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A Preparação de Inteligência Complexa do Campo de Batalha nas Operações de Antiterrorismo Ucranianas

Victor R. Morris

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Militar ucraniano busca a atividade inimiga simulada durante exercício de adestramento em operações urbanas, conduzido em 14 Nov 16 por integrantes da 3ª Divisão de Infantaria, como parte do Grupo Multinacional Conjunto de Adestramento — Ucrânia, no Centro Internacional de Manutenção da Paz e Segurança em Yavoriv, Ucrânia. (Foto do Sgt Jacob Holmes, Exército dos EUA)

A equipe Raptor 14 do Centro Multinacional Conjunto de Aprestamento do Exército dos EUA na Europa apoiou o exercício de adestramento “Battle Staff Attack the Network/Network Engagement and Company Intelligence Support Team” (“Exercício de Estado-Maior de ataque à rede e engajamento em rede com emprego da Equipe de Apoio da Companhia de Inteligência”, em tradução livre), desenvolvido para os oficiais das Forças Armadas ucranianas que conduziam operações antiterrorismo em setembro de 2015 no International Peacekeeping and Security Center — IPSC (Centro Internacional de Manutenção da Paz e Segurança), em Yavoriv, na Ucrânia. [Segundo o Dictionary of Military and Associated Terms, entende-se por Attack the Network as ações e operações letais e não letais contra redes conduzidas contínua e simultaneamente nos vários níveis (tático, operacional e estratégico), que exploram ou criam importantes vulnerabilidades e afetam atividades com o objetivo de eliminar a capacidade do inimigo para funcionar, a fim de possibilitar o sucesso da operação ou campanha. Também denominadas AtN operations — N. do T.] A equipe de adestramento concluiu que as ferramentas doutrinárias tradicionais de Preparação de Inteligência eram inadequadas para proporcionar às Seções de Inteligência dos estados-maiores ucranianos o entendimento do seu ambiente operacional (Ambi Op). Por conseguinte, a equipe adaptou o processo de modo que ele passasse a considerar as dinâmicas de grupo e como elas influenciam o comportamento das populações relevantes para o Ambi Op, em consonância com um conceito denominado complex intelligence preparation of the battlefield — complex IPB (Preparação de Inteligência Complexa do Campo de Batalha, doravante denominada IPB complexa, em contrapartida à Preparação de Inteligência do Campo de Batalha, designada por IPB apenas). Essa experiência serve como um estudo de caso sobre como estados-maiores multifuncionais e equipes de comando de companhia podem aprimorar a formulação de problemas, entender as questões relevantes em todos os níveis e dar forma ao planejamento operacional. [A equipe de comando de companhia inclui, além do comandante, um Executive Officer (XO) e um First Sergeant. — N. do T.] A IPB complexa pode apoiar o processo doutrinário do Exército dos EUA para a Preparação de Inteligência do Campo de Batalha (IPB) e o processo conjunto denominado Preparação de Inteligência Conjunta do Ambiente Operacional (joint intelligence preparation of the operational environment — JIPOE).

Da IPB à IPB Complexa

Segundo a Publicação Técnica do Exército 2-01.3, Preparação de Inteligência do Campo de Batalha (ATP 2-01.3, Intelligence Preparation of the Battlefield), a Seção de Inteligência de um estado-maior do Exército dos EUA (1) define o Ambi Op, (2) descreve os efeitos deste sobre as operações, (3) avalia a ameaça e (4) determina a ameaça1. A Seção de Inteligência do estado-maior emprega esse processo de quatro passos para analisar certas variáveis de missão na área de interesse de uma operação específica2. As variáveis de missão analisadas são inimigo, terreno, condições meteorológicas e considerações civis3. O objetivo da IPB do Exército dos EUA é fornecer aos seus comandantes e estados-maiores as informações necessárias para a formulação de linhas de ação e a tomada de decisões4. [Comparar com o Processo de Integração Terreno, Condições Meteorológicas, Inimigo e Considerações Civis (PITCIC), constante do EB20 – MF 10107, Inteligência Militar Terrestre — N. do T.]

A doutrina de IPB estipula que todas as quatro variáveis de missão — incluindo considerações civis — e suas interações devem ser analisadas para que o processo seja efetivo. Os estados-maiores precisam “determinar como as interações das forças amigas, forças inimigas e populações locais afetam umas às outras”5. Contudo, na prática, o processo costuma enfatizar o inimigo, em vez de integrar, de uma maneira holística, as considerações civis. Por exemplo, os estados-maiores podem não considerar, adequadamente, a interconexão entre diversos grupos, o microprocesso decisório e a avaliação do comportamento da população (isto é, a análise centrada na dimensão humana). Portanto, se imaginarmos que um Ambi Op e suas dinâmicas são como um jardim, o processo de IPB descrito na doutrina do Exército (e do Corpo de Fuzileiros Navais) dos EUA concentra a atenção dos analistas de Inteligência no solo, nas ervas daninhas e nos insetos, e não na paisagem completa e nas interações que tornaram as plantas vulneráveis ou resistentes aos danos ou desequilíbrio.

Os autores Tom Pike e Eddie Brown explicam como uma IPB complexa pode melhorar a IPB em um artigo publicado em março de 2016 na revista Small Wars Journal6. Pike e Brown afirmam que “utilizar a IPB como o núcleo e integrar conceitos da teoria de sistemas adaptativos complexos gera a IPB complexa”7. Em vez de, prioritariamente, identificar e avaliar o inimigo ou a ameaça, o processo de IPB complexa ajuda as Seções de Inteligência dos estados-maiores a analisar diversos grupos e como eles interagem e se comportam coletivamente. Da mesma forma que as ameaças híbridas e dinâmicas contra as quais foi criada, a IPB complexa conjuga abordagens convencionais e inovadoras, que enfatizam fatores culturais e populacionais, avaliações de percepções e uma análise de atores não militares, a fim de criar um entendimento mais correto do Ambi Op. Portanto, a IPB complexa amplia o processo básico, de modo a incluir a definição do perfil sociocultural, a análise de conexões e redes sociais e modelos computacionais baseados em agentes (agent-based models — ABM). Embora não tenha sido empregada de maneira suficientemente ampla para validar sua efetividade, a IPB complexa pode ajudar os estados-maiores a desenvolver um quadro mais detalhado do Ambi Op do que apenas a IPB constante da doutrina.

Segundo Pike e Brown, “a IPB complexa é a próxima geração de IPB [...] [que poderia] melhorar, radicalmente, a análise de populações estrangeiras, assim como aumentar a capacidade dos EUA para influenciá-las”8. São relacionados a seguir os seis passos da IPB complexa:

1. Definir o Ambi Op.

2. Descrever os efeitos da paisagem de aptidão, ou adaptativa.

3. Avaliar os grupos principais.

4. Avaliar as linhas de ação dos grupos principais.

5. Analisar a interação entre os grupos.

6. Avaliar o comportamento da população9.

O que Pike e Brown denominam “paisagem de aptidão” é o “ecossistema sociocultural e político de uma população”, um conceito relacionado à análise de sistemas e subsistemas de fatores PMESII (político, militar, econômico, social, informação, infraestrutura) utilizada na JIPOE10. A IPB complexa considera as capacidades individuais que Pike e Brown denominam “funções de aptidão”, como profissão, educação, grupo étnico, conexões familiares e necessidade econômica, que influenciam as decisões dos indivíduos em relação à paisagem de aptidão11. Valendo-se desses conceitos, a IPB complexa pode ajudar os estados-maiores a entender e levar em consideração como as decisões individuais interagem e afetam as dinâmicas de grupo.

Um Modo Holístico de Enquadrar o Ambiente Operacional

A doutrina conjunta norte-americana define ambiente operacional como “uma combinação das condições, circunstâncias e influências que afetam o emprego de capacidades e se relacionam às decisões do comandante”12. Para que a Preparação de Inteligência tenha sucesso, é essencial entender o Ambi Op e definir todas as suas dinâmicas. O conceito de Ambi Op “compreende áreas e fatores físicos [...], o ambiente informacional (que inclui o ciberespaço)” e os sistemas interconectados que podem ser representados pelos fatores PMESII13.

Segundo a Publicação Conjunta 2-01.3, Preparação de Inteligência Conjunta do Ambiente Operacional (JP 2-01.3, Joint Intelligence Preparation of the Operational Environment), a JIPOE consiste em quatro passos destinados a garantir que os estados-maiores conjuntos de Inteligência incluam todos os aspectos relevantes de um Ambi Op em sua análise: (1) definir o Ambi Op, (2) descrever o impacto do Ambi Op, (3) avaliar o adversário e outros atores relevantes e (4) determinar as linhas de ação do adversário e outros atores relevantes14. O propósito é ajudar o comandante das forças conjuntas a prever as ações mais prováveis do adversário empregando uma visão holística do Ambi Op e “integrando uma perspectiva de sistemas e uma perspectiva geoespacial, assim como perspectivas de IPB específicas das Forças”15.

Para distingui-la da JIPOE, a doutrina conjunta caracteriza a IPB como uma preparação que requer a “microanálise [...] para apoiar as operações do comando componente”, acrescentando que as “análises de JIPOE e IPB apoiam uma à outra ao mesmo tempo que evitam a duplicação do esforço analítico”16. A JP 2-01.3 ilustra o foco da JIPOE com uma ilustração circular que coloca em seu cerne uma “visão holística do ambiente operacional” 17. Entretanto, todo Ambi Op é multidimensional, seja em operações do Exército ou conjuntas, e entendê-lo requer uma abordagem holística e adaptada sob medida quanto à Preparação de Inteligência. A IPB complexa indica a necessidade de integrar modos de conduzir uma análise holística, à semelhança do foco da JIPOE. A figura 1 apresenta o modelo circular do processo de JIPOE, e a IPB complexa é interpretada de maneira semelhante.

Figura 1 – Comparação entre Preparação de Inteligência Conjunta do Ambiente Operacional e Preparação de Inteligência Complexa do Campo de Batalha

(Imagem de Victor R. Morris; passos de Tom Pike e Piotr M. Zagorowski, “Dense Urban Areas: The Case for Complex IPB”, Military Intelligence Professional Bulletin 42, no. 3 [July-September 2016])

Figura 1 – Comparação entre Preparação de Inteligência Conjunta do Ambiente Operacional e Preparação de Inteligência Complexa do Campo de Batalha

(Imagem da Joint Publication 2-01.3, Joint Intelligence Preparation of the Operational Environment [Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 21 May 2014], I-25)

Os fatores normalmente considerados como elementos que influenciam o nível estratégico também afetam o planejamento operacional e tático. Por exemplo, o ambiente estratégico é caracterizado pela combinação de uma complexa geopolítica e estrutura demográfica, como crescimento populacional, migrações mistas e urbanização. O relacionamento entre essas dinâmicas é particularmente complexo devido à conectividade global e a tecnologias novas e revolucionárias. Esses fenômenos criaram um ecossistema mutável de ameaças principais e híbridas convergentes, como Estados revanchistas, proto-Estados extremistas (ex.: Estado Islâmico), organizações coletivas extremistas e violentas, partidários do Estado e redes transnacionais do crime organizado.

Operações como as de defesa interna em territórios estrangeiros, contrainsurgência, contraterrorismo, guerra não convencional e imposição da lei empregam várias atividades e esforços de cooperação no processamento, exploração e disseminação de Inteligência relacionada aos grupos que representam ameaças e suas interações com as populações relevantes. Todas as operações supracitadas podem ocorrer de maneira isolada ou podem ser combinadas com tarefas ofensivas, defensivas e de estabilização de forças convencionais nas áreas operacionais do Exército ou conjuntas.

Na análise do Ambi Op, a IPB complexa enfatiza as considerações civis, que incluem os grupos populacionais e as condições sociais que os influenciam. O ecossistema da ameaça e dos grupos que a apoiam engloba interações que afetam o Ambi Op; eles empregam uma variedade de capacidades, táticas e armas. A correspondente ameaça em termos de armas pode ser classificada em três categorias principais: armas convencionais, armas de destruição em massa (ADM) e armas improvisadas. As armas improvisadas oferecem o potencial de modificar e combinar capacidades convencionais e de ADM por meios não militares de lançamento que utilizam materiais e tecnologias comerciais prontamente disponíveis ou de fabricação própria, tornando seu emprego difundido na guerra irregular. Com efeito, o emprego de armas improvisadas é generalizado em muitas áreas operacionais, às vezes como munições e armas modificadas, artefatos explosivos improvisados (AEI) ou armas químicas ou biológicas improvisadas. As combinações de capacidades tradicionais e irregulares empregadas pelas ameaças híbridas são, muitas vezes, facilitadas por atores que se apoiam mutuamente e recursos variados. Outras características de ameaças híbridas incluem o emprego de tropas aliadas (ou “por procuração”) e a condução de operações de alta e baixa intensidade (modos e meios) no campo de batalha para alcançar objetivos políticos (fins).

Em um artigo publicado em maio de 2016 na Army Magazine, Phillip Karber e Joshua Thibeault descrevem como o envolvimento da Rússia na Ucrânia ilustra sua “guerra de nova geração”, que “combina o envolvimento estatal oculto e de baixa intensidade com o envolvimento direto, de alta intensidade e até arrogante de uma superpotência”18. Segundo Karber e Thibeault, a estratégia da Rússia inclui a subversão política, áreas seguras aliadas, intervenção, dissuasão coercitiva e manipulação negociada19. Para alcançar seus objetivos, os esforços militares da Rússia incluem grupos táticos mistos de companhia e batalhão com guerra eletrônica, sistemas aéreos não tripulados, concentração de fogos, viaturas de combate blindadas e de infantaria pesada e capacidades de defesa antiaérea20. Nesse ambiente, dinâmicas de grupo complexas interagem com as operações militares.

Interações Complexas na Ucrânia

Considerando a natureza variada e dinâmica da ameaça híbrida, a composição demográfica e os fatores de motivação existentes na região de Donbass, na Ucrânia, faz-se necessária uma análise holística do Ambi Op, utilizando a IPB complexa. Com respeito a Donbass, a paisagem e funções de aptidão são, até certo ponto, desconectadas do resto da Ucrânia e da Rússia. Essa separação deixou esses ecossistemas em um estado de regulação artificial e isolamento físico, em que tanto os separatistas internos quanto os atores externos manipulam a paisagem de aptidão da região. Além de manipularem essas dinâmicas, os separatistas e os atores externos buscam, de modo ineficaz, reproduzir as estruturas políticas e de governança por meio da eleição e nomeação de presidentes e parlamentos dentro da região empregando meios militares e não militares.

Embora a região seja, de fato, isolada, isso só é válido até certo ponto. Os acontecimentos em Donbass geram repercussões para as populações daquela região e da Ucrânia em geral, para os países vizinhos e para o resto da Europa e da comunidade internacional. Essas são as razões para empregar a IPB complexa, que enfatiza o comportamento de grupo. Os indivíduos formam um grupo, e os grupos compõem as populações. As populações são representadas por algum tipo de Estado, proto-Estado, Estado “fora da lei” ou entidade externa. O que a IPB e a JIPOE costumam ignorar são os processos para entender como esses indivíduos, populações e Estados interagem uns com os outros e como interações relativamente insignificantes podem ter um significativo efeito “dominó”. A IPB complexa leva em conta essa complexidade na maneira pela qual avalia grupos (passo 3) e suas linhas de ação (passo 4). Entretanto, avaliar o que guia suas interações (passo 5) e como os indivíduos e grupos tomam certas decisões ou ações (passo 6) exige uma análise mais aprofundada dos incentivos ou fatores de motivação — os efeitos da paisagem de aptidão.

As estruturas de incentivo são as condições dentro da paisagem de aptidão, ou dentro dos sistemas PMESII, que, em um nível macro, promovem a cooperação ou competição e, em um nível micro, impelem os indivíduos e grupos a tomarem decisões e realizarem ações21. As ações ou decisões podem ser influenciadas por uma figura central de autoridade ou tomadas de modo independente por indivíduos. Se muitos indivíduos chegarem a decisões semelhantes, um fenômeno coletivo de base se manifesta. Isso ficou em evidência durante as “revoluções coloridas”, por exemplo.

Em Donbass, alguns indivíduos e grupos étnicos apoiam o movimento separatista em vez do governo em Kiev. Algumas das razões (isto é, os “incentivos”) pelas quais os indivíduos apoiam os separatistas incluem um sentido geral de desconfiança em relação ao governo central em Kiev, segundo o estudo da escritora sobre ciência política Elise Giuliano, “The Origins of Separatism: Popular Grievances in Donetsk and Luhansk” (“As Origens do Separatismo: Reivindicações Populares em Donetsk e Luhansk”, em tradução livre), publicado em 201522. Giuliano relata que uma considerável minoria se sente traída pelo governo, o qual, segundo eles, realizou uma “redistribuição demográfica discriminatória dentro da Ucrânia”23. Alguns acreditam que políticas econômicas como a possível filiação à União Europeia prejudicarão seus interesses, e alguns são contrários a certas políticas governamentais. Portanto, ainda que alguns compartilhem um sentido de lealdade política e econômica em relação à Rússia, os incentivos que levam os indivíduos a apoiarem os separatistas variam. Cada grupo ou indivíduo pode ter diferentes motivos para sua microdecisão de aderir aos objetivos dos separatistas, mas o macrorresultado é um considerável apoio a esse movimento. Além disso, à medida que indivíduos, grupos e Estados interagem, as microdecisões podem mudar com o tempo e fazer com que o resultado coletivo mude.

Adestramento das Forças Armadas Ucranianas

Durante o adestramento de 2015 em Yavoriv, a equipe de instrução conduziu um processo com base nos elementos essenciais da IPB complexa, apresentando, ainda, uma lição introdutória sobre a JIPOE, que incluiu o mapeamento do sistema PMESII. O exercício prático foi diretamente aplicado nas operações que ocorriam nos oblasts (Províncias) de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia, a fim de entender o movimento separatista — incluindo o esforço conhecido como Projekt Novorossiya24. Considerando que o foco desse curso foi a Preparação de Inteligência combinada com análise de sistemas e redes híbridas, assim como a natureza complexa dos grupos que operam dentro e fora da Ucrânia, foi apropriado e efetivo utilizar conceitos de IPB complexa nesse contexto.

O processo adaptado foi mais efetivo que a Preparação de Inteligência típica, pois ele não só identificou as ameaças e seus comportamentos, como também foi um passo além, considerando as estruturas de incentivo que ajudaram a criá-los e os prováveis efeitos das ações letais e não letais propostas com o intuito de apoiar, influenciar, abalar ou neutralizar os comportamentos visados.

O exercício começou com a identificação dos atores por meio da avaliação de adversários. O processo normal foi, então, ampliado, mediante a elaboração de uma descrição dos efeitos da paisagem de aptidão, seguido de uma avaliação gráfica dos principais grupos que influenciam as diretrizes políticas e operações militares na Ucrânia. As linhas de ação e interações dos principais grupos que influenciam o comportamento da população também foram analisadas em detalhe.

Em seguida, o exercício realizou uma modelagem de rede complexa que destacou os fatores socioculturais e elementos do poder nacional que estimularam a instabilidade, assim como os efeitos da paisagem de aptidão e estruturas de incentivo específicas presentes. Também foram modeladas características de surgimento de um sistema adaptativo complexo envolvendo operações militares e processos decisórios descentralizados. De fato, a modelagem de redes e o entendimento das relações de apoio mútuo entre a suposta ameaça e os grupos que a apoiam também foram desenvolvidos pelos alunos ucranianos (veja a figura 2).

Figura 2 – Modelo de Conexões de Ameaças Híbridas da Ucrânia

À medida que a intensidade da guerra oscila, o mesmo ocorre com as ameaças e com o emprego de diversos sistemas de armas. Portanto, como as novas tecnologias transformam e complicam continuamente o Ambi Op, uma análise mais detalhada identificou as capacidades, táticas e linhas de ação específicas do adversário. A análise foi um passo além ao considerar os efeitos gerados a partir das muitas combinações e permutações possíveis de filiações simultâneas que pudessem influenciar as forças pró-governo, o comportamento da população e os esforços de assistência internacional25. Por exemplo, os grupos de ação diversionária e de reconhecimento inimigos apareceram no extremo inferior ou tático do modelo, destacando interações dispersas. Estavam associados a armas convencionais modificadas e AEI que visavam as forças do governo, os civis e a infraestrutura crítica. A título de observação, outras capacidades associadas com os grupos de ação diversionária e de reconhecimento incluíram a correção de artilharia, o saque e o sequestro e interrogatório. Em seguida, por ter provocado 85% das baixas nos dois lados da guerra em Donbass até então, a artilharia convencional foi considerada uma ameaça maior do que as armas e munições modificadas (ex.: minas e granadas) e os AEI, em um conflito que tem oscilado entre a alta e a baixa intensidade por um período prolongado26. Além disso, a função de combate fogos convencionais foi reforçada por meio do reconhecimento por sistemas aéreos não tripulados e observação avançada, realizados por tropas de vários escalões. Essa estratégia foi conjugada, então, com sistemas de lançamento múltiplo de foguetes e ataques de artilharia transfronteiriços pré-programados e concentrados.

O exercício e as discussões subsequentes ressaltaram as necessidades de entendimento compartilhado. Além disso, destacaram os elementos básicos para o engajamento de redes e a Preparação de Inteligência, incluindo a análise do Ambi Op e de redes sociais e comportamentos básicos (medidas de centralidade) e de grupos. Ainda que ilustre 16 dos diversos grupos dentro e fora da área operacional, o modelo de ameaças na figura 2 não leva em consideração atores “amigos, neutros e desconhecidos” cujas decisões e comportamentos afetam as operações. Esses atores também deveriam ser incluídos em uma análise holística para uma avaliação adequada de engajamento e efeitos, a fim de produzir a avaliação mais abrangente do Ambi Op.

Não obstante, os participantes chegaram a avaliar que os efeitos dos comportamentos da ameaça e da população seriam um “impasse, em que nem o governo nem a insurgência ganhariam terreno”27. Uma análise mais aprofundada, porém, revelaria os fatores que estavam influenciando a parcela mais vulnerável da população, que não apoiava totalmente a insurgência e se sentia traída e privada de direitos pelo governo legítimo em Kiev. Assim, por um lado, futuras avaliações identificariam implicações adicionais e inter-relacionadas de PMESII referentes a iniciativas de reforma militar, anticorrupção e reconciliação pelo governo ucraniano. Por outro lado, avaliações contínuas identificariam as implicações de missões de apoio à defesa externa e missões especiais de monitoramento de cessar-fogo por órgãos intergovernamentais.

Por fim, ainda que entender como os grupos não militares influenciam seu Ambi OP possa ajudar as forças militares a conduzir operações com êxito, as avaliações de IPB complexa também revelam que os problemas que levam ao conflito não podem ser resolvidos pela força militar por si só. As atuais ameaças híbridas e influências externas continuarão a explorar vulnerabilidades e insatisfações caso elas não sejam reconhecidas, conciliadas de maneira holística e politicamente atendidas pelo governo de Kiev. Portanto, a questão passa a ser a de quais instrumentos do poder nacional e internacional poderiam ser capacitados além da força militar com o intuito de restaurar os sistemas da região de Donbass especificamente e a identidade, ecossistema e equilíbrio pós-revolucionário da Ucrânia em geral.

Um comandante de companhia ucraniano analisa as ligações e interações da rede de ameaças durante adestramento nível companhia em Inteligência e combate a redes de ameaças, 17 Set 15, Centro Internacional de Manutenção da Paz e Segurança, Ucrânia. (Foto de Josh Ryner)

Conclusão

O processo da IPB complexa amplia os processos doutrinários de Preparação de Inteligência de modo a incluir o aperfeiçoamento da Inteligência a partir da base e a análise dinâmica de redes humanas. Portanto, nos Ambi Op caracterizados por uma complexa composição demográfica e suas várias estruturas de incentivo, a IPB complexa fornece uma necessária análise detalhada — não apenas dessas dinâmicas do sistema, como também das interações e capacidades em diversos níveis. A IPB complexa, conforme empregada durante o exercício prático de 2015 das forças ucranianas, sem dúvida ajudou os participantes a obterem um entendimento mais abrangente do Ambi Op especificamente, assim como das operações antiterrorismo em geral.

A experiência na Ucrânia com o emprego da IPB complexa indica o forte potencial para a obtenção de resultados semelhantes em outras operações, como as de antiterrorismo na África. Outros possíveis casos-teste para esse processo podem incluir operações nas regiões do Cáucaso e do Levante, em complexos ambientes urbanos e nas megacidades. É fundamental que as dinâmicas humanas e de grupo sejam conjugadas com a análise de infraestrutura e ambiente físico a fim de entender as conexões de antiacesso/negação de área da ameaça híbrida e gerar o entendimento mais abrangente possível de comportamentos humanos que afetem as operações. Slava Ukraini, Geroyam Slava (Glória à Ucrânia, Glória aos Heróis).

Referências

  1. Army Techniques Publication (ATP) 2-01.3, Intelligence Preparation of the Battlefield (Washington, DC: U.S. Government Printing Office [GPO], 2014), 1-2. A ATP 2-01.3 também foi publicada como Marine Corps Reference Publication 2-3A, Intelligence Preparation of the Battlespace.
  2. Ibid.
  3. Ibid., 1-1. Um estado-maior do Corpo de Fuzileiros Navais analisa “a ameaça e o ambiente em uma área geográfica específica”.
  4. Ibid., 1-2.
  5. Ibid.
  6. Tom Pike e Eddie Brown, “Complex IPB”, Small Wars Journal website, 24 March 2016, acesso em 5 dez. 2016, http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/complex-ipb. O modelo de Pike e Brown apresenta semelhanças ao de Jamison Jo Medby e Russell W. Glenn, Street Smart: Intelligence Preparation of the Battlefield for Urban Operations (Santa Monica, CA: RAND Arroyo Center, 2002), acesso em 24 out. 2016, https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/monograph_reports/2007/MR1287.pdf.
  7. Pike e Brown, “Complex IPB”.
  8. Ibid.
  9. Ibid.; Tom Pike e Piotr M. Zagorowski, “Dense Urban Areas: The Case for Complex IPB”, Military Intelligence Professional Bulletin 42, no. 3 (July-September 2016). Cabe observar que, em seu artigo de março de 2016, Pike e Brown denominaram o primeiro passo da IPB complexa de “Definir a área de operações” equivocadamente. Entretanto, no artigo de julho-setembro de Pike e Zagorowski, eles o corrigiram para “Definir a área operacional”. Embora publicados um ano depois da experiência da equipe Raptor 14 na Ucrânia, os conceitos em Pike e Brown e em Pike e Zagorowski registram, de maneira eloquente, os princípios utilizados pela equipe.
  10. Pike e Brown, “Complex IPB”; Joint Publication (JP) 2-01.3, Joint Intelligence Preparation of the Operational Environment (Washington, DC: U.S. GPO, 21 May 2014), I-1.
  11. Pike e Brown, “Complex IPB”.
  12. JP 3-0, Joint Operations (Washington, DC: U.S. GPO, 11 August 2011), p. xv–xvi e GL-14.
  13. Ibid., p. xvi.
  14. JP 2-01.3, Joint Intelligence Preparation, I-1.
  15. Ibid., I-5.
  16. Ibid.
  17. Ibid., fig. I-6, p. I-25.
  18. Phillip Karber e Joshua Thibeault, “Russia’s New-Generation Warfare”, Army Magazine website, 20 May 2016, acesso em 5 dez. 2016, https://www.ausa.org/articles/russia%E2%80%99s-new-generation-warfare.
  19. Ibid.
  20. Ibid.
  21. Michael Armstrong, Armstrong’s Handbook of Reward Management Practice: Improving Performance through Reward, 5th ed. (London: Kogan, 2015). Este livro descreve modos pelos quais os incentivos influenciam o processo decisório individual, a cooperação e a competição.
  22. Elise Giuliano, “The Origins of Separatism: Popular Grievances in Donetsk and Luhansk”, PONARS Eurasia Policy memo No. 396, October 2015, acesso em 24 out. 2016, http://www.ponarseurasia.org/sites/default/files/policy-memos-pdf/Pepm396_Giuliano_Oct2015_0.pdf.
  23. Ibid., p. 2.
  24. Segundo a descrição de um oficial ucraniano, o Projekt Novorossiya consistia em sete territórios e incluía a noção de que a Ucrânia não é soberana, pertencendo, historicamente, à Rússia. Os planos Novorossiya se tornaram realidade primeiro com a Crimeia e depois com os oblasts de Donetsk e Lugansk. O objetivo geral do projeto era unificar Kharkiv, Lugansk, Donestsk, Zaporizhia, Mikolaiv e Odessa com Transnistria e isolar a Ucrânia do Mar Negro. O Projekt Novorossiya é considerado extinto devido à falta de apoio popular.
  25. Em “Complex IPB”, Pike e Brown discutem os possíveis cálculos para os potenciais efeitos de diferentes grupos.
  26. Karber e Thibeault, “Russia’s New-Generation Warfare”.
  27. Pike e Brown, “Complex IPB”.

Victor R. Morris é instrutor de Guerra Irregular e Ações Contra Artefatos Explosivos Improvisados no Centro Multinacional Conjunto de Aprestamento na Alemanha. Conduziu adestramentos realizados em parceria em 16 nações europeias, incluindo a Ucrânia; junto a quatro Centros de Excelência e no Centro Conjunto de Combate da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Como atual contratado civil e ex-oficial do Exército dos EUA, conta com experiência em ambas as funções no Iraque e no Afeganistão.

Segundo Trimestre 2017