Military Review

 

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Decidida entre as cidades

O passado, o presente e o futuro da guerra em ambientes urbanos

 

Maj Michael G. Anderson, Exército dos EUA

 

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Foto: Ukrinform, Alamy Live News
 

s cidades não só possuem valor cultural e psicológico para os combatentes, mas estão também atreladas sociológica e geograficamente a diversos aspectos dos acidentes capitais militares. As cidades estão localizadas ao longo, nas proximidades ou englobam as principais vias terrestres (rodoviárias e ferroviárias), as principais transposições de curso de água, como grandes pontes, e os centros logísticos e de projeção de poder marítimo e aéreo. O conflito atual na Ucrânia oferece um exemplo imediato da importância das próprias cidades e do que contêm. Além disso, a importância das cidades fica evidente pelo estudo da história. No entanto, mesmo com a história e os acontecimentos atuais, há pouco reconhecimento da importância do combate urbano na teoria militar, e esse assunto é pouco abordado na doutrina do Exército dos Estados Unidos da América (EUA). Quando reconhecidas, as operações urbanas são amplamente discutidas relativamente à sua dificuldade intrínseca, à aversão natural a combates dispendiosos — característica do combate urbano — e com a recomendação de contornar ou evitar completamente os combates nas cidades. Entretanto, como demonstrado pela história e os exemplos recentes na Ucrânia, os conflitos costumam ser decididos entre as cidades. Suas características físicas e de infraestrutura, natural e geograficamente, podem tornar o controle sobre elas fundamental para campanhas militares vitoriosas. Aquele que consegue tomar e manter o domínio sobre a cidade controla, ou simplesmente nega, capacidades cruciais para as operações militares.

Observações iniciais indicam que a situação da guerra da Rússia na Ucrânia é incerta e parece que será vencida ou perdida nas cidades. A resistência da Ucrânia no nordeste, mantendo o controle de Kiev e impedindo os avanços russos em Chernihiv e Kharkiv, alterou o cálculo operacional da Rússia.1 A resistência prolongada em Mariupol consumiu vários grupos táticos de batalha russos que poderiam ter sido mais bem empregados para apoiar outras ofensivas; a resistência mais firme durante semanas ocorreu nos dez quilômetros quadrados da siderúrgica de Azvostal, com seu conjunto complexo e denso de edifícios e intrincadas passagens subterrâneas interligadas.2 Até mesmo o Presidente russo Vladimir Putin, que parece aceitar bem as baixas sofridas, desistiu de outros avanços na usina para preservar vidas russas.3 Embora o desempenho geral das Forças Armadas russas tenha surpreendido a muitos, seu fraco desempenho em combates urbanos não provocou o mesmo efeito. As Forças russas estavam despreparadas para grande parte dessa guerra, mas, principalmente, para as operações urbanas.4 Embora tenham tentado se modernizar em termos de plataformas e sistemas de armas, seu treinamento e organização militar — desde o sistema de recrutas temporários até a falta de um quadro de praças do efetivo profissional — deixou-as predispostas ao fracasso para além das armas combinadas, incluindo também a área urbana.5

As lutas pelas cidades motivadas pelo simbolismo

A batalha por Kiev foi importante como uma tentativa simbólica da Rússia de deslegitimar a soberania ucraniana e conduzir rapidamente a uma mudança de regime. A história está repleta de exemplos da importância das cidades, tanto de tentativas bem-sucedidas quanto fracassadas, de Cartago e Roma nas Guerras Púnicas até Richmond na Guerra Civil nos EUA, passando pelo exemplo mais moderno de Bagdá na Operação Iraqi Freedom.6 O simbolismo das cidades como uma medida de importância psicológica em tempos de guerra e sua influência sobre o moral vai além do conceito simplista do centro de gravidade sociopolítico da capital. Outras cidades além das capitais travam combates decisivos. Para a Ucrânia e a Rússia, Mariupol se tornou um símbolo de resistência com um passado distinto, por ter sido uma cidade que mudou de mãos em 2014.7 Essas chamadas “cidades heroicas” na guerra atual evoluíram além da importância de seu terreno físico e se converteram em cidades com importância psicológica e moral própria. Esse status atrai ainda mais as forças para o combate urbano, não apenas para assegurar o ambiente físico, que pode ou não ter relevância operacional ou estratégica, mas também porque a mera resistência da cidade à sua tomada passou a ser vista como importante do ponto de vista simbólico. Na história, uma cidade de importância psicológica semelhante se destaca da Segunda Guerra Mundial: Stalingrado.8 E em um exemplo da região Ásia-Pacífico, o combate urbano feroz por Manila durante a campanha de libertação das Filipinas do Gen Douglas A. MacArthur demonstra a importância de uma cidade em atrair exércitos a um combate urbano indesejado.9

A incapacidade tática das forças armadas para conduzir com êxito uma guerra urbana, quer queiram quer não, pode ter, decididamente, efeitos psicológicos e morais nos aspectos operacionais e estratégicos mais amplos, e até mesmo políticos, do conflito. Mas as cidades têm um efeito inevitável sobre o êxito bélico, além do simbólico ou político. O simbólico pode ser gerenciado por operações de informação habilidosas, e os alvos politicamente poderosos sempre podem ser deslocados. Capitais foram derrubadas no passado, mas os combatentes seguiram lutando de forma obstinada, como na evacuação de Moscou em 1812 e, novamente, em 1941, bem como o incêndio de Washington, D.C., na Guerra de 1812. No entanto, a perda dessas capitais não pôs fim às suas respectivas guerras.10

As lutas pelas cidades motivadas pela logística

Com o tempo, as cidades crescem naturalmente em torno das principais linhas de comunicação terrestres. As linhas de comunicação podem ser acidentes capitais do ponto de vista militar, e sua posse pode determinar o êxito ou fracasso operacional. A logística russa é movida por ferrovias.11 As cidades ucranianas de Sumy, Chernihiv, Kharkiv e Izyum, no nordeste e no leste do país, são importantes por disporem de terminais ferroviários ou estarem próximas deles. A tomada desses centros ferroviários é uma necessidade para a Rússia, e esses terminais ferroviários existem naturalmente em ambientes urbanos. A Rússia teve de tomar as áreas ferroviárias cruciais associadas a Sumy, Chernihiv e Kharkiv em sua operação inicial no nordeste para conquistar Kiev. O fracasso ou atraso do país em tomar essas cidades e sua infraestrutura circundante interrompeu e contribuiu para suas falhas logísticas, resultando em sua incapacidade de avançar e envolver Kiev com êxito. As falhas táticas da Rússia resultaram em uma operação abortada no nordeste de Kiev e em uma mudança de foco estratégico devido à incapacidade de tomar certas cidades.

As cidades se formam naturalmente ao redor de terminais ferroviários. Durante a Guerra Civil dos EUA e até a campanha de Vicksburg do então Gen Bda Ulisses S. Grant, a tomada crucial da cidade de Corinth, um centro ferroviário, cortou os suprimentos e reforços para as forças rebeldes em Vicksburg e abriu essas mesmas linhas para o contínuo cerco do Exército estadunidense à cidade baluarte ribeirinha.12 De acordo com teóricos do poder aéreo, como Giulio Douhet e Billy Mitchell, durante a Segunda Guerra Mundial, a campanha de bombardeios estratégicos dos Aliados girou parcialmente em torno dos centros logísticos, encontrados especificamente em grandes cidades.13 Embora se reconheça que a guerra não tenha sido vencida apenas em decorrência do bombardeio aéreo dessas ferrovias, isso desorganizou os esforços do Eixo e apoiou a tomada dessas cidades pelas forças terrestres dos Aliados.

Os centros da rede rodoviária, assim como os centros ferroviários, também costumam apresentar desenvolvimento urbano em suas imediações, o que é uma condição sociológica e econômica natural. À medida que a Rússia se retirava de seu acesso inicial a Kiev e voltava a se concentrar na região leste de Donbas, as interseções da extensa rede rodoviária, como as que circundam a pequena cidade de Izyum, ganharam importância, levando a várias operações e contraofensivas para lutar por essas cidades de interseção rodoviária. Assim como a importância de Bastogne durante a Segunda Guerra Mundial, a resistência e a disputa por Izyum acompanhavam as tentativas de cerco da Rússia.14 Os exércitos motorizados e blindados contemporâneos exigem estradas pavimentadas que ofereçam sustentação de grande demanda para o combate em larga escala e flexibilidade na manobra operacional. Sem a posse de várias redes e centros rodoviários, as forças ficam ainda mais atreladas a ferrovias, aeródromos e portos.

Além disso, as grandes vias navegáveis interiores, atravessadas por pontes extensamente reforçadas para o tráfego de veículos pesados, estão geralmente dentro ou perto de cidades desenvolvidas. Exemplos históricos da importância de grandes pontes que cruzam grandes massas de água incluem os fracassos na Segunda Guerra Mundial em Arnhem, durante a Operação Market Garden e a bem-sucedida tomada da ponte sobre o rio Reno, em Remagen.15 No início da Operação Iraqi Freedom, o plano da 1a Divisão/CFN girava em torno da tomada de Nassíria e da manutenção do controle da grande ponte sobre o rio Eufrates.16 E as pontes e o desenvolvimento urbano ao seu redor se tornaram um cenário comum de grandes combates no teatro de operações de Donbas no conflito na Ucrânia, em torno da cidade devastada de Severodonetsk.17 As lutas pelas cidades não se limitam aos centros ferroviários, redes rodoviárias, portos marítimos e aeródromos para apoiar a sustentação; sua importância cresce em seu papel mais amplo e ainda mais crucial como locais de projeção de poder, inerentemente dominados pela expansão urbana que, inevitavelmente, ocorre ao redor dos principais portos e aeródromos. Além disso, a tomada e a segurança das cidades, seja por ação direta ou esforços de cerco, reduziram a resistência.

As lutas pelas cidades baseadas na resistência e projeção de poder

Os esforços russos em Mariupol e Odessa, ao longo da costa sul da Ucrânia, concentram-se em sua importância como cidades portuárias para o Mar de Azov e o Mar Negro, respectivamente.18 Esses portos e seu entorno urbano influenciam a segurança da frota russa do Mar Negro baseada na Crimeia, controlam o comércio de exportação/importação por navios e estão diretamente ligados à logística por vias navegáveis das operações militares e à projeção de forças. A Rússia despendeu grandes esforços para tomar Mariupol ao construir sua ponte terrestre entre a Crimeia e a Rússia e isolar o Mar de Azov. Também serviu como uma vitória simbólica sobre a resistência ucraniana, mas a um alto custo. Mesmo que esteja sofrendo limitações em seu alcance operacional, a Rússia ainda ameaça Odessa como outro importante porto do Mar Negro que deseja para isolar ainda mais, do ponto de vista territorial, a Ucrânia do mar. O controle desses portos permitiria que a Rússia projetasse o poder a partir da frota do Mar Negro, com movimentos de tropas e logística partindo de um acidente capital que ainda é disputado.

As ações costeiras da Guerra Civil dos EUA demonstram a importância de obter o controle da costa do oponente e isolá-lo, o que envolveu esforços contra cidades. Nesses casos, não se tratava especificamente de Charleston, Wilmington ou Nova Orleans, embora a queda de cada uma delas tenha gerado benefícios adicionais significativos além do acesso aos portos. Tratava-se de interromper o comércio e o transporte dos estados rebeldes do sul.

Foto cedida pelo Arquivo Nacional dos EUA

Da mesma forma, na Segunda Guerra Mundial, os esforços dos Aliados para sitiar Brest também exemplificam as ações urbanas envolvidas na tomada de portos grandes e importantes. Tratava-se mais de ter acesso aos portos para abastecer as forças terrestres na Europa Ocidental do que de controlar as cidades de Brest, Le Havre, Antuérpia ou Cherbourg. Os portos dominavam o cálculo logístico dos avanços estratégicos e orientavam o planejamento operacional.19 O cerco de Brest e os esforços para tomar Cherbourg após os desembarques bem-sucedidos na Normandia regularam os avanços pela Europa Ocidental. Até mesmo a última grande ofensiva de Adolf Hitler na Floresta de Ardenas, por mais improvável que fosse, havia priorizado o ataque ao porto da grande cidade de Antuérpia como o ponto focal para paralisar o avanço dos Aliados.20

Manila é outro exemplo. O Comodoro George Dewey tomou o porto no início da Guerra Hispano-Americana, mas teve de esperar a chegada de uma força terrestre para então envolver e tomar o porto por terra.21 Como exemplificado por Manila, qualquer operação de projeção de poder na região Ásia-Pacífico será necessariamente projetada em torno de portos nos vários arquipélagos e regiões litorâneas, que são inerentemente englobados por áreas urbanas construídas que precisam ser tomadas para manter e operar os portos marítimos.

Os aeroportos se enquadram na mesma categoria que os portos marítimos, pois são um meio de envolver e projetar poder de combate rapidamente, operar o apoio aéreo avançado e, novamente, servir como centros logísticos. Os aeroportos de grande capacidade geralmente estão localizados ao redor das cidades. Um exemplo da importância vital desses aeródromos é a luta feroz e de vaivém pelo aeródromo de Hostomel, nos subúrbios de Kiev, durante os primeiros dias da guerra.22 Foi o cenário de alguns dos combates mais sangrentos no início da guerra, e algumas das melhores tropas russas foram sacrificadas durante seus esforços para tomar a cidade, a fim de aumentar o fluxo de forças para uma ofensiva rápida a Kiev. Na Operação Just Cause, a tomada rápida do aeroporto panamenho para a entrada de forças estadunidenses adicionais foi crucial para a operação e incluiu incursões na cidade.23 Na Operação Iraqi Freedom, houve esforços iniciais de planejamento para ataques aéreos e aeroterrestres a fim de tomar o então Aeroporto Internacional Saddam antes das operações mecanizadas inesperadamente rápidas em Bagdá, que tomaram o aeroporto e o abriram ao uso pela coalizão.24 As operações que utilizavam esses aeroportos incluíam o controle das cidades vizinhas por meio de operações urbanas. Quanto maior a cidade, maior o aeroporto, mais plataformas de tamanho considerável e maior o número de aeronaves que pode receber. As operações urbanas serão incluídas em obter seu controle se forem necessários aeroportos grandes e pavimentados.

Foto: Cb Samuel Corum, Exército dos EUA

Por fim, os combatentes da resistência estão se tornando mais urbanos. A atividade de guerrilha eficaz não está mais surgindo nas florestas; está nascendo na expansão urbana das cidades. Kherson é apenas um exemplo disso no atual conflito ucraniano, em que a Rússia está enfrentando atividades de resistência significativas contra seu governo imposto de ocupação.25 Em grande parte, isso se deve ao fato de que a natureza da área urbana beneficia enormemente a resistência quanto ao anonimato, acesso à mídia, concentração de civis — propícia para operações de informação e mensagens para exploração da reação exagerada dos ocupantes, desinformação manipulada sobre as ações dos ocupantes ou até mesmo ações fictícias. Enquanto em terrenos abertos, não congestionados e menos densos, as tecnologias de reconhecimento e vigilância beneficiam muito a contraguerrilha na localização, rastreamento e processamento de alvos das forças de resistência, a capacidade das guerrilhas de se esconderem na expansão urbana neutraliza grande parte dessas tecnologias.26

Uma conclusão e um alerta

Apesar da importância do combate em cidades demonstrada em guerras ao longo da história, as Forças Armadas estadunidenses vão para a frente e para trás com respeito a enfatizar a compreensão da guerra urbana e como conduzi-la com eficácia. Intelectualmente, o antigo Asymmetric Warfare Group (AWG) do Exército dos EUA preencheu uma lacuna de aprendizado e treinamento na Força quanto ao combate em áreas urbanas densas com elementos subterrâneos. O AWG, anteriormente sediado em Fort Meade, Maryland, dispunha de centros de treinamento em Fort A. P. Hill, Virgínia, e uma sólida equipe de treinamento móvel, que se deslocava para unidades anfitriãs, treinando diversas brigadas de combate na guerra urbana. No entanto, o AWG foi encerrado, juntamente com a Red Team Academy do Exército, em Fort Leavenworth, Kansas. Para lidar com os temores pelo encerramento do grupo, o Exército divulgou um comunicado: “As funções do AWG, incluindo as soluções para ameaças atuais e emergentes, serão transferidas para outras organizações do Exército. Além disso, para garantir que a utilidade do trabalho da organização nos últimos 14 anos não seja perdida, todas as lições aprendidas serão mantidas pelo Centro de Armas Combinadas do Exército dos EUA (U.S. Army Combined Arms Center, CAC), por meio do Centro de Lições Aprendidas do Exército (Center for Army Lessons Learned, CALL), Centros de Excelência (Centers of Excellence, COEs) e outros componentes do TRADOC (U.S. Army Training and Doctrine Command).”27 O Exército também mantém um estudo sobre guerra urbana com o Urban Warfare Project (“Projeto de Guerra Urbana”, em tradução livre) do Modern Warfare Institute, e a Army University Press, em Fort Leavenworth, tem, em seu site, uma seção de Fundamentos das Operações Urbanas (Primer on Urban Operations). Cada um deles dá continuidade ao apoio intelectual à compreensão da guerra urbana pelo Exército, caso alguém o busque especificamente.28

Mesmo com esse apoio intelectual, o Exército tem se afastado de um foco intencional no treinamento urbano à medida que se volta, de forma mais concentrada, aos combates convencionais de armas combinadas em larga escala. Essa mudança só veio a ser intensificada e adotada de forma acentuada com o foco na invasão em larga escala da Rússia na Ucrânia, em fevereiro de 2022, embora agora haja algumas tendências positivas de reconhecimento das realidades e um “reaprendizado” do combate urbano.29 O Exército não é o único a se afastar desse tema. O Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA havia adotado, deliberadamente, o estudo e treinamento para o combate urbano antes que uma redefinição de prioridades mudasse o foco. Em 2019, partindo do inovador Marine Corps Warfighting Laboratory, em Quantico, Virgínia, os Fuzileiros Navais tinham um programa planejado intitulado Project Metropolis II, com um ciclo de vida de quatro anos, como parte do próprio foco urbano do Warfighting Lab.30 No entanto, como o Corpo de Fuzileiros Navais passou a se concentrar no litoral, o projeto de estudo urbano foi cancelado depois de apenas um ano.31 O primeiro Project Metropolis foi instituído durante um ciclo de vida de três anos no fim da década de 1990, sob o comando do Gen Charles Krulak, do Corpo de Fuzileiros Navais, e incluía operações urbanas. Isso resultou em equipamentos experimentais para incluir o uso inicial de drones, robótica e comunicações, além de mudanças na doutrina e tática de operações urbanas e treinamento de tiro e sustentação. Muitos atribuem esses benefícios do Project Metropolis I ao êxito das operações urbanas dos Fuzileiros Navais no Iraque, durante a Operação Iraqi Freedom, em locais como Ramadi e Fallujah.32

Para preencher a lacuna entre a compreensão intelectual e teoria e a prática, tem havido apelos dentro e fora da profissão militar para que se acolha, de forma mais veemente, a primazia do combate urbano. Esses apelos incluíram a criação de uma escola de guerra urbana e educação profissional militar especializada.33 Houve ainda alguns apelos por unidades especializadas com foco em áreas urbanas.34 O Congresso também se envolveu quando a Câmara dos Deputados deu instruções para estudos e relatórios do Departamento de Defesa sobre as lições aprendidas com as operações urbanas contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Além disso, na mesma Lei de Autorização de Defesa Nacional de 2020 (National Defense Authorization Act of 2020), o Congresso propôs um centro específico de treinamento urbano.35 Nos últimos anos, o Gen Mark A. Milley, primeiro como Comandante do Exército e, mais recentemente, como Chefe da Junta de Chefes de Estado-Maior, emitiu diversas declarações públicas antes e depois do início das últimas hostilidades na Ucrânia, sobre a importância das operações urbanas hoje e no futuro da guerra.36 Foram obtidos progressos — limitados, porém importantes —, incluindo a criação do Curso de Planejador de Operações Urbanas do Exército.37

Mesmo enquanto há um vaivém na priorização da compreensão da guerra urbana por meio de um compromisso intelectual resiliente com seu estudo, há uma lacuna maior na sua prática. A doutrina atual do Exército estadunidense para o combate urbano está predominantemente enraizada no combate tático: táticas, técnicas e procedimentos; condutas de combate e habilidades de frações.38 Embora o combate urbano seja, de fato, uma luta descentralizada de pequeno escalão em sua execução, esses combates quadra a quadra, no nível de grupo de combate, não serão conduzidos isoladamente, mas na crescente extensão de área urbana densa e na rápida urbanização global em massa. O manual conjunto do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais, Operações Urbanas (ATP 3-06/MCTP 12-10B, Urban Operations), proporciona uma base, mas precisa ser expandido e atualizado continuamente para as realidades atuais.39 Revisões contínuas da doutrina atual são extremamente importantes e devem fazer uso de observações contemporâneas, fundamentadas no estudo do passado e combinadas com a teoria em desenvolvimento para a prática aplicada, antes que as Forças Armadas estadunidenses se vejam em um conflito prolongado e de alta intensidade que, inevitavelmente, envolva áreas urbanas densas. Isso exige a expansão da doutrina de nível operacional para operações urbanas de grande escala. Historicamente, comandantes e estadistas nunca desejaram lutar em uma cidade, e isso é verdade até hoje. O combate prolongado em ambientes urbanos densos deve ser acolhido do ponto de vista doutrinário. A doutrina moderna precisa ser formulada, criada ou atualizada, levando em conta atividades semelhantes a cerco e o engajamento contínuo de larga escala em megacidades e áreas urbanizadas em expansão, bem como os requisitos de coordenação entre agências e parceiros e as ocorrências de distúrbios civis. Há estudos e vários formatos de lições aprendidas do Centro de Lições Aprendidas do Exército e do Asymmetric Warfare Group, já desativado, que disponibilizam uma base para esse desenvolvimento. No entanto, embora forneçam uma estrutura, esses documentos não têm o caráter de diretriz autorizada que a doutrina oficial impõe à Força e no treinamento e educação profissional militar.40

Embora os combates sejam travados em terrenos variados, a ênfase deste argumento reside no fato de que são as lutas nas cidades, seja pela cidade em si, pelo que contém ou domina em suas imediações, que costumam determinar o êxito das operações militares. É raro encontrar um porto, aeródromo ou centro ferroviário significativo no meio de planícies rurais abertas ou em um litoral distante. Essas infraestruturas-chave são, muitas vezes, naturalmente cercadas, posicionadas de forma próxima e têm seu acesso dominado pelo inevitável ambiente urbano a que dão origem ao longo do tempo. As guerras do futuro, como as do passado, serão vencidas nas cidades, nem sempre por causa das cidades em si, mas pelo que possuem. Por esse motivo, o estudo, o foco, os recursos e o treinamento para o planejamento e as operações urbanas devem ser priorizados com base nas lições dos conflitos contemporâneos e da história, com ênfase no desenvolvimento da teoria militar e na expansão da doutrina atual para lidar com o combate urbano.


Referências

 

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  32. Ibid.
  33. Michael G. Anderson, “Fight for the City: Creating the School of Urban Warfare”, Modern War Institute at West Point, 30 August 2022, acesso em 20 set. 2022, https://mwi.usma.edu/fight-for-the-city-creating-the-school-of-urban-warfare/.
  34. John Spencer, “Four Transformational Steps the US Army Should Take to Get Serious About Urban Operations”, Modern War Institute at West Point, 21 July 2020, acesso em 20 set. 2020, https://mwi.usma.edu/four-transformational-steps-the-us-army-should-take-to-get-serious-about-urban-operations/; John Amble e John W. Spencer, “Prepare the Army for Future Urban Battlefield”, Association of the United States Army, 16 May 2018, acesso em 20 set. 2022, https://www.ausa.org/articles/prepare-army-future-urban-battlefield.
  35. Comm. on Armed Services, National Defense Authorization Act for Fiscal Year 2020, H.R. Rep. 116-120, at 98 (2019), acesso em 20 set. 2022, https://www.govinfo.gov/content/pkg/CRPT-116hrpt120/html/CRPT-116hrpt120.htm.
  36. “Ukraine Fight Holds Lessons for US Army”, Association of the United States Army, 4 July 2022, acesso em 20 set. 2022, https://www.ausa.org/news/ukraine-fight-holds-lessons-us-army; Sydney J. Freedberg Jr., “A Perfect Harmony of Intense Violence: Army Chief Milley on Future War”, Breaking Defense, 9 October 2019, acesso em 20 set. 2022, https://breakingdefense.com/2018/10/a-perfect-harmony-of-intense-violence-army-chief-milley-on-future-war.
  37. John Spencer e Rob Wooldridge, “What We Learned Creating the Army’s First Urban Planners Course”, Modern War Institute at West Point, 29 November 2021, acesso em 20 set. 2022, https://mwi.usma.edu/what-we-learned-creating-the-armys-first-urban-planners-course/.
  38. Training Circular 90-1, Training for Urban Operations (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], May 2008); Army Techniques Publication (ATP) 3-21.8, Infantry Platoon and Squad (Washington, DC: U.S. GPO, April 2016).
  39. ATP 3-06/MCTP 12-10B, Urban Operations (Washington, DC: U.S. GPO, July 2022).
  40. Mosul Study Group, What the Battle for Mosul Teaches the Force (Fort Eustis, VA: Training and Doctrine Command, 2017); Center for Army Lessons Learned (CALL), Urban Operations Catalog: A Resource Guide (Fort Leavenworth, KS: CALL, 2016).

 

O Maj Michael G. Anderson, Exército dos EUA, é Planejador Operacional do U.S. Army Forces Command. Formou-se em 2022 pela School of Advanced Military Studies e possui bacharelado em História e Ciência Política e Relações Internacionais pela University of Central Florida, mestrado em História Militar pela Norwich University e mestrado em Estudos Militares (MMS) pelo Marine Corps Command and Staff College. Publicou mais de uma dezena de artigos em periódicos como o Journal of Strategic Security, o Journal of Military and Strategic Studies e no Modern War Institute e é o autor de Mustering for War (Army University Press, 2021). Serviu em quatro missões no exterior.

 

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