Entendendo o Inimigo Atual
Os Grandes Estrategistas da Jihad Moderna
Sebastian Gorka
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Nota do Editor: Este artigo foi extraído de um capítulo de Defeating Jihad: The Winnable War, de Sebastian Gorka, Ph.D., sendo incluído na versão em inglês da revista Military Review simultaneamente à publicação do livro completo pela editora Regnery Publishing, em abril de 2016. Gorka é o Catedrático de Teoria Militar “Major General Matthew C. Horner” na Marine Corps University. Agradecemos sua autorização para republicarmos este material extremamente relevante.
Da mesma forma que é preciso estudar Carl von Clausewitz, Maquiavel ou Napoleão para entender o modo de guerra ocidental moderno, há escritores e pensadores principais, os quais todos os que queiram derrotar nosso atual inimigo jihadista devem conhecer intimamente. Para compreender a estratégia do movimento jihadista global da atualidade, faz-se necessário entender a obra de um pequeno grupo de islamistas, que redigiram os mais importantes textos estratégicos sobre a guerra contra os “infiéis”: Sayyid Qutb, Ayman al-Zawahiri (atual líder da Al Qaeda), Gen S. K. Malik e, finalmente, o falecido líder norte-americano da Al Qaeda, Anwar al-Awlaki. Juntas, as obras desses pensadores islamistas com uma “visão global” moldam as ações e planos de todos os grupos terroristas jihadistas da atualidade, do Boko Haram à Al Qaeda, da Frente al Nusra ao Estado Islâmico (EI).
Os Marcos: Todos Devem Lutar Pelo Califado
Qutb, um funcionário de baixo escalão do governo egípcio, é o autor do mais influente texto moderno sobre a jihad. Seu livro, Ma’alim fi-al-Tariq (“Os Marcos”, também conhecido como “Marcos na Estrada”), publicado em 1964, tornou-se o “manual de campanha” para jihadistas em todas as partes do mundo e continua sendo um texto doutrinário essencial para a organização Irmandade Muçulmana, da qual Qutb era um dos principais integrantes. Escrito depois que Qutb visitou os Estados Unidos da América (EUA) em um programa de intercâmbio logo após a Segunda Guerra Mundial, o livro descreve as razões pelas quais a comunidade muçulmana perdeu sua posição de proeminência no mundo e como a nação ímpia e infiel dos EUA deve ser destruída a fim de livrar o mundo de jahiliyya, a ignorância pagã em relação a Allah que, mais uma vez, tem contaminado as mentes e almas de muçulmanos em todo o mundo.
Nessa purificação violenta do mundo e restauração da grandeza islâmica por meio do restabelecimento do império teocrático que foi o califado, a arma mais poderosa é uma “guerra santa”, ou jihad. O que é mais significativo: Qutb é explícito em sua crença de que o Islã não deve ser entendido apenas como uma religião, e sim como um “partido revolucionário”, com uma missão de supremacia política, de mobilizar as massas e conquistar o poder global para a glória de Allah. Para Qutb, o Islã não se restringe a uma questão de crença pessoal. Vez após outra, em seu curto livro, Qutb repete que o Islã tem a missão de recriar o califado, mas, desta vez, como um império teocrático que abarque o mundo inteiro.
Não é por acaso que, considerando essa ótica, seu livro utiliza, amiúde, materiais de outras ideologias que promoveram a revolução, especialmente o fascismo e o comunismo, que é a razão pela qual Qutb (e, mais tarde, Osama Bin Laden) frequentemente empregou a terminologia marxista, como “vanguarda” para explicar o papel especial da pequena minoria de revolucionários religiosos “esclarecidos”.
Qutb acabou sendo preso pelo regime de Gamal Abdel Nasser por seu papel central na Irmandade e envolvimento em uma conspiração para assassinar o presidente, sendo executado em agosto de 1966. Contudo, suas ideias sobre a jihad e a guerra religiosa perduram, e seu livro está disponível não apenas em todo o Oriente Médio, como também em muitos “centros culturais” islâmicos nos EUA, o que constitui um problema, porque os outros dois lugares onde ele é encontrado com mais frequência são: na posse de alvos jihadistas de alto valor no campo de batalha e com terroristas capturados aqui nos EUA.
As ideias de Qutb conectam, de um modo bastante específico, líderes insurgentes como Abu Bakr al-Baghdadi, do EI, com terroristas individuais, como os irmãos Tsarnaev, responsáveis pelos atentados a bomba na maratona de Boston, porque todos eles concordam com a análise fundamental apresentada no livro:
- Os muçulmanos são, mais uma vez, como as tribos árabes pagãs de Meca da época de Maomé.
- Deixaram de se submeter à vontade de Allah, em parte porque estão seguindo líderes que são, eles próprios, falsos muçulmanos e fantoches do Ocidente, mas também porque foram corrompidos pelos valores heréticos dos infiéis.
- Em consequência, não há um verdadeiro Estado islâmico na atualidade, apenas fingimento e falsidade.
- A resposta é um retorno a Allah e o restabelecimento de sua soberania na Terra mediante a recriação de seu califado teocrático em uma jihad.
Para Qutb, ser muçulmano não era um exercício pessoal, teórico ou individualista. Um indivíduo só poderia ser um verdadeiro muçulmano se participasse da erradicação do infiel e de todas as suas influências e fosse parte integrante de uma guerra que trouxesse o império de volta.
Zawahiri: Uma Superpotência Já Foi, Falta a Outra
Zawahiri, que hoje comanda a Al Qaeda — após Bin Laden ser eliminado na missão de operações especiais em Abbottabad, no Paquistão —, também tem contribuído de maneira significativa para o cânone da estratégia jihadista; mais, na verdade, que seu antigo chefe.
Um cirurgião egípcio oriundo de uma importante família do Cairo, Zawahiri também fazia parte da Irmandade Muçulmana, como Qutb, mas se tornou, mais tarde, um dos líderes do grupo terrorista Jihad Islâmica Egípcia. Preso e encarcerado pelas autoridades egípcias por suas crenças extremistas e sua meta pessoal de derrubar o governo egípcio, Zawahiri foi libertado, posteriormente, e acabou indo para o Paquistão durante a jihad antissoviética dos anos 80, onde usou seus conhecimentos médicos para tratar dos mujahedins feridos em combate contra os russos.
No Paquistão, Zawahiri acabou conhecendo Bin Laden e mergulhando ainda mais no mundo dos “mujahedins árabes”, passando a integrar o Escritório de Serviços Árabes (MAK, a partir do nome em árabe). Depois que o chefe do MAK, Abdullah Azzam, foi morto, em 1989, e Bin Laden assumiu o controle da organização, a ideologia puritana wahabita do saudita começou a misturar-se com as ideias de Zawahiri, influenciadas pela Irmandade Muçulmana, e, subsequentemente, o MAK se transformou na Al Qaeda (“A Base” em árabe), com Zawahiri na função de novo subcomandante de Bin Laden.
Sob o novo nome, o grupo jihadista foi redefinido, porque Bin Laden e Zawahiri lhe atribuíram uma missão global. Em vez de se concentrar, exclusivamente, em um tipo de alvo — ou invasores estrangeiros em solo muçulmano ou líderes árabes apóstatas e não islâmicos e seus governos no Oriente Médio —, A Base se dedicaria a ambos e, o que é mais importante para os EUA, a Al Qaeda levaria a jihad para o “ventre da fera”, no coração das terras infiéis. Esse avanço para dentro do “território inimigo” fez com que a Al Qaeda acabasse realizando o que nenhum outro grupo jihadista havia conseguido antes.
Desde que a Irmandade Muçulmana havia declarado, nos anos 20, que o califado tinha de ser restabelecido — à força, se necessário —, vários grupos jihadistas haviam sido fundados por todo o mundo, do Oriente Médio ao Sudeste Asiático e da África à Ásia Central. Alguns haviam tido mais êxito que outros, e a própria Irmandade havia sido capaz de abalar a estabilidade de algumas nações árabes, com assassinatos e várias ações subversivas e conspirações. Contudo, todos haviam sido limitados por seu foco estreito no infiel próximo ou inimigo apóstata. Quer fosse a tentativa por parte da Jihad Islâmica Egípcia de derrubar o governo laico no Cairo, quer fossem os grupos jihadistas combatendo os indianos “pagãos” na Caxemira, todos haviam sido limitados por seu provincianismo operacional. Sob o comando de Bin Laden e Zawahiri, tudo isso mudaria, e a Al Qaeda se transformaria na autodesignada “vanguarda” de um movimento global que acabaria chocando o mundo com a morte e destruição que foi capaz de causar na terça-feira, dia 11 de setembro de 2001.
A Al Qaeda se reorganizou, então, ao longo de três frentes:
- Exportar jihadistas para novos teatros de operações de guerrilha em todo o mundo.
- Transformar-se na “face” global da jihad em termos de propaganda.
- Estabelecer células em todo o mundo para executar ataques terroristas contra o infiel.
Nos anos 90, a Al Qaeda recrutou novos combatentes jihadistas e os enviou à Bósnia, nos Bálcãs; à Tchetchênia, na Rússia; à Caxemira, na Índia, e a todas as principais zonas de guerra onde muçulmanos estavam em combate contra não muçulmanos. Ao mesmo tempo, Bin Laden saiu das sombras da guerra no Afeganistão e gravou mensagens de vídeo e áudio dirigidas a um público mundial de “guerreiros santos” dispostos, transformando-se em tamanha “personalidade” da mídia internacional, que veículos como os canais CNN e ABC o entrevistaram.
Tudo isso estava acontecendo ao mesmo tempo que Bin Laden e Zawahiri recrutavam muçulmanos fundamentalistas, não apenas para se tornarem guerrilheiros, mas também para se tornarem agentes clandestinos em células terroristas infiltradas em nações infiéis ocidentais, ou nações onde houvesse uma presença infiel grande o suficiente para oferecer um ambiente rico em alvos. Em consequência de seu sucesso em estabelecer sua rede em mais de 50 países em todo o mundo, a Al Qaeda foi capaz de levar a guerra santa até o kuffar (infiel) repetidas vezes nos anos 90, com Bin Laden e Zawahiri sendo responsáveis ou conectados de alguma forma aos seguintes eventos:
- O primeiro ataque ao World Trade Center;
- As explosões na Embaixada dos EUA no Leste da África, em 1998;
- O bombardeio do USS Cole no Iêmen, em 2000.
Apesar de todos esses bem-sucedidos ataques contra os EUA durante aquela década, não estávamos preparados, como nação, nem aptos a detectar e prevenir o atentado terrorista mais mortífero da história e, assim, no dia 11 de setembro de 2001, a Al Qaeda foi alçada a uma posição de importância mundial, com a qual outros grupos jihadistas só haviam sonhado.
Durante todo esse período e especialmente após os ataques do 11 de Setembro, sempre que se falava na Al Qaeda, era Bin Laden quem atraía toda a atenção, por razões óbvias, por ele ser o líder do grupo e apresentar uma imagem que se encaixava com o estereótipo do guerreiro jihadista ascético. Esse foco em Bin Laden impediu que se reconhecesse que o mestre ideológico da Al Qaeda era, na verdade, Zawahiri. Era esse jihadista egípcio e de mais idade, que havia estudado e aperfeiçoado suas habilidades teológicas e retóricas no banco dos réus do sistema judiciário egípcio e nas prisões do Cairo, quem mais interagiria on-line com outros muçulmanos, para explicar e justificar a nova campanha global de terrorismo que a Al Qaeda havia iniciado. Esse papel foi fundamental para estabelecer a “marca” Al Qaeda entre muçulmanos potencialmente receptivos por todo o mundo.
Em preparação para a reação aos ataques do 11 de Setembro e para a atenção mundial que eles gerariam, Zawahiri chegou a escrever um livro semiautobiográfico sobre sua experiência com a jihad e sobre por que havia chegado a hora em que todos teriam de escolher de que lado ficariam na guerra religiosa para pôr fim a todas as guerras. Enviada para um veículo de comunicação árabe em Londres, o jornal Asharq al-Awsat, que a publicou em série, on-line, apenas dois meses após os ataques, a obra Knights Under the Prophet’s Banner (“Cavaleiros sob a Bandeira do Profeta”, em tradução livre)—ou, mais coloquialmente, Warriors Under the Flag of Mohammad ( “Guerreiros sob a Bandeira de Maomé”, em tradução livre)—retomou temas de Qutb e Azzam, mas os reformulou para a nova era de guerra santa, em que a Al Qaeda é a “marca” jihadista mundial para o século XXI.
Em suma, o argumento de Zawahiri é que o islamismo precisa se revitalizar, com um ataque a tudo o que seja não islâmico, e que essa restauração de um estado de grandeza virá quando cada fiel empunhar a espada da jihad. Chegou a hora de cada ser humano escolher de que lado da história viverá ou morrerá. Os mujahedins árabes do Afeganistão, os fundadores da Al Qaeda, mostraram o caminho. Nos anos 80, havia duas superpotências mundiais. Uma delas, a União Soviética, foi tola o suficiente para invadir terras muçulmanas ao enviar tropas para o Afeganistão. Isso fez com que os “melhores muçulmanos” decidissem lutar em uma guerra santa contra os invasores kuffar. Apesar de terem um número menor de homens e armas, os jihadistas venceram, uma façanha que só foi possível porque estavam combatendo por Allah, e Allah possibilitou sua vitória.
Não só os mujahedins derrotaram a União Soviética no Afeganistão, dois anos depois, seu inimigo implodiu, quando a URRS se dissolveu no dia de Natal, em 1991. Hoje, no despontar de um novo século, resta apenas uma superpotência infiel, os EUA, e ela também sucumbirá à espada do Exército de Allah.
A mensagem final de “Cavaleiros sob a Bandeira do Profeta” era muito simples: Deus está do lado dos jihadistas. Sua futura vitória sobre toda falta de crença, incluindo a destruição dos EUA, é inevitável1. Os membros da raça humana têm uma simples escolha a fazer: aderirem à “Caravana da Jihad” ou serem destruídos.
General Malik: a Guerra Contra a Alma do Infiel
Contudo, o pensador ideológico e estratégico mais importante para o movimento jihadista global na atualidade é um indivíduo do qual a maioria das pessoas, incluindo integrantes da comunidade de Inteligência norte-americana, nunca ouviu falar.
Em 1979, ao mesmo tempo que os influentes acontecimentos mencionados anteriormente se desenrolavam em Teerã, Meca e Cabul, Malik publicou um livro espantoso no Paquistão, com o título The Quranic Concept of War (“O Conceito Corânico da Guerra”). O livro é notável não apenas por sua conexão direta com acontecimentos posteriores, como o 11 de Setembro, e sua justificação de atos abomináveis como esse, mas também pela natureza de seu conteúdo, difícil de categorizar. Isso porque o livro não se parece com nenhuma obra estratégica dos cânones do pensamento militar ocidental.
No livro, o ex-oficial-general destrói os princípios centrais do pensamento militar ocidental, em particular, as influentes teorias de Clausewitz. Desde as notáveis campanhas de Napoleão, que foram analisadas e explicadas por Clausewitz, as academias militares e escolas de guerra ocidentais ensinam, como se fosse uma “sagrada escritura”, a declaração do prussiano de que a guerra é um instrumento do Estado-nação, uma ferramenta violenta a ser empregada na promoção do interesse nacional quando todas as demais ferramentas fracassarem. Ensinamos que a guerra é apenas uma extensão da política, é a política com armas, ou, nas palavras do grande prussiano: “é a continuação da política por outros meios”. [Extraído da tradução de Da Guerra, de Clausewitz, pelo CMG (RRm) Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle — N. do T.]
Entretanto, Malik vira de ponta-cabeça séculos de entendimento da guerra com seu livro, ao afirmar que ela não tem nada a ver com o Estado-nação — o qual é, de qualquer forma, um conceito herético do Ocidente infiel — ou com o serviço à nação ou objetivos políticos mundanos. Em vez disso, segundo o entendimento de Malik, a guerra serve a um único propósito: a realização da soberania de Allah aqui na Terra. Segundo o general paquistanês, toda guerra deve servir unicamente ao objetivo de recriar o califado, o império teocrático do Islã, de modo que a palavra de Allah possa reinar suprema novamente.
Em segundo lugar, também em uma negação do pensamento estratégico ocidental, Malik rejeita a forma pela qual o infiel vai à guerra. Ao se aprestarem para a guerra, as Forças norte-americanas ou aliadas executam o que chamam de Preparação de Inteligência do Campo de Batalha2, que serve, em parte, para identificar, as chamadas “vulnerabilidades principais” ou “centros de gravidade” dentro das forças e infraestrutura do inimigo, a fim de localizar os alvos mais valiosos, os quais, se destruídos, incapacitarão o inimigo ou forçarão sua capitulação. Malik afirma que o conceito do infiel, de vários centros de gravidade ou vulnerabilidades principais na guerra, é tão enganoso quanto a ideia de que a guerra serve a fins políticos. Segundo o general paquistanês, há somente um alvo importante na guerra, que nem chega a ser físico. Na guerra, segundo Malik, sempre existe apenas um centro de gravidade: a alma do inimigo. O inimigo infiel deve ser convertido ao Islã ou aniquilado.
Por último — e vemos, aqui, a relevância desse livro para grupos como a Al Qaeda e o EI — já que o único alvo que importa é a alma do infiel, Malik conclui que a arma mais efetiva na guerra é o terror. O sistema de crenças do inimigo deve ser completamente destruído, e o terrorismo é a forma mais efetiva de realizar isso. É por isso que o 11 de Setembro foi tão importante. São os ataques suicidas extremamente simbólicos, as crucificações, as decapitações, os atentados a bombas feitas com panelas de pressão em maratonas e os vídeos de imolações que destruirão a determinação do infiel de prosseguir.
Para que ninguém pense que “O Conceito Corânico da Guerra” tenha sido obra de um oficial paquistanês radical e desiludido, cabe observar que o prefácio do livro foi escrito pelo Gen Muhammad Zia-ul-Haq, Chefe do Estado-Maior do Exército [equivalente a Comandante do Exército no Brasil — N. do T.] e Presidente do Paquistão na época. No prefácio, Zia deixou claro que a jihad pela causa de Allah “não é de domínio exclusivo do militar profissional”, ecoando a fatwa de Azzam, segundo a qual a guerra santa era considerada uma obrigação de todos os fiéis muçulmanos.
As obras de Qutb, Zawahiri e Malik, descritas anteriormente, têm sido encontradas em posse de alvos de alto valor, de líderes jihadistas, em todos os teatros de operações de conflitos onde esteja sendo travada uma guerra santa. As ideias desses pensadores estratégicos moldaram a visão de mundo e os objetivos da Al Qaeda, do EI e de todo grupo terrorista jihadista hoje empenhado em recriar o califado, para que o Islã possa reinar supremo.
Contudo, quando se trata da ameaça de violência jihadista aqui nos EUA e do perigo de que militares e cidadãos norte-americanos se transformem em terroristas, há mais um indivíduo que precisamos discutir.
Awlaki: Deixe a Terra do Infiel ou Mate-o
Nascido no Estado do Novo México em 1971 de pais iemenitas, Anwar al-Awlaki acabaria por se tornar o líder jihadista espiritual de toda uma nova geração de terroristas. Apelidado de “Bin Laden da internet”, Awlaki estudou teologia islâmica e se tornou o imã de uma mesquita na cidade de Falls Church, no Estado da Virgínia, antes de passar o resto de seus dias como um dos principais líderes da Al Qaeda. Foi eliminado por ordem da Casa Branca em um ataque por veículo aéreo não tripulado (drone) conduzido em 2011.
A importância de Awlaki — mesmo depois de sua morte, graças ao grande número de vídeos e gravações que deixou — foi o fato de aplicar seu conhecimento da cultura e sociedade dos EUA ao desafio de recrutar jovens norte-americanos para a causa da jihad, fazendo, assim, com que uma guerra santa tivesse apelo para uma geração pós-Guerra do Afeganistão.
Isso tornou-se especialmente importante depois que os ataques do 11 de Setembro provocaram uma forte resposta de segurança nacional nos EUA, fazendo com que ficasse bem mais difícil que um outro ataque semelhante fosse executado por árabes do Oriente Médio viajando com vistos norte-americanos.
Com efeito, pode-se ver a mão de Awlaki, ou sua influência, por trás dos seguintes ataques:
- O massacre do Forte Hood, onde estava em contato com o assassino, o Major Nidal Hasan;
- A tentativa de explodir a Times Square, por Faisal Shahzad;
- O plano de explodir um avião no dia de Natal, de Umar Farouk Abdulmutallab; e até
- O atentado a bomba na maratona de Boston
A importância de Awlaki foi mais bem ilustrada por seu papel ideológico e teológico no atentado a bomba de Boston. Tive a honra de servir como perito para o U.S. Attorney’s Office [com funções semelhantes, neste caso, às do Ministério Público Federal — N. do T.] na preparação para esse julgamento, que foi o mais significativo após o 11 de Setembro até o ataque em San Bernardino, na Califórnia, em dezembro de 2015.
Na fase de preparação, concederam-me acesso aos materiais jihadistas encontrados no hard drive do irmão Tsarnaev que sobreviveu, documentos que foram revelados durante o processo judicial e que deveriam ser leitura obrigatória para todos os que queiram entender como o terrorismo jihadista é uma ameaça concreta e presente nas ruas norte-americanas.
Tsarnaev tinha baixado vários exemplares da revista Inspire, da Al Qaeda, assim como uma série de gravações de palestras de Awlaki intituladas Hereafter, que se concentram nas recompensas que muçulmanos devotos receberão no céu quando se tornarem shahid, mártires pela causa do califado.
Em um dos exemplares de 2010 da revista on-line Inspire, Awlaki, escreve seu próprio artigo, intitulado “Shaykh Anwar’s Message to the America People and the Muslims of the West” (“Mensagem do Shaykh Anwar ao Povo Norte-Americano e aos Muçulmanos do Ocidente”, e inclui uma declaração-chave:
Eu, por exemplo, nasci nos EUA, e vivi lá durante 21 anos. Era o meu lar. Eu era um pregador do Islã envolvido no ativismo islâmico não violento. Entretanto, com a invasão norte-americana do Iraque e a contínua agressão norte-americana contra os muçulmanos, não pude conciliar morar nos EUA e ser muçulmano, e acabei chegando à conclusão de que uma jihad contra os EUA é uma obrigação para mim, da mesma forma que é uma obrigação para todos os outros muçulmanos aptos.
O que é mais significativo, Awlaki apresenta uma escolha bastante operacional aos muçulmanos que vivem em países não islâmicos como os EUA, uma escolha baseada no princípio de al wala al barra. Considerado, originalmente, apenas como uma exigência de fazer o que agrade a Allah e de rejeitar tudo de que Allah não vá gostar, Awlaki agora afirma aos muçulmanos dos EUA e do Ocidente que, na atualidade, al wala al barra deve ser compreendido da seguinte forma:
Aos muçulmanos dos EUA, tenho o seguinte a dizer. Como pode sua consciência permitir-lhes viver em convivência pacífica com uma nação que é responsável pela tirania e crimes cometidos contra seus irmãos e irmãs? Como podem prestar lealdade a um governo que está comandando a guerra contra o Islã e os muçulmanos?
Portanto, este é o conselho que lhes ofereço. Há duas escolhas: ou a hijra [migração] ou a jihad. Ou vão embora ou lutem. Vão embora e vivam entre muçulmanos ou fiquem para trás e lutem com sua mão, sua riqueza e sua palavra. Convido os jovens, especificamente, para ou lutar no Ocidente ou se juntar aos irmãos nas frentes da jihad: Afeganistão, Iraque e Somália.
Awlaki foi o catalisador para alguns dos mais graves ataques e conspirações jihadistas que ocorreram em solo norte-americano após o 11 de Setembro. Sua mensagem, transmitida em mídias profissionais e atraentes, apelou aos cidadãos norte-americanos e imigrantes de um modo pelo qual as antigas e frias pregações dos líderes da Al Qaeda não haviam conseguido.
Atualmente, sua influência persiste após sua morte — da mesma forma que serviu de base para os irmãos Tsarnaev em seu ataque em Boston, quase dois anos depois que os mísseis Hellfire haviam eliminado Awlaki, o homem.
Avaliação do Impacto dos Principais Teóricos Jihadistas
A mensagem de uma guerra santa está viva. Está mais forte do que nunca graças à decisão do ramo da da antiga Al Qaeda no Iraque, de que chegou a hora do califado. O novo Estado Islâmico não vai parar até que seja destruído ou nos destrua. Não existe negociação com totalitaristas, especialmente totalitaristas religiosos que enxergam o resto do mundo como infiéis a serem convertidos, escravizados ou mortos.
Continuamos perdendo essa guerra, nesses últimos quinze anos. De forma flagrante, na verdade, com dezenas de milhares de mortos em todo o mundo em nome de Allah e, agora, em nome do novo califado do EI e seu imperador, Baghdadi.
A jihad se tornou uma ameaça a tudo o que é digno no mundo e, principalmente, para os EUA, o país que personifica os valores da liberdade individual que é tão contrária ao movimento jihadista global. O que fazer, então? Como podemos vencer? Aprendamos com as lições de nossa última guerra contra totalitaristas, a Guerra Fria, que vencemos contra o comunismo. Apliquemos a abordagem de George Kennan para entender a ameaça que enfrentamos e, então, formulemos uma resposta estratégica tão boa quanto o documento TOP SECRET NSC-68, de Paul Nitze, para destruirmos nosso inimigo [Relatório do Conselho de Segurança Nacional 68, um dos componentes da política norte-americana que deu início à Guerra Fria — N. do T.].
Referências
- É fascinante comparar esse tema de “inevitabilidade da vitória” com o totalitarismo marxista, que também tomava como artigo de fé o fato de que o comunismo venceria e destruiria o capitalismo e a democracia. As pessoas só precisam escolher se vão aderir ao “Paraíso dos Operários” e construí-lo ou se acabarão relegados ao “monte de cinzas da história”.
- Nos últimos anos, a expressão “Preparação de Inteligência do Campo de Batalha” tornou-se vítima da onda politicamente correta dentro do Pentágono. Hoje em dia, é mais frequentemente substituída pela nova expressão oficial: “Preparação de Inteligência do Ambiente”, para que ninguém fique com a impressão de que estejamos realmente em guerra.
- Aconteceu algo muito parecido quando disseram aos nossos profissionais da guerra da informação no Forte Bragg que eles deixariam de executar Operações Psicológicas contra nossos inimigos para, em vez disso, conduzirem Operações de Apoio à Informação.
- Sejam bem-vindos ao mundo da “Alice no País das Maravilhas”, de eufemismos em um tempo de guerra.
Sebastian Gorka, Ph.D., é Catedrático de Teoria Militar “Major General Matthew C. Horner” na Marine Corps University e presidente da firma Threat Knowledge Group. Especializado em guerra irregular e estratégia jihadista, é instrutor regular no John F. Kennedy Special Warfare Center and School, do Comando de Operações Especiais do Exército dos EUA; na Divisão de Contraterrorismo do FBI; e no Comando de Operações Especiais dos EUA. Serviu como perito junto ao Departamento de Justiça durante o julgamento relacionado às explosões na maratona de Boston.