Military Review

 

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Terceiro Trimestre 2021

O Exército na Região do Indo-Pacífico

Relevante, mas não um “cordel de tropeço”

Maj John Q. Bolton, Exército dos EUA

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Foto: Ann Wang, Reuters

Dois artigos recentes da Military Review (edição em inglês) defendem a utilidade de forças terrestres no Indo-Pacífico, especificamente com respeito a Taiwan (Cap Walker Mills, “Deterring the Dragon”, e Brian J. Dunn, “Drive Them into the Sea”, September-October 2020). Enquanto Dunn propõe um elemento valor corpo de exército a ser desdobrado em Taiwan para impedir um ataque chinês, Mills recomenda estacionar forças estadunidenses na ilha, com o objetivo de demonstrar o compromisso dos Estados Unidos da América (EUA). Embora o poder terrestre tenha, claramente, um papel a desempenhar na região, um “cordel de tropeço” taiwanês é uma sugestão imprudente que minaria a capacidade e flexibilidade militar dos EUA, ao mesmo tempo que aumentaria tensões sem gerar nenhuma vantagem. Este artigo considera as capacidades específicas que o poder terrestre contribui para o Indo-Pacífico, ao mesmo tempo que adverte contra sobrestimar as capacidades da China ou responder de forma precipitada ao seu crescimento.

(Observação: A título de simplificação, neste artigo, usa-se Taiwan para se referir à República da China e China ou RPC para se referir à República Popular da China.)

A utilidade do poder terrestre no Indo-Pacífico e a necessidade de opções conjuntas

Muito já se escreveu sobre um retorno à competição entre grandes potências, mas o Exército dos EUA deve considerar que seu principal dever é fornecer aos formuladores de políticas um espectro de opções flexíveis, coerentes, econômicas e viáveis. A estratégia consiste, fundamentalmente, em ligar os meios aos fins, mas os fins podem variar em uma região, exigindo diferentes meios. Uma era de competição entre grandes potências não implica que predominará a guerra entre grandes potências. Mesmo durante os 40 anos da Guerra Fria, os planejadores dos EUA e da União Soviética conceberam forças e doutrinas para se oporem mutuamente, mas as tropas dos dois países foram empregadas, predominantemente, em conflitos de baixa intensidade, muitas vezes atuando com ou contra forças “por procuração” (proxy). Para que não nos tornemos os “instrumentos de nossa própria derrocada”, a força conjunta deve desenvolver ferramentas ao longo do espectro dos conflitos durante a concepção, implementação e treinamento de forças.1 As plataformas, unidades e planos não podem existir apenas para os conflitos de alta intensidade, enquanto esperamos que também funcionem para os de baixa intensidade; a força deve fornecer aos formuladores de políticas opções ao longo do espectro dos conflitos, que vão desde dissuadir um adversário até obrigá-lo a fazer nossa vontade (veja a Figura 1).2

Apesar da Estratégia de Segurança Nacional (National Security Strategy) de 2017 exigir o aumento das capacidades dos EUA na região, um relatório de 2020 da Escola de Guerra do Exército (Army War College) declarou que a força conjunta estava “fora de posição” no Indo-Pacífico.3 A falta de um “caminho conjunto comum” e o dispositivo de meios inadequado ao ambiente “hipercompetitivo” da região significam que a força conjunta não pode responder habilmente a ameaças e condições regionais em desenvolvimento.4 Essas deficiências (tanto conceituais quanto estruturais) ficam claras com base no desenvolvimento de capacidades de antiacesso/negação de área pela China, apoiadas pela construção ilegal de ilhas e por sua crescente utilização de técnicas de “zona cinzenta”, como incentivar pescadores chineses a usar rede de arrasto ilegalmente nas zonas econômicas de outros Estados. Com o primeiro método, a China inibe a liberdade de manobra estadunidense, enquanto o segundo explora as demarcações cognitivas ocidentais entre guerra e paz.

Dado o alcance marítimo e a vasta escala da região do Indo-Pacífico, os domínios naval e aéreo pareceriam predominantes. Ademais, embora plataformas aéreas e navais possam responder pela maior parte do movimento e, potencialmente, do combate, as forças terrestres conservam sua utilidade simplesmente porque as pessoas vivem em terra, ocupando o espaço aéreo ou marítimo temporariamente apenas. Além disso, as capacidades terrestres são, frequentemente, mais fáceis de ocultar, de emprego mais econômico e com uma maior capacidade de sobrevivência.5 Sistemas que vão desde o de defesa antimísseis balísticos Terminal High-Altitude Air Defense (THAAD) até o Short-Range Air Defense (defesa antiaérea de curto alcance) e o Aegis Ashore exibem essas características.6

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NT: Por vezes, os capacitadores (enablers) podem ser entendidos como “multiplicadores do poder de combate”, por vezes, como “elementos em apoio”. Meios associados à Inteligência, Operações Psicológicas, Assuntos Civis, Operações Especiais, Guerra Eletrônica, Guerra Cibernética, dentre outros, são, frequentemente, citados como capacitadores, segundo uma perspectiva mais ortodoxa das operações de combate em larga escala.

O poder terrestre tem características singulares, além de conquistar e manter terreno. Pode funcionar como uma “grade” de funções no âmbito de todo o teatro de operações, incluindo bases, operações portuárias e sustentação logística geral, permitindo o acesso e longevidade da força conjunta (veja a Figura 2).7 Essa grade consiste em unidades capacitadorasNT e em acordos de apoio e de concentração de forças com nações anfitriãs. Assim, o Exército deve continuar a desenvolver o I Corpo de Exército (I Corps, sediado na Base Conjunta Lewis-McChord), como seu quartel-general operacional para o Indo-Pacífico, que, trabalhando junto ao Exército dos EUA no Pacífico e ao Comando dos EUA para o Indo-Pacífico, pode conduzir a recepção, concentração, movimento para as linhas de frente e integração para forças conjuntas e multinacionais em toda a região, ao mesmo tempo que coordena fogos conjuntos para forças-tarefas de múltiplos domínios. O desenvolvimento dessas capacidades garante que os formuladores de políticas tenham opções.

O poder terrestre também tem sua utilidade característica como um meio para a cooperação regional. As brigadas de assistência às forças de segurança e as forças de operações especiais do Exército permitem a aplicação do poder terrestre aquém da guerra mediante a atuação junto a aliados e parceiros.8 As forças do Exército podem se identificar melhor com forças parceiras e aliadas dadas as semelhanças fundamentais entre forças terrestres, ao contrário de forças navais e aéreas, mais voltadas para plataformas. Como “sete dos dez maiores exércitos do mundo estão no teatro de operações do Pacífico, e 22 dos 27 países da região têm um oficial do exército como chefe da defesa” (muitos dos quais cursaram a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA [U.S. Army Command and General Staff College]), o Exército dos EUA está bem posicionado para “falar” com atores regionais por meio de seu quadro de oficiais especialistas na área de serviço exterior.9

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O esquema Pacific Pathways do Exército dos EUA significa que o poder terrestre estadunidense está “a oeste da Linha Internacional de Data durante dez meses do ano”, interagindo com várias Forças Armadas regionais, incluindo Singapura, Tailândia, Austrália e Palau.10 O esquema Pacific Pathways desenvolve a interoperabilidade e os relacionamentos de uma forma que não seria possível por meio de visitas a portos ou delegações da alta liderança. No entanto, a utilidade do poder terrestre não permite uma estratégia deficiente. Posicionar forças estadunidenses em Taiwan aumentaria, desnecessariamente, as tensões com a China por uma demonstração de apoio puramente simbólica, a qual parece insignificante em comparação ao apoio de verdade, como a venda anual de cerca de USD 2 bilhões em armas a Taiwan.11 Tal ação escalaria, desnecessariamente, uma competição predominantemente na zona cinzenta, forçando a China a considerar ativamente a ilha de Taiwan como “perdida” e, assim, escalar, potencialmente, os planos para atacá-la ou a outros locais. Tendo apresentado esse desafio, nós nos voltamos agora para a China e para o Exército de Libertação Popular (ELP).

Avaliação sobre o Exército de Libertação Popular

Não devemos confundir o poderio econômico da China com uma garantia de sua superioridade militar, nem presumir que ela seja dotada de uma capacidade de previsão excepcional. As evidências não justificam essas afirmações. A China demonstrou lapsos e erros estratégicos ao longo da geração passada, de antagonizar seus vizinhos no Sudeste Asiático a não conseguir estabelecer uma coalizão eficaz contra os EUA. Supor uma “clarividência” da RPC consiste em repetir os erros iniciais dos EUA durante a Guerra Fria em relação aos mísseis, aeronaves e avanços tecnológicos soviéticos, quando, na verdade, os EUA lideraram em quase todos os indicadores até os anos 70, sempre no aspecto qualitativo e, muitas vezes, no aspecto quantitativo também.12 Ao examinarmos a China, vemos um padrão de planos grandiosos e frequentemente desastrosos, desde o “Grande Salto Adiante” e a “Grande Campanha dos Pardais” na década de 1950 até a atual Iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” (que ainda não produziu os resultados prometidos pelo Presidente Xi Jinping).13

Foto: cedida pela Força Aérea de Taiwan

Capacidades estadunidenses e chinesas

Passando agora às Forças Armadas da China, um relatório de 2017 da empresa RAND Corporation e o China Power Report (“Relatório sobre o Poder da China”, em tradução livre), produzido anualmente pelo Departamento de Defesa, demonstram que, embora as capacidades do ELP tenham, certamente, melhorado, a China ainda tem, na melhor das hipóteses, uma paridade regional com as forças estadunidenses e taiwanesas (veja a Figura 3).14 Isso não quer dizer que as forças do ELP não sejam enormes, mas seu último grande combate foi uma invasão limitada do Vietnã em 1979 (a China perdeu), enquanto sua última operação anfíbia foi na década de 1950 contra nacionalistas que fugiam da ilha de Hainan.15 Além disso, com exceção de 1979, nem um único soldado do ELP combateu em mais do que uma escaramuça na fronteira desde a Guerra da Coreia. Não devemos confundir modernização com capacidade ou experiência, nem quantidade com qualidade.

Mills observa que a China declarou o retorno de Taiwan à RPC como um “interesse central” e que uma operação no outro lado do estreito é o “objetivo estratégico no 1” do ELP.16 Contudo, os estadunidenses muitas vezes não compreendem que o ELP é um componente do Partido Comunista da China (PCC), o que significa que predomina a ideologia e que essas declarações devem ser contextualizadas, sendo tanto propaganda quanto são doutrina.

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Mesmo assim, ao considerar que as Forças Armadas da China estejam concentradas em invadir Taiwan, é preciso lembrar que as Forças Armadas taiwanesas estão inteiramente dedicadas à defesa da ilha. Taiwan não é uma mera ilha simbólica. Para os taiwaneses, uma invasão é, literalmente, uma questão de vida ou morte, e não de jogo de poder. As Forças Armadas taiwanesas não seriam facilmente sobrepujadas — mesmo quando comparadas com seu inimigo continental. Desconsiderar as capacidades taiwanesas (ou seu amor pela liberdade) é incorreto na melhor das hipóteses e, na pior delas, reflete atitudes paternalistas que, anteriormente, estragaram o relacionamento dos EUA com o Vietnã do Sul.17 Segundo o U.S. Naval Institute, embora as Forças Armadas de Taiwan sejam muito pequenas em relação ao ELP, suas forças da ativa são comparáveis ao Exército dos EUA, com cerca de 300 mil militares.18 Como porcentagem de 23 milhões de cidadãos, isso representa, provavelmente, a maior taxa de mobilização do mundo. Além disso, Taiwan tem uma capacidade de mobilização da reserva que lhe permite armar centenas de milhares de seus habitantes.19 As Forças Armadas de Taiwan estão bem aparelhadas, após décadas de aquisições de equipamentos estadunidenses. Assim, as forças taiwanesas constituem uma forte defesa contra uma invasão de um ELP melhorado, mas ainda em desenvolvimento.

Imaginando uma invasão de Taiwan pela China

Embora as previsões variem, nenhuma delas presume que o ELP, mesmo com uma superioridade operacional, sobrepujaria Taiwan facilmente. Para ocupar Taiwan, a China teria, primeiro, de estabelecer a superioridade aérea e marítima contra sistemas equiparados (ou melhores) antes de desdobrar forças suficientes para estabelecer uma posição segura e, em seguida, ocupar a ilha. Considerando que Taiwan conta com cerca de 120 mil militares da ativa em seu Exército e Corpo de Fuzileiros Navais (CFN), a proporção histórica de ataque-defesa de 3:1 significa que quase 300 mil militares do ELP teriam de combater em terra, chegando por meios aeroterrestres, de assalto aéreo, aerotransportados e anfíbios. É improvável que o ELP possa aprestar uma força tão grande sem revelar suas intenções, aumentando ainda mais a resposta de Taiwan (e a resposta combinada dos EUA, Japão e Austrália). As estimativas geralmente concordam que o ELP precisaria de pelo menos 30 dias para começar a movimentar equipamentos e pessoal para portos de embarque e campos de aviação, dando a Taiwan tempo para mobilizar sua reserva de mais de um milhão de integrantes.20 A geografia de Taiwan também favorece a defesa. Com apenas três a quatro meses de bom tempo por ano e apenas 13 praias ocidentais que permitiriam o desembarque de grandes forças anfíbias, forças do ELP que fossem deslocadas para Taiwan por via aérea logo se veriam isoladas, especialmente considerando as minas, pontes destrutíveis e outros obstáculos construídos ao longo da costa taiwanesa.21

Carl von Clausewitz advertiu que “a guerra é mais do que uma soma aritmética”.22 Taiwan, que tem um forte compromisso com sua independência, não seria simplesmente subjugado por tropas do ELP em terra. As forças do ELP veriam suas vantagens em blindados, poder aéreo e tecnologia avançada serem anuladas pelo ambiente urbano denso de Taiwan. Historicamente, a doutrina recomenda pelo menos 20 militares por cada mil civis para subjugar uma insurgência.23 Aplicando esse padrão, a China teria de sustentar cerca de 460 mil militares em Taiwan durante anos após uma invasão. Os totais tanto da força atacante quanto da força de ocupação excedem o efetivo do ELP nas regiões adjacentes a Taiwan, e esta última representa cerca de 50% do total das forças terrestres da China.24 A título de referência, essa força é quase três vezes o que os EUA mantiveram no Iraque no auge daquela guerra.25

Conforme essa breve análise demonstra, uma invasão continua sendo improvável, apesar da retórica alarmista, porque as condições meteorológicas, os acidentes geográficos e o acaso já agravam enormes dificuldades. Parece mais provável que uma ilha de 23 milhões de taiwaneses que amam a liberdade, provida de uma marinha eficaz e caças de quarta geração fornecidos pelos EUA, possa repelir uma força que não conduz uma guerra desde uma invasão limitada em 1979 e não venceu nenhum confronto contra um adversário com poder de combate equiparado em quase três séculos. No mínimo, os taiwaneses poderiam retardar o ELP enquanto os EUA e outras potências ocidentais mobilizassem forças e impusessem fortes sanções econômicas; é possível imaginar que até uma invasão bem-sucedida do ELP se deterioraria e converteria em uma ocupação contestada. Tal “úlcera taiwanesa” restringiria as opções da RPC no médio e longo prazo.

Por que posicionar forças em Taiwan é uma má ideia

A presença de forças estadunidenses em Taiwan criaria um risco moral inaceitável, garantindo vidas taiwanesas à custa de vidas estadunidenses e flexibilidade geoestratégica. Mills presume demais a respeito do efeito dissuasório de potenciais forças estadunidenses em Taiwan. Mills cita Thomas Schelling para apontar que “não se pode assumir um compromisso genuíno” apenas por meio de promessas, mas não dá atenção ao conselho deste último, de que as melhores estratégias limitam as opções de um adversário ao mesmo tempo que preservam as próprias opções; a presença de tropas estadunidenses em Taiwan faria o oposto.26 As forças estadunidenses são uma consideração secundária para o cálculo da China, no que é, primordialmente, uma decisão política (de atacar Taiwan). Além disso, qualquer força estadunidense aquém de uma brigada blindada seria tática e operacionalmente insuficiente para afetar, de modo significativo, as decisões da RPC, mas se tornaria o foco dos EUA, prejudicando sua capacidade de apoiar Taiwan. Com efeito, a presença de forças estadunidenses na ilha prejudicaria a política dos EUA. Como no caso da guarnição isolada de Douglas MacArthur nas Filipinas em 1942, essa força não dissuadiria uma grande potência que houvesse decidido ir à guerra, mas restringiria a resposta dos EUA.

Schelling também alertou que a dissuasão depende de “comunicar nossas próprias intenções”.27 Como os EUA se comprometeram a fornecer a Taiwan uma defesa confiável durante duas gerações, o envio de tropas para a ilha consiste em uma escalada (e também em uma mudança radical de política) sem nenhum benefício. A presença de tropas em Taiwan elevaria minimamente o limiar da ação chinesa, mas ataria as mãos dos formuladores de políticas e comandantes estadunidenses. Tão perigoso quanto não entender um inimigo é comprometer-se ingenuamente com fins inalcançáveis. A presença de forças estadunidenses na ilha mostraria explicitamente que a RPC teria perdido Taiwan. Um comportamento bem estabelecido de “aversão a perdas” significa que, em vez de dissuadir, a presença de tropas na ilha aumentaria a probabilidade de guerra.28 A dissuasão presume um adversário racional que entenda as ações estadunidenses como intenção, uma pressuposição incrível da capacidade dos EUA para comunicar sua intenção estratégica. Contudo, dado o foco ideológico da RPC em recuperar Taiwan, não se deve esperar racionalidade nessa área.

Foto do autor

O conflito em um espectro requer a utilização de todos os elementos de poder, não apenas o militar, e, decerto, não usar tropas estadunidenses como um “cordel de tropeço”. No entanto, se as tropas não o fizerem, o que dissuadirá a China? Em palavras simples: todo o resto. Os EUA têm outros instrumentos de política e elementos do poder nacional para dissuadir e, se necessário, obrigar a China. Por exemplo, um terço do petróleo da China vem do Oriente Médio ou da África por vias marítimas que os EUA e seus aliados poderiam controlar.29 Além disso, o poder econômico estadunidense permite sanções específicas contra a “fusão militar-civil” da China.30 Na competição com a China, os aliados e parceiros são fundamentais, representando uma importante vantagem para os EUA. Contudo, o instante em que um militar do Exército ou CFN dos EUA chegar a Taiwan, outros Estados terão de optar entre EUA e China, diminuindo as vantagens assimétricas estadunidenses ao forçar aliados e parceiros a escolher sem qualquer provocação da RPC. Quarenta anos de ambiguidade estratégica serviram bem aos EUA; colocar forças em Taiwan anularia essa flexibilidade.

Conclusão e recomendações

Uma invasão de Taiwan pela China não é um mero exercício teórico. A independência da ilha tem sido um pedra no sapato do PCC desde 1949. A independência de Taiwan representa um lembrete do “século de humilhação’ da China, entre 1849 e 1949, quando as potências ocidentais, a rebelião interna e a guerra civil destruíram o Estado chinês. O PCC e, em especial, Xi Jinping usam a história e uma retórica nacionalista quase xenófoba — “勿忘国耻” (“Nunca se esqueça da humilhação nacional”) é uma frase comum na propaganda do PCC — como meio para promover a união e justificar o tecno-autoritarismo abusivo do partido.31 Como exemplo dessa tendência nacionalista, em maio de 2020, a China retirou “pacífica” [em relação a “reunificação”] de sua promessa de retomar a ilha.

No entanto, o foco geral da China é manter a tranquilidade interna.32 Não devemos perceber, com base em nosso próprio narcisismo, que a China é um ator diabólico que busca ser o sucessor dos EUA. A China está agindo como se esperaria que uma potência crescente e insegura agisse — demonstrando, de forma assistemática, seu poder (econômico e militar), para estabelecer a primazia regional, com sucesso em algumas áreas e fracasso em outras — da mesma forma que os EUA do final do século XIX.33 Isso não significa que os EUA devam ignorar ou consentir as ações chinesas, apenas que tais ações não são nenhuma surpresa, como também não o são suas tentativas de desafiar as ordens existentes para construir suas próprias instituições.

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Para acessar “Deterring the Dragon: Returning U.S. Forces to Taiwan”, Capt. Walker Mills, U.S. Marine Corps, Military Review, September-October 2020, https://www.armyupress.army.mil/Journals/Military-Review/English-Edition-Archives/September-October-2020/Mills-Deterring-Dragon/.

 

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Para acessar “Drive Them into the Sea”, Brian J. Dunn, Military Review, September-October 2020, https://www.armyupress.army.mil/Journals/Military-Review/English-Edition-Archives/September-October-2020/Dunn-Drive-Into-Sea/.

Na verdade, à medida que a China crescer, assegurar a tranquilidade interna (ou pelo menos obediência) passará a ser cada vez mais importante, conforme sua classe média emergente se irritar com as restrições do PCC. O uso do nacionalismo chinês por Xi Jinping pode ser visto, mais corretamente, mais como um meio de suprimir a discordância interna do que alcançar a ascendência global.

Sobrestimar a ameaça da RPC a Taiwan e à região do Indo-Pacífico em geral reflete uma falta de imaginação e um cálculo impreciso em relação aos pontos fortes dos EUA na região. É preciso lembrar que a maior parte dos avanços militares chineses são defensivos, projetados para inibir a liberdade de manobra dos EUA. Essas ferramentas chinesas requerem uma resposta deliberada por toda a força conjunta, e não apenas pôr tropas em perigo. A ideia de estacionar forças em Taiwan se enquadra na clássica armadilha estadunidense de enxergar o conflito de forma binária, com claras distinções entre guerra e paz. A lógica de Mills é simples: como não podemos deter a China em toda as partes, devemos moldar o conflito a nosso gosto, posicionando tropas em Taiwan. Contudo, fazer isso beneficia mais a China que aos EUA, porque reforça a narrativa de imperialismo sustentada pelo PCC ao mesmo tempo que limita as opções estadunidenses.

Os EUA têm uma variedade de ferramentas, que englobam desde a pressão e sanções econômicas até o emprego de forças militares capacitadas no exterior, ao passo que a China tem apenas duas: coerção financeira e ameaças militares. Em relação a aliados (a China tem a Coreia do Norte) e parceiros (ela tem poucos) e influência global, os EUA continuam fortes. Não devemos desconsiderar o poder e a atração dos ideais estadunidenses, os quais, mesmo quando ofuscados, ainda têm apelo para as pessoas em todo o mundo. Os dirigentes chineses são “assombrados pelo poder e atração” desses ideais estadunidenses para o povo chinês.34 Em 1947, George Kennan previu que o sistema soviético entraria em colapso, pois “[continha] as sementes da sua própria decadência”.35 Tal como acontece com a China moderna: trata-se de uma aparência de força baseada em uma coerção, manipulação e controle insustentáveis.

A Estratégia de Segurança Nacional de 2017 requer o emprego de elementos informacionais e econômicos do poder para enfrentar a China.36 Complicando as opções de política, a presença de forças estadunidenses em Taiwan tornaria o ambíguo explícito. Em vez de ajudar os EUA a recuperar a iniciativa no Indo-Pacífico, colocar um contingente isolado em uma localização vulnerável limitaria as opções estadunidenses e daria crédito às alegações chinesas de que os EUA buscam a hegemonia, tolhendo, também, a defesa de Taiwan no nível operacional. Em consequência, os EUA teriam de alinhar um significativo poder de combate para responder a praticamente qualquer ameaça a Taiwan. Tal poder seria alocado e, portanto, ficaria indisponível para outros esforços de expandir a influência dos EUA e aumentar quaisquer vantagens competitivas por toda a região. A força conjunta deve fornecer conjuntos de forças flexíveis e prontas para o rápido desdobramento, a fim de oferecer aos formuladores de políticas uma variedade de opções de resposta ao longo do espectro de escalada de conflito. Embora a lógica de posicionar tropas no exterior faça sentido, Taiwan é uma “ponte longe demais”, carecendo das instalações e das plataformas de projeção de poder necessárias para que isso seja útil.37 Em vez disso, a força conjunta deve considerar posicionar uma grande unidade valor brigada em Guam, em Okinawa ou na principal ilha do Japão. Essa força teria os efeitos dissuasórios propostos por Mills, sendo, ao mesmo tempo, utilizável por todo o Indo-Pacífico.

Para o Exército, Taiwan representa um cenário em que o poder terrestre pode não ser predominante, mas é, não obstante, essencial. O Exército dos EUA no Pacífico e o I Corpo de Exército terão de introduzir forças conjuntas e multinacionais na região no caso de um conflito em Taiwan. O conceito de “grade” moderniza e regionaliza as operações de apoio no teatro de operações conduzidas pelo Exército dos EUA durante a Guerra do Golfo, bem como no Iraque e no Afeganistão. Além disso, capacidades operacionais do Exército dos EUA, como o emprego de meios aeroterrestres a partir do território continental dos EUA ou do Alasca para o Indo-Pacífico, assalto aerotático e transporte aéreo, continuam a ser essenciais.

Entretanto, o Exército deve investir em suas capacidades no Indo-Pacífico. Embora as unidades tenham sido regionalmente alinhadas com um exercício específico do Pacific Pathways, o sistema de pessoal não utiliza a expertise regional de forma eficaz. Não existem considerações linguísticas ou de associação regional dentro do sistema de designação de missões, apesar de quase uma década de existência da “mudança de foco para o Indo-Pacífico”. Dada a importância da região, é preciso treinamento especializado, particularmente no conhecimento de idiomas.

O Exército dos EUA deve continuar a melhorar seus vínculos com parceiros conjuntos e regionais por todo o Indo-Pacífico. Embora o Pacific Pathways seja um bom começo, o Exército deve se preparar para a competição ao longo do espectro dos conflitos. O treinamento em ação decisiva ajudou a orientar esse conceito, mas a natureza do Indo-Pacífico, com diversos Estados, idiomas e interesses concorrentes, cria um local complicado para o emprego. Assim, a Força deve estabelecer uma Universidade do Pacífico sob os auspícios do Exército dos EUA no Pacífico a fim de preparar melhor seus líderes para operar na região. Ao fornecer a “grade” para fortalecer a força conjunta, bem como capacidades de poder terrestre, como o THAAD e opções de bases com capacidade de sobrevivência, o Exército dos EUA continua a ser um importante ator no Indo-Pacífico. Ele é especialmente capaz de reforçar as vantagens assimétricas que os EUA possuem face à China.

O autor deseja agradecer ao Maj Frank Kuzminski por suas contribuições para este artigo.


Referências

  1. William Westmoreland, apud Larry Summers, On Strategy: A Critical Analysis of the Vietnam War (New York: Presidio Press, 2009), p. 182; John Bolton, “The High Cost of High-Priced Aircraft”, Small Wars Journal, 26 October 2015, acesso em 8 jan. 2021, http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/the-high-cost-of-high-price-aircraft.
  2. John R. Deni, “Strategic Landpower in the Indo-Asia-Pacific”, Parameters 43, no. 3 (Autumn 2013): p. 81; Frank Kuzminski (Major, U.S. Army), durante conversa com o autor, 17 jan. 2021.
  3. The White House, National Security Strategy of the United States of America (Washington, DC: The White House, December 2017), p. 28; Nathan Freier et al., “The US Is Out of Position in the Indo-Pacific Region”, Defense One, 19 July 2020, acesso em 8 jan. 2021, https://www.defenseone.com/ideas/2020/07/us-out-position-indo-pacific-region/166964.
  4. Nathan Freier, John Schaus, and William Braun, “An Army Transformed: USINDOPACOM Hypercompetition and US Army Theater Design”, Strategic Studies Institute Report (Carlisle, PA: Army War College Press, July 2020), p. xiii, p. 1.
  5. Ibid., p. 84-88.
  6. Deni, “Strategic Landpower in the Indo-Asia-Pacific”, p. 80.
  7. Freier et. al., “The US Is Out of Position”, p. 61.
  8. Robert Brown, Blake Lackey, and Brian Forester, “Competing with China for a Free and Open Indo-Pacific”, Military Review 99, no. 5 (September-October 2019): p. 38.
  9. Deni, “Strategic Landpower in the Indo-Asia-Pacific”, p. 82.
  10. John Bolton, “Pacific Pathways: Building the Kind of Leaders the Army Needs”, Aviation Digest 7, no. 4 (October-December 2019): p. 23-25; Brown, Lackey, and Forester, “Competing with China for a Free and Open Indo-Pacific”.
  11. A. Trevor Thrall and Jordan Cohen, “Time to Rethink Arms Sales to Taiwan”, Defense One, 2 November 2020, acesso em 8 jan. 2021, https://www.defenseone.com/ideas/2020/11/time-rethink-arms-sales-taiwan/169702; Carlos Santamaria and Gabriella Turrisi, “The Graphic Truth: As US Arms Taiwan, China Arms Itself”, GZERO, 15 October 2020, acesso em 8 jan. 2021, https://www.gzeromedia.com/the-graphic-truth-as-us-arms-taiwan-china-arms-itself.
  12. David Skidmore, “China’s Reputation for Long-Range Planning Is Wildly Exaggerated”, The Diplomat (site), 22 March 2019, acesso em 8 jan. 2021, https://thediplomat.com/2019/03/chinas-reputation-for-long-range-planning-is-wildly-exaggerated; Michael H. Hunt and Lyndon Baines Johnson, Lyndon Johnson’s War: America’s Cold War Crusade in Vietnam 1945-1968 (New York: Hill and Wang, 1997), p. 138-44.
  13. Wade Shepard, “How China Is Losing Support for Its Belt and Road Initiative”, Forbes (site), 28 February 2020, acesso em 8 jan. 2021, https://www.forbes.com/sites/wadeshepard/2020/02/28/how-beijing-is-losing-support-for-its-belt-and-road-initiative.
  14. Eric Heginbotham et al., “US-China Military Scorecard: Forces, Geography, and the Evolving Balance of Power, 1996-2017” (Santa Monica, CA: RAND Corporation, 2015), p. 330, acesso em 8 jan. 2021, https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/research_reports/RR300/RR392/RAND_RR392.pdf; Office of the Secretary of Defense (OSD), Military and Security Developments Involving the PRC 2020: Annual Report to Congress (Washington, DC: OSD, 21 August 2020), p. 163-68, acesso em 8 jan. 2021, https://media.defense.gov/2020/Sep/01/2002488689/-1/-1/1/2020-DOD-CHINA-MILITARY-POWER-REPORT-FINAL.PDF.
  15. Kevin McCauley, “Amphibious Operations: Lessons of Past Campaigns for Today’s PLA”, Defense One, 27 February 2018, acesso em 15 jan. 2021, https://www.realcleardefense.com/articles/2018/02/27/amphibious_operations_lessons_of_past_campaigns_for_todays_pla_113123.html.
  16. Walker D. Mills, “Deterring the Dragon: Returning U.S. Forces to Taiwan”, Military Review 100, no. 5 (September-October 2020): p. 55.
  17. Hunt and Johnson, Lyndon Johnson’s War, p. 174.
  18. Heginbotham et al., “US-China Military Scorecard”, p. 347; Kyle Mizokami, “How Taiwan Would Defense Against a Chinese Attack”, USNI News, 26 March 2014, acesso em 8 jan. 2021, https://news.usni.org/2014/03/26/taiwan-defend-chinese-attack; Tanner Greer, “Taiwan Can Win a War with China”, Foreign Policy (site), 25 September 2018, acesso em 8 jan. 2021, https://foreignpolicy.com/2018/09/25/taiwan-can-win-a-war-with-china.
  19. Greer, “Taiwan Can Win a War with China”; Brian J. Dunn, “Drive Them into the Sea”, Military Review 100, no. 5 (September-October 2020): p. 70.
  20. Ibid.; OSD, Military and Security Developments Involving the PRC, p. 163-168.
  21. Greer, “Taiwan Can Win a War with China”.
  22. Carl von Clausewitz, apud Summers, On Strategy, p. 182.
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O Maj John Q. Bolton, do Exército dos EUA, cursa a Johns Hopkins School of Advanced International Studies e estuda a política externa estadunidense. Fala mandarim e concluiu o Art of War Scholars Program, do U.S. Army Command and General Staff College, tendo, ainda, grau superior em História Militar e Engenharia Mecânica. Atuou em várias funções de comando e estado-maior, incluindo oficial de aviação encarregado do componente da Tailândia do Pacific Pathways19-01, e serviu em missões em áreas de operações diversas vezes. É piloto de helicóptero AH-64D/E com quase 2 mil horas de voo, incluindo mais de 800 em combate.

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