, diplomáticas ou psicológicas.

Com tamanha versatilidade, profundidade e força, não surpreende que a dimensão econômica do poder seja uma preocupação de atores tanto estatais quanto não estatais. Vários líderes contemporâneos invocaram a inquietante possibilidade da guerra econômica como cerne da estratégia destinada a derrotar um adversário. Após a invasão do Afeganistão liderada pelos Estados Unidos da América (EUA) em 2001, Osama bin Laden notou que, no confronto com este país, a “luta é tanto financeira quanto física” e, para sair vitorioso, seria necessário “atingir a base econômica, que é a fundação da base militar, […]se concentrar em atacar a economia estadunidense por qualquer meio disponível”.1 Na Venezuela, na Síria, na Rússia e no Irã, todas as autoridades levantaram a questão da guerra econômica.2

Embora a arena internacional ecoe a alusão frequente ao termo “guerra econômica”, o conceito permanece frustrantemente amorfo. A interpretação atual divide em duas a atividade econômica, que possui um caráter diferente em tempos de guerra e de paz. Em tempos de paz, o historiador Tor Egil Førland a considera uma “guerra econômica fria”: sanções que fazem parte da política.3 Esses limites são rompidos pela guerra. Contudo, essa guerra econômica, de acordo com Førland, deve ser distinguida analiticamente de “guerra militar”, que ataca as capacidades militares do adversário, e não seus recursos econômicos.4 Outros estudiosos veem as ferramentas econômicas como parte de uma progressão linear da política, que existe entre diplomacia e violência militar.5

NT: Com base no paralelo entre guerra econômica e conceitos tradicionais de guerra neste artigo, o termo “compellence” foi traduzido por “compulsão”. Segundo a Nota Doutrinária Conjunta 2-19, Estratégia, (JDN 2-19, Strategy), a coerção compreende duas formas: a compulsão e a dissuasão. Para obter mais informações, veja a JDN 2-19, Strategy, p. II-4, https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/jdn_jg/jdn2_19.pdf?ver=2019-12-20-093655-890.

Existem dois possíveis problemas com o uso dessas abordagens em relação à defesa nacional. Em primeiro lugar, guerra e paz são noções perigosas. Como escreveu o diplomata estadunidense George Kennan em 1948, a competição contra potências com poder de combate equiparado é um “ritmo perpétuo de confronto, dentro e fora da guerra”, em grande parte operando abaixo dos limites que são calculados para desencadear uma resposta militar convencional.6 Em segundo lugar, a capacidade militar e a economia estão inter-relacionadas, uma vez que o poder nacional é uma coordenação complexa de diferentes dimensões da política. Encarar a violência militar como um desvio da aplicação de instrumentos econômicos faz com que se perca a miríade de inter-relações entre as abordagens à implementação do poder nacional.

Esse ritmo exige inovação na percepção e aplicação do poder nacional tanto no nível estratégico quanto operacional. Em vez de bifurcar guerra e paz ao longo do espectro dos conflitos, o instrumento econômico deve ser caracterizado uniformemente como um instrumento de “compulsão”NT. Conforme expresso por Thomas Schelling, a compulsão envolve uma ação que diminui com a alteração do comportamento do adversário.7 Além disso, ter uma compreensão profunda da inter-relação das facetas do poder nacional é essencial para alcançar objetivos na política externa e prevenir efeitos deletérios na aplicação da estratégia. O registro histórico da evolução da guerra econômica como um conceito no planejamento de defesa dos EUA cristaliza diversas mensagens para problemas contemporâneos encontrados na execução da compulsão econômica.

Dos britânicos

A era da globalização no final do século XIX criou uma variedade de desafios e possibilidades para os Estados no centro do comércio internacional. Essa rápida expansão na proporção do comércio internacional em relação à produtividade econômica global total levou as Forças Armadas britânicas a conceber estratégias que pudessem explorar o sistema de comércio internacional como arma e compelir Estados antagônicos por meio do aproveitamento de dependências econômicas.8 A Primeira Guerra Mundial inaugurou um campo de prova para as estratégias que se concentravam em métodos militares para restringir o comércio. Inicialmente, os EUA expressaram preocupação com a moralidade e a legalidade dos métodos britânicos de interdição. Todavia, à medida que a opinião nacional mudou para o lado da Grã-Bretanha, os EUA propuseram e adotaram o navicert (certificado de navegação) — uma espécie de passaporte comercial — um elemento de bloqueio que seria, assim, a principal ferramenta de compulsão econômica do país na guerra.9

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A Primeira Guerra Mundial inaugurou um campo de prova para as estratégias que se concentravam em métodos militares para restringir o comércio.

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Após o fim da Primeira Guerra Mundial, suas dimensões econômicas representavam uma lição que exigia que as Forças Armadas dos EUA institucionalizassem os ensinamentos do conflito, a fim de coordenar, de forma inteligente, a preparação econômica, industrial e militar nacional em qualquer emergência extensa de segurança no futuro. Nos anos entre guerras, portanto, o Army Industrial College, estabelecido em 1924, explorou o interesse dos EUA no instrumento econômico para compelir atores estrangeiros com esse exato propósito. Seu estudo foi incluído no currículo e definido como “o uso de medidas econômicas, militares, políticas ou de outra natureza para prejudicar o apoio econômico de um inimigo ao seu esforço de guerra ou o potencial econômico de um possível inimigo para a guerra”.10

À sombra da invasão da Polônia pela Alemanha, o período de 1939 a 1940 viu o Army Industrial College realizar uma série de estudos sobre guerra econômica. Uma seção de informações sobre guerra econômica foi estabelecida em 1940, enfatizando a mobilização econômica para apoiar o esforço de guerra.11 No início da Segunda Guerra Mundial, os EUA ainda concebiam a guerra econômica como preparação industrial em apoio às Forças Armadas, omitindo as inúmeras formas pelas quais a economia está ligada à condução de operações militares. A integração da inteligência econômica e do planejamento para apoiar o esforço de guerra foi iniciada gradualmente. Uma seção foi adicionada ao Gabinete do Administrador de Controle de Exportações (Office of Administrator of Export Control) em 1940, expandindo para uma divisão de pesquisa que incluía uma seção de inteligência no Conselho de Defesa Econômica (Economic Defense Board), chamada de Conselho de Guerra Econômica (Board of Economic Warfare, BEW), após o ataque a Pearl Harbor em dezembro de 1941.12

Paralelamente, o Gabinete de Serviços Estratégicos (Office of Strategic Services, OSS), como órgão de inteligência independente recém-criado dos EUA, realizava a coleta e análise de inteligência econômica para servir de base à política do Comitê Conjunto de Inteligência (Joint Intelligence Committee) e do Comitê Conjunto de Guerra Psicológica (Joint Psychological Warfare Committee). Enquanto o BEW se preocupava, principalmente, com importações e exportações, o OSS era uma instituição voltada quase inteiramente para o estudo do inimigo. A Segunda Guerra Mundial mobilizou civis para o esforço de guerra, desde a manufatura até a produção de propaganda. Ao transformar a sociedade em arma, os próprios civis se tornaram alvos. Além disso, como a sociedade assumiu um papel central no sucesso militar, uma organização de inteligência centralizada era necessária para analisar a relação entre economia, capacidade militar e vontade nacional de aliados e inimigos.

Muitos economistas profissionais trabalharam para o OSS nessa época. Mais tarde, alguns deles exerceriam considerável influência na política de segurança nacional dos EUA. Um desses economistas, Walt W. Rostow, serviu como assessor de segurança nacional do presidente Lyndon Johnson. Durante a guerra, Rostow trabalhou para a Unidade de Objetivos Inimigos (Enemy Objectives Unit) como parte da Divisão de Guerra Econômica (Economic Warfare Division) na Embaixada dos EUA em Londres, que era composta por pessoal do OSS treinado em economia e do Conselho de Guerra Econômica. O objetivo da Unidade de Objetivos Inimigos era selecionar alvos em apoio ao bombardeio aliado. A unidade se concentrava nos “princípios de concentração de esforços no ponto mais vulnerável do inimigo e de seguimento imediato e máximo quando um avanço era alcançado”, e havia uma “suposição de que o objetivo amplo da ofensiva de bombardeio estratégico era enfraquecer a economia de guerra alemã” por meio da aplicação dessa “doutrina de guerra”.13

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A fragilidade econômica dos Estados europeus e o surgimento dos EUA como potência mundial dominante após a Segunda Guerra Mundial levaram ao envolvimento cada vez maior do país nos assuntos europeus…

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O trabalho de Rostow no OSS destaca a relação entre instrumento militar e efeito econômico. A interação entre essas dimensões do conflito empregadas para alcançar o sucesso estratégico está no cerne do exercício eficaz do poder nacional. A guerra total contra o fascismo — o início da qual foi, para muitos, uma surpresa estratégica após a “guerra para acabar com todas as guerras” — trouxe novas conceituações de combate. Em 1943, o historiador estadunidense Edward Mead Earle escreveu sobre os fundamentos econômicos do poder militar para conceber uma inter-relação entre pontos fortes econômicos, políticos e militares, e que a estratégia de segurança nacional exigia cada vez mais consideração de fatores econômicos, psicológicos, morais, políticos e tecnológicos.14 Após a cessação das hostilidades em 1945, por consequência, existiam conceituações tanto do governo quanto do meio acadêmico sobre essas ligações para estabelecer as bases para uma expansão dessa estrutura nascente.

Contra o comunismo

A fragilidade econômica dos Estados europeus e o surgimento dos EUA como potência mundial dominante após a Segunda Guerra Mundial levaram ao envolvimento cada vez maior do país nos assuntos europeus para estabelecer um baluarte geográfico contra a invasão do comunismo. A dimensão econômica do poder nacional estava agora em posição de destaque na política executiva. A Doutrina Truman de 1947 e o Plano Marshall promulgado um ano depois forneceram a estrutura e os meios para prover assistência econômica à Europa a fim de mitigar a desordem política decorrente da instabilidade social e econômica.

Simultaneamente, as deficiências na defesa e inteligência identificadas durante e após a Segunda Guerra Mundial levaram a uma reorientação e reestruturação. O documento conhecido como Relatório de Eberstadt, de outubro de 1945, argumentava que os fatores econômicos deveriam ser levados em consideração na formulação da política de segurança nacional.15 A Lei de Segurança Nacional de 1947 formalizou a exigência de uma organização de segurança nacional centralizada para coordenar a inteligência, criando a Agência Central de Inteligência (Central Intelligence Agency, CIA).16 Depois da guerra, muitos economistas que haviam trabalhado no OSS e no BEW haviam sido transferidos para o Grupo de Inteligência Centralizado (Centralized Intelligence Group), um órgão interdepartamental criado por meio de um decreto presidencial em 1946.17 A criação da CIA no ano seguinte proporcionou-lhes um lar permanente. Nessa transição, uma avaliação posterior patrocinada pela CIA afirmou que “nossas principais unidades de inteligência econômica atualmente se originaram do apoio de inteligência à guerra econômica na última guerra”.18 Os EUA haviam chegado atrasados à formalização da inteligência como um braço da política externa, mas a preeminência no cenário mundial agora significava uma rápida expansão.

A Comissão Hoover de 1947-1949 recomendou que, por meio do Conselho de Recursos de Segurança Nacional (National Security Resources Board), um programa de guerra econômica deveria ser criado para reforçar a segurança nacional tanto em tempos de paz quanto de guerra, refletindo a necessidade de considerar modos atípicos de guerra.19 Em 1948-1949, o Conselho de Recursos de Segurança Nacional produziu uma série de estudos interagências sobre o planejamento de mobilização para medidas econômicas estrangeiras, com a CIA liderando a inteligência. Um desses relatórios definiu guerra econômica como “o uso de medidas econômicas, diplomáticas, militares ou de outra natureza para prejudicar o apoio econômico de um inimigo ao seu esforço de guerra ou o potencial econômico de um possível inimigo” e delineou várias medidas econômicas punitivas que constituíam o termo.20 Apesar de apresentar uma avaliação de procedimentos não militares para travar a guerra econômica, o relatório afirmou que não há “disposições para uma coordenação geral das atuais medidas econômicas estrangeiras em tempos de paz, nem guerra econômica em uma emergência e em tempos de guerra”.21

Em 1949, o Departamento de Estado produziu o Estudo de Planejamento sobre Inteligência para Guerra Econômica (Planning Study on Intelligence for Economic Warfare), o qual recomendava a criação de um comitê interdepartamental sob a direção da CIA.22 A difusão da coleta e do objetivo continuou sendo uma questão central, conforme destacado em um relatório da CIA elaborado em resposta às preocupações expressas na Ação 282 do Conselho de Segurança Nacional (NSC 282, National Security Council Action 282) de março de 1950:

Dados econômicos estrangeiros são agora coletados e analisados regularmente por cerca de 22 agências do governo […] Esse fluxo diversificado de informações foi gerado para atender às responsabilidades operacionais ou de outra natureza dessas várias agências. Muitas dessas informações e competências analíticas são relevantes para um ou outro aspecto econômico da segurança nacional. Os métodos ad hoc atuais para consulta não preveem adequadamente a mobilização dos dados disponíveis e competências analíticas em torno de problemas de segurança.23

A CIA assumiu a responsabilidade por estudos econômicos do adversário, que, por meio de sua recém-criada Área de Pesquisa Econômica (Economic Research Area), “se tornaram o foco dos esforços de pesquisa e análise da Agência”.24 Essa área passaria imediatamente por uma “escalada notável e talvez excessiva” sob a direção do economista Max Millikan.25

No entanto, o problema formulado em resposta à NSC 282 não foi resolvido imediatamente e permaneceu como o ponto crucial da aplicação eficaz do poder econômico.26 Em 1954, o relatório de um consultor sobre o “apoio de inteligência para a guerra econômica” foi fornecido ao diretor-assistente do Escritório de Pesquisa e Relatórios da CIA.27 Esse relatório definia guerra econômica como a aplicação “de todas as medidas para prejudicar o apoio econômico de um inimigo ao seu esforço de guerra” e “defesa econômica” como as medidas empregadas em tempo de paz, sendo a diferença “em grande parte legalista e semântica”.28 O estudo foi inequívoco ao argumentar que a guerra econômica era parte de uma aplicação coordenada de recursos nacionais em que a meta “é apoiar o objetivo militar pelo estrangulamento e desgaste da economia do inimigo, e, como afirmado acima, armas econômicas, militares, psicológicas e políticas podem ser empregadas”.29

O relatório do consultor avaliou que essa “luta” prolongada contra forças comunistas seria “travada com medidas políticas, psicológicas e econômicas, com ou sem guerra militar” e “[e]m tal guerra fria contínua ou em conflito armado, as medidas econômicas desempenharão um papel importante” por causa da dependência do bloco soviético em relação a importações estratégicas.30 Um estudo interno da CIA considerou que, na guerra econômica, todos os instrumentos do poder nacional deveriam ser aproveitados para “prejudicar o apoio econômico de um inimigo ao seu esforço de guerra ou o potencial econômico de um possível inimigo para a guerra” e, assim, o termo é “definido à luz de seus objetivos, e não dos meios empregados”.31 Atentando para o problema de clareza, o estudo da CIA observou que o termo “guerra econômica” é “às vezes usado para incluir todas as medidas” de mobilização econômica, “incluindo aquisições, produção, assistência econômica estrangeira e todos os aspectos econômicos da guerra”, mas é “tão amplo que não tem aplicação específica”.32

Adoção do modelo DIME

Em 1958, o então senador de Massachusetts, John F. Kennedy, argumentou no plenário do senado que “certamente devemos usar todos os elementos da política nacional — econômico, diplomático e militar” na busca de objetivos de política externa.33 Identificando o problema de meios e fins que haviam se misturado e confundido, Kennedy afirmou que a “[g]uerra não é tanto um objetivo de política externa, mas um instrumento — um meio de obter poder e influência, de promover as visões e interesses de uma nação”.34 Para Kennedy, isso era incentivo por meio de ajuda ou punição por meio de sanções. Cabe observar, porém, que ele não viu a ligação entre o doméstico e o estrangeiro ao argumentar que havia um “exagero da economia” em detrimento da segurança nacional: havia uma enorme “disposição a colocar a segurança fiscal acima da segurança nacional”.35

O problema profundamente arraigado de conceituar a inter-relação da capacidade militar e capacidade econômica identificado pela CIA no início dos anos 1950 permaneceu sem solução. Ainda assim, o instrumento econômico, dentro do conjunto de ferramentas governamentais, permaneceu primordial para a aplicação bem-sucedida do poder nacional. Vencer em conflitos prolongados nos quais os enfrentamentos militares eram apenas um aspecto do confronto exigiria compreender a dinâmica e, como os estudos produzidos nos anos entre as guerras, vincular efetivamente a economia doméstica ao aventureirismo estrangeiro.

À medida que a Guerra Fria perdurava, fundir os instrumentos de poder de maneira eficaz continuou sendo um dos principais problemas da determinação de políticas. Em um discurso proferido em maio de 1981, William P. Clark, então assessor de segurança nacional do presidente Ronald Reagan, pediu a identificação e implementação de uma estratégia de defesa inovadora, que fundisse “componentes diplomáticos, políticos, econômicos e informacionais construídos sobre uma base de poder militar”.36 Na aplicação desse conceito, Clark observou que “devemos forçar nosso principal adversário, a União Soviética, a sofrer o impacto de suas deficiências econômicas”.37 A União Soviética continua sendo uma lição útil sobre a importância de compreender a dimensão econômica do poder nacional. Suas expedições militares, como parte da Doutrina Brejnev, esticaram tanto o tecido econômico do governo imperial de facto que ele acabou se desfiando.

A doutrina na era pós-Guerra Fria reforçou essa divisão do poder nacional em pilares distintos. Embora possibilite a compreensão dos componentes do poder, a desagregação também bloqueia as possibilidades que podem surgir da inter-relação de esforços. Existem declarações vazias que carecem de concepções práticas: os “instrumentos do poder nacional” na Publicação Conjunta 3-0, Operações Conjuntas (JP 3-0, Joint Operations), devem ser usados de “forma sincronizada e integrada para atingir objetivos nacionais, multinacionais e do teatro de operações”.38 A doutrina define os “instrumentos do poder nacional” como diplomático, informacional, militar e econômico, conhecidos pela sigla DIME; articulando as operações ao nível estratégico, a Nota Doutrinária Conjunta 1-18, Estratégia (Joint Doctrine Note 1-18, Strategy), identifica que “esses elementos se alinham aos principais órgãos executivos que aplicam o poder: os Departamentos de Estado, Defesa e Comércio, bem como a comunidade de inteligência”.39 A compartimentação dos instrumentos em departamentos impede até mesmo tentativas básicas de perceber as óbvias inter-relações entre eles.

Abaixo de uma interpretação tão ampla na doutrina, são necessárias análises mais práticas. A otimização dos instrumentos DIME para prevenir consequências contraproducentes requer uma concepção exequível de uma abordagem do “governo como um todo” (whole-of-government) em relação à aplicação de ferramentas para atingir objetivos no cenário internacional. A abordagem reducionista de “compartimentação” inerente à atribuição dos instrumentos a determinados órgãos do governo mascara a inter-relação contínua das dimensões do poder nacional, impedindo a aplicação eficaz de ferramentas econômicas no domínio da guerra. Scott J. Harr, em um artigo publicado anteriormente na Military Review, prevê a necessidade de uma ampla coordenação entre elementos separados e observa que, enquanto os EUA veem os quatro elementos constituintes como parte do poder, a Rússia os percebe e os aplica como instrumentos de guerra.40

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A implementação de sanções é uma característica das democracias — as sanções têm um prejuízo mínimo para a popularidade interna e podem destacar o propósito e o vigor da política externa para ganho eleitoral.

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Fissuras internas

A fraqueza inevitável da compulsão prolongada e expansiva é a sobrecarga autoinduzida que torna uma economia estatal suscetível a choques no sistema internacional. Afinal, essa foi a conceituação original dos planejadores militares britânicos no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, em que a óbvia interdependência e interconexão na forma de comércio criaram frágeis ligações transestatais de tal forma que a utilização eficaz da economia como arma poderia devastar a economia de adversários militares, precipitando a perda de moral da população e destacando amplamente as inter-relações entre os aspectos militar, econômico e psicológico do Estado.

Explorar a dimensão econômica de uma sociedade induzindo-a a se estender de modo excessivo é uma marca distintiva da estratégia dos adversários contemporâneos dos EUA. Afinal, catalisar uma sobrecarga estadunidense decorrente de uma situação de guerra perpétua era a aspiração dos ideólogos da Al-Qaeda: Abdel Bari Atwan afirmou que o sucessor de Bin Laden, Ayman al-Zawahiri, apoiou-se fortemente no livro do historiador Paul Kennedy, The Rise and Fall of the Great Powers (intitulado Ascensão e Queda das Grandes Potências no Brasil).41 De acordo com o historiador, os impérios anteriores caíram devido aos custos crescentes da segurança interna e das operações militares e por causa do poder crescente dos concorrentes econômicos.42

Por essas razões, assim como outras armas, as ferramentas de compulsão econômica projetadas para atingir objetivos internacionais podem ter efeitos prejudiciais sobre o instigador. A Al-Qaeda é o principal expoente da utilização de ações inimigas na arena internacional para fortes ganhos. Os EUA aplicaram um mosaico de ações econômicas na arena internacional, algumas destinadas a recompensar e outras, particularmente as sanções, destinadas a punir e, por fim, influenciar o comportamento do Estado.43 A implementação de sanções é uma característica das democracias — as sanções têm um prejuízo mínimo para a popularidade interna e podem destacar o propósito e o vigor da política externa para ganho eleitoral.44

Contudo, a compulsão econômica introduz força na arena internacional. Enquanto, em uma direção, as sanções têm o objetivo de compelir um ator adversário a um comportamento, elas também podem funcionar na direção oposta, frequentemente como narrativas poderosas de queixas coletivas. O efeito punitivo sobre a população significa que as sanções muitas vezes podem ser contraproducentes. As sanções contra o Iraque são o leitmotiv das declarações de Bin Laden: em 1996, ele acusou os EUA e Israel de “causar a morte de mais de 600 mil crianças iraquianas por causa da escassez de alimentos e remédios que resultou do boicote e das sanções”.45 A compulsão econômica pode causar uma violência enorme e indiscriminada, ilustrando a importância central desse pilar do poder nacional e a necessidade de considerar efeitos de segunda e terceira ordem ao implementá-la.

A conectividade transestatal se ampliou novamente na era pós-Guerra Fria, trazendo possíveis inovações na aplicação de instrumentos. O documento Estratégia de Segurança Nacional (National Security Strategy) de 2002 dos EUA continha o reconhecimento das relações que John F. Kennedy não havia discernido no plenário do senado em 1958: que “a distinção entre assuntos internos e externos está diminuindo. Em um mundo globalizado, os eventos que ocorrem além das fronteiras dos EUA têm um impacto maior dentro delas”.46

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A acelerada globalização econômica testemunhada desde o colapso da União Soviética aumentou a porosidade de fronteiras nacionais ao capital de uma forma semelhante à era de expansão do comércio interestatal no final do século XIX, que acabou levando a Grã-Bretanha a formular estratégias voltadas à utilização do comércio como arma.

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A acelerada globalização econômica testemunhada desde o colapso da União Soviética aumentou a porosidade de fronteiras nacionais ao capital de uma forma semelhante à era de expansão do comércio interestatal no final do século XIX, que acabou levando a Grã-Bretanha a formular estratégias voltadas à utilização do comércio como arma.47 Como os britânicos de então, os EUA hoje devem estar atentos à miríade de métodos pelos quais aliados e adversários podem influenciar o comportamento estatal mediante a aplicação de ferramentas econômicas para atingir objetivos nacionais internacionalmente. O capital tem casa. Como observou o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, as empresas multinacionais continuam sendo entidades nacionais envolvidas em empreendimentos internacionais.48 A pesquisa e o desenvolvimento são conduzidos em âmbito nacional e a liderança vem, em grande parte, do país de origem, levando Chang a advertir que é um erro ignorar a nacionalidade do capital na arena internacional.49

Conclusão

Os Estados compelem por meio de ingerências econômicas, para alcançar objetivos na arena internacional. O que está em jogo nesses confrontos é a viabilidade de sistemas políticos específicos como formas de governo. Quatro conclusões surgiram do exame do registro histórico relativo à evolução da compulsão econômica como um instrumento do poder nacional. Em primeiro lugar, guerra e paz são noções inúteis; em vez disso, existe um amplo espectro de compulsão econômica conduzida em um cenário de confronto perpétuo. Em segundo lugar, muitas vezes há confusão entre fins e meios na aplicação dos instrumentos de poder. Em terceiro lugar, as inter-relações entre esses instrumentos são complexas, mas é preciso considerá-las. Por fim, deixar de avaliar as implicações da compulsão econômica pode criar graves consequências não intencionais.

Os problemas encontrados no campo da inteligência econômica tanto na Segunda Guerra Mundial quanto na Guerra Fria têm relevância porque longos confrontos exigem uma estratégia coerente e exequível que possa ser expressa claramente e sustentada. As funções das agências devem ser integradas e alinhadas a um objetivo comum. Um dos principais requisitos é reavaliar a produção e o papel da inteligência econômica no planejamento da defesa. Seguindo as sugestões do Relatório de Eberstadt após a Segunda Guerra Mundial, a criação de uma comissão multiagência encarregada de desenvolver a unidade de esforços econômicos pode se revelar crucial para a consecução de objetivos estratégicos e operacionais no futuro.


Referências

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  17. Ibid.
  18. Consultant’s Report, p. 68.
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  21. Ibid., p. 1-5.
  22. Planning Study on Intelligence for Economic Warfare, CIA-RD-P80R01731R003400140005-9 (Washington, DC: State Department, 14 April 1949), p. 3, acesso em 10 mar. 2021, https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP80R01731R003400140005-9.pdf.
  23. Report to the National Security in Compliance with NSC 282, CIA-RDP67-00059A000100050001-4 (Langley, VA: CIA, 1 April 1951), p. 1, acesso em 10 mar. 2021, https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP67-00059A000100050001-4.pdf.
  24. S. Rep. No. 94-755, at 20–21 (1973) (Conf. Rep.), acesso em 10 mar. 2021, https://www.intelligence.senate.gov/sites/default/files/94755_IV.pdf.
  25. Ibid.
  26. Consultant’s Report, p. 1.
  27. Ibid.
  28. Ibid., p. 4.
  29. Ibid., p. 31.
  30. Ibid., p. 92.
  31. The Intelligence Requirements for Economic Warfare (Langley, VA: CIA, 8 September 1950), acesso em 10 mar. 2021, https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP64-00014A000100050002-5.pdf.
  32. Ibid.
  33. “United States Military and Diplomatic Policies—Preparing for the Gap”, series 12, Speeches and the Press, box 901, folder “U.S. Military Power, Senate floor, 14 August 1958”, Papers of John F. Kennedy, Pre-Presidential Papers, Senate Files, John F. Kennedy Presidential Library and Museum, acesso em 10 mar. 2021, https://www.jfklibrary.org/asset-viewer/archives/JFKSEN/0901/JFKSEN-0901-022.
  34. Ibid.
  35. Ibid.
  36. Louis J. Walinsky, “Coherent Defense Strategy: The Case for Economic Denial”, Foreign Affairs 61, no. 2 (Winter 1982/1983): p. 272.
  37. Ibid.
  38. Joint Publication 3-0, Joint Operations (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], 2017), p. I-12.
  39. Joint Doctrine Note 1-18, Strategy (Washington, DC: U.S. GPO, 2018), p. vii–viii.
  40. Scott J. Harr, “Expanding Tolstoy and Shrinking Dostoyevsky: How Russian Actions in the Information Space are Inverting Doctrinal Paradigms”, Military Review 97, no. 5 (2017): p. 39-48.
  41. Abdel Bari Atwan, The Secret History of al-Qa’ida (London: Saqi, 2006), p. 409-10.
  42. Paul Kennedy, The Rise and Fall of the Great Powers: Economic Change and Military Conflict from 1500 to 2000 (London: Unwin Hyman, 1988).
  43. Frank Gaffney Jr., “The Economic Element of National Power”, Center for Security Policy, 14 December 2004, acesso em 14 mar. 2021, https://www.centerforsecuritypolicy.org/2004/12/14/the-economic-element-of-national-power-2/.
  44. Lektzian e Sprecher, “Sanctions, Signals”.
  45. Lawrence, Messages to the World, p. 40.
  46. The White House, The National Security Strategy of the United States of America (Washington, DC: The White House, 2002), p. 31.
  47. Robert Wade, “The Coming Fight over Capital Flows”, Foreign Policy, no. 113 (1998-1999): p. 41-54.
  48. Ha-Joon Chang, Bad Samaritans: The Myth of Free Trade and the Secret History of Capitalism (London: Random House, 2007).
  49. Ibid.

Christopher Sims, Ph.D., é pesquisador da School of Security Studies do King’s College London e, de 2018 a 2019, foi bolsista não residente do Modern War Institute em West Point. É o autor de The Human Terrain System: Operationally Relevant Social Science Research in Iraq and Afghanistan. Concluiu o doutorado em 2015 pela University of London.

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