Com todo o respeito
Como incentivar a divergência de opiniões no Exército dos EUA
Ten Cel Matthew Jamison, Exército dos EUA
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O discurso profissional não se limita apenas a escrever e publicar artigos. De fato, a presença de diálogo e debate saudáveis sobre assuntos militares é fundamental para o pensamento crítico e apoia a eficácia das unidades militares. No entanto, esse diálogo não costuma ocorrer de forma orgânica. Em vez disso, precisa ser incentivado na forma de uma cultura que acolha opiniões divergentes. Este artigo aborda a importância das opiniões divergentes, considera maneiras de discordar de forma eficaz e oferece exemplos concretos para fomentar a divergência de opiniões em uma organização.
A importância da divergência de opiniões
Da mesma forma que o Chefe da Junta de Chefes de Estado-Maior oferece seus melhores conselhos militares ao Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), os comandantes devem oferecer feedback fundamentado e franco aos seus chefes, seja no contexto da defesa nacional ou de assuntos militares internos. Oferecer seus melhores conselhos significa, provavelmente, desafiar ocasionalmente o status quo e oferecer perspectivas alternativas, o que é fundamental para a boa tomada de decisão e planejamento em todos os níveis. A divergência de opiniões pode desempenhar um papel fundamental para assegurar que os comandantes considerem todos os aspectos de uma situação antes de tomar decisões.
A divergência de opiniões fundamenta a tomada de decisão, proporcionando um mecanismo vital de feedback aos comandantes. Em geral, o comandante no terreno tem uma perspectiva mais clara dos recursos disponíveis ou do impacto de uma decisão do que o oficial mais antigo que opere em um escalão bem mais elevado. É seu dever oferecer essa perspectiva, principalmente se for contrária às opiniões predominantes. Quanto mais grave a questão, mais firme deve ser a opinião divergente. Entretanto, uma vez tomada a decisão final, os subordinados devem apoiar totalmente a linha de ação selecionada.
Opiniões divergentes ponderadas combatem o pensamento de grupo. Comandantes cercados por pessoas que só dizem “sim” não serão eficazes. Diversos exemplos históricos demonstram as consequências negativas de não manifestar ou comunicar efetivamente opiniões divergentes na hora. O excelente livro de H. R. McMaster, Dereliction of Duty (“Abandono do dever”, em tradução livre), detalha o fracasso da Junta de Chefes de Estado-Maior em “articular de forma eficaz suas objeções ou alternativas” no início da Guerra do Vietnã.1 Por outro lado, “The Night of the Generals” (“A Noite dos Generais”, em tradução livre), de David Margolick, aborda o caso de seis oficiais-generais da reserva remunerada que se manifestaram contra a condução da Guerra do Iraque, embora não tenham feito isso enquanto estavam no serviço ativo e em posição de provocar mudanças.2
Divergência de opiniões eficaz
A melhor maneira de discordar varia conforme o contexto. Quando o feedback é solicitado em um ambiente público, a opinião divergente pode ser oferecida publicamente; caso contrário, é melhor reservá-la para uma conversa privada. Independentemente de como você escolha oferecer sua opinião divergente, é importante separar qualquer sentimento pessoal das considerações profissionais. A divergência profissional é fundamental para garantir um diálogo saudável e contínuo, enquanto os ataques pessoais provocam uma postura defensiva e a perda de confiança.
- Conheça o seu público. Considere a forma como seu chefe recebe as informações. Caso seu chefe fique na defensiva, mantenha seu feedback entre vocês. Ele (ou ela) não vai querer ser contestado publicamente.
- Faça seu dever de casa. Esteja preparado para expor com clareza o motivo de sua discordância. Caso não consiga concluir uma missão designada, explique o desajuste entre os recursos disponíveis e os requisitos da missão. Por que não consegue concluir a tarefa? O que funcionaria melhor e por quê? Caso precise de mais tempo, quando mudará sua prontidão?
- Obtenha apoio. A divergência de opiniões em grupo pode ser poderosa. Quando vários comandantes se unem para expressar sua discordância em relação a uma decisão, isso pode fazer com que seja repensada.
Essas mesmas regras se aplicam quer você esteja discordando da decisão de um supervisor ou escrevendo um artigo que conteste a doutrina ou as práticas convencionais do Exército.
A divergência de opiniões na escrita
É gratificante quando organizamos nossos pensamentos, formamos uma coalizão e conseguimos que nosso chefe mude de ideia, promovendo mudanças em nossa organização. Entretanto, o impacto de nossas palavras pode ir muito mais longe. Como diz o ditado, “a caneta é mais poderosa do que a espada”. Dessa forma, nossas ideias têm impacto maior à medida que mais pessoas são expostas a elas. Escrever é a melhor forma de divulgar nossa mensagem e gerar um impacto poderoso e duradouro.
Pessoalmente, já me opus ao status quo em meus próprios textos. Quando um companheiro mencionou um artigo de um comandante mais antigo com o qual nenhum de nós concordava, decidi elaborar uma resposta. Esse artigo sobre a conceitualização das experiências dos oficiais nas Forças Armadas foi escrito em coautoria por um general de divisão e vários membros de seu estado-maior.3 Reconheci que talvez precisasse proceder com cautela, mas sabia também que minha posição se baseava em uma divergência de opiniões profissional, não em animosidade pessoal. Eu estava em contato com vários oficiais subalternos por meio de aconselhamento frequente e compreendia suas preocupações. Compartilhei minha perspectiva por meio de uma resposta na Military Review e recebi feedbacks muito positivos.4
Em meu artigo mais recente sobre recusa de comando, levantei questões e ofereci recomendações que podem incomodar alguns comandantes.5 Mas isso também gerou discussões valiosas e possibilitou ótimas interações com comandantes que eu ainda não conhecia.
O que você pode aproveitar disso para a sua própria escrita? Apliquei lições semelhantes às mencionadas anteriormente para a divergência de opiniões eficaz. Eu conhecia meu público e redigi meu artigo para atingi-lo. No artigo de resposta, eram os oficiais subalternos que queriam se sentir ouvidos por um “comandante mais antigo”, enquanto o artigo sobre recusa de comando abordava preocupações com a gestão de talentos e destinava-se diretamente a esses comandantes mais antigos. Fiz meu dever de casa e obtive apoio. Meu artigo sobre recusa de comando incluiu pesquisa, entrevistas com comandantes mais antigos e uma enquete com todos os majores e tenentes-coronéis da artilharia de defesa antiaérea. Com uma taxa de resposta de 62%, consegui compartilhar uma análise que captava claramente as reflexões daquele grupo. Compartilhadas no nível da unidade, minhas ideias resultaram em algumas boas conversas. Esses mesmos pensamentos, compartilhados pela minha escrita, geraram discussões e debates muito mais amplos.
Incentivando a divergência de opiniões
A cultura da unidade é fundamental para incentivar a divergência de opiniões. A hierarquia inerente à estrutura do Exército pode desestimular a divergência de opiniões e causar receios quanto às repercussões, caso seja percebida como insubordinação. Cabe aos comandantes criar um ambiente que não apenas trate todos com dignidade e respeito, mas que também reconheça o valor das diferentes perspectivas de militares de todos os escalões e níveis de experiência. Os militares que não se sentem à vontade em uma organização provavelmente não estarão dispostos a compartilhar suas boas ideias ou opiniões divergentes. Como Chefe do Estado-Maior do Exército,NT1 o Gen Ex Randy George está adotando medidas para criar exatamente esse tipo de cultura em toda a força, indicando a necessidade de “fortalecer nossa profissão de cima para baixo ao desenvolver a expertise por meio do discurso escrito”.6 Um ambiente que apoie o compartilhamento de ideias variadas e a disposição para melhorar começará a incentivar a divergência de opiniões no âmbito institucional.
NT1: Equivalente a Comandante do Exército, no Brasil.
Isso parece intuitivo, mas em um briefing de decisão ou algo semelhante, pergunte especificamente a cada pessoa o que ela pensa, em vez de pedir opiniões de forma geral. É mais provável que as pessoas compartilhem suas opiniões quando envolvidas diretamente.

Então a divergência é importante. Como podemos incentivá-la no nosso escalão? Isso começa com o aumento dos mecanismos de feedback. Aqui estão três maneiras simples de incentivar a divergência de opiniões em uma organização:
- Elimine a distância hierárquica. Como comandante de batalhão, criei um Junior Enlisted Leadership Council (Conselho de Liderança de Soldados), no qual um pequeno grupo de soldados altamente motivados interagiu diretamente com o comandante do batalhão e o command sergeant major. Esse fórum lhes proporcionou uma oportunidade de mentoria e fez com que se sentissem à vontade para oferecer feedback sobre questões importantes para eles, resultando em novas ideias que tiveram um impacto positivo na organização.
- Peça opiniões. Isso parece intuitivo, mas em um briefing de decisão ou algo semelhante, pergunte especificamente a cada pessoa o que ela pensa, em vez de pedir opiniões de forma geral. É mais provável que as pessoas compartilhem suas opiniões quando envolvidas diretamente.
- Aconselhamento e mentoria. Seja claro quanto às informações que deseja dos subordinados e informe-os sobre como serão utilizadas. Eu disse especificamente a todos os oficiais do estado-maior que contava com eles para fundamentar a minha tomada de decisão. Também disse a todos os oficiais especialistas que os via como assessores de confiança e que esperava deles a pura verdade. Aqueles que opinaram se mostraram extremamente valiosos, e o diálogo regular com eles proporcionou perspectivas variadas.
Conclusão
Embora esta edição mais abrangente da Military Review se concentre na escrita,NT2 a promoção de uma cultura que incentive a divergência de opiniões é fundamental. As unidades militares se beneficiam quando os indivíduos se sentem à vontade para oferecer feedback. O incentivo da divergência de opiniões demonstra que todas as perspectivas têm valor, estimula o pensamento crítico e ajuda os comandantes a tomar decisões melhores. Ao incentivar esse comportamento, mais pessoas aplicarão esses princípios em sua escrita e em suas interações cotidianas.
Referências
- H. R. McMaster, Dereliction of Duty (New York: HarperPerennial, 1998), p. 327.
- David Margolick, “The Night of the Generals”, Vanity Fair, April 2007, https://archive.vanityfair.com/article/2007/4/the-night-of-the-generals.
- Milford H. Beagle Jr. et al., “We Hear You!”, Military Review Online Exclusive, 27 March 2023, https://www.armyupress.army.mil/journals/military-review/online-exclusive/2023-ole/we-hear-you/.
- Matthew L. Jamison, “We Hear You, But You’re Wrong”, Military Review Online Exclusive, 13 April 2023, https://www.armyupress.army.mil/journals/military-review/online-exclusive/2023-ole/jamison/.
- Matthew L. Jamison, “Soldiers Deserve Outstanding Leadership: Examining the Battalion Command Crisis within the U.S. Army Air Defense Artillery”, Military Review Online Exclusive, 3 May 2024, https://www.armyupress.army.mil/journals/military-review/online-exclusive/2024-ole/soldiers-deserve-outstanding-leadership/.
- Randy George, Gary Brito e Michael Weimer, “Strengthening the Profession: A Call to All Army Leaders to Revitalize our Professional Discourse”, Modern War Institute, 11 September 2023, https://mwi.westpoint.edu/strengthening-the-profession-a-call-to-all-army-leaders-to-revitalize-our-professional-discourse/.
O Ten Cel Matthew Jamison, do Exército dos EUA, atua como chefe da política de defesa antimíssil do J-5 (Diretoria de Estratégia, Planos e Políticas) do Estado-Maior Conjunto. Concluiu o bacharelado pela Hampden-Sydney College e mestrados pela University of Texas at El Paso e pela Johns Hopkins University.
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