Reescrever
O segredo para escrever bem
Trent J. Lythgoe, Ph.D.
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O discurso profissional não se limita apenas a escrever e publicar artigos. De fato, a presença de diálogo e debate saudáveis sobre assuntos militares é fundamental para o pensamento crítico e apoia a eficácia das unidades militares. No entanto, esse diálogo não costuma ocorrer de forma orgânica. Em vez disso, precisa ser incentivado na forma de uma cultura que acolha opiniões divergentes. Este artigo aborda a importância das opiniões divergentes, considera maneiras de discordar de forma eficaz e oferece exemplos concretos para fomentar a divergência de opiniões em uma organização.
Você teve uma ideia ótima, fez suas pesquisas e redigiu um artigo. Muito bem! Você foi mais longe do que a maioria. Muitos pensam em escrever para publicar, mas poucos encontram coragem para começar a digitar ou a tenacidade para perseverar até haver um rascunho.
Ainda assim, há um trabalho significativo a ser feito. O artigo que você tem agora é um primeiro rascunho, ênfase em “primeiro”. Para melhorá-lo, é preciso reescrevê-lo. Reescrever é o processo que os escritores realizam após concluir o primeiro rascunho. Envolve a revisão para melhorar a substância e a estrutura do texto, a edição para assegurar a clareza, bem como a verificação gramatical, ortográfica e de pontuação para garantir que esteja correto.
Este artigo é um guia sobre o processo de reescrever, ou seja, revisão, edição e verificação.NT1 Esse processo fortalecerá e esclarecerá seu texto. Isso transformará o seu artigo de um rascunho a um manuscrito limpo, algo que os editores desejarão publicar e as pessoas desejarão ler. Reescrever dá muito trabalho, mas vale a pena.
NT1: No português, não há equivalência exata para as etapas descritas neste artigo. Em algumas fontes, “revising” corresponde a “edição” e “editing” a “revisão”. Outras fontes se referem a diferentes etapas de “revisão”, incluindo a revisão de texto e primeira e segunda revisões. Neste artigo, mantivemos as opções mais rentes aos termos originais: “revisão” para “revision”; “edição” para “editing”.
Por que reescrever?
Admitir que seu rascunho precisa ser reescrito pode causar desânimo. Afinal, você trabalhou duro para escrevê-lo, brigando com as suas ideias página após página até, triunfantemente, colocar aquele ponto final (Olha isso, mundo). Nessa hora, é tentador usar o corretor ortográfico, corrigir os erros de digitação e clicar em enviar.
Não faça isso.
Apesar de todo o seu esforço, é quase 100% garantido que o seu rascunho não sairá perfeito.1 Mas não se desespere — isso não significa que você seja um escritor ruim. Todos os primeiros rascunhos são terríveis. Todos. O primeiro rascunho deste meu artigo foi horrível (pergunte ao editor). Assim como o primeiro rascunho daquele artigo maravilhoso que você leu recentemente. E aquele escritor brilhante cujo trabalho você admira? Seus primeiros rascunhos também foram terríveis. Mas o ponto principal é: bons escritores reescrevem seus primeiros rascunhos terríveis até que não sejam mais tão terríveis. Escritores ruins, não.
Reescrever é o segredo para escrever bem.2 É o que diferencia bons artigos daqueles que poderiam ter sido bons, se ao menos o autor tivesse conseguido expressar seus pensamentos de alta qualidade em uma escrita de alta qualidade. É no processo de reescrever que se ganha ou se perde a batalha.
Portanto, não desanime. Elaborar um rascunho horrível primeiro é uma etapa normal e necessária no processo da escrita. Afinal, você não pode aproveitar o poder da reescrita até ter um rascunho para reescrever.
O leitor
A reescrita eficaz exige que você observe seu texto do ponto de vista de um leitor, em vez de escritor. Até agora, você tem pensado como escritor, organizando o que deseja dizer e colocando em palavras. Mas agora deve pensar como um leitor. O que você disse foi dito de forma clara e convincente? Cabe ao leitor julgar.
E o leitor é um juiz implacável. O leitor não sabe ou não se importa com seu esforço todo e nem com o que você pretende expressar. O que realmente importa é se entendem o que você escreveu e acham o texto envolvente. Se não for assim, quase sempre a culpa é sua.
Como você pode satisfazer essa criatura impiedosa, o leitor? Criticando o que você escreveu como o leitor fará, de forma fria, objetiva e implacável. Quando perceber que seu texto não está convincente, lógico ou claro (e isso vai acontecer), deve reescrevê-lo várias vezes até que esteja tão envolvente, lógico e claro que o leitor não possa ignorá-lo ou interpretá-lo mal.
Revisão
A primeira etapa da reescrita é a revisão, para aprimorar as partes principais do texto. O intuito é esclarecer o ponto principal do artigo (a tese) e fazer com que tudo, cada página, trecho e parágrafo, esteja alinhado para fundamentá-lo. Não se preocupe com as partes menores, como frases, palavras e pontuação. Deixe isso para depois. Corrigi-las agora só atrasará a revisão. Além disso, como explicarei a seguir, você provavelmente terá de cortar algumas partes do rascunho. Gastar tempo editando partes que você mais tarde irá excluir é tempo perdido. Concentre-se nas coisas maiores.
Antes de revisar um rascunho, é bom deixá-lo de lado por alguns dias ou uma semana. O primeiro rascunho pode parecer sólido quando está fresco. Mas distanciando-se dele por um tempo, você verá suas falhas claramente. Deixá-lo de lado ajudará você a ser objetivo.
Comece a revisar pelo ponto principal do artigo, a tese. Deve estar claramente definida já na introdução, em uma ou duas frases (a proposição da tese). Leia a última frase novamente. Apresente o ponto principal logo no início e com clareza. Não faça o leitor procurar ou adivinhar.
Uma vez esclarecido o ponto principal, ajuste o restante do texto para fundamentá-lo. Isso compreende quatro tarefas: fortalecer os argumentos, matar seus queridinhos, melhorar a estrutura e refinar os parágrafos.
Fortalecer os argumentos. Muitas vezes a revisão de um rascunho expõe as ideias fracas. Os argumentos que pareciam sólidos no primeiro rascunho agora parecem frágeis. Reforçá-los exigirá mais pesquisa e escrita. Isso pode parecer um retrocesso, mas não se preocupe; é como deve ser. Você está usando a sua escrita para esclarecer seus pensamentos.
A escrita não é o produto do pensamento. Escrever é pensar. Escritores inexperientes acreditam muitas vezes que o pensamento precede a escrita, mas, na realidade, escrever e pensar ocorrem simultaneamente. Escrever um rascunho permite aos escritores descobrir o que querem expressar, revisar ajuda-os a refinar e fortalecer essas ideias.
“Matar seus queridinhos”. A segunda etapa da revisão consiste em cortar passagens desnecessárias. A revisão geralmente revela trechos que não apoiam a ideia principal. Corte-os ou, como disse o romancista inglês Arthur Quiller-Couch, “Mate seus queridinhos”.3 Dramático? Sem dúvida. Mas o fato é que os escritores tendem a se apaixonar pelo que escreveram com muito esforço. Cortá-lo pode ser doloroso. No entanto, você deve ser implacável. Se um trecho, um parágrafo ou uma página não contribuir para o ponto principal, elimine-os.
Melhorar a estrutura. Um artigo bem estruturado apresenta as ideias seguindo uma ordem que faz sentido para o leitor.4 Um artigo de história, por exemplo, pode usar uma estrutura cronológica tratando os eventos na ordem em que aconteceram. Um artigo sobre solucionar problemas pode usar uma estrutura de solução de problemas, conforme se vê na Figura 1. Outras estruturas de escrita incluem avaliação (analisar prós e contras), comparação (examinar semelhanças e diferenças) e causalidade (explorar causas e efeitos). A lista continua.
Os artigos podem combinar várias estruturas. Por exemplo, no artigo sobre resenhas de livros publicado na edição especial da Military Review,NT2 Zach Griffiths combina estruturas analíticas e avaliativas (ver Figura 2).5
Primeiramente, ele analisa o argumento principal do livro e depois avalia seus prós e contras. A ordem faz sentido. Faria menos sentido criticar o argumento principal do livro antes de resumi-lo. Uma estrutura lógica facilita o entendimento do artigo.
Refinar parágrafos. Escrever parágrafos eficazes é essencial e, frequentemente, é uma área em que muitos escritores iniciantes encontram dificuldade. Cada parágrafo deve abordar uma (e apenas uma) ideia. A revisão de parágrafos envolve identificar a ideia principal de cada parágrafo, apresentá-la de forma clara e garantir que suas frases restantes desenvolvam essa ideia.
Embora a paragrafação deva ser simples (um parágrafo = uma ideia), é fácil encontrar conselhos ruins sobre parágrafos, geralmente na forma de regras ridículas: um parágrafo deve ter entre 120 e 150 palavras, ou três a cinco frases, ou seis a oito frases, ou ainda cerca de 2,5 cm de profundidade na página.
Bobagem.
Um parágrafo é uma unidade de pensamento, não de frases, palavras ou centímetros. Cada parágrafo deve ter o comprimento necessário para desenvolver uma (e apenas uma) ideia. A maioria dos parágrafos desenvolve uma ideia usando uma série de frases conexas. Mas também podem ser uma frase, como o próximo parágrafo, ou até mesmo uma palavra, como o anterior.
Embora não valha a pena seguir a maioria das “regras” sobre parágrafo, aqui estão três diretrizes (não regras) que funcionam bem na maioria das vezes.
Primeiro, apresente a ideia principal de cada parágrafo na primeira frase. Os escritores muitas vezes escondem a ideia principal ou, pior ainda, nunca a revelam. Encontre a frase que revela a ideia principal e coloque-a no início do parágrafo. Se nenhuma frase indicar a ideia principal, escreva uma.
Segundo, organize o resto do parágrafo em torno da ideia principal. A primeira frase apresenta a ideia principal, o restante das frases a desenvolve. Quando encontrar uma frase que não contribua para isso, você deve movê-la ou excluí-la.
Terceiro, parágrafos curtos são melhores que longos. Se uma ideia complexa precisar de uma longa explicação, divida-a em partes e aborde cada uma em um parágrafo separado. Os intervalos entre as partes permitirão que o leitor faça uma pausa e processe cada parte antes de continuar para a próxima.
A revisão está concluída quando você está satisfeito com a força das suas ideias, a ordem em que foram apresentadas e a estrutura dos parágrafos que elaborou para comunicá-las. É hora de editar.
Edição
As metodologias existentes para o emprego de técnicas de edição são entendidas, coletivamente, como o esclarecimento e expurgo sistemáticos do discurso escrito, de forma que a interpretação subjetiva e construída do significado do texto pelo leitor seja a mais congruente possível com as intenções do escritor.
Você não está impressionado com esse parágrafo? Certamente, eu o convenci da importância da edição, sem falar que exibi meu maravilhoso domínio da língua. Aposto que você teve de parar de ler e pesquisar “expurgo”. Olha como eu sou inteligente!
Na verdade, duvido que você esteja maravilhado, convencido ou impressionado. É mais provável que esteja pasmo, irritado e deprimido. As coisas entre nós estavam bem até eu soltar essa baboseira empolada na página. Vou tentar novamente:
Editar significa tornar sua escrita clara para que seja fácil de ler e entender.
Perdoe-me por ter feito você ler aquele trecho cansativo, mas havia um motivo: mostrar como este artigo poderia ter sido muito diferente se eu tivesse feito outras escolhas na escrita.
Escrever bem significa fazer boas escolhas. Como o idioma é infinitamente flexível, os escritores podem optar por expressar a mesma ideia de inúmeras maneiras:NT3
NT3: O autor se referiu ao inglês no artigo original, mas seu argumento também se aplica a outros idiomas.
Observe atentamente o efeito da rápida movimentação de uma coorte de três Apodemus sylvaticus com deficiência visual.
Eis um trio de almas gentis envoltas em um eterno crepúsculo. Guiados pela mão invisível da natureza, eles disparam graciosamente pelo prado salpicado de sol.
Três ratos cegos. Veja como eles correm.
Mesmas ideias, escolhas diferentes.
Editar é o processo de reconsiderar escolhas. O foco está nas pequenas partes do artigo: palavras e frases. Ao redigir, você escolheu usar esta ou aquela palavra, escrever uma frase desta ou daquela maneira, colocar esta frase depois daquela. A edição é o momento de repensar essas escolhas para garantir que estejam adequadas e, se não estiverem, escolher outras melhores.
Uma regra: seja sempre claro
O que torna uma escolha na escrita melhor ou pior? Na escrita profissional, a melhor escolha é aquela cuja redação está clara, ou seja, fácil de ler e entender. A escrita clara é simples, concreta e enxuta.
É importante ressaltar que simplesmente seguir as regras gramaticais do idioma não produzirá um texto claro. Com certeza, uma boa gramática é importante. No entanto, como mostra a última seção, uma baboseira empolada gramaticalmente correta continua sendo uma baboseira empolada. A escrita clara é uma escolha, não uma lista de verificação.
Dito isso, há uma regra fundamental na escrita profissional com a qual você pode contar, e que tento nunca desobedecer: Seja sempre claro. No mundo profissional, é sempre melhor redigir com clareza.
Essa afirmação pode parecer descabida. Escrever não é uma arte? O que é considerado “melhor” não seria uma questão de opinião? Claro, se estivéssemos falando de literatura. Mas não é o caso. Estamos falando de escrita profissional.
Os profissionais não estão lendo seu artigo por diversão. Estão lendo porque é valioso do ponto de vista profissional. Querem informações úteis, e não entretenimento. Os profissionais também são ocupados. Não podem se dar ao luxo de perder tempo no emaranhado de uma escrita convoluta.
Infelizmente, a escrita raramente nasce com a clareza que os leitores profissionais esperam. Esse último parágrafo, por exemplo, começou como dois parágrafos mais longos. A Figura 3 mostra como eu os editei.
A maioria dos trechos começa como na Figura 3, de forma densa e prolixa. Para esclarecê-los, é preciso uma edição meticulosa. Veja como fazer isso.
Comece com sujeitos e verbos
A escrita clara começa com sujeitos e verbos. Uma oração básica descreve um sujeito fazendo algo a um objeto: Smith ajudou Jones. O carro de combate destruiu a cerca. Vejo você. Sujeitos, verbos e objetos formam o núcleo das orações, muitas vezes aparecendo nessa ordem: sujeito-verbo-objeto (SVO).
A oração SVO (sujeito-verbo-objeto) é uma ferramenta poderosa na escrita, pois é o formato que os leitores esperam.6 Crianças de 24 meses formam orações de sujeito-verbo (Bebê bebe)”. E depois incluem os objetos (Bebê bebe suco). Nossas orações se tornam mais complexas à medida que crescemos, mas, subconscientemente, ainda esperamos que comecem com sujeitos e verbos.
Considere, por exemplo, este trecho de um recente livro branco do Exército (sublinhei os principais sujeitos e verbos):
O Exército precisa solucionar seus desafios de recrutamento a fim de se transformar com sucesso para o futuro. Com base em iniciativas bem-sucedidas, como o Soldier Referral Program e o Future Soldier Prep Course, que trouxe mais de 14 mil novos militares para a Força desde sua criação no verão de 2022, o Exército agora está implementando mudanças mais fundamentais em sua abordagem de recrutamento.7
A primeira oração funciona bem porque é o que esperamos: o sujeito (o Exército) e o verbo (solucionar) no início. A segunda oração, no entanto, nos faz passar por 34 palavras antes de nos dizer quem (o Exército) está fazendo o quê (implementando mudanças). A apresentação tardia do sujeito e do verbo faz com que o leitor tenha de reter 34 palavras de informação na mente antes de compreender por que aquela informação é relevante. Portanto, a frase é mentalmente desgastante e de leitura difícil.
Claro, nem toda oração pode ou deve ser uma simples oração SVO. Mas, mesmo em orações mais longas, chegar ao sujeito e ao verbo rapidamente deixa tudo mais claro. Por exemplo:
O Exército precisa solucionar seus desafios de recrutamento a fim de se transformar com sucesso para o futuro. Consequentemente, o Exército está mudando fundamentalmente sua abordagem de recrutamento.
Mover o sujeito (Exército) e o verbo (mudando) para o início da segunda frase e adicionar a palavra de transição consequentemente torna o trecho mais claro.
Use uma linguagem concreta
Uma linguagem concreta é outra maneira de conferir clareza à escrita. A linguagem concreta consiste em palavras e frases que os leitores podem facilmente imaginar. O oposto é a linguagem abstrata, que é difícil para os leitores imaginarem. Compare, por exemplo, estas duas frases:
Uma redução nos gastos do programa está sendo implementada devido aos desafios decorrentes das recentes reduções de recursos.
O Exército está cortando os custos do programa devido aos recentes cortes orçamentários.
A segunda é mais concreta porque substitui palavras vagas como “recursos” e “reduções” por palavras concretas como “corte” e “custos”. Também é construída em torno de uma oração SVO: o Exército (sujeito) está cortando (verbo) os custos do programa (objeto).
A linguagem concreta é eficaz porque ativa o cérebro visual do leitor. Os humanos, assim como outros primatas, são animais visuais.8 Evoluímos para utilizar pistas visuais em tudo, desde tarefas básicas de sobrevivência, como encontrar comida e escolher um parceiro, até comportamentos sociais complexos. Uma grande parte do nosso cérebro é dedicada ao processamento de informações visuais.
Quando lemos, nosso cérebro visual busca construir uma imagem mental daquilo que está escrito, como se estivesse convertendo um roteiro em um filme.9 A linguagem concreta facilita a criação desse filme mental. Não surpreende que estudos demonstrem que os humanos processam a linguagem concreta com mais eficiência do que a linguagem abstrata.10
Como visto no exemplo acima, usar sujeitos e verbos é uma forma de tornar a escrita concreta. Nosso cérebro está preparado para perceber pessoas e coisas (sujeitos) fazendo algo (verbos) no mundo ao nosso redor. Quanto mais a escrita se aproxima do mundo visual, mais fácil é para o cérebro do leitor processá-la.
Outra maneira de tornar a escrita concreta é usar palavras específicas em vez de termos vagos. Por exemplo, em vez de abordar um problema, conserte, resolva ou corrija-o. Em vez de escrever que algo afeta a organização, diga que isso a melhora ou prejudica. Em vez de:
Nossa organização está realizando uma avaliação da possibilidade de alocação de recursos adicionais,
tente
Estamos pedindo mais dinheiro ao comando.
Substitua palavras abstratas por palavras concretas sempre que possível.
A frase abstrata no último parágrafo é um bom exemplo do estilo de escrita burocrática que escritores militares frequentemente usam, mas não deveriam. A escrita burocrática, assim como seu homônimo, é densa e confusa. As pessoas pensam que a linguagem burocrática soa culta, confiável e oficial. Não é.
Compare, por exemplo, estas duas passagens: a primeira é de um relatório do Departamento de Defesa sobre trotes e a segunda é da filosofia de comando do CMG Chris Hill, da Marinha dos Estados Unidos da América (EUA):
Os trotes violam a dignidade humana básica de um militar, comprometem a prontidão para o combate e o cumprimento da missão, enfraquecem a confiança entre os integrantes e corroem a coesão da unidade. Qualquer ocorrência de trote é uma afronta aos valores do Departamento. O Departamento de Defesa permanece firme em seu compromisso de avaliar continuamente suas políticas e procedimentos para prevenir, detectar, dissuadir, abordar adequadamente e eliminar os trotes nas Forças Armadas.11
Os trotes são uma estupidez, são degradantes e uma enorme perda de tempo. Assim como o bullying, a agressão sexual e o assédio sexual, os trotes não criam um ambiente no qual o marinheiro seja amado ou valorizado. Não oferece missão e propósito aos marinheiros.12
O trecho simples e concreto de Hill é mais curto, mais claro e muito mais poderoso.
Por fim, tenha cuidado com o uso da linguagem figurativa, como analogias e metáforas. A linguagem figurativa evoca imagens concretas na mente do leitor, que podem ser úteis ou não.
Uma linguagem figurativa bem colocada pode ajudar os leitores a entender um conceito complexo ou abstrato. No início desta seção, por exemplo, usei a analogia de um filme mental para descrever como o nosso cérebro visual processa a escrita.
No entanto, em vez de esclarecer, a linguagem figurativa pode confundir quando evoca imagens irrelevantes na mente do leitor. Os piores infratores são os clichês. Evite-os. Abandone “pensar fora da caixa”, “fazer de olhos fechados” e “bater na mesma tecla”. Da mesma forma, esqueça clichês esportivos batidos, como “embolar o meio de campo”, “bola pra frente” e “dar zebra”. Essas imagens irrelevantes dificultam a concentração do leitor no que realmente importa.
Use a voz ativa
Você provavelmente sabe que na escrita do Exército se usam orações na voz ativa. Esse é um bom conselho. As orações na voz ativa geralmente são curtas e claras, enquanto as orações na voz passiva podem ser prolixas e vagas. As orações na voz ativa seguem o padrão SVO mencionado anteriormente:
O Sd Jones esfregou o chão.
Em contraste, as orações na voz passiva começam com o objeto e podem terminar com o sujeito ou omiti-lo:
O chão foi esfregado pelo Sd Jones.
O chão foi esfregado.
A oração na voz ativa é mais curta do que a segunda e mais concreta do que a terceira.
Claro, usar a voz passiva nem sempre é errado. Na verdade, é a melhor escolha quando o ator é desconhecido ou irrelevante, quando o escritor deseja mudar o foco da oração ou afirmar uma verdade geral.13
No entanto, os escritores militares costumam abusar da voz passiva, resultando em uma escrita vaga e prolixa:
A localização física das regiões será definida posteriormente para auxiliar os membros do programa SRAO em seus planos de rodízio. As regiões receberão uma lista de todas as posições que podem ser usadas para fins de rodízio. Além disso, uma lista de organizações que estão isentas do programa de regionalização será fornecida para cada região.
Atualizações trimestrais via VTC estão sendo implementadas para oferecer às regiões um fórum no qual elas receberão informações atualizadas, oferecerão suas lições aprendidas e receberão assistência com seus problemas e preocupações.
Indicadores estão sendo desenvolvidos para ajudar a identificar os pontos fortes e fracos do programa de regionalização. Os resultados desse novo requisito serão relatados semestralmente por cada região e serão utilizados para desenvolver e aprimorar ainda mais o processo.14
Quando mal utilizada ou usada em excesso, a voz passiva entulha a escrita e confunde o leitor sobre quem está fazendo o quê e a quem. Embora as frases na voz passiva tenham seu lugar, na maioria das vezes, a voz ativa é melhor.
Enxugue o texto
Falando em excesso, elimine-o. O excesso consiste em frases e palavras a mais que não são necessárias para transmitir a mensagem. É o irmão caçula dos queridinhos não assassinados. Nenhum deles tem uma função útil.15 Corte.
A escrita militar é notoriamente prolixa, como neste exemplo da doutrina do Exército dos EUA:
A substituição em posição é uma operação na qual, por ordem de autoridade superior, toda ou parte de uma unidade é substituída em uma região pela unidade substituta, e as responsabilidades dos elementos substituídos para a missão e a zona de operações designada são transferidas para a unidade substituta.16
São 49 palavras para dizer: “Uma substituição em posição é quando uma unidade substitui a outra”. Poderíamos até deixar alguns detalhes: “Uma substituição em posição é quando uma unidade assume a missão e a área de outra”. Ainda assim, a frase tem metade do comprimento original.
Eliminar o excesso começa com a remoção de palavras desnecessárias. Todas as palavras em seu artigo devem ser necessárias para comunicar suas ideias. Mas se você analisar, verá que muitas não são. Por exemplo, as palavras extras em frases do dia a dia:
É perfeitamente possível que ele realmente pretenda admitir livremente seu erro.
Ou rodeios desnecessários e preliminares:
Acredito que seja importante entender que as unidades do Exército precisam de bons líderes.
Ou adjetivos e advérbios desnecessários:
A artilharia extremamente eficaz destruiu totalmente os atacantes, mas deixou os defensores com muito pouca munição.
Seja o que for, limpe todo o excesso da mesma maneira: eliminando-o.
Se não tiver certeza se algo é conteúdo ou excesso, tente aplicar o teste chamado “trabalho útil”.17 Reescreva o trecho sem a palavra ou frase em questão. Se puder tirar isso sem perder ou alterar o significado do trecho, o que foi removido não estava sendo útil. Elimine.
Simplifique
A escrita simples usa palavras comuns em frases curtas e diretas. Por exemplo, poderíamos simplificar este trecho de um recente livro branco do Exército:
Após inúmeras consultas junto ao Congresso, os líderes do Exército estão avançando com uma transformação significativa da estrutura de força.18
Simplificar a escrita confere mais clareza:
Depois de consultar o Congresso, o Exército está mudando sua estrutura de força.
Muitos escritores erroneamente acreditam que palavras difíceis e frases complexas deixam o texto mais confiável. Mas, na verdade, é o contrário. A linguagem simples é mais confiável do que a complexa, pois os leitores conseguem compreendê-la. A escrita complicada não só pode confundir os leitores, mas também levar a suspeitas de que o autor está usando uma linguagem rebuscada para ocultar ideias fracas.
A simplicidade começa com palavras simples. Não use palavras longas quando as curtas servirem:
Precisamos de assistência ajuda porque não temos pessoal pessoas suficiente suficientes.
A simplicidade também se aplica às orações. Fique atento às preposições e locuções adverbiais. É fácil exagerar seu uso e muitas vezes elas podem ser simplificadas:
Seu relatório de avaliação foi um reflexo de refletiu seu desempenho.
É aconselhável proceder Proceda com cautela cautelosamente.
Preste atenção também às nominalizações, especialmente aos verbos transformados em substantivos. A professora Helen Sword os chama de “substantivos zumbis” porque nominalizar verbos tira a vitalidade deles.19 Substantivos zumbis, inertes, precisam de outro verbo para fazê-los funcionar, resultando em uma escrita desnecessariamente prolixa. Por exemplo:
Os instrutores conduziram uma avaliação da unidade, realizaram uma reunião com os comandantes da unidade e fizeram uma apresentação dos resultados.
Os substantivos zumbis avaliação, reunião e apresentação exigem que o escritor adicione conduziram, realizaram e fizeram. Agora reescrito:
Os instrutores avaliaram a unidade, reuniram-se com os comandantes da unidade e apresentaram os resultados.
Transformar os substantivos zumbis em verbos novamente deixa a frase mais curta e mais simples.
Outra maneira de simplificar é dividir frases longas e confusas. Frases longas não são necessariamente ruins. Misturadas com outras mais curtas, as frases longas dão variedade e ritmo à escrita. No entanto, as coisas ficam confusas quando os escritores incluem muita informação em uma frase, como neste trecho gigante de 54 palavras:
Por exemplo, uma linha de controle de fogos permissiva — uma linha além da qual os meios convencionais de apoio de fogo direto e indireto superfície-superfície podem disparar a qualquer momento dentro dos limites do comando estabelecedor sem coordenação adicional, mas não elimina a responsabilidade de coordenar o espaço aéreo necessário para conduzir a missão (JP 3-09) — exemplifica uma medida de controle permissiva.20
Essa frase não é apenas longa, mas separa o sujeito (linha de controle de fogos permissiva) de seu verbo (exemplifica), intercalados por 46 palavras. Dividir a frase e manter os sujeitos e verbos juntos melhora o trecho:
Uma linha de controle de fogos permissiva é um exemplo de medida de controle permissiva. É a linha além da qual os meios superfície-superfície podem disparar sem coordenação com o comando que estabeleceu a linha. No entanto, os meios de fogo ainda devem coordenar o espaço aéreo para conduzir a missão.
Não é crime usar frases longas, mas frases confusas, sim. Lembre-se, seja sempre claro.
Por fim, embora uma escrita simples ajude o leitor, também ajuda os escritores a cometer menos erros. Palavras simples são fáceis de soletrar e difíceis de usar de forma inadequada. Frases curtas e diretas são fáceis de escrever e menos propensas a erros de pontuação e gramática. A escrita simples é boa para todos.
Verificação
A verificação vem após a revisão e a edição. Consiste em procurar e corrigir erros de gramática, ortografia e pontuação. Isso é importante. Se o seu artigo for desleixado, os editores podem concluir que o seu raciocínio também é desleixado.
Ironicamente, a melhor maneira de revisar não é lendo, mas sim ouvindo. Leia seu artigo em voz alta ou use um programa de leitura de tela para fazer isso por você (eu uso o recurso Ler em Voz Alta do Microsoft Word). Seus ouvidos perceberão erros que seus olhos deixarão passar.
Verifique novamente seu trabalho usando um software (eu prefiro Grammarly e o Editor do Word da Microsoft). No entanto, não presuma que o software está sempre certo. Você conhece seu artigo melhor do que o computador.
Por fim, confie no seu ouvido. Se soar correto, provavelmente está correto. Para escrever um ótimo artigo não é necessário ter diploma em Letras. Você já sabe tudo o que precisa saber sobre o idioma. Não se preocupe com vícios de linguagem, cacofonia e polissemia. Nem imagino o que sejam essas coisas, mas ainda assim consegui escrever este artigo.
Se estiver preocupado com erros gramaticais grosseiros, peça a um ou dois amigos para lerem o texto. Para dicas sobre feedback, confira o “A Writer’s Guide to Giving and Receiving Feedback” (“Um guia de escritor para dar e receber feedback”, em tradução livre), de Rebecca Segal, incluído na edição especial de 2024 da Military Review.21, NT4 Lembre-se de que o objetivo não é a perfeição na língua — é oferecer ao leitor um artigo útil e claro.
Uma palavra final
Reescrever é o segredo para escrever bem. Reescrever transforma rascunhos em artigos limpos e publicáveis. Começa com a revisão, o que melhora as partes principais: tese, estrutura e parágrafos. O próximo passo é a edição para melhorar as partes menores: frases e palavras. A última etapa, a verificação, corrige qualquer problema de exatidão restante. Reescrever ajudará a tornar seu artigo tão claro e envolvente quanto as ideias que o inspiraram.
Referências
- William Zinsser, On Writing Well: The Classic Guide to Writing Nonfiction, 6th ed. (New York: Harper Perennial, 1998), p. 84.
- Ibid., p. 84-85.
- Arthur Quiller-Couch, “On Style”, in On the Art of Writing: Lectures Delivered in the University of Cambridge, 1913–1914 (New York: G. P. Putnam’s Sons; Cambridge: University Press, 1916), chap. 12, republicado on-line por Bartleby, https://www.bartleby.com/190/12.html.
- Brandon Royal, The Little Red Writing Book, 1st ed. (Cincinnati: Writer’s Digest Books, 2007), p. 22-25.
- Zachary Griffiths, “How to Write a Book Review”, Military Review 104, no. SE-02 (2024): p. 35-42.
- Nora Bacon, The Well-Crafted Sentence: A Writer’s Guide to Style, 2nd ed. (Boston: Bedford/St. Martins, 2013), p. 36-37.
- Department of the Army, “Army Force Structure Transformation” (white paper, Washington, DC: Department of the Army, 27 February 2024), p. 1, https://api.army.mil/e2/c/downloads/2024/02/27/091989c9/army-white-paper-army-force-structure-transformation.pdf.
- Jon H. Kaas e Pooja Balaram, “Current Research on the Organization and Function of the Visual System in Primates”, Eye and Brain 6, no. S1 (23 September 2014): S1, https://doi.org/10.2147/EB.S64016.
- Steven Pinker, The Sense of Style: The Thinking Person’s Guide to Writing in the 21st Century, repr. ed. (New York: Penguin Books, 2015), chap. 2.
- Dawei Wei e Margaret Gillon-Dowens, “Written-Word Concreteness Effects in Non-Attend Conditions: Evidence from Mismatch Responses and Cortical Oscillations”, Frontiers in Psychology 9 (13 December 2018), https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.02455; F. Jessen et al., “The Concreteness Effect: Evidence for Dual Coding and Context Availability”, Brain and Language 74, no. 1 (August 2000): p. 103-12, https://doi.org/10.1006/brln.2000.2340.
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- Gail Barnes, “#Leaders need to be into the #morale building business. It’s not as much about time off and cookies, although they’re super helpful. …”, LinkedIn, acesso em 31 maio 2024, https://www.linkedin.com/posts/gailbarnes_the-way-of-the-warrior-sailor-activity-7167269165798547456-r9j8/. Incorporado na postagem de Barnes, veja a página 15 de The Way of the Warrior Sailor: A Command Philosophy for CVN 69, de Christopher Hill.
- Lane Greene, Writing with Style: The Economist Guide (New York: Simon and Schuster, 2023), p. 39-41.
- Andrea Williams, “Army Acquisition Corps (AAC) Regional Rotation Program” (documento de informação, Rock Island Arsenal, IL: Army Sustainment Command, 2 May 2006), https://asc.army.mil/docs/divisions/acd/Info_Papers.pdf.
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Trent J. Lythgoe é professor assistente no Departamento de Comando e Liderança da U.S. Army Command and General Staff College. Obteve seu Ph.D. em Ciência Política pela University of Kansas. Seus interesses em pesquisa incluem liderança adaptativa, comando e controle, relações civis-militares e normas profissionais militares.
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