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O compartilhamento da informação e a eficácia das operações de manutenção da paz no Mali

 

Christopher Sims, Ph.D.

 

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Soldados do Mali enfrentam rebeldes islâmicos durante confrontos que eclodiram na cidade de Gao em 21 de fevereiro de 2013

A informação molda a condução do conflito civil. Sua origem, composição, curadoria, compartilhamento e uso ditam a compreensão do ambiente operacional, bem como servem de base para todos os níveis de planejamento e execução militar. A maneira como compreendemos e agimos diante dos contextos econômico, político e social de nosso ambiente é influenciada pela informação que temos à disposição. Portanto, os fatores que viabilizam ou dificultam esse processo exercem uma influência significativa na gestão da violência e no sucesso ou fracasso da atividade de segurança.

Os desafios no compartilhamento da informação foram particularmente acentuados durante a intervenção da comunidade internacional no Mali após a rebelião de 2012, na qual separatistas armados e grupos islamistas expulsaram as forças do governo no norte do país. Seguiu-se um golpe militar. A ação militar liderada pela França, iniciada no começo de 2013, impediu novas invasões ao sul por forças antigovernamentais, e uma missão de estabilização da Organização das Nações Unidas (ONU) foi inserida nesse ambiente de segurança frágil e febril mais adiante naquele ano. Após uma permanência de uma década, uma situação de segurança em deterioração e outros golpes em 2020 e 2021, as Forças Armadas francesas retiraram-se em meio a uma crescente desconfiança do governo em relação às suas atividades e intenções, e, em 2023, a missão da ONU encerrou suas operações e retirou seu pessoal, a pedido das autoridades malianas para que se retirassem.

Essa trajetória preocupante abre espaço para um exame criterioso. Este artigo aborda alguns dos esforços de assistência de segurança internacional, explorando a questão do compartilhamento da informação dentro e entre as organizações, com ênfase na missão da ONU. Para compreender por que o resultado de uma missão com bons recursos foi tão insatisfatório, é essencial reunir as perspectivas das partes interessadas internas. Entrevistas semiestruturadas com pessoal estadunidense e europeu previamente desdobrado oferecem insights sobre o caráter desafiador do desdobramento, com implicações para futuras operações de estabilização. Este artigo começa por analisar os desafios internos relacionados ao compartilhamento da informação na missão da ONU; em seguida, contextualiza o desdobramento no ecossistema de atores internacionais presentes no Mali; e conclui com as implicações da pesquisa para as políticas.

O labirinto da informação na MINUSMA

No centro da constelação de organizações que atuavam no país após a rebelião de 2012 estava a Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para Estabilização do Mali (UN Multidimensional Integrated Stabilization Mission in Mali, MINUSMA). Foi criada em 2013 com o objetivo de estabilizar e apoiar o restabelecimento da autoridade do Estado e implementar um roteiro político, além de oferecer ampla assistência ao setor de segurança, proteção de civis e apoio à ação humanitária. Com pilares civis e de força (militar e policial) na missão, as diferentes prioridades do mandato exigiam a coordenação entre os militares e os demais componentes, com o desafio constante de equilibrar força e diplomacia.1

Uma equipe integrada que serve com a Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para Estabilização do Mali

A estabilização, para a MINUSMA, era um termo abrangente para uma série de esforços afligidos pela incoerência estratégica. O cientista político Bruno Charbonneau observou que, embora a estabilização estivesse no cerne da missão no Mali, o mandato “sugere, em vez de definir”, o que isso significa na prática. A interpretação ampla deu origem à noção generalizada do Mali como uma “missão especial”, distinta dos desafios simples e que surgiu em resposta a uma situação “complexa”.2 Quando a linguagem que define o ambiente operacional é ambígua, como ocorreu no Mali, o compartilhamento da informação torna-se complicado, pois não há um entendimento comum nem um objetivo unificado para harmonizar a colaboração e coordenação. Essa falta de consenso fomentou a desconfiança na MINUSMA, tanto internamente na organização quanto com os parceiros internacionais de estabilização.

Um assessor de estabilização descreveu de que forma essa incerteza prejudicou os esforços, porque “os mandatos são realmente importantes para determinar como as pessoas pensam e o que pensam que podem fazer”.3 Um mandato onera as operações com o peso da aspiração estratégica e pode criar um efeito de árvore de Natal, em que vários acréscimos legislativos — muitos deles inevitavelmente relacionados apenas de forma tangencial ao objetivo original se assemelham, metaforicamente, às decorações de uma árvore de Natal.4 Como as diversas forças militares inseridas no país, “a presença de múltiplas forças paralelas com diferentes mandatos, meios e objetivos, sem a orientação de um processo político claro ou um objetivo estratégico comum, gerou um ‘engarrafamento de segurança’ em certos momentos”.5

Na MINUSMA, o efeito foi pronunciado. A falta de direção civil na missão levou as forças militares a conduzir suas próprias operações segundo suas próprias prioridades identificadas. Isso criou um problema de coerência com relação à gestão da MINUSMA. A síntese missão-força ineficaz resultou em uma série de acontecimentos militares táticos e tangíveis sem nenhuma estratégia abrangente e coerente para resolver os problemas locais apresentados aos operadores no terreno.6 Com o tempo, e sem nenhum progresso observável, a frustração popular do Mali com o governo anfitrião e com as organizações internacionais que o apoiavam foi se agravando.7 As intenções internacionais não puderam ser transmitidas ao país de maneira eficaz devido aos mandatos conflitantes que regiam a atuação do pessoal.

Havia uma desconfiança generalizada entre o pessoal da missão e da força na MINUSMA. Em parte, isso era cultural. As agências militares são desdobradas com estruturas e hierarquias de comando e controle que podem não se harmonizar com as organizações civis. Havia ainda uma percepção de relutância por parte de componentes civis, como assuntos políticos e assuntos de estabilização na MINUSMA, em cooperar estreitamente com os componentes da força. Embora a origem da relutância não fosse clara, pode ter sido causada por uma compartimentação burocrática normal dos esforços. O resultado foi a formação de uma mentalidade de “nós contra eles” entre a força e a missão.8 Em parte, foi estrutural. Nas missões integradas da ONU, um civil lidera a missão com dois adjuntos: um é um líder político e o outro faz a gestão do trabalho relacionado à implementação do projeto. O comandante da força militar e o chefe de polícia são distintos e lideram seus pilares. O compartilhamento da informação e a comunicação eram limitados por essas separações.

Pinos redondos em buracos quadrados

A geografia e a cultura complicavam a análise. O norte do Mali era um emaranhado de dinâmicas de segurança sutis, onde a insurgência local se entrelaçava com organizações extremistas transnacionais e os impulsionadores de fatores econômicos e sociais que alimentavam a violência se sobrepunham. Diante de tamanha complexidade, análises equivocadas poderiam distorcer e prejudicar um planejamento eficaz. Em grande parte, as alianças no norte eram fundamentadas em dinâmicas locais, como laços familiares e clânicos e histórias compartilhadas. No entanto, nas bases avançadas da missão da ONU no país, havia pouca compreensão dessas relações.

A análise foi comprometida pela rotulação de grupos armados que os confinou em “caixas pretas”, que não eram suficientemente dinâmicas para compreender comportamentos e acontecimentos. O foco em “grupos terroristas armados” fortaleceu uma perspectiva nas Forças Armadas que percebia a MINUSMA, principalmente, como uma operação militar e, praticamente, uma operação de contraterrorismo. Consequentemente, a comunidade analítica era “constantemente surpreendida por acontecimentos” e “prisioneira de nossas ideias”.9

O espectro do processo de inteligência proporcionou uma ampla oportunidade para interpretações errôneas entre as organizações e dentro delas. A complexidade da dinâmica de segurança do Mali está explícita na política de inteligência de manutenção da paz da ONU de 2019, que codificou uma estrutura de inteligência para as missões da ONU.10 A política identificou a exigência de um “ciclo de inteligência de manutenção da paz como sendo distinta de outras informações e relatórios” e suas atividades

serão totalmente autônomas e independentes em todos os aspectos de qualquer sistema de inteligência nacional ou outras operações e manterão seu caráter exclusivamente internacional. As missões podem estabelecer ligação com entidades que não sejam da missão para fins de recebimento de inteligência e podem compartilhar inteligência específica sobre manutenção da paz com entidades que não sejam da missão.11

A política, instrutiva quanto às deficiências atuais, identifica a necessidade de uma abordagem orientada por processos, na qual a inteligência seria elaborada a partir dos requisitos da liderança.12

O compartilhamento eficaz dentro da MINUSMA também foi prejudicado por seu caráter multinacional. Uma unidade de inteligência da força recém-criada, a Unidade de Fusão de Inteligência de Todas as Fontes (All Source Intelligence Fusion Unit, ASIFU), empregou um sistema holandês. Não havia interoperabilidade entre esse sistema e o banco de dados padrão da Iniciativa Geoespacial de Consciência Situacional (Situational Awareness Geospatial Enterprise) da ONU.13 Além disso, quando o contingente holandês se retirou, o pessoal alemão que chegou não havia sido treinado no sistema holandês, que não estava sendo usado oficialmente pelas Forças Armadas alemãs. Como resultado da saída holandesa, uma enorme quantidade de informações permaneceu acumulada nesse banco de dados, e os novos rodízios não conseguiam adicionar nada. Continuou em uso, mas os novos oficiais de inteligência encarregados da compilação da informação em Bamako não conseguiram atualizá-lo.14 O resultado exacerbou o sentimento de desconfiança entre os lados civil e militar da missão da ONU, bem como a incapacidade técnica de compartilhar informação.

A gestão da informação foi prejudicada por uma desconexão prática entre os centros de inteligência na missão da ONU. Um Centro de Análise de Missão Conjunta (Joint Mission Analysis Centre), situado no nível do comando, oferecia inteligência estratégica à missão, enquanto a ASIFU coletava, analisava e disseminava informações de nível operacional e tático como parte do componente militar, sendo, posteriormente, integrada à seção de inteligência do estado-maior do comandante da força.15 Na prática, porém, esses vários sistemas significavam competição, em vez de colaboração e síntese. Como Sebastiaan Rietjens e Erik de Waard observaram sobre esse arranjo, os dados e as análises não são amplamente compartilhados, e houve sobreposição e invasão territorial entre as unidades de inteligência.16

A maior parte do foco da informação no componente civil da missão estava voltada aos processos políticos de alto nível, enquanto a “real diferença pode ser feita no terreno, nos setores”.17 Mesmo no caso da força voltada à informação de nível operacional e tático, na prática, ela frequentemente se restringia à coleta e análise de nível tático, devido à realidade do paradoxo da proteção da missão; as forças estavam apenas preocupadas em evitar o próximo ataque à missão. Embora o componente civil reunisse informação de nível estratégico, a necessidade de uma análise tática diária criou e perpetuou a percepção pela força de que a inteligência do pilar civil estava excessivamente centrada em “conceitos etéreos”, como tentar fazer o governo cumprir suas funções mesmo quando não podia, desconsiderando os aspectos mais relevantes da inteligência da missão.18 Os objetivos aspiracionais dentro do mandato pesavam muito no foco do Centro de Análise de Missão Conjunta. Os contrastes entre o foco da força e da missão também alimentaram tensões entre os pilares. Embora houvesse a intenção de integrar a inteligência da força à inteligência estratégica da missão, a lacuna entre as duas exacerbou as tensões profissionais.

O foco nos conceitos etéreos foi agravado pela granularidade inadequada das informações. Do ponto de vista do nível estratégico da missão, os materiais de informação fornecidos à liderança eram de “um nível básico demais e, portanto, não eram úteis” para os comandantes.19 Em geral, a comunidade analítica tinha “uma compreensão muito superficial do conflito” no Mali.20 A falta de coerência na missão também impedia que informações relevantes e aproveitáveis chegassem ao comando da força; “era o foco errado”, e os provedores de inteligência “não compreendiam” para que a informação serviria quanto à “tomada de decisão e, portanto, a parte diretiva no início era absolutamente crucial, para acertar isso”.21 Acertar era uma tarefa complexa, inibida pela geografia do país, pelos recursos organizacionais e pelos obstáculos culturais.

As personalidades também eram importantes. O estilo de comunicação, a receptividade, a conexão e a perspectiva influenciavam a dinâmica da comunicação. Tudo se resumia aos relacionamentos humanos, repetidamente. Esses relacionamentos tiveram altos e baixos. Havia dificuldades em estabelecer memória institucional devido à presença de várias nacionalidades, tendo em vista que as personalidades frequentemente contrastantes e a natureza transitória e frágil do conhecimento gerado na missão se assemelhavam à construção de castelos de areia: era um processo demorado, instável e que precisava ser refeito a cada nova leva de pessoal.

Além disso, era necessário criar um processo que sobrevivesse à rotatividade de pessoas. Na prática, a retenção do conhecimento institucional era inadequada para a escala e o escopo da missão. Altas taxas de perda de pessoal geram efeitos óbvios e pronunciados. Há perda de habilidades e experiência, desorganização nas operações durante as transições, impactos negativos sobre o moral e desafios para a liderança na gestão do efeito cascata associado. O resultado inevitável da alta rotatividade era que a liderança se concentrava em questões de pessoal e, portanto, perdia de vista os objetivos estratégicos. O problema não é exclusivo da assistência à segurança no Mali e continua a prejudicar a eficácia dos desdobramentos.22

O desenvolvimento da conexão entre o pessoal civil e o militar na MINUSMA também foi inibido pelos curtos rodízios das forças europeias, normalmente de seis meses, que “não eram sérias”, pois não tinham tempo suficiente no terreno para compreender o ambiente operacional e estabelecer relacionamentos sólidos dentro da missão da ONU e com os parceiros internacionais.23 Esses desdobramentos militares abreviados, vistos pelo lado civil da missão, pintam um quadro desanimador:

As Forças Armadas querem se envolver com todos. Porém, o lado civil começa a se cansar, assim como os moradores locais, de ter um novo ponto de contato militar com quem se comunicar a cada seis meses, que é muito ambicioso e acredita que causará um grande impacto. Mas o lado civil precisava avaliar quanto tempo deveriam realmente investir nessa interação. Então, há uma incompetência embutida institucionalmente no sistema militar.24

O envolvimento militar em uma região é geralmente episódico e efêmero, e a presença civil costuma ser de longo prazo, de modo que “há um problema real em termos de troca de informação com as forças armadas, pois estão em um processo de aprendizado e geralmente não falam o idioma local: em termos de rodízio, o que sempre acontece com todas essas intervenções é que temos uma lacuna real entre os recursos e a ambição”.25 No final, era um desdobramento militar tanto político quanto técnico, pois “não era realmente a força que era necessária no local. Era a força que era necessário enviar”.26

Sensibilidades nacionais

O Mali tem mais do que o dobro do tamanho da França. Percorrer essa geografia gerou problemas logísticos e de sustentação na assistência à segurança, com uma base em Gao, no nordeste do Mali, sede da operação militar francesa Barkhane e é considerada primus inter pares entre os escritórios de campanha da missão da ONU no país. A base de Gao ficava a aproximadamente mil quilômetros da capital, Bamako, e a insegurança regional impedia o aumento do pessoal civil no local.

Além disso, a sincronização eficaz dos esforços em Gao era dificultada por uma estrutura organizacional discordante. Por exemplo, a Força-Tarefa alemã de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento recebia ordens diretamente do comando de forças em Bamako.27 Isso criou uma estrutura paralela às forças setoriais de emprego geral em Gao, que estavam sob o comandante de forças setoriais. A presença de um chefe de missão de setor em Gao significava que, na prática, havia três chefes de missão em pé de igualdade: o chefe da missão, o chefe das forças setoriais e o comandante da força-tarefa móvel.

A força-tarefa móvel foi desdobrada no início de 2021 para ampliar o alcance militar em Gao, e o chefe das forças setoriais do local estava subordinado ao comando de força em Bamako. O chefe do setor civil da missão em Gao estava subordinado ao comando da missão da MINUSMA, e não ao comando de forças, resultando em “duas cadeias de comando totalmente distintas que respondiam ao chefe da missão”. Isso criou uma estrutura complicada, gerando diferentes fluxos de informação e, em última análise, “lidaremos com a questão do quanto é possível realizar boas integrações civis-militares nas operações para sempre. Onde quer que se estabeleça um linha divisória, cria-se atrito”.28

O paradoxo da proteção da missão também significava que, embora houvesse um processo bem definido em que a força apoiava as tarefas prioritárias identificadas por civis, na prática, esse processo estava seriamente comprometido porque a força-tarefa móvel muitas vezes privilegiava o apoio às atividades do setor. Não era de sua alçada, dadas as restrições da MINUSMA em Gao em termos de tropas e recursos.29

Na MINUSMA, a diversidade de nações envolvidas gerou restrições nacionais, explícitas ou implícitas, que podiam minar completamente uma missão ou a sua intenção, além de afetar significativamente o compartilhamento da informação. As restrições nacionais são limitações que uma nação participante impõe às atividades de seus militares desdobrados para uma operação multinacional. Essas restrições costumam se manifestar na forma de limitações no compartilhamento da informação com parceiros operacionais específicos, o que, inevitavelmente, limita a flexibilidade, a compreensão mútua e a coordenação no terreno.

Portanto, a capacidade e a vontade das diferentes nações de fazer coisas distintas foram um elemento complicador da missão. Cada força tinha seus próprios limites que não estava disposta a ultrapassar, ou que seus governos nacionais não gostariam que ultrapassassem. Mas nenhuma nação falou sobre quais seriam esses limites, o que representou um enorme obstáculo ao compartilhamento da informação para um comandante da força.30

Em Gao, havia um contingente chinês significativo na MINUSMA, e alguns outros contingentes nacionais não se sentiam à vontade para compartilhar informação devido a tensões de segurança nacional preexistentes. Além desse obstáculo burocrático, havia um obstáculo cultural na força da MINUSMA, caracterizado por um senso implícito de “nós contra eles” em alguns contingentes europeus, agravado pela existência de bases anexas distintas em Gao, como a de Camp Castor.31

No nível individual, as sensibilidades nacionais resultaram em proibições de segurança em relação à tecnologia, de forma a colocar,

ligeiramente, vidas em risco ao limitar as coisas que podemos usar, como tablets e celulares, por medo de uma ameaça nacional de contrainteligência, quando isso, estranhamente, aumenta o risco à vida. Se eu não puder usar meu telefone para registrar minha localização por receio de hacking, posso acabar passando pelo mesmo local duas vezes, o que eleva o risco à vida. Compartilhar esses dados não representa um risco à segurança.32

Os obstáculos linguísticos exacerbavam as limitações de interoperabilidade. Por exemplo, não havia nenhuma expectativa de que os relatórios da força-tarefa móvel chegassem às forças setoriais, nas quais poucos falavam inglês. Havia, portanto, preocupações legítimas e persistentes de que a informação gerada pelas forças da OTAN não era utilizada em seu potencial máximo. E teria sido feito melhor uso da informação se o pilar civil definisse o que faria e obtivesse o apoio da força, em vez de ter a inteligência impulsionando a força na condução das atividades.33

Os recursos de coleta de inteligência que poderiam surgir durante a missão também eram irregulares devido à capacidade. As unidades de campanha eram geralmente de países africanos com recursos insuficientes, e essas unidades geralmente não tinham oficiais de inteligência. A composição da força também era uma questão mais ampla que exigiu uma análise cuidadosa, principalmente com os países da OTAN em comandos de forças e as tropas dos países africanos sofrendo as maiores baixas no terreno. Como observou Peter Albrecht, “a desigualdade dentro da missão dificulta a colaboração e a coordenação entre as unidades africanas e não africanas na MINUSMA. Na maioria das vezes, as unidades operam de maneira relativamente isolada, o que coloca a MINUSMA sob o risco de se tornar uma missão de dois níveis”.34

O frágil ecossistema das organizações internacionais

O compartilhamento da informação entre organizações é essencial à colaboração eficaz, à adaptação eficaz às prioridades e contextos em constante mudança e à alocação eficiente de recursos. A informação também enriquece a consciência sobre o ambiente operacional. No Mali, por exemplo, a comunidade humanitária tinha análises valiosas sobre tendências em setores diversos como segurança alimentar e escassez de água, o que servia de base para a compreensão dos contextos locais. As diversas partes interessadas locais com as quais a comunidade humanitária interagia podiam oferecer perspectivas importantes e detalhes granulares sobre questões que poderiam fundamentar os processos de planejamento de vários atores.

Representantes civis de uma equipe da MINUSMA

No entanto, no Mali, havia atrito constante entre as organizações devido ao desalinhamento, percebido ou real, dos objetivos, impedindo continuamente o compartilhamento da informação. Embora as prioridades da MINUSMA incluíssem a proteção de civis e a criação de um ambiente propício à assistência humanitária, a comunidade humanitária manifestou resistência e não queria se associar à missão, que era vista por várias partes interessadas, incluindo outros grupos envolvidos no conflito, como uma parte ativa do próprio conflito.35

O desconforto na comunidade humanitária variou entre o pragmático e o baseado em princípios. Um exemplo pragmático foi o contato com membros da população cujos traumas mais recentes haviam, muitas vezes, sido causados por homens fardados e armados. Um exemplo de desconforto baseado em princípios foi a dificuldade em se manter independente, neutro e imparcial e, ao mesmo tempo, apoiar alguns dos mandatos da missão, como o retorno do Estado e a utilização de todos os meios necessários para alcançar os objetivos.36

No entanto, o acesso humanitário era um dos principais mandatos da missão, mas a compreensão sobre esse assunto era bastante vaga. A comunicação foi prejudicada pela percepção de pessoas externas à missão de que era difícil obter informação útil junto à MINUSMA. Havia a percepção de que os funcionários da missão estavam presos às regras e não se sentiam à vontade para compartilhar informação fora dos processos formais, mas esses processos eram essenciais para manter um certo nível de coerência organizacional.37

O conjunto de organizações internacionais presentes no Mali era um ecossistema interconectado. A saúde desse ecossistema foi claramente ameaçada pelas limitações no compartilhamento da informação, que minaram a confiança e dificultaram a colaboração. Quando dados relevantes não eram compartilhados, os pontos fortes e os recursos de cada organização não podiam ser aproveitados para estabelecer parcerias que gerassem o tão necessário consenso entre os atores internacionais no terreno no Mali. Sem esse consenso, a tentativa de abordar as múltiplas questões econômicas, políticas e sociais no Mali permaneceu um mosaico de atividades que muitas vezes competiam entre si e que existiam em um clima inquietante de desconfiança.

Um desalinhamento crítico surgiu da neutralidade da comunidade humanitária. Na prática, isso significou que ela considerava que muitas atividades da MINUSMA conflitavam com seu próprio mandato, resultando em “contestações contínuas”.38 Essa animosidade entre a missão e a comunidade humanitária no Mali destaca um equívoco comum nas organizações militares, que dificulta a compreensão do ambiente operacional. O engajamento civil-militar pode muitas vezes levar o pensamento militar a conceituar erroneamente os atores civis como um conjunto de organizações que formam um todo monolítico e unificado.

Havia também a mentalidade de que o componente militar da missão era a missão em si. Em outras palavras, as Forças Armadas costumavam perceber a MINUSMA como uma resposta militar a um problema de segurança cinético, em vez de se verem como facilitadores de um esforço liderado por civis. No Mali, a parte militar internacional constituinte era pequena em comparação com o vasto setor civil internacional. E esse amplo setor civil se distinguiria dentre as organizações da ONU e outros doadores ao buscar objetivos diferentes e com ciclos de financiamento distintos.39

Embora houvesse coordenação entre as forças francesas e o comando de força da MINUSMA, facilitada pelos oficiais franceses na missão, a comunicação no nível operacional estava predominantemente focada no desconflito, em vez de na coordenação, e o compartilhamento da informação era de caráter apenas funcional.40 As sensibilidades em torno do processamento de alvos no nível operacional eram marcantes e complexas. Na visão de um funcionário da inteligência da MINUSMA, havia uma necessidade urgente de elaborar uma política de compartilhamento da informação que definisse as políticas e os processos para qualquer troca, “porque uma das questões é a agregação de dados. Se esses dados forem agregados e compartilhados, a ONU pode ser responsabilizada por fornecer informação de processamento de alvos a um ator externo, como a [força militar francesa] Barkhane”.41

O soldado chinês Chang Shifeng

A dinâmica complexa entre as forças francesas e a MINUSMA oferece insights sobre as dificuldades das forças paralelas atuando no Mali com prioridades diferentes. A comunicação, a coordenação e o desconflito eram requisitos constantes, porém tiveram diferentes graus de eficácia. Esses problemas são característicos de tais desdobramentos. As operações em ambientes operacionais voláteis “confundem” a “divisão do trabalho” entre as forças internacionais de assistência à segurança, “e seus objetivos já entraram em conflito algumas vezes. Isso levanta a questão de se eles são parceiros ou concorrentes”.42 Mesmo nas operações nacionais, houve atrito devido à indefinição na divisão do trabalho. Por exemplo, a cultura militar de classificação excessiva tem sido, e ainda é, um problema sistêmico, especialmente em missões multinacionais e em contextos em que as forças militares precisam inserir seus esforços nos processos liderados por civis.

Os diversos elementos móveis dos esforços paralelos de assistência internacional geraram atritos duradouros que se mostraram insuperáveis ao longo da missão da ONU no Mali. Uma década após a insurgência do norte ter levado as forças francesas e uma missão da ONU ao país, a crescente antipatia em relação ao envolvimento internacional resultou na retirada dessas forças, encerrando um capítulo complexo e desanimador da história do Mali. À medida que o quadro de segurança se deteriora, surgem inevitavelmente perguntas desconcertantes sobre por que os esforços e recursos dedicados aos problemas sobrepostos no local fracassaram em relação a muitos objetivos. Embora representem um elemento pequeno e frequentemente negligenciado das forças internacionais de assistência à segurança, os desafios relacionados ao compartilhamento da informação dificultaram as operações no Mali. Sob a sombra das inconsistências estratégicas, os efeitos em cascata desses desafios foram sentidos ao longo de todo o desdobramento da missão da ONU.

Conclusão

Existem limites para os efeitos que o compartilhamento da informação pode ter em um ambiente operacional complexo. Este artigo não sugere que a redução das limitações ao compartilhamento automaticamente resultaria em um entendimento comum e unidade de propósito entre um universo de atores, cujos recursos, escopo e ambições no Mali eram variados e, por vezes, conflitantes. Pode-se questionar a validade das operações de manutenção da paz em um ambiente em que, sem dúvida, havia pouca paz a ser mantida. No entanto, as questões sobrepostas de incoerência estratégica, desafios logísticos, culturas conflitantes e sensibilidades nacionais criaram obstáculos ao compartilhamento da informação. Porém, é importante contextualizar essas questões à luz da magnitude dos desafios enfrentados pelas forças internacionais de assistência à segurança no Mali.

Os insights levam a implicações políticas. Em primeiro lugar, as conversas entre civis e militares devem ter alta prioridade, e as relações principais entre as partes interessadas devem ser estabelecidas de forma ágil. Em segundo lugar, para reter e desenvolver o conhecimento institucional diante de rodízios frequentes, é fundamental implementar desdobramentos prolongados no topo das hierarquias militares, com comandantes de setor, oficiais de estado-maior e comandantes de batalhão permanecendo no posto por mais de 12 meses. Em terceiro lugar, os canais de compartilhamento da informação entre os atores nacionais devem ser coordenados por meio de doutrina a fim de contornar as sensibilidades nacionais. Além disso, a integração sistemática de oficiais entre parceiros, especialmente em seções de inteligência, pode aliviar muitos problemas de interoperabilidade, em que sistemas heterogêneos têm agido como barreiras, melhorando assim os fluxos da informação. Por fim, compreender, reconhecer e considerar as diferentes percepções sobre os problemas de segurança em um ambiente operacional pode facilitar o trânsito entre personalidades na divisão civil-militar.

As opiniões expressas aqui são do autor e não refletem uma política ou posição oficial da Universidade de Defesa Nacional, do Departamento de Defesa dos EUA ou do governo dos EUA.


Referências

 

  1. David Nordli e Morten Lindboe, Intelligence in United Nations Peace Operations: A Case Study of the All Sources Information Fusion Unit in MINUSMA (Oslo, NO: Norwegian Defence Research Establishment and the Norwegian Defence International Centre, 2017), https://fhs.brage.unit.no/fhs-xmlui/handle/11250/2437758; Paul D. Williams, “How Peacekeepers Fight: Assessing Combat Effectiveness in United Nations Peace Operations”, Security Studies 32, no. 1 (2023): p. 32-65, https://doi.org/10.1080/09636412.2023.2178965.
  2. Bruno Charbonneau, The Dilemmas of International Intervention in Mali (Montreal: Université du Québec à Montréal, 2017), p. 13.
  3. Assessor de estabilização, entrevista por telefone com o autor, 3 maio 2023.
  4. Sou grato a Bryce Loidolt por essa observação e por seus comentários em uma versão anterior.
  5. Alexandra Novosseloff e Lisa Sharland, “Partners and Competitors: Forces Operating in Parallel to UN Peace Operations”, International Peace Institute, 4 November 2019, https://www.ipinst.org/2019/11/partners-and-competitors-forces-operating-in-parallel-to-un-peace-operations.
  6. Oficial do Exército Britânico, entrevista com o autor, 14 fev. 2023; assessor civil britânico, entrevista por telefone com o autor, 25 maio 2023.
  7. Thibault Ricci, “The Timely Withdrawal: The French-led Multinational Defence and Security Nexus in Sahel”, UK Joint Services Command and Staff College, 2022, p. 12.
  8. Oficial do Exército Britânico, entrevista; assessor civil britânico, entrevista por telefone.
  9. Ex-oficial de inteligência, entrevista por telefone com o autor, 30 maio 2023; oficial do Exército Britânico, entrevista.
  10. United Nations (UN), Policy: Peacekeeping-Intelligence (New York: UN Department of Peace Operations, 1 May 2019), p. 2.
  11. Ibid., p. 4.
  12. Ibid., p. 10.
  13. Sebastiaan Rietjens e A. Walter Dorn, “The Evolution of Peacekeeping Intelligence: The UN’s Laboratory in Mali”, in Perspectives on Military Intelligence from the First World War to Mali, ed. F. Baudet et al. (The Hague, NL: Asser Press, 2017), p. 197-219. Há uma variação na literatura entre o uso de “All Source Information Fusion Unit” e “All Sources Information Fusion Unit”.
  14. Ex-oficial de inteligência, entrevista por telefone; ex-oficial de inteligência da MINUSMA, entrevista por telefone com o autor, 21 mar. 2023; Kees Garos, “The All Source Information Fusion Unit: A New Phenomenon in UN Intelligence” (tese de mestrado, Dutch Master Academy, 30 April 2015), p. 28.
  15. Allard Duursma, “Information Processing Challenges in Peacekeeping Operations: A Case Study on Peacekeeping Information Collection Efforts in Mali”, International Peacekeeping 25, no. 3 (2018): p. 447, https://doi.org/10.1080/13533312.2018.1446757; Chiara Ruffa e Sebastiaan Rietjens, “Meaning Making in Peacekeeping Missions: Mandate Interpretation and Multinational Collaboration in the UN Mission in Mali”, European Journal of International Relations 29, no. 1 (2023): p. 53-78, https://doi.org/10.1177/13540661221104757.
  16. Sebastiaan Rietjens e Erik de Waard, “UN Peacekeeping Intelligence: The ASIFU Experiment”, International Journal of Intelligence and CounterIntelligence 30, no. 3 (2017): p. 532-56, https://doi.org/10.1080/08850607.2017.1297108.
  17. Ex-oficial de inteligência da MINUSMA, entrevista por telefone.
  18. Ibid.
  19. Ex-oficial do Comando de Força da MINUSMA, entrevista por telefone.
  20. Ibid.
  21. Ibid.
  22. Christopher Sims, The Human Terrain System: Operationally Relevant Social Science in Iraq and Afghanistan (Carlisle, PA: U.S. Army War College Press, 2015), p. 348-51.
  23. Ex-oficial do Comando de Força da MINUSMA, entrevista por telefone.
  24. Assessor de estabilização, entrevista por telefone.
  25. Ibid.
  26. Ibid.
  27. Elin Hellquist, Mobility in United Nations Peacekeeping: Lessons from MINUSMA’s Mobile Task Force (Stockholm: Swedish Defence Research Agency, June 2023), p. 23, https://www.foi.se/rest-api/report/FOI-R--5470--SE.
  28. Oficial de infantaria do Exército Britânico, entrevista com o autor, 22 mar 2023.
  29. Assessor do Reino Unido para a MINUSMA, entrevista por telefone com o autor, 19 maio 2023; oficial de infantaria do Exército Britânico, entrevista; Hellquist, Mobility in United Nations Peacekeeping.
  30. Ex-oficial do Comando de Força da MINUSMA, entrevista por telefone.
  31. Assessor do Reino Unido para a MINUSMA, entrevista por telefone; assessor civil britânico, entrevista por telefone; veja também Novosseloff e Sharland, “Partners and Competitors”, p. 16.
  32. Oficial do Exército Britânico, entrevista.
  33. Oficial de infantaria do Exército Britânico, entrevista, Ex-oficial do Comando de Força da MINUSMA, entrevista por telefone.
  34. Peter Albrecht, Signe Marie Cold-Ravnkild, e Rikke Haugegaard, African Peacekeepers in Mali (Copenhagen: Danish Institute for International Studies, 2017), p. 9, https://pure.diis.dk/ws/files/762381/DIIS_RP_2017_2_WEB.pdf.
  35. Melanie Sauter, “Humanitarian-Peacekeeping Tensions in UN Missions in Africa”, Geneva Centre for Security Policy, 8 December 2022, https://www.gcsp.ch/publications/humanitarian-peacekeeping-tensions-un-missions-africa.
  36. Assessor de estabilização, entrevista por telefone.
  37. Ex-oficial de inteligência, entrevista por telefone. Assessor civil britânico, entrevista por telefone.
  38. Andrea Steinke, The Triple Nexus in Mali: Coordination, Securitisation and Blurred Lines (Berlin: Center for Humanitarian Action, March 2021), p. 14, https://www.chaberlin.org/en/publications/the-triple-nexus-in-mali-coordination-securitisation-and-blurred-lines/.
  39. Assessor de estabilização, entrevista por telefone.
  40. Oficial de infantaria do Exército Britânico, entrevista. Ex-oficial do Comando de Força da MINUSMA, entrevista por telefone.
  41. Ex-oficial de inteligência da MINUSMA, entrevista por telefone.
  42. Novosseloff e Sharland, “Partners and Competitors”, p. 1.

 

Christopher Sims, Ph.D., é pesquisador visitante do Institute for National Strategic Studies da National Defense University dos EUA e bolsista do departamento de Estudos de Guerra de King’s College London.

 

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