Military Review

 

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Transformação contínua

 

Gen Ex James E. Rainey, Exército dos EUA

 

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Integrantes do 1 Batalhão de Efeitos em Múltiplos Domínios treinam em 13 de fevereiro de 2023, em Fort Huachuca, no estado do Arizona

Nota do editor: O artigo apresentado nesta edição da Military Review é uma combinação de três artigos do Gen Ex James E. Rainey, que, originalmente, foram publicados exclusivamente on-line no site da Army University Press em https://www.armyupress.army.mil/Journals/Military-Review/Online-Exclusive/2024-OLE/.

 

Aprendemos muitas lições [...] uma das coisas que queremos começar a fazer é a transformação no contato, para que possamos começar a buscar algumas dessas mudanças quase imediatamente.

—Gen Ex Randy George, 5 de fevereiro de 2024

 

Parte I: Transformação no contato

Nosso país e seus aliados estão competindo com adversários determinados em um período de mudanças tecnológicas sem precedentes. Para garantir nossa segurança, precisamos reconhecer as mudanças e nos adaptar mais rapidamente do que qualquer exército no mundo. Não estamos nos preparando para uma luta futura teórica. A luta pela vantagem é agora.

Antes de indagarmos de que forma a guerra está mudando, devemos fazer um balanço do que não está mudando. Primeiro, como a guerra é um esforço humano, as pessoas são o que mais importa. Segundo, as pessoas vivem em terra. Portanto, os exércitos devem ser capazes de tomar e manter terras. Quando isso acontece, o combate aproximado é inevitável. Isso significa que a capacidade de se aproximar e destruir o inimigo em terra é decisiva. Terceiro, as guerras são imprevisíveis. Ninguém pode garantir que uma guerra será curta ou que não haverá uma escalada. Por fim, os Estados Unidos da América (EUA) respeitam o Direito dos Conflitos Armados. Devemos construir nossa Força de maneira condizente com isso.

Ao mesmo tempo, as tecnologias civis e militares estão mudando em um ritmo não observado desde antes da Segunda Guerra Mundial. Como os exércitos se adaptam, as novas tecnologias raramente são decisivas na forma que as pessoas preveem.1 Mas são disruptivas, pois mudam a maneira como as forças militares operam, se organizam e se equipam.

À medida que a tecnologia torna a guerra mais complexa, a diferença entre exércitos qualificados e não qualificados se torna mais pronunciada. O verdadeiro impacto da tecnologia será o aumento da penalização dos comandantes não qualificados e das formações não treinadas. Não se adaptar trará consequências graves.

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Temos apenas um Exército. A transformação é desafiadora porque temos apenas um Exército. Esse Exército deve, simultaneamente, conduzir as operações correntes, produzir forças prontas e se transformar. Os esforços de transformação são direcionados para três períodos: capacidades de que precisamos em menos de 24 meses, capacidades de que precisamos em aproximadamente dois a sete anos — prazo para o planejamento do orçamento da defesa — e capacidades para um futuro mais longínquo (veja a Figura 1). Os três períodos estão inextricavelmente inter-relacionados, pois as decisões sobre um têm implicações para os outros.

Nesse contexto, capacidade é a habilidade de fazer algo no campo de batalha.2 Isso requer pessoas organizadas, treinadas e equipadas para esse fim. Portanto, a tecnologia não é uma capacidade por si só. As capacidades vêm das formações, e desenvolver uma nova capacidade requer ação envolvendo doutrina, organização, treinamento, material, liderança e instrução, pessoal, instalações e políticas (DOTMLPF-P, na sigla em inglês).NT1

NT1: Comparar com DOAMEPI, no Exército Brasileiro, que corresponde a doutrina, organização, adestramento, material, educação, pessoal e infraestrutura.

A transformação do Exército começa com unidades operacionais se transformando no contato, resolvendo problemas e aproveitando oportunidades hoje. Também depende da transformação deliberada — esforços geridos por processos no âmbito do Exército para disponibilizar o Exército de que precisamos dentro do horizonte de tempo da programação da defesa. Tudo isso ocorre no contexto da transformação baseada em conceitos, que é a visão de longo prazo descrita no conceito emergente de combate do Exército.

Requisitos flexíveis e agilidade fiscal. O principal obstáculo à transformação no contato é programático. O Exército leva cerca de dois anos para aprovar um requisito e alocar verbas no orçamento para um novo sistema, mesmo para tecnologias existentes. Mas o Exército se apoia cada vez mais na robótica habilitada por IA e outras tecnologias que evoluem muito mais rapidamente do que isso. Como ponto de referência, nos primeiros dois anos após a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, a guerra com drones passou por quatro gerações de evolução, à medida que as táticas e as tecnologias mudavam.3

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Em alguns casos, quando documentamos o requisito de uma capacidade, a única coisa que sabemos com certeza é que o que precisaremos em dois anos será diferente. O resultado é que precisamos financiar os requisitos antes de entendê-los completamente. Mais tarde, quando entendermos completamente o requisito, será tarde demais para mudar o que financiamos (veja a Figura 2).

Nossa falta de agilidade fiscal decorre principalmente da burocracia necessária — processos criteriosos que conferem tempo para consulta entre as partes interessadas do Exército, revisão em níveis mais elevados e supervisão do Congresso. Mas o Exército deve ser capaz de integrar uma tecnologia atual em uma unidade operacional em menos de 24 meses. Durante guerras, isso exigirá uma velocidade ainda maior. Podemos desenvolver essa capacidade no Exército agora. Isso começa pela mudança na forma de pensar sobre como redigimos os requisitos e financiamos os programas.

Uma ilustração. O leitor de música iPod foi um dos produtos eletrônicos de consumo de maior sucesso já vendidos. Porém, oito anos após a primeira venda, os smartphones já estavam tornando-os obsoletos. E se isso fosse uma tecnologia de combate? Quando o Exército aprovasse e financiasse o requisito e concluísse o esforço plurianual necessário para desenvolver, testar e começar a implantar uma versão de nível militar do sistema, ele já estaria a caminho da obsolescência. Alguns militares talvez já estejam usando uma solução comercial melhor em suas casas.

Nesse cenário, o Exército teria duas opções ruins. Poderíamos continuar comprando sistemas que ficariam obsoletos antes de serem totalmente implantados ou poderíamos cancelar contratos com parceiros na indústria e não dar nada aos soldados enquanto analisamos um novo requisito seguindo o processo. Não poderíamos adaptar com agilidade um programa de aquisição baseado em um requisito de um leitor de música para um sistema tão diferente quanto um smartphone. Os documentos de requisitos do Exército não são escritos de forma tão genérica. O mesmo se aplica aos documentos de financiamento ou aos acordos de contratação (terceirização) correlatos.

Um smartphone é uma ferramenta completamente diferente de um leitor de música. Um requisito que pudesse comportar ambos poderia ser problemático. No entanto, em um momento em que táticas e tecnologias evoluem rapidamente, o Exército precisa ser capaz de desenvolver capacidades sem reiniciar o processo.

Você recebe o que pede. A solução é desenvolver documentos de requisitos para uma capacidade em vez de um tipo específico de sistema e gerenciar o financiamento do programa da mesma forma.4 Era isso que Mike Brown, então Diretor da Unidade de Inovação em Defesa (Defense Innovation Unit), estava discutindo durante depoimento perante o Congresso em abril de 2022, quando propôs uma abordagem de capability of recordNT2 para sistemas como pequenos drones.5 Em seu relatório de janeiro de 2024 publicado pelo Atlantic Council, a recomendação número um da Comissão sobre Adoção de Inovação em Defesa (Commission on Defense Innovation Adoption) foi semelhante. Recomendou-se um teste piloto de um “modelo de portfólio de capacidades”.6 Se nos comunicarmos bem com o Congresso, o Exército pode fazer isso agora.

NT2: Veja “Statement of Michael Brown, Director, Defense Innovation Unit, Before the Senate Armed Services Committee, Subcommittee on Emerging Threats and Capabilities on Accelerating Innovation for The Warfighter,” April 6, 2022, https://www.armed-services.senate.gov/imo/media/doc/WRITTEN%20STATEMENT_DIU%20Director%20for%20SASC%20ETC%20Hearing%20on%20Accelerating%20Inno....pdf. Segundo Michael Brown, uma capability of record corresponderia, no contexto de aquisições, a casos em que a “necessidade da capacidade é contínua”. Afirma ainda: “Com esse orçamento contínuo, o Departamento de Defesa pode avaliar a capacidade de forma mais contínua, escolher o melhor fornecedor em um determinado momento e atualizar essa capacidade com uma frequência que corresponda aos ciclos de produtos comerciais”. Michael Brown contrasta a capability of record com o conceito de program of record, o qual “reflete um requisito rígido e, geralmente, um único fornecedor”.

Aumentar nossa agilidade fiscal também aumentará a velocidade de obtenção de capital para pequenas e médias empresas, de cuja ajuda precisamos. Há 60 anos, dois terços da pesquisa e desenvolvimento dos EUA eram financiados pelo governo federal.7 Hoje, é apenas um quinto, e muitas tecnologias de que precisamos estão se desenvolvendo mais rapidamente na esfera comercial. As primes da defesa construíram seus modelos de negócios em torno dos processos do Departamento de Defesa pois criam produtos que somente o Departamento de Defesa compra.NT3 No futuro, o Exército dependerá cada vez mais de empresas que tradicionalmente não fazem e nem precisam fazer negócios com o governo. Não podemos dizer a essas empresas menores que precisamos de sua tecnologia, mas não podemos pagar por dois anos ou mais. Estão se movendo rápido demais.

NT3: Primes, ou prime contractors, são empresas que mantêm relação contratual direta com o governo.

No entanto, a agilidade não é adequada para tudo. Quando o Exército precisa desenvolver e fabricar um grande sistema que não existe no mercado comercial, como um carro de combate, o requisito não pode ser vago ou mudar com frequência. Esses sistemas exigem anos de desenvolvimento e grandes investimentos de capital pelo setor. O sucesso exige requisitos estáveis e financiamento previsível. A abordagem ágil e focada na capacidade é adequada para parcelas menores de sistemas de custo mais baixo que têm uma taxa de atualização tecnológica rápida e sem grandes implicações no modelo DOTMLPF-P.8

A perfeição é inimiga do suficientemente bom. Em muitos casos, permitimos que o aspiracional atrapalhe o factível. Há tecnologias que seriam úteis em nossas formações neste momento, mas ainda não estão implantadas porque estamos esperando até que possam fazer ainda mais. Novas tecnologias com potencial revolucionário deveriam estar em unidades operacionais assim que se tornassem úteis, mesmo que apenas em pequenas quantidades de produtos minimamente viáveis. Isso acelera o desenvolvimento da tecnologia, mas também nos permite aprender a como melhor empregá-la e como adaptar nossas formações e treinamento adequadamente. Mais importante ainda, dá aos comandantes experiência no uso da tecnologia à medida que esta evolui.

Sargento de pelotão de robótica e sistemas autônomos da Companhia Alpha

Podemos extrair uma lição do desenvolvimento da aviação militar. O primeiro avião militar do mundo foi o Wright Military Flyer, adquirido pelo Exército dos EUA em 1909.9 Outros 20 anos passariam até que os aviões tivessem alcance e carga útil para começar a atingir todo o seu potencial. Mas o Exército não esperou até que os aviões pudessem afundar navios de guerra para começar a distribuí-los. Distribuímos quantidades significativas para funções limitadas, como reconhecimento. Isso desenvolveu a base industrial da aviação militar e serviu de base para os futuros requisitos. Também garantiu que, na década de 1930, o Exército tivesse uma geração de oficiais que cresceu usando a tecnologia.

Hoje, estamos em uma situação parecida com os sistemas robóticos habilitados por IA. Ainda faltam anos para que uma viatura não tripulada consiga acompanhar um carro de combate Abrams atravessando o país a toda velocidade. E não vamos usar um robô como Ranger tão cedo. Mas podemos fazer bom uso de sistemas não tripulados como parte de formações integradas homem-máquina neste ano.

Pense grande, comece pequeno e avance rapidamente. A transformação baseada na formação direciona o desenvolvimento de capacidades em termos de como as pessoas são organizadas, treinadas e equipadas — como uma solução holística — em vez de direcioná-lo em função dos equipamentos e depois considerar as outras implicações da mudança para o DOTMLPF-P. A melhor maneira de fazer isso é posicionar sistemas de ponta diretamente em nossas formações de combate, onde podem ser úteis aos soldados hoje e amadurecer no laboratório do mundo real.

Se um sistema for seguro e, na avaliação dos comandantes de escalão companhia encarregados dele, útil o suficiente para compensar o trabalho de tê-lo, é um candidato à implantação — pelo menos em algumas brigadas. O que as unidades aprendem servirá de base para como as formações serão organizadas, treinadas e equipadas apenas alguns anos mais tarde. O Exército está fazendo isso agora, permitindo que unidades operacionais adquiram equipamentos comerciais prontos para o uso e experimentem combinações inovadoras de tática e tecnologia. Hoje, a prioridade é simplificar as redes de comando e controle (C2) de nossas formações de combate e colocar no terreno formações integradas homem-máquina.

Soldados designados para o 1o Batalhão, 29o Regimento de Infantaria, aquartelados em Fort Moore, Geórgia (Benning), participam de demonstração de integração homem-máquina usando o Ghost Robotic Dog e o Small Multipurpose Equipment Transport (SMET) durante o Project Convergence–Capstone 4, em Fort Irwin, Califórnia, em 15 de março de 2024

A rede de C2 é essencial para tudo o que fazemos no campo de batalha. O primeiro passo para melhorar a rede é reduzir a complexidade dos sistemas atualmente implantados em formações de combate. Estamos fazendo isso agora, otimizando as redes de C2 para reduzir a sobrecarga dos escalões subordinados e garantir a compatibilidade em todo o Exército. Para estarmos prontos para 2030 e além, precisamos migrar para um sistema de combate de C2 centrado em software, muito diferente do que usamos hoje. O segredo para construir isso será projetar o sistema para evoluir continuamente e colocá-lo em unidades operacionais para que combatentes e engenheiros possam desenvolvê-lo juntos e de forma iterativa.

A Secretária do Exército anunciou a iniciativa de formações integradas homem-máquina do Exército em outubro de 2023, dizendo:

[N]ós estamos iniciando uma nova iniciativa de Formações Integradas Homem-Máquina. Essas formações integradas colocarão sistemas robóticos nas unidades junto a seres humanos, com o objetivo de usarmos sempre robôs, e não soldados, para fazer o primeiro contato com o inimigo. Isso transferirá parte do trabalho para os robôs, para que os soldados possam fazer o que só os seres humanos conseguem: tomar decisões baseadas em valores, aceitar riscos e praticar a arte do comando.10

A integração homem-máquina está combinando pessoas com sistemas não tripulados — terrestres e aéreos — de maneiras que empregam ambos de forma otimizada. O objetivo não é substituir soldados por máquinas, mas transferir riscos e trabalho para as máquinas, para que os soldados possam fazer o que apenas as pessoas conseguem. Isso inclui exercer o discernimento e a tomada de decisão ética, e praticar a arte do comando.11

Soldados designados para o 3o Pelotão, Bateria Alpha, 1o Batalhão de Fogos de Longo Alcance, 1a Força-Tarefa em Múltiplos Domínios

O Exército desenvolverá formações integradas homem-máquina colocando capacidades em unidades operacionais e aprendendo e atualizando requisitos em tempo real. Enquanto a versão 1.0 está em uma brigada de combate, a versão 2.0 pode estar em fase de teste com a unidade de forças adversárias no Centro Nacional de Treinamento (National Training Center). Enquanto isso, a versão 3.0 pode estar em fase de experimentação no terreno no Centro de Excelência de Manobra (Maneuver Center of Excellence), e a versão 4.0 pode estar na mesa de desenho. Tudo isso será uma colaboração entre cientistas e engenheiros do Exército, parceiros da indústria, gerentes de programas de aquisição, desenvolvedores de capacidades e unidades operacionais. O resultado será uma solução de DOTMLPF-P completa e em constante aperfeiçoamento, que integra tecnologia de ponta rapidamente e descarta ideias ruins com a mesma rapidez.

O Exército pode fazer isso porque escreveremos documentos de requisitos para capacidades em vez de tipos específicos de sistemas, financiaremos por portfólio de capacidades e manteremos o esforço de implantação em uma escala gerenciável. Isso significa implantar em pequenas parcelas, de forma iterativa, raramente distribuindo um sistema para todo o Exército. Isso também abrirá a concorrência para empresas menores que são estruturadas para entregar rapidamente reprojetos de engenharia — empresas que querem vender mais do que alguns protótipos, mas não precisam da produção plurianual de sistemas de alto custo para justificar seu investimento em pesquisa e desenvolvimento.

Combinando tudo. Precisamos desenvolver a habilidade de adotar e integrar tecnologias mais rapidamente. Mas novas tecnologias não são transformadoras por si sós. Para explorar totalmente o potencial da tecnologia, precisamos mudar a maneira como operamos, organizamos e nos equipamos com ela. Isso significa considerar todos os elementos do DOTMLPF-P juntos como uma solução holística. A melhor forma de fazer isso é orientar o desenvolvimento de capacidades a partir das formações. Em outras palavras, compramos equipamentos, mas combatemos formações, e a transformação do Exército deve ser baseada na formação.

Por esse motivo, um elemento essencial da transformação no contato é a inovação da unidade: formações de combate usando novas combinações de tática e tecnologia para resolver problemas e criar oportunidades de baixo para cima. Como uma divisão que opera na região do Indo-Pacífico pode simplificar suas redes de comunicação, reduzir postos de comando e se sustentar enquanto está distribuída? Como uma brigada de infantaria operando na Europa pode usar combinações criativas de drones, munições vagantes, foguetes e mísseis guiados de precisão para derrotar um ataque blindado? O que podemos dar agora às nossas formações que operam no Oriente Médio para ajudá-las a se defender contra drones?

Para apoiar a inovação nas unidades, a iniciativa de transformação do Exército precisa ser mais ágil. Podemos realizar isso agora, com os processos atuais, fazendo três coisas. Primeiro, precisamos desenvolver documentos de requisitos para capacidades em vez de tipos específicos de sistemas e financiá-los da mesma forma. Segundo, precisamos implantar quantidades significativas nas unidades operacionais assim que possam ter utilidade. Terceiro, precisamos desenvolver soluções holísticas de DOTMLPF-P de forma iterativa para que essas soluções possam ser atualizadas tão rapidamente quanto suas tecnologias subjacentes. Essa abordagem envolve totalmente a força operacional na transformação do Exército e expande a competição na base industrial.

A transformação no contato não deve ser reativa. Os investimentos que fazemos hoje têm um efeito cascata sobre o futuro, criando algumas opções e excluindo outras. Eles devem estar fundamentados em nossos planos de transformação deliberada e transformação baseada em conceitos. Esses são os tópicos das próximas duas seções deste artigo.

Parte II: Transformação deliberada

A reforma de uma instituição tão grande quanto o nosso Exército é problemática nas melhores circunstâncias [...] Podemos ter analisado [...] e feito algum progresso considerável [...] Mas isso não garante de forma alguma que a mudança ocorrerá ou que será um processo fácil e ordenado.

—Donn Starry, “To Change an Army”, 198312

 

A primeira seção deste artigo abordou de que forma o Exército pode integrar rapidamente novas tecnologias, desenvolvendo capacidades em cronogramas de meses em vez de anos. Esta seção aborda a forma como impulsionamos e gerenciamos mudanças a médio prazo.

Nada publicado em um documento de estratégia do Exército acontece a menos que seja também publicado em uma ordem. E até mesmo o que determinamos em ordens pode não se concretizar se não houver acompanhamento e seguimento. Porém nem o estado-maior mais draconiano seria capaz de impor mudanças a uma organização com o tamanho e a complexidade do nosso Exército. A transformação do Exército envolve ações coordenadas em todos os elementos do DOTMLPF-P.

Foto Sgt. Brahim Douglas, Exército dos EUA

Uma mudança nessa escala envolve todo o Exército. Nenhum líder abaixo dos níveis de Secretário e Chefe do Estado-MaiorNT4 consegue administrar tudo. A realidade é que mudar o Exército exige conquistar companheiros de equipe e obter consenso. A questão não é como impor a mudança, mas como trabalhar em conjunto para alcançá-la.

NT4: Equivalente a Comandante do Exército, no Brasil.

Um novo conceito de combate do Comando de Futuros do Exército (Army Futures Command) não fará diferença no DOTMLPF-P sem que o Comando de Instrução e Doutrina (Training and Doctrine Command, TRADOC) determine como colocá-lo em prática. Um documento de requisito de novos equipamentos é apenas um pedaço de papel até que o comando do Exército financie o requisito e os profissionais de aquisição do Exército comecem a desenvolver o sistema. Precisamos que o Comando de Material Bélico do Exército (Army Materiel Command, AMC) garanta que executaremos os conceitos e requisitos da forma correta, ajude na descontinuação de capacidades antigas e apoie a implantação e a manutenção de novas. E nossos melhores combatentes estão na força operacional — Comando das Forças e comandos componentes do Exército. Se não estiverem no centro do processo, o que dermos a eles não será o que precisam.

Isso exige que as pessoas trabalhem além das fronteiras organizacionais e resolvam problemas em conjunto. Transformação não é uma corrida de revezamento. Não passamos o bastão do redator de conceitos para o desenvolvedor de requisitos, para o designer da organização e para o desenvolvedor de tecnologia. Militares, cientistas, engenheiros, profissionais de aquisição, testes, contratação e outros estão trabalhando juntos o tempo todo. Sem isso, os planos elaborados em uma etapa não serão executáveis nas etapas posteriores, e as mudanças feitas em etapas posteriores prejudicarão as intenções anteriores e os esforços paralelos. As pessoas em funções de liderança e de apoio mudam, mas nenhuma organização realmente detém qualquer parte do fluxo. Gerenciar mudanças em um Exército movimentado, com diversas organizações trabalhando juntas para coordenar mudanças ao longo de todo o DOTMLPF-P, precisa ser um esforço deliberado. Isso começa com a definição do objetivo.

Definindo o objetivo. A maneira de atingir qualquer meta é torná-la específica, definir um prazo e dizer às pessoas como o sucesso será medido. O objetivo de transformação declarado pelo Exército para o período de dois a sete anos — intervalo do planejamento do orçamento da defesa — é finalizar o Exército de 2030.13 Então, o que é o Exército de 2030 e como saberemos quando o teremos finalizado?

Soldados do 2o Batalhão, 263a Artilharia de Defesa Antiaérea, 678a Brigada de Artilharia de Defesa Antiaérea, 263o Comando de Defesa Antiaérea e Antimísseis do Exército

O Exército de 2030 é uma força otimizada para vencer em combates em larga escala em um ambiente de operações em múltiplos domínios.14 É uma meta realista, baseada em uma avaliação lúcida do que o Exército pode alcançar dentro dos limites dos recursos disponíveis, com a tecnologia que estamos confiantes de que conseguiremos implantar até lá. Isso exige não apenas a finalização dos esforços de modernização da assinatura, mas também um esforço coordenado em todo o DOTMLPF-P.

Para o combate em larga escala, nossas divisões precisam de capacidades de artilharia, engenharia e outras no escalão divisão.15 Podemos resolver isso consolidando em formações de escalão divisão os meios existentes atualmente nas brigadas de combate. Isso tem o benefício adicional de aliviar a sobrecarga dessas brigadas. Transferir a complexidade para o escalão divisão libera os comandantes de brigada e seus estados-maiores para se concentrarem nas manobras. Mas também precisamos dar novos meios às divisões, como batalhões de defesa antiaérea.

Enquanto brigadas e divisões se concentram nas manobras terrestres, os comandos dos corpos de exército devem convergir as capacidades terrestres, marítimas, aéreas, espaciais e cibernéticas. Esses corpos de exército devem ser guarnecidos, treinados e equipados para sintetizar grandes quantidades de dados de diversas fontes, integrando sensores, plataformas de armas e sistemas de sustentação do Exército com aqueles de outras Forças Singulares e parceiros de coalizão.

Gerenciar operações de combate em larga escala envolvendo vários corpos de exército e diversas nações requer uma sede que sirva de comando combinado/conjunto do componente terrestre. O Exército dos EUA no Pacífico e o Exército dos EUA na Europa e África devem ter meios para isso. Isso inclui novas brigadas de inteligência controladas pelo teatro de operações, elementos de fogos, brigadas de assistência às forças de segurança e forças-tarefa em múltiplos domínios com o estado-maior, treinamento e equipamento para gerenciá-los.

Poderemos dizer que finalizamos o Exército de 2030 quando as pessoas certas estiverem organizadas nas formações novas ou transformadas, e estiverem equipadas, treinadas e validadas em sua capacidade de executar suas missões de combate. Algumas dessas formações estão sendo construídas do zero, como batalhões de poder de fogo protegido móvel (mobile protected firepower, MPF) e outras forças-tarefa em múltiplos domínios. Outras, como as brigadas de artilharia divisionária, exigem, em sua maior parte, a reorganização das unidades atuais.

Transformando decisões em ação. O Exército dos EUA sabe como montar ou reorganizar uma formação e torná-la pronta para a guerra. Nenhum exército no mundo faz isso melhor. Mas os sistemas que usamos para isso não entram em ação até que aloquemos formalmente os recursos: pessoas, equipamentos e verbas, inclusive para sustentação, instalações e treinamento. O trabalho não começa até que os recursos sejam transferidos no Memorando de Estrutura do Exército (Army Structure Memorandum, ARSTRUC) e Memorando de Objetivo do Programa (Program Objective Memorandum, POM).16

Fazer grandes mudanças no ARSTRUC e no POM pode ser uma tarefa árdua. Na prática, criar ou reorganizar uma formação não se limita a uma decisão apenas. É um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas em fóruns separados, sobre recursos gerenciados em portfólios diferentes. Que unidades perderão pessoal enquanto outras ganharão? Onde as formações ficarão aquarteladas e como disponibilizaremos seu aquartelamento e outras instalações? Investiremos para acelerar a aquisição do novo equipamento? O que alocaremos para nossa iniciativa de manutenção a fim de sustentá-la? Como pagaremos por combustível, munição e outras despesas de treinamento?

Para transformar decisões em ação oportuna, o Exército deve fazer cinco coisas. Primeiro, como fizemos com o Exército de 2030, deve definir o objetivo. Em segundo lugar, como explicaremos depois, deve concentrar-se nas formações, que são a verdadeira fonte de capacidade no campo de batalha. Terceiro, deve contabilizar todos os custos de DOTMLPF-P associados à criação ou alteração dessas formações. Quarto, deve apresentar aos comandantes mais antigos do Exército opções claramente estruturadas em termos de custos, benefícios e riscos. Por fim, deve garantir que as decisões sejam inequívocas, comunicadas de forma clara e executadas de forma contundente.

Foco nas formações. Equipamento, por si só, não é capacidade. Capacidade é a habilidade de fazer algo no campo de batalha.17 Isso requer pessoas organizadas, treinadas e equipadas para isso. Em outras palavras, requer uma formação pronta para o combate. Implantar uma nova capacidade exige sempre ação em diversos elementos do DOTMLPF-P. Muitas vezes, envolve todos eles.

Foram cerca de seis anos desde a aprovação do documento inicial de capacidades do MPF até a concessão de um contrato para a produção inicial do que se tornaria a viatura blindada M10 Booker.18 No início, o Exército teve bastante tempo para decidir se distribuiria o sistema para companhias ou batalhões, onde posicionaria essas unidades e quais qualificações militares guarneceriam as viaturas. No entanto, ao nos aproximarmos da implantação, nos vimos correndo para responder a essas perguntas e alocar recursos. A tartaruga quase alcançou a lebre. Alguns até pensavam que deveríamos desacelerar a implantação. A resposta não era atrasar a entrega do material. Era acelerar o restante do DOTMLPF-P.

No futuro, nada impedirá o Exército de tomar essas decisões nos mesmos fóruns onde decidimos sobre equipamentos. Consideramos o MPF como uma solução de material bélico com implicações no DOTMLPF-P, que deveriam ser tratadas por processos separados do Exército. Se, por outro lado, tivéssemos visto isso como uma solução de DOTMLPF-P com um componente de solução de material, teria sido mais difícil negligenciar o panorama geral. Concentrar-se na formação alcança isso. Quando questionamos como preparar para a guerra a formação que combate com o novo equipamento, o quadro completo do DOTMLPF-P vem à tona imediatamente.

Apresentar o custo totalmente onerado. O Exército é cuidadoso ao estimar o custo para desenvolver e adquirir novo material bélico. Não fazemos isso tão bem para os fatores DOTMLPF-P correspondentes. Os batalhões equipados com o M10 Booker precisam de instalações de manutenção e treinamento. Eles ainda não estão presentes em todos os lugares onde poderiam ser posicionados. Como os custos de construção podem variar muito em função da guarnição, é compreensível que estivéssemos relutantes em alocar verbas para instalações do MPF antes de uma decisão oficial sobre posicionamento. Assim, por um tempo, não houve nenhuma provisão para esse fim no plano orçamentário do Exército para o período de dois a sete anos. Esse era um problema solucionável. Mas houve exemplos semelhantes no DOTMLPF-P para muitas capacidades no fluxo de transformação do Exército, e os custos não visíveis podem se acumular.

Hoje, graças ao trabalho árduo de todos na sede do Exército, no TRADOC e em outras organizações, entendemos os custos associados ao Exército de 2030. Daqui por diante, tornaremos esses custos visíveis aos comandantes mais antigos do Exército mais cedo. Conhecer antecipadamente os custos totais de uma capacidade facilita a implantação. Mas também devem fazer parte do cálculo de custo-benefício quando escolhemos quais capacidades buscar em primeiro lugar.

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Apresentar custos, benefícios e riscos. Os recursos do Exército são finitos. Para investir em uma oportunidade, devemos abrir mão de outra. Portanto, devemos estruturar as opções de investimento claramente em termos do seu custo total de DOTMLPF-P, da utilidade da capacidade no campo de batalha e do risco de não conseguirmos entregá-la. Por um lado, se uma nova capacidade tem grande potencial, mas exigirá pesquisa e desenvolvimento dispendiosos, e também teremos dificuldades para recrutar e treinar soldados suficientes para as formações, esses recursos podem ser mais úteis para o Exército em outra parte. Por outro lado, se uma capacidade é ambiciosa, mas pode ser revolucionária, e o custo de apostar nela é baixo, por que não tentar (veja a Figura 3)?

A maioria dos esforços típicos de modernização do Exército não se enquadram, por si só, em nenhuma das categorias. Em 2017, o Exército decidiu desenvolver sistemas que sabíamos que necessitávamos e que poderíamos, realisticamente, entregar.19 Hoje, alguns foram descartados de forma responsável, mas a maioria está tendo sucesso, o que significa que acabarão competindo por verbas de aquisição entre si e com outras prioridades do Exército. No entanto, considerando cada mudança no DOTMLPF-P necessária para prover a capacidade e sua utilidade no campo de batalha conforme nossa avaliação atualizada do futuro ambiente operacional, algumas capacidades se destacarão.

Um enxame de drones operado pelo Threat System Management Office decola

Avaliar o custo total do DOTMLPF-P de uma nova formação com novos equipamentos, a utilidade dessa formação em diferentes cenários e o risco envolvido caso não consigamos colocá-la em prática é tanto uma ciência quanto uma arte. Mas pode ser feito. Haverá discordância sobre as premissas de planejamento. No entanto, apresentar informações naquela estrutura de custo-benefício mantém o foco do diálogo nas perguntas certas. O estado-maior saberá de quais informações os decisores precisam antes que sejam solicitadas, e o Exército estará mais bem preparado para discussões com a indústria e o Congresso.

Ausência de decisão. A estrutura de força e o orçamento são arenas de competição contínua para as armas, quadros e serviços do Exército e partes de sua burocracia. Por exemplo, as comunidades de infantaria e blindados têm um interesse compreensível nas decisões que afetam os indivíduos, as organizações ou os equipamentos de infantaria e blindados. Os diversos comandos do Exército — e até mesmo as diferentes partes do mesmo comando — têm prioridades diferentes, com base em suas perspectivas e áreas de responsabilidade únicas. Diferentes comunidades se veem como guardiãs de importantes imperativos institucionais. Às vezes, isso faz com que trabalhem com propósitos desarticulados.

Soldado designado para a 3a Brigada de Combate de Infantaria, 25a Divisão de Infantaria, opera um drone para observar movimentos de forças oponentes em South Range

Quando o Exército toma uma decisão difícil sobre modernização ou estrutura de força, isso deve ser documentado e inequívoco. Raramente uma decisão pode ser implementada sem a cooperação entre indivíduos de nível intermediário de diferentes organizações e diretorias de estados-maiores. Se uma decisão parecer provisória, alguns não farão nada. Se não estiver clara, alguns agirão conforme sua própria e melhor interpretação. Isso é ausência de decisão. As pessoas geralmente agem de boa fé — nem sempre sabem que estão deixando de decidir. Como resultado, há atraso e novas deliberações sobre decisões já tomadas, desperdiçando tempo.

Combinando tudo. Dado o tamanho e a complexidade do Exército, o fato de a transformação ser executável é uma prova de que há pessoas incríveis no Exército e dos processos sólidos da Força. Uma vez posta em movimento, nossa máquina de transformação executará. Não devemos esperar pela publicação de um documento anual para iniciar os movimentos necessários. Devemos fazer o oposto: acatar a intenção dos comandantes mais antigos do Exército e agir rápido. Mas o ponto decisivo para mudar o Exército em larga escala é captar integralmente o plano no ARSTRUC e no POM. Estamos fazendo isso ao definir o objetivo, focando nas formações de forma holística, contabilizando todos os custos de DOTMLPF-P, estruturando opções em termos de custos, benefícios e riscos, e garantindo assim que as decisões dos comandantes mais antigos do Exército sejam claramente compreendidas por todos que tenham um papel na implementação.

É assim que o Exército terá êxito na transformação deliberada, fazendo mudanças em todo o DOTMLPF-P para transformar o Exército que temos naquele de que precisamos no médio prazo. A forma como definimos o curso para uma transformação de longo prazo é abordada na última seção: transformação baseada em conceitos.

Parte III: Transformação baseada em conceitos

Se você não gosta de mudanças, gostará ainda menos da irrelevância.

—Gen Eric Shinseki20

 

O foco desta seção é a transformação baseada em conceitos, que apresenta o amplo canal de abordagem das mudanças de longo prazo. As seções anteriores abordam como o Exército gerencia as mudanças no curto e médio prazo — os períodos de transformação no contato e de transformação deliberada.

A visão de longo prazo. O propósito do futuro Conceito de Combate do Exército (Army Warfighting Concept) é impulsionar a transformação da Força.21 Transformação é tudo o que fazemos para converter o Exército que temos naquele de que precisamos, mediante a implementação de mudanças no DOTMLPF-P. Isso envolve todo o Exército, criando um desafio de coordenação. Pessoas de diferentes organizações com foco em horizontes de tempo diferentes estão trabalhando com diferentes processos para resolver problemas inter-relacionados. O Conceito de Combate do Exército propicia a visão comum e de longo prazo que une esses esforços.

Como não podemos prever o futuro perfeitamente, nossa visão de longo prazo não é fixa. O Conceito de Combate do Exército é um documento vivo, baseado em uma estimativa contínua e atualizada do futuro ambiente operacional.22 Esse processo inclui avaliações de inteligência, observação de conflitos em andamento, pesquisa, jogos de guerra, experimentação e inovação por parte de unidades operacionais desdobradas para postos avançados em seu ambiente operacional.

O papel do Exército. O propósito do Exército é a primazia no domínio terrestre. As forças terrestres fazem isso como parte da força conjunta combinada, empregando capacidades marítimas, aéreas, espaciais e cibernéticas no domínio terrestre, ao mesmo tempo que fornecem aos comandantes da força conjunta as capacidades terrestres necessárias para produzir efeitos em outros domínios.

O propósito mais abrangente de todas as forças militares é dissuadir a agressão. Com os recursos, a capacidade e o posicionamento adequados, nossas Forças Armadas fazem com que os adversários questionem se conseguiriam prevalecer pela força. Se isso não funcionar, a missão passa a ser derrotar as forças inimigas no terreno, permitindo uma resolução política favorável aos EUA e seus aliados.

Uma vez que as autoridades políticas tenham empregado forças militares na busca de objetivos políticos, as forças militares precisam vencer algo, ou então não haverá fundamentos para que as autoridades políticas possam negociar para vencer politicamente. Portanto, o propósito das operações militares não pode ser simplesmente evitar a derrota, mas sim vencer.

—Gen Donn Starry23

 

Implicações militares do futuro ambiente operacional. Vivemos em um mundo perigoso, cada vez mais sujeito aos efeitos disruptivos das novas tecnologias. Temos todos os motivos para esperar que até 2030 a China e a Rússia manterão suas vantagens em termos de massa e reserva de armas. Terão também eliminado as lacunas de capacidade que as restringem hoje. Ao mesmo tempo, o Irã, a Coreia do Norte e outros adversários — incluindo atores não estatais com poder militar significativo — impedirão que o Exército se concentre exclusivamente nas maiores ameaças.24

Especialista em sistemas de comunicação de rede do 44o Batalhão Expedicionário de Sinais–Aprimorado, reage a um ataque de enxame de drones durante o exercício Sabre Junction 23, em 11 de setembro de 2023

A combinação de detecção onipresente e ataques de precisão tem implicações significativas para a condução da guerra. A mais óbvia é que isso empurra as atividades de apoio operacional e estratégico — logística, concentração e C2 de escalão superior — para mais longe ou para nós distribuídos. Mas a combinação de detecção com precisão também altera o combate aproximado.25 A densidade de sensores e atuadores — letais e não letais — só aumentará à medida que as forças se aproximarem das linhas avançadas. Os comandantes não conseguirão obter o efeito surpresa pelos mesmos métodos que usam hoje. Tampouco concentrarão forças para o combate aproximado sem estabelecer deliberadamente condições para destruir a capacidade do inimigo de perceber e atacar.26

A precisão continua sendo um contraponto eficaz à massa, mas é um substituto fraco para ela [...] os EUA provavelmente supervalorizam a precisão de longo alcance, em vez de se ajustarem e lidarem com a proliferação da precisão de curto alcance no campo de batalha [...] Os SARP democratizaram a precisão no combate aproximado. Tornaram-na barata, acessível. Então agora temos precisão de massa.

—Michael Kofman27

 

O principal impulsionador da mudança no nível tático da guerra será o emprego de sistemas autônomos habilitados por IA em larga escala. Isso não removerá as armas tradicionais, como carros de combate e artilharia de tubo, mas mudará a forma como as formações terrestres operam. No nível operacional, a convergência de domínios — terra, mar, ar, espaço e ciberespaço — valorizará a integração de forças conjuntas. O efeito final do exposto acima é um aumento exponencial na complexidade da guerra moderna, comparável ao surgimento das armas combinadas no início do século passado.28 Isso só aumenta o peso das decisões que tomamos sobre treinamento e desenvolvimento da liderança.

Enunciado do problema, noções primárias e teoria da vitória. O Conceito de Combate do Exército tem um enunciado de problema dividido em duas partes. O problema do combate está em como ter sucesso no futuro ambiente operacional descrito acima. O problema institucional consiste em como construir um Exército como uma instituição de combate que possa fazer isso em todos os horizontes temporais.

O Conceito de Combate do Exército baseia-se em três noções principais.29 São elas C2 e contra-C2, manobra expandida e fogos de domínios cruzados. O Exército faz tudo isso hoje, mas não no grau que poderia, mesmo com a tecnologia que já existe. O conceito também afirma claramente uma teoria de vitória em três partes. Primeiro, o Exército deve sustentar e desenvolver as vantagens que já tem: seu pessoal e sua competência em manobra de armas combinadas. Segundo, precisamos desenvolver a capacidade de integrar novas tecnologias e nos adaptar mais rapidamente do que qualquer adversário. Terceiro, precisamos aumentar significativamente a resistência — capacidade e competência dentro do Exército e na base industrial — para prevalecer durante conflitos prolongados.

Uma nova abordagem. O Conceito de Combate do Exército é uma nova abordagem tanto em conteúdo quanto em forma. Desafia premissas sobre combate que se tornaram tão arraigadas na cultura do Exército nas últimas décadas que são raramente questionadas hoje. Isso inclui a importância relativa de se preparar para vencer o primeiro combate em vez de se preparar para vencer uma guerra longa, a primazia da ofensiva e a ideia de que os fogos servem principalmente para possibilitar a manobra.

O conceito também rompe com uma tradição de conceitos do Exército que descreviam especificamente como os comandantes deveriam combater. A doutrina de Combate Ar-Terra (AirLand Battle) foi publicada há mais de 40 anos.30 Desde então, uma sucessão de conceitos do Exército buscou fornecer uma teoria de vitória para o comandante de nível operacional no terreno. Isso foi sensato durante a Guerra Fria, quando a estratégia organizacional do Exército consistia em otimizar para uma ameaça em uma região.31 No entanto, hoje enfrentamos múltiplas ameaças, em diversas geografias, em toda a gama de operações militares. Nenhuma teoria única de vitória no nível operacional teria utilidade prática em todos esses cenários.32

Por esse motivo, embora o conceito aborde táticas e operações, a teoria da vitória do Conceito de Combate do Exército se concentra em como o Exército, como instituição de combate, continua sendo a força terrestre dominante no mundo. Além daquela teoria geral de vitória, o conceito identifica competências e apresenta uma lista de imperativos para a transformação do Exército. Isso aponta para a necessidade de mudanças ousadas com implicações significativas para a doutrina do Exército, estrutura de força, desenvolvimento da liderança e gestão de talentos.

Como combater. O Exército pode se posicionar para diversas ameaças e ainda determinar como combater em diferentes cenários. Para isso, conduziremos uma série de jogos de guerra. Os cenários mudarão de acordo com a ameaça, a geografia e o prazo. Alguns envolverão crises entre China e Taiwan. Outros colocarão a força conjunta combinada contra o Exército de Libertação Popular em cenários mais abrangentes da região do Indo-Pacífico, com diferentes combinações de parceiros de coalizão e diferentes objetivos políticos. Haverá cenários envolvendo competição e conflito com a Rússia, a Coreia do Norte, o Irã e outros adversários. Alguns cenários envolverão disputas prolongadas que testam a resistência estratégica. Todos enfatizarão a projeção de força contestada, a logística contestada, a defesa do território nacional e as dimensões humana e informacional da guerra.

Quem participa importa tanto quanto o design desses jogos de guerra. Os melhores combatentes da Força estão em nossas divisões, corpos de Exército e comandos componentes do Exército. E participaremos de jogos de guerra da mesma forma pela qual combatemos: como parte da força conjunta combinada. Cientistas e engenheiros participarão para ajudar os combatentes a entender o que a tecnologia poderia tornar possível, e pessoas da indústria se juntarão para ajudar a explorar as implicações para o setor.

O que aprendermos permitirá que o Exército desenvolva “aplicações” de conceitos, ou anexos, para cenários, ameaças ou geografias específicas. Quando apropriado, esses anexos descreverão mecanismos de derrota específicos ao contexto e de nível operacional. Quando uma lição se aplicar a uma ampla gama de cenários, será incorporada ao corpo principal do Conceito de Combate do Exército.

O ano de 2040 está mais próximo do que você imagina. Se um soldado dispensado do Exército pouco antes de 11 de setembro de 2001 retornasse hoje, ficaria mais surpreso com o quanto o Exército continua o mesmo do que com o quanto mudou. Estamos muito mais próximos de 2040 do que de 2001. O mundo está mudando rápido demais para que o Exército mude tão lentamente.

A transformação baseada em conceitos é implementada por meio da transformação no contato e da transformação deliberada. Não é uma atividade isolada. Embora a função principal do Conceito de Combate do Exército seja proporcionar orientação a longo prazo, ele também define necessariamente o amplo canal de abordagem para o curto e médio prazo. Para obter a capacidade até 2040, é necessário que ela esteja em fase de implantação até 2035, o que significa que deve existir como protótipo por volta de 2030. O Exército apresentará seu pedido orçamentário inicial para aquele ano em 2025. E o novo material bélico nem é a parte mais lenta do DOTMLPF-P. Os prazos mais longos são para pessoal e liderança.

O desafio das últimas duas décadas consistiu em como desenvolver comandantes capazes de escalonar fogos para uma abertura de brecha de armas combinadas com a mesma habilidade com que conseguiam negociar com um ancião tribal. O desafio das próximas duas décadas será o mesmo, só que a tecnologia está aumentando a lista de competências necessárias. Os melhores comandantes serão — entre outras coisas — especialistas nos aspectos físicos do combate, fluentes em dados e tão sintonizados com as dimensões informacional e humana quanto com a dimensão física do seu ambiente operacional.

Há dois tipos de mudança descritos no conceito: mudanças que podemos fazer agora e mudanças que só faremos se começarmos agora. Somente agindo agora garantiremos que o Exército dos EUA continue dominando no domínio terrestre. Comandantes e líderes devem começar pela criação de uma cultura em que a inovação seja esperada como parte normal da forma como vencemos.

Os líderes devem se educar sobre as tecnologias que estão mudando a maneira como nós e nossos adversários combatemos. É essencial que oficiais e graduados participem ativamente do diálogo profissional sobre o Conceito de Combate do Exército. Ao incluir nossos melhores líderes em jogos de guerra e experimentação, aperfeiçoaremos o conceito e identificaremos áreas no DOTMLPF-P onde podemos iniciar os movimentos necessários.

Como temos apenas um Exército, não temos o luxo de escolher entre estar prontos para combater amanhã ou hoje à noite. A questão não é priorizar a prontidão atual ou a prontidão futura, mas como levar em conta a incerteza e gerenciar a transformação contínua em todos os três períodos.


Referências

 

  1. Stephen Biddle, “Back in the Trenches”, Foreign Affairs 102, no. 5 (September-October 2023): p. 159, https://www.foreignaffairs.com/ukraine/back-trenches-technology-warfare.
  2. J-8/Joint Capabilities Division, Manual for the Operation of the Joint Capabilities Integration and Development System (Washington, DC: Department of Defense, 30 October 2021), GL-15, https://www.dau.edu/sites/default/files/2024-01/Manual%20-%20JCIDS%20Oct%202021.pdf. Esse manual define capacidade como a “habilidade de concluir uma tarefa ou executar uma linha de ação sob condições e nível de desempenho determinados”.
  3. Jim Rainey e James Greer, “Land Warfare and the Air-Ground Littoral”, Army Aviation 71, no. 12 (31 December 2023): p. 16, https://reader.mediawiremobile.com/ArmyAviation/issues/208803/viewer?page=14.
  4. U.S. Army Futures Command, Army Applications Lab (livro branco não publicado, 25 October 2023). A noção de capability of record, incluindo o exemplo do iPod, é descrita nesse livro branco.
  5. To Receive Testimony on the Department of Defense’s Posture for Supporting and Fostering Innovation Before the Senate Armed Services Committee Subcommittee on Emerging Threats and Capabilities on Accelerating Innovation for the Warfighter, 117th Cong. (6 April 2022) (depoimento de Michael Brown, diretor, Defense Innovation Unit), p. 9, https://www.armed-services.senate.gov/download/brown-statement-04/06/2022.
  6. Whitney McNamara et al., Commission on Defense Innovation Adoption Final Report (relatório, Washington, DC: Atlantic Council, 16 January 2024), p. 7, https://www.atlanticcouncil.org/in-depth-research-reports/report/atlantic-council-commission-on-defense-innovation-adoption/.
  7. Gary Anderson e Francisco Moris, “Federally Funded R&D Declines as a Share of GDP and Total R&D”, National Center for Science and Engineering Statistics, 13 June 2023, https://ncses.nsf.gov/pubs/nsf23339/.
  8. U.S. Army Futures Command, Army Applications Lab, p. 1-2.
  9. “Wright Brothers, 1909–1910”, National Museum of the U.S. Air Force, acesso em 29 jul. 2024, https://www.nationalmuseum.af.mil/Visit/Museum-Exhibits/Fact-Sheets/Display/Article/197528/wright-brothers-1909-1910/.
  10. Christine Wormuth, “Secretary of the Army Opening Remarks at AUSA 2023” (comentários conforme preparados, Washington, DC: U.S. Army, 9 October 2023), https://www.army.mil/article/270662.
  11. Ibid.
  12. Donn Starry, “To Change an Army”, Military Review 63, no. 3 (March 1983): p. 21–27, https://cgsc.contentdm.oclc.org/digital/collection/p124201coll1/id/292/rec/5.
  13. To Receive Testimony on the Posture of the Department of the Army in Review of the Defense Authorization Request for Fiscal Year 2024 and the Future Years Defense Program Before the U.S. Senate Committee on Armed Services, 118th Cong. (30 March 2023) (declarações de Christine Wormuth, Secretária do Exército, e James McConville, Chefe do Estado-Maior do Exército), p. 7, https://armed-services.senate.gov/hearings/to-receive-testimony-on-the-posture-of-the-department-of-the-army-in-review-of-the-defense-authorization-request-for-fiscal-year-2024-and-the-future-years-defense-program.
  14. U.S. Army, “Army of 2030”, Army.mil, 5 October 2022, https://www.army.mil/article/260799/army_of_2030.
  15. James Rainey e Laura Potter, “Delivering the Army of 2030”, War on the Rocks, 6 August 2023, https://warontherocks.com/2023/08/delivering-the-army-of-2030/.
  16. Louis Yuengert, ed., How the Army Runs: A Senior Leader Reference Handbook (Carlisle, PA: U.S. Army War College, 2021), p. 3-29, 8-33, https://warroom.armywarcollege.edu/wp-content/uploads/2021-2022_HTAR.pdf.
  17. J-8/Joint Capabilities Division, Manual for the Operation of the Joint Capabilities Integration and Development System, GL-15. Este manual define capacidade como a “habilidade de concluir uma tarefa ou executar uma linha de ação sob condições e nível de desempenho determinados”.
  18. O Initial Capabilities Document for Mobile Protected Firepower foi aprovado em 18 de agosto de 2016, embora estivesse no quadro de pessoal do Exército desde 2013. O Capability Development Document foi aprovado em 4 de junho de 2018. O contrato para produção inicial de baixa escala foi assinado em 28 de junho de 2022. A implantação está prevista para começar em 2025.
  19. Mark A. Milley e Ryan McCarthy, memorandum, “Modernization Priorities for the United States Army”, 3 October 2017, p. 1–2, https://sdc.mit.edu/sites/default/files/documents/Army%20Modernization%20Priorities.pdf.
  20. Eric Shinseki, apud James Dao e Thom Shanker, “No Longer a Soldier, Shinseki Has a New Mission”, New York Times (site), 10 November 2009, https://www.nytimes.com/2009/11/11/us/politics/11vets.html. Um das primeiras advertências públicas do Gen Eric Shinseki pode ter ocorrido em 24 de maio de 2001, durante comentários na Armor Conference, em Fort Knox, Kentucky. Estavam presentes vários oficiais da reserva remunerada que criticaram a iniciativa de Shinseki de colocar em terreno viaturas de combate mais leves e de desdobramento mais fácil. O Cel Jonathan S. Dunn, do Exército dos EUA, que na época era um oficial subalterno, estava presente durante o comentário.
  21. O Army Warfighting Concept é um documento interno em desenvolvimento pelo Army Futures Command. Este artigo serve para apresentar o conceito e algumas de suas principais ideias.
  22. O Future Operational Environment Running Estimate é uma avaliação classificada e continuamente atualizada, mantida pelo Army Futures Command, mas baseada na comunidade de inteligência mais ampla e acessível a ela. O ponto de contato é o Dr. Jacob Barton, jacob.e.barton.civ@army.mil.
  23. Donn Starry, “Extending the Battlefield”, Military Review 61, no. 3 (March 1981): p. 32, https://www.armyupress.army.mil/Portals/7/online-publications/documents/1981-mr-donn-starry-extending-the-battlefield.pdf.
  24. The White House, National Security Strategy (Washington, DC: The White House, October 2022); U.S. Department of Defense, 2022 National Defense Strategy (Washington, DC: U.S. Department of Defense, 2022). A National Security Strategy e a National Defense Strategy identificam a China como o desafio iminente, a Rússia como uma ameaça aguda e a Coreia do Norte, o Irã e organizações extremistas violentas como ameaças persistentes.
  25. Michael Kofman, “Keynote” (apresentação em conferência, Army Applications Lab Vertex: Air-Ground Littoral, Austin, TX, 17 July 2024).
  26. Jack Watling, The Arms of the Future: Technology and Close Combat in the Twenty-First Century (London: Bloomsbury Academic, 2023), p. 99.
  27. Kofman, “Keynote”.
  28. Stephen Biddle, Military Power: Explaining Victory and Defeat in Modern Battle (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2004), p. 2-4.
  29. Aqui usamos “noções primárias” para enfatizar que as ideias são parte de um conceito que ainda não foi validado. A doutrina, que foi validada, usaria uma linguagem mais declaratória (por exemplo, princípios).
  30. Field Manual 100-5, Operations (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 20 August 1982). Essa foi a primeira versão da doutrina “Combate Ar-Terra”. A versão final foi publicada em uma revisão de 1986 do mesmo manual.
  31. David Johnson, Shared Problems: The Lessons of Airland Battle and the 31 Initiatives for Multi-Domain Battle (Santa Monica, CA: RAND Corporation, 13 September 2019), p. 5-6, https://www.rand.org/pubs/perspectives/PE301.html.
  32. Andrew Krepinevich Jr., The Origins of Victory: How Disruptive Military Innovation Determines the Fates of Great Powers (New Haven, CT: Yale University Press, 2023), p. 439.

 

O Gen Ex James E. Rainey, do Exército dos EUA, é o Comandante do Comando de Futuros do Exército dos EUA. Anteriormente, serviu como Subchefe do Estado-Maior nas seções de Operações, Planos e Treinamento, (G-3/5/7), do Exército dos EUA em Washington, DC; como Comandante do Centro de Armas Combinadas dos EUA, em Fort Leavenworth, Kansas; e como Comandante da 3a Divisão de Infantaria, em Fort Stewart, Geórgia. Tem mestrados em Artes e Ciências Militares Avançadas pela School of Advanced Military Studies, em Fort Leavenworth, e em Administração Pública pela Troy University. Comandou soldados em inúmeras missões de combate no Iraque e no Afeganistão.

 

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