Capacitando Comandantes a Deter a Superioridade no Domínio Espacial
Cap Nicholas Deschenes, Exército dos EUA
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O verdadeiro Mestre da Guerra domina um exército sem lutar; conquista uma cidade sem cercá-la; derruba um Estado sem se demorar muito.
—Sun Tzu
Essa citação de Sun Tzu, de 2.500 anos, é atemporal, tendo em vista que os adversários exploram as vulnerabilidades dos Estados Unidos da América (EUA) tirando proveito de sua enorme dependência em relação às capacidades baseadas no espaço1. Inevitavelmente, o conflito no disputado domínio espacial descerá para a superfície da Terra, restando aos EUA esperar que seus adversários demonstrem moderação2. À medida que táticas como operações de encontro (rendez-vous) e proximidade evoluem, e com a ambiguidade da atual legislação internacional, a linha tênue da tomada de decisão vem ficando obscurecida, levando à indecisão nas mentes dos líderes norte-americanos3. Assim, a codificação de normas e condutas internacionais relacionadas ao domínio espacial proporcionará uma posição de força, com base na qual os líderes nacionais poderão atuar; possibilitará a delegação de autoridades sobre meios espaciais até os subordinados no nível tático; e lhes permitirá dominar o espaço mediante a execução de táticas eficazes em defesa dos meios espaciais norte-americanos.
Durante uma reportagem especial da emissora CNN em 2016, o Tenente-Brigadeiro John E. Hyten, Comandante do U.S. Strategic Command — USSTRATCOM (Comando Estratégico das Forças Armadas dos EUA), lembrou ao mundo que a história está fadada a repetir-se conforme o domínio espacial continuar a ser disputado. Durante a mesma apresentação na CNN, o Tenente-Brigadeiro William Shelton, da reserva remunerada da Força Aérea — antecessor do Tenente-Brigadeiro Hyten no Air Force Space Command (Comando Espacial da Força Aérea) — afirmou que, no caso de uma guerra desse tipo, os EUA não seriam capazes de se defender contra as tecnologias que estão sendo desenvolvidas pelos seus adversários4. Há quase duas décadas, Donald Rumsfeld, à frente de uma comissão espacial, revelou que os EUA estavam vulneráveis a ataques por meio do espaço e suscetíveis a um “Pearl Harbor espacial”5. É importante entender a relevância dessas declarações e como os EUA são incrivelmente dependentes dos meios espaciais. Um ataque contra meios espaciais estratégicos ou comerciais poderia abalar a primazia militar e a economia dos EUA, bem como enfraquecer a economia global6. Em meio ao caos de uma economia devastada e com meios espaciais incapazes de apoiar as operações militares, os EUA ficariam vulneráveis7.
A Inadequação da Atual Legislação Internacional
Os acordos internacionais com maior adesão em relação ao espaço são os que constam do Tratado do Espaço Exterior (também denominado Cósmico ou Sideral) de 19678. Os preceitos básicos do tratado são relacionados a seguir:
- Todas as nações são livres para realizar pesquisas científicas sobre o espaço.
- Os corpos celestes só devem ser usados para fins pacíficos.
- As armas de destruição em massa são proibidas no espaço.
- Exige-se o pagamento de indenização no caso de danos a um veículo espacial de outro país.
- Deve-se evitar a contaminação do espaço9.
Como esse tratado foi estabelecido quando apenas algumas nações eram capazes de alcançar a órbita terrestre, esse documento de 51 anos é mais notadamente analisado por sua irrelevância e ambiguidade quanto às práticas atuais no domínio espacial10.
A demonstração de mísseis antissatélite da China em 2007 constitui o melhor exemplo das deficiências do tratado de 1967. A China destruiu um de seus antigos satélites meteorológicos, em órbita 800 km acima da Terra, com um míssil de ataque cinético baseado no solo11. Estima-se que a colisão tenha formado uma nuvem de detritos composta de 300 mil fragmentos a altitudes entre 200 km e 3.800 km12.
A Agência Espacial Europeia informa que não é viável, atualmente, identificar objetos com menos de 5 cm de diâmetro na órbita terrestre baixa13. Não obstante, simulações da colisão indicam que a maioria dos detritos gerados está abaixo desse limiar, tornando as partículas “invisíveis” para os detectores terrestres ou espaciais14. Para se ter uma ideia, as colisões na órbita terrestre baixa entre partículas com cerca de 10 cm de diâmetro e veículos espaciais equivalem a uma carreta atingindo uma barreira a cerca de 113 km/h. Caso atingisse outro satélite, uma dessas partículas desencadearia uma perigosa reação em cadeia orbital de colisões de satélites, que poderia inutilizar o espaço para todos15. Agravando a situação, a falta de resistência atmosférica acima de uma altitude de 700 km permite que esses detritos orbitem a Terra por 30 anos ou mais16.
De acordo com a atual legislação internacional, o emprego de uma arma cinética convencional no espaço por parte da China é legal17. Uma nação que for vítima da proliferação irresponsável de detritos pela China terá de se apoiar nos atuais tratados espaciais para buscar compensação, pois o Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) é irrelevante, já que os chineses atacaram seu próprio satélite18. Contudo, para exigir indenização pelos danos causados pelos detritos produzidos, uma nação precisaria provar, para além de qualquer dúvida razoável, que foi a demonstração da China que os causou. Os representantes legais da China provavelmente responderão que a “contaminação” é discutível, por não estar definida dentro dos atuais tratados. Caso possa relacionar os danos às ações chinesas, a nação prejudicada precisará recorrer à burocracia da Organização das Nações Unidas (ONU) para solicitar pagamento e esperar que a China honre sua obrigação, pois não existe uma função de imposição do cumprimento. Tanto os legisladores quanto os políticos reconhecem essas deficiências, mas simplesmente não conseguem acordar uma resolução.
Foram tentadas, em vão, inúmeras revisões dos tratados, propostas de transparência e convenções adicionais, com o intuito de corrigir as deficiências do direito espacial19. O comitê com o maior número de participantes, isto é, o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior, foi estabelecido em 1959, mas operações militares e de segurança não se aplicam a essa organização, pois sua finalidade é promover a cooperação internacional na pesquisa espacial.
Além disso, a não proliferação de armas no espaço e sua segurança devem ser, supostamente, debatidas durante a Conferência sobre Desarmamento em Genebra, mas os participantes não conseguem entrar em acordo quanto à sua própria agenda, e muito menos obter algum avanço significativo na definição da legislação internacional. Ademais, o Comitê de Prevenção de uma Corrida Armamentista no Espaço Exterior na ONU não estabeleceu nenhum acordo significativo em quase 40 anos20.
Ao contrário do que acreditam muitos cidadãos norte-americanos, os russos e os chineses apresentaram o maior número de documentos à ONU para consolidar os regulamentos espaciais21. Em 2008, foram coautores do projeto “Tratado sobre a Prevenção de Colocação de Armas no Espaço Exterior” e o apresentaram na Conferência sobre Desarmamento22. Em 2014, a Assembleia Geral da ONU votou no projeto revisado, com 126 a favor, 46 abstenções e 4 contra23. Os EUA foram os principais opositores, porque o tratado não apresentava nenhum processo para a verificação de conformidade com suas estipulações. No final de 2015, a Assembleia Geral da ONU adotou a resolução proposta pela Rússia, de “não primeira colocação de armas no espaço exterior”, com resultados semelhantes na votação. Os EUA, mais uma vez os principais opositores, declararam que o conceito de “armas” no espaço permanecia indefinido24.
À primeira vista, a postura evasiva dos EUA pode ser mal interpretada como uma relutância em aumentar a prosperidade para todos no espaço. Nesse aspecto, a China e a Rússia parecem politicamente justas em sua determinação de promover a paz. Contudo, é importante entender a justificativa dos EUA, de não se comprometerem com acordos formais, caso não haja uma função de imposição que garanta que todas as partes cumpram uma política claramente definida25. Com a queda da União Soviética, o espaço tornou-se um ambiente relativamente benigno, onde os EUA tinham domínio absoluto. Entretanto, enquanto os EUA foram ficando acomodados, seus adversários realizaram avanços significativos em seus esforços para controlar o domínio espacial e explorar a dependência norte-americana em relação a ele. Táticas como operações de encontro e proximidade, utilizadas pela Rússia e China perto de satélites militares, reforçaram a postura política dos EUA de “confiar, mas verificar” no estabelecimento de uma política espacial internacional26. Assim, embora a China e a Rússia estejam propondo uma legislação supostamente pacífica, suas ações falam mais alto. Os EUA permanecem em alerta para neutralizar, politicamente, quaisquer ações que possam ameaçar sua segurança, mas isso não justifica a falta de propostas suas para resolver questões já identificadas e promover a soberania de um modo mais pacífico que o desenvolvimento do poder militar.
Solução Inadequada para Ameaças em Evolução
A China e a Rússia estão adaptando as operações de encontro e proximidade utilizadas por veículos espaciais que atracam na Estação Espacial Internacional e convertendo-as em potenciais capacidades ofensivas.
Uma firma comercial de rastreamento de satélites conhecida como Analytic Graphics Incorporated observou o LUCH, um satélite russo, aproximar-se de um satélite de comunicação europeu e de pelo menos três satélites de comunicação militares dos EUA usando essas táticas. Também observaram o SHIYAN, um satélite chinês provido de um braço robótico capaz de prender e soltar outros satélites, praticando essas manobras27.
Ambos os países afirmam que a finalidade de seus respectivos satélites é executar operações de manutenção, mas sua aproximação a alvos críticos aponta para intenções mais ameaçadoras28. O SHIYAN poderia usar seu braço robótico para tirar um satélite de posição, tornando-o incapaz de concluir sua missão. Tanto o SHIYAN quanto o LUCH podem chegar bem perto de outros satélites mediante operações de encontro e proximidade e, então, acionar armas ocultas ou acelerar rumo aos alvos antes que os decisores possam reagir29. Embora os EUA tenham se abstido, anteriormente, de assumir qualquer compromisso com a legislação proposta pela China e pela Rússia, talvez os líderes norte-americanos possam recuperar sua autoridade moral no cenário mundial com a criação de soluções políticas para essas questões persistentes.
Em 18 Jun 18, o Presidente dos EUA anunciou sua intenção de controlar e prevalecer no domínio espacial30. Contudo, as divergências banais relacionadas ao direito espacial internacional levam os líderes a não delegarem autoridades sobre meios espaciais, já que eles continuam sendo responsáveis pelas consequências. Conforme expresso sucintamente por Michael Hyatt, os “líderes militares podem delegar autoridade, mas sempre mantêm a responsabilidade pelo resultado”31. Existem poucas pessoas dispostas a arriscar a carreira ou suas liberdades civis por não ser possível explicar adequadamente as leis ou apoiar-se nelas. Entretanto, caso realmente ocorra um conflito no espaço, o ator disposto a aceitar esses riscos estará mais propenso a vencer, especialmente se o primeiro pensamento do líder adversário for consultar um advogado; nesse caso, a luta já estará perdida, pois é preciso que as decisões já tenham sido tomadas e avaliadas de um ponto de vista jurídico32.
Logicamente, Hyten acredita que a solução para dominar o espaço é que os EUA tratem o domínio público internacional espacial da mesma forma que tratam o aéreo e o marítimo33. Por exemplo, para preservarem o que consideram seu direito de comércio global, os EUA construíram a marinha mais forte do mundo, e só quando o domínio sobre os mares foi estabelecido é que o país trabalhou junto a parceiros internacionais para estabelecer as leis do mar. A Força Aérea dos EUA foi criada de forma bastante parecida: depois que ela passou a neutralizar hostilidades a partir do ar, surgiram regulamentos e leis de aviação civil mundialmente34. Em palavras simples, a paz se origina da força e do predomínio. Essa continua sendo a postura dos EUA, conforme o país formula o estabelecimento de uma sexta Força Singular: a “Força Espacial”35. Contudo, nos dois casos anteriores, não havia uma entidade internacional centralizada já consolidada para manter a estabilidade global. Além disso, hoje em dia, a transparência inerente à cooperação mundial permite que os governos e a ONU fiquem cientes de atividades como lançamentos de foguetes antes mesmo de sua ocorrência.
O relatório de Todd Harrison para o Center for Strategic and International Studies (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais) afirma que uma força espacial militar dentro do Departamento de Defesa dos EUA não é uma solução adequada. Tomando como referência um estudo publicado em 2016 pelo Government Accountability Office (equivalente norte-americano ao tribunal de contas), Harrison explica que, entre o Departamento de Defesa e o setor de inteligência, há mais de 60 agências responsáveis pela aquisição de tecnologias espaciais e, assim, uma força espacial dentro das Forças Armadas não unificará autoridades nem otimizará o processo de aquisições conforme o pretendido. Em vez disso, ele sugere que se estabeleça um Departamento do Espaço, com um secretário do espaço responsável por todas as atividades relacionadas a esse domínio. Afirma que um secretário do espaço centralizaria a autoridade e possivelmente agilizaria a aquisição de capacidades espaciais (abrangendo, assim, todo o governo federal e tratando das questões citadas anteriormente)36. Entretanto, uma força espacial não deterá a taxa com a qual nossos adversários aumentam suas capacidades espaciais. A história tende a se repetir, e essa mentalidade da Guerra Fria, de promover a paz mediante o desenvolvimento de um poder militar maior que o de um adversário equivalente, provavelmente aumentará as taxas de produção ao invés de reduzi-las. Com sorte, a moderação prevalecerá hoje da mesma forma que durante a Guerra Fria, quando os líderes mundiais consideraram a destruição mútua.
A mentalidade da Guerra Fria é uma abordagem reativa, que mantém os EUA presos a uma postura defensiva. Em vez disso, o país precisa de uma mentalidade ofensiva, centrada em dominar o espaço. Uma força espacial não resolverá a relutância de um líder contra delegar autoridades, porque uma legislação internacional vaga restringe seu entendimento ao avaliar a proporcionalidade de uma ação. É difícil para os líderes confiar na decisão de um subordinado quando eles próprios não entendem a problemática — quanto mais determinar uma solução para enfrentar as consequências nacionais e estratégicas. Por sua vez, o breve ciclo de decisão necessário para efetivamente defender as capacidades espaciais da nação é prolongado por briefings, divergências, comitês de aprovação e debates sobre legalidade através de burocráticas cadeias de comando. Considerando que mais de 60 nações já utilizam cargas úteis de satélites, adversários demonstram táticas avançadas para controlar o espaço e empresários comercializam o mais novo domínio público internacional, a crescente congestão exige que os EUA ampliem suas políticas internas, a fim de estabelecerem, de modo proativo, regulamentos internacionais37.
Dominando o Espaço com Delegação de Autoridades
Segundo a Estratégia Nacional de Defesa de 2018 dos EUA, o propósito do Departamento de Defesa é possibilitar que os líderes civis atuem a partir de uma posição de força. Algumas das tarefas especificadas para o cumprimento da intenção do ex-Secretário de Defesa James Mattis se aplicam diretamente ao espaço, com a prioridade de defender os EUA de ataques. Outras tarefas pertinentes incluem dissuadir adversários de atacar, conservar o equilíbrio de poder regional em todo o mundo, manter os cinco domínios físicos livres para serem usados e mudar a velocidade com a qual capacidades são produzidas. Para executar essas tarefas, a estratégia delineada sugeria “estender a mão” aos adversários dos EUA e permanecer “abertos a oportunidades de cooperação, mas a partir de uma posição de força, com base em nossos interesses nacionais”. Mattis abordou, em seguida, a necessidade de modernizar o domínio espacial, priorizando as capacidades espaciais dos EUA. Concluiu: “Precisamos usar abordagens criativas […] para empregar uma força conjunta adequada à nossa época, que possa competir, dissuadir e vencer neste ambiente de segurança cada vez mais complexo”38.
Conforme mencionado anteriormente, os EUA foram, historicamente, os principais críticos dos regulamentos espaciais novos e atualizados, propostos perante a ONU. Contudo, sob uma nova diretriz do governo, agora é a hora de os EUA agirem, oferecendo soluções para as questões identificadas na resolução russa de “não primeira colocação de armas no espaço exterior” e no Tratado sobre a Prevenção de Colocação de Armas no Espaço Exterior, elaborado pela Rússia e pela China. Tomar a ofensiva política ao propor, de maneira proativa, soluções para as questões identificadas possibilitará que os EUA negociem de uma posição de força. Sem uma atualização do direito espacial internacional, a autoridade permanecerá vinculada aos escalões militares mais elevados. Sem a delegação de autoridades, não pode haver regras de engajamento. O domínio espacial é o único domínio físico sem regras de engajamento padronizadas, que são importantes para diferenciar táticas defensivas de atos de guerra39.
Vale considerar os procedimentos dos postos de controle de trânsito usados para admitir as pessoas com segurança em uma instalação militar ou base de operações avançada. São instaladas barreiras para direcionar o trânsito; verificam-se crachás de identidade antes de se permitir a entrada; há medidas para garantir a proporcionalidade de qualquer ação no caso de um incidente; há guardas treinados e armados para uma possível emergência; e, em circunstâncias extremas, há forças de reação rápida de prontidão para prestar auxílio. O que é mais importante, os militares entendem como reagir a prováveis cenários. Praticaram todas as situações até absorvê-las em sua memória motora como equipe. Sem leis civis para ditar as consequências de suas ações ou como devem reagir a ameaças, seria impossível manter as regras de engajamento porque toda situação exigiria a análise e aprovação da liderança. O efetivo trabalho de equipe que defende a infraestrutura essencial deixaria de existir.
Uma ausência da lei em postos de controle de trânsito seria análoga às atuais operações no espaço. Embora haja um “status quo” de como agir no espaço, as decisões se complicam conforme se enfatizam as normas. A inércia dos EUA ante os problemas que o país identificou na legislação espacial é o mesmo problema que faz os líderes estratégicos hesitarem e consultarem diretrizes antes de tomarem decisões cruciais, que serão necessárias se uma guerra eclodir no espaço. Simultaneamente, rejeitar propostas de tratados parcialmente lógicas sem oferecer soluções, estabelecer uma sexta Força Singular para controlar o domínio espacial e agir sem obter o consenso mundial promove uma corrida armamentista no espaço. Assim, os EUA só serão capazes de dominar o espaço se for definida uma legislação internacional e se delegarem poderes para os níveis apropriados de liderança a partir de uma autoridade central.
Recomendações para o Estabelecimento de uma Política Espacial Internacional Atual
O primeiro passo necessário para a criação de uma legislação internacional seria o estabelecimento de um consenso sobre o vocabulário empregado nas políticas40. Notadamente, não há uma altitude definida internacionalmente que separe o domínio aéreo do espacial, o que constitui um problema porque a base de toda a política espacial internacional se apoia em conceitos individuais de onde o espaço começa. Alguns definem o início do espaço como o ponto em que a atmosfera terrestre já não é fácil de demarcar — cerca de 600 milhas (ou 965 km) de altitude (quase três vezes maior que a órbita da Estação Espacial Internacional). As Forças Armadas dos EUA e a NASA conferem o título de astronauta a todos aqueles que viajem acima de 80 km de altitude. Entretanto, a linha geralmente aceita para onde o espaço começa é conhecida como Linha de Kármán, 100 km acima do nível do mar. Nessa altitude, a atmosfera é rarefeita demais para permitir a sustentação da aeronáutica tradicional e, assim, representa uma divisória razoável entre os domínios41. Definir a separação entre o domínio espacial e o domínio aéreo seria o primeiro passo para resolver as limitações ligadas às regras de engajamento para os líderes estratégicos do governo norte-americano.
Não é possível propor, validar e negociar decisões em um curto espaço de tempo, razão pela qual é importante tratar de limitações de regras de engajamento. Vale considerar, por exemplo, o fato de que um míssil Scud com alcance de 300 km, desenvolvido pela União Soviética nos anos 60, é capaz de interceptar a Estação Espacial Internacional em menos de dez minutos, apesar de ser relativamente simples de fabricar e de não ser um foguete muito poderoso42. Em uma situação tática, com munições, explosões e caos no campo de batalha, dez minutos são uma eternidade. Contudo, em um ambiente estratégico, em que é preciso passar pelos escalões da burocracia, dez minutos não são tempo suficiente para um processo decisório efetivo.
Portanto, é preciso que as decisões já tenham sido tomadas e compreendidas por todos até o nível do operador e que os operadores sejam credenciados nas ações necessárias para o êxito. Entender onde começa o espaço permite identificar quais líderes são responsáveis pela resolução do problema, o que significa que o risco pode ser mitigado efetivamente e autorizações podem, então, ser delegadas até o nível tático para a execução de tarefas especificadas. Os líderes nesse nível podem, assim, começar a formular procedimentos operacionais padrão alinhados com essas tarefas e defender os ativos espaciais norte-americanos, iniciando o processo necessário para prevalecer no domínio espacial.
Também é importante abordar as operações de encontro e proximidade porque essas táticas têm uma crescente utilidade na manutenção de satélites antigos— conforme afirmaram a Rússia e a China43. Em vez de proibir equipamentos, como braços robóticos, ou táticas, como operações de encontro e proximidade, podem ser criados limites semelhantes aos da aproximação de veículos espaciais à Estação Espacial Internacional ou associados com satélites de comunicação em órbita geoestacionária44. Esses limites podem ser atribuídos a todos os satélites em todas as órbitas. A distância pode variar segundo o satélite com base em critérios acordados: o aspecto de confidencialidade nacional, a respectiva órbita e a natureza das missões de carga útil. Reconhecer que satélites estrangeiros não poderão ultrapassar esses limites a menos que autorizados será fundamental na formulação das regras de engajamento45.
O estabelecimento de limites para veículos espaciais alude a uma aceitação maior de armas defensivas no espaço. O entendimento de uma postura defensiva bem definida e da separação entre os domínios aéreo e espacial levará ao aprimoramento de armas nucleares e armas de destruição em massa no espaço, como pulsos eletromagnéticos, em virtude de sua capacidade para destruir equipamentos eletrônicos a grandes distâncias.
Para garantir a realização segura de operações espaciais para todos, a execução de testes de quaisquer armas espaciais com o potencial de propagar detritos deve ser proibida, a fim de limitar a contaminação na órbita terrestre. Isso inclui armas como ogivas nucleares balísticas, que podem permanecer viáveis para a segurança interna caso não produzam detritos ou efeitos de pulsos eletromagnéticos acima da Linha de Kármán e não orbitem a Terra.
Para proteger o espaço para todas as partes envolvidas, é importante esclarecer o conceito de contaminação no espaço, entendido como a criação intencional ou acidental de detritos, não importa a quantidade ou tamanho, produzidos por um veículo espacial. Incidentes provocados por fenômenos naturais, como chuvas de meteoro, não devem ocasionar nenhuma punição à parte infratora. Contudo, para não pagar uma multa, a parte seria responsável por apresentar evidências que distinguissem os fenômenos naturais de falhas nos equipamentos do satélite.
Na sociedade internacional de hoje, uma imposição das leis espaciais por parte, exclusivamente, dos EUA poderia ser facilmente interpretada como um ato de guerra. Para impor esses regulamentos, é preciso implementar uma escala de punições de modo proativo, e não reativo, em âmbito mundial. Caso propusessem o estabelecimento de uma entidade da ONU, incumbida de analisar o alcance da contaminação de um incidente e impor consequências, se necessário, os EUA teriam a oportunidade de definir as políticas espaciais internacionais modernas à sua imagem46.
Utilizando como exemplo os detritos provocados pela demonstração de mísseis antissatélite da China em 2007, a entidade da ONU identificaria todas as cargas úteis de satélites na região orbital afetada. A organização definiria, ainda, um valor de indenização que a parte infratora teria de pagar às partes prejudicadas. O montante poderia basear-se no custo para fabricar cada carga útil ou satélite, correlacionado com sua respectiva idade e previsão de vida útil. Para isso, uma taxa percentual seria exigida pela ONU para criar um sistema espacial convencional não cinético, a ser utilizado apenas pela entidade citada, com o objetivo de desativar o veículo espacial de um país infrator. A cobrança de um por cento do valor total de todos os meios espaciais de uma nação, operacionais e não operacionais (incluindo todas as 60 nações que possuem meios espaciais), deve gerar valores suficientes para financiar tal entidade e seu meio operacional. Embora possa ser vista como uma medida drástica para garantir conformidade, ela resolveria antigas questões de autorregulamentação e da incapacidade geral da ONU para impor o cumprimento de regras47. As equipes de desativação de veículos espaciais também poderiam ser empregadas para fiscalizar o cumprimento das atualizações propostas pela China e Rússia aos tratados espaciais antes do lançamento. Isso também permitiria melhorar a consciência situacional sobre o espaço, bem como alertas de mísseis, porque quaisquer lançamentos não registrados gerariam, imediatamente, uma notificação para todas as demais partes.
Conclusão
A verdadeira história consiste na destruição que não ocorreu porque fomos tão precisos. A verdadeira história consiste nas tropas terrestres que não foram colocadas em risco. A verdadeira história também consiste nos danos colaterais que não foram infligidos às populações civis. A conclusão é que nossas capacidades espaciais salvam vidas e minimizam a destruição.
— Tenente-Brigadeiro (Res) Lance W. Lord, Força Aérea dos EUA48
Muito antes de o governo federal contemplar o estabelecimento de uma sexta Força Singular dedicada a operações espaciais, o Tenente-Brigadeiro Lance Lord, da reserva remunerada da Força Aérea, abordou de forma eloquente por que é importante que os EUA operem livremente no domínio espacial. O domínio sobre o espaço preserva a superioridade das Forças Armadas dos EUA em todo o planeta porque suas capacidades espaciais protegem o bem mais precioso do mundo: a vida humana.
Conforme seus adversários realizam avanços ameaçadores em operações e tecnologias espaciais, os EUA têm uma oportunidade singular para recuperar sua autoridade moral oferecendo soluções mediante o estabelecimento de novas políticas espaciais internacionais. A criação de uma entidade da ONU resolveria o problema expresso pelos EUA quanto à inexistência de funções de imposição do cumprimento ligadas às políticas espaciais internacionais propostas pela Rússia e China. Os EUA serão recebidos de modo favorável em uma escala global caso proponham essa transparência em cargas úteis de lançamento. Ao proporem a entidade da ONU, os líderes estratégicos dos EUA poderão influenciar as consequências de um descumprimento das políticas espaciais propostas sem serem vistos como agressores por outras potências mundiais. Essa política reduzirá a tensão semelhante à da época da Guerra Fria entre os EUA e seus adversários e, ao mesmo tempo, capacitará os estrategistas norte-americanos a formular, de forma antecipada, regras de engajamento favoráveis.
Essa posição de força política e o estabelecimento de uma política espacial internacional permitirão que os líderes estratégicos dos EUA deleguem responsabilidades, com regras de engajamento claras, a comandantes táticos, que vão gerar procedimentos operacionais padrão baseados nas tarefas especificadas e efetivamente dominar o campo de batalha quando houver os primeiros disparos no “mais elevado terreno”.
Nota: As perspectivas e opiniões expressas ou implícitas neste artigo são de inteira responsabilidade do autor e não traduzem a posição do Departamento de Defesa dos EUA, Exército dos EUA, U.S. Army Space and Missile Defense Command/Army Forces Strategic Command ou outras agências e departamentos do governo dos EUA.
Referências
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- Ibid.; Chow, “Space Arms Control”, p. 107; Rajagopalan, “Beyond Outer Space Treaty”, p. 173.
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- Ibid.
- Ibid.
- Ibid.; Chow, “Space Arms Control”, p. 108.
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- Ibid.
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- Chow, “Space Arms Control”, p. 126 – 28.
- Frey, “Defense of US Space”, p. 79.
- Ibid.
- Lord, “Why America Needs Space”.
O Cap Nicholas Deschenes, do Exército dos EUA, é oficial de operações espaciais e serve como chefe de planejamento para as operações de controle espacial no U.S. Army Space and Missile Defense Command/Army Forces Strategic Command. É bacharel em Astrofísica pelo Florida Institute of Technology e cursa, atualmente, o mestrado em Engenharia Astronáutica na University of Southern California. Ao concluir o mestrado, o Cap Deschenes lecionará Física na Academia Militar de West Point, no Estado de Nova York.
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