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Eletrônica biológica

Uma tecnologia transformadora para a segurança nacional

 

James J. Valdes, Ph.D.
James P. Chambers, Ph.D.
Diane M. Kotras

 

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de placa-mãe de computador

Os sistemas militares dependem de componentes microeletrônicos, e o potencial de aumento da eficiência e da velocidade do processamento de computação possibilitado por componentes biológicos traz possíveis vantagens às capacidades da missão. Entre essas vantagens estão, entre outras, necessidades energéticas menores — e, portanto, redução das cargas de bateria —, assinatura reduzida devido à menor produção de calor, respostas mais flexíveis por sistemas autônomos e manipulação e armazenamento de dados mais eficientes. Os sistemas de armas de última geração são cada vez mais controlados por dados e exigirão uma capacidade de processamento superior à capacidade dos eletrônicos atuais. A capacidade de inserir mais transistores em chips semicondutores está se aproximando de seu limite físico, pondo fim à conhecida Lei de Moore, segundo a qual o número de transistores que podem ser inseridos em um chip de silício dobra a cada ano. É tão somente uma questão de limitação de espaço, e o processamento paralelo gigantesco ou as arquiteturas tridimensionais de chips são respostas parciais, mas não abrangentes. São necessárias novas abordagens radicais à microeletrônica de última geração.

As estruturas e os organismos biológicos desempenham muitas das mesmas funções dos dispositivos eletrônicos e ópticos, incluindo a transferência de elétrons, geração, transdução e amplificação de sinais, análise, redução e armazenamento de dados e captação de energia. As linguagens da biologia e da eletrônica são bem diferentes. A primeira é representada principalmente por pequenas moléculas e íons, e a segunda, por elétrons e fótons, que operam em diferentes escalas de espaço e tempo.

Os semicondutores são os elementos básicos dos cérebros eletrônicos dos sistemas militares. Eles conduzem elétrons por distâncias relativamente longas, como entre transistores, enquanto as células transferem elétrons por distâncias muito curtas entre moléculas. Os primeiros trabalhos sobre biossensores se concentraram na imobilização de células ou componentes celulares na superfície de fibras ópticas semelhantes às usadas em telecomunicações ou na superfície de semicondutores para explorar a capacidade das células de reconhecer e responder a muitos milhares de estímulos ambientais (veja a Figura 1).1 Esses estímulos incluem, por exemplo, produtos químicos, toxinas, moléculas biológicas, radiação, calor e campos magnéticos. Observações mais recentes sugerem que células podem ser incorporadas a dispositivos eletrônicos, transmitindo capacidades de processamento de informações em uma ordem de grandeza muito além das dos atuais sistemas in silico (à base de silício) e consumindo muito menos energia por tarefa.2 A combinação de componentes in carbo (à base de carbono) e in silico tem o potencial de desestabilizar significativamente o setor de semicondutores, estimado em mais de USD 400 bilhões pela Associação do Setor de Semicondutores (Semiconductor Industry Association), em 2018.3

Nesta concepção artística de um biossensor, moléculas biológicas, como anticorpos e enzimas, são acopladas a um microchip eletrônico que processa dados

O Decreto 14081 do governo Biden apela especificamente por “tecnologias e técnicas de engenharia genética para escrever circuitos para células e programar biologia de forma preditiva da mesma forma que desenvolvemos software e programamos computadores”.4 Por fim, a Lei CHIPS e Ciência (Creating Helpful Incentives to Produce Semiconductors and Science Act) de 2022 reconhece a importância fundamental do desenvolvimento de semicondutores avançados de última geração.5

Histórico

Extremófilos são organismos que vivem em condições ambientais extremas, como temperaturas muito altas ou baixas, radiação ambiente elevada ou níveis baixos de oxigênio ou nutrientes. Robert Baier, do Centro de Biossuperfícies (Center for Biosurfaces) da National Science Foundation da State University of New York at Buffalo, bem como Anne Meyer e Robert Forsberg, observaram que a bactéria extremófila Pseudomonas syzgii conseguia se “blindar” com cristais semicondutores incorporando-os à membrana celular e, o que é mais surpreendente, essas bactérias penetravam e sobreviviam dentro de pastilhas semicondutoras em condições de oxigênio zero durante o processo de fabricação de chips (veja a Figura 2).6 Embora inicialmente isso tenha sido percebido como um problema de contaminação na fabricação de semicondutores, tornou-se o impulso para a ideia de que as células biológicas poderiam ser incorporadas aos dispositivos eletrônicos para conferir propriedades aprimoradas que faltam aos semicondutores tradicionais. Também foram encontradas bactérias vivas envoltas em minerais, e suas funções biológicas intactas sob essas condições extremas sugerem que essas bactérias quase certamente realizam comunicação eletrônica por meio da movimentação de elétrons, como acontece com a eletricidade, abrindo a possibilidade de fabricação de semicondutores biológicos baseados em organismos funcionais.7

Imagem de uma micrografia eletrônica de varredura de bactérias vivas interagindo com materiais semicondutores

Ralph Calvin, Paolo Lugli e Victor Zhirnov destacam que as células vivas processam entradas e saídas complexas em diversas modalidades (por exemplo, química e elétrica) e realizam essas operações de computação com energias reduzidas, algo fora do alcance dos sistemas eletrônicos atuais à base de silício.8 Em uma comparação de uma “célula” de silício teórica, representada por um circuito lógico e de memória de 1 um3 com uma célula biológica, eles calculam que a célula de silício tem 105 bits de memória, 300 a 100.000 bits lógicos, consome 10-7 W de energia e gera 1 W/cm3 de calor. Em comparação, a célula biológica tem 107 bits de memória, > 106 bits lógicos, consome 10-13 W de energia e gera 10-6 W/cm2 de calor, uma diferença de seis ordens de grandeza no consumo de energia em favor da célula biológica. Essa diferença é de um milhão de vezes. A dependência das Forças Armadas em relação à tecnologia resulta na necessidade de muita energia, e a eficiência dos sistemas biológicos nessa área poderia reduzir a logística e o mero fardo do peso das baterias.

Os “grandes desafios” da eletrônica consistem em reduzir o consumo de energia e a geração de calor e, ao mesmo tempo, aumentar a capacidade de processamento. Os sistemas biológicos são claramente superiores aos eletrônicos tradicionais no que diz respeito a essas características. As vantagens para os sistemas militares em termos de eficiência e poder computacional e o potencial para projetar circuitos resistentes a invasões ou hackers e de autorrecuperação não podem ser desprezados.

Estado da arte atual

Os conceitos atuais de dispositivos bioeletrônicos híbridos concentram-se no uso de processos bioquímicos em sistemas vivos como um “front-end biológico”, elementos de reconhecimento biológico, tais como anticorpos, que interagiriam diretamente com o ambiente externo e compartilhariam informações com um “back-end” de semicondutor de silício, o componente físico que processa os dados. Os processos bioquímicos, que operam em pequenas escalas não alcançáveis pelos dispositivos semicondutores, reagem ao ambiente e transduzem um sinal que geralmente é o transporte de íons através de uma membrana celular ou a ativação de proteínas dentro da célula. Em alguns casos, pode ocorrer a transmissão efática, ou seja, a estimulação direta de uma célula por outra por meio de campos magnéticos. Os mecanismos pelos quais as células podem usar pili eletrocondutores (fibras estruturais que se projetam de uma célula) para transportar elétrons como corrente elétrica serão esclarecidos em detalhes mais adiante neste artigo. Os pili podem ser utilizados como parte do próprio conjunto de células (cell assembly) ou fabricados e usados como componentes eletrônicos independentes.9 Em um cenário no qual uma célula é o componente que interage com o ambiente, o front-end biológico transmite suas informações para o back-end semicondutor que trata do processamento, controle e armazenamento de informações (veja a Figura 3).

Visão de longo prazo para o futuro

No curto prazo, as células vivas ou seus componentes seriam usados para construir dispositivos bioeletrônicos, mas o foco de longo prazo consiste em conceber “células” artificiais abióticas (não vivas) programáveis, com muitas das funções das células bióticas (vivas). Essas funções incluem detecção, processamento de informações e autorreparo. Há uma semelhança considerável entre os modelos matemáticos que descrevem o fluxo de elétrons com ruídos em transistores e os fluxos moleculares com ruídos em reações bioquímicas em células vivas, e ambos estão sujeitos às leis da termodinâmica. Em outras palavras, ambos seguem as mesmas regras naturais, e suas semelhanças sugerem que as células e os componentes eletrônicos poderiam interagir de maneira previsível e controlável.

Esquema conceitual da transdução de sinais biológicos em impulsos de dados eletrônicos, que são então processados

A Comunidade de Interesse para Eletrônica Avançada (Community of Interest for Advanced Electronics) do Departamento de Defesa incluiu a “bioeletrônica” como uma das tecnologias a serem acompanhadas no futuro, e o Programa de Tecnologia de Manufatura Avançada (Advanced Manufacturing Technology Program) do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (National Institute for Standards and Technology) concedeu financiamento à Semiconductor Research Corporation em 2015 para desenvolver um Consórcio de Biologia Sintética de Semicondutores (conhecido como SemiSynBio). A missão é reunir os setores de semicondutores e biotecnologia para desenvolver novas tecnologias de informação com eficiência energética.10 A meta de curto prazo do SemiSynBio é o desenvolvimento da automontagem biológica para recursos que estão em uma escala muito menor do que a resolução da litografia, a atual tecnologia de fabricação de semicondutores. A meta de longo prazo é projetar novos tipos de células artificiais, ou seus componentes, que possam ser integrados aos semicondutores. Em 2022, a National Science Foundation anunciou o SemiSynBio III, “Semiconductor Synthetic Biology Circuits and Communication for Information Storage” (“Circuitos e Comunicação de Biologia Sintética de Semicondutores para Armazenamento das Informações”, em tradução livre). A era da eletrônica biológica, que antes era tema de ficção científica, está se tornando realidade.

Problemas e obstáculos para os avanços em bioeletrônica

Os atuais esforços nacionais e comerciais para a fabricação interna de tecnologias essenciais, como semicondutores, são especialmente favoráveis à bioeletrônica. O potencial de perturbações na cadeia de suprimentos de materiais e componentes eletrônicos essenciais é relevante para o Departamento de Defesa. Por exemplo, há poucas fontes secundárias confiáveis para arranjos de portas programáveis em campo e circuitos integrados específicos para aplicações. Por outro lado, os precursores para a fabricação de componentes biológicos são abundantes, baratos e de fácil obtenção.

Micróbios e dispositivos bioeletrônicos. As bactérias comunicam-se entre si e com o ambiente físico por meio de vários mecanismos bioquímicos e elétricos. Sabe-se que muitos microrganismos são eletroativos, e o transporte de elétrons, uma forma de comunicação bioelétrica, foi demonstrado entre diferentes espécies (Geobacter metallireducens e G. sulfurreducens).11 Muitas bactérias formam biofilmes, e acredita-se que o movimento de elétrons entre as bactérias seja o mecanismo pelo qual os biofilmes são eletricamente ativos. Esses biofilmes viscosos são, basicamente, colônias cujos habitantes (bactérias) se comunicam para regular os processos metabólicos, como crescimento, produção e uso de energia, eliminação de resíduos e reprodução.

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Esses biofilmes viscosos são, basicamente, colônias cujos habitantes (bactérias) se comunicam para regular os processos metabólicos, como crescimento, produção e uso de energia, eliminação de resíduos e reprodução.

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Lori Zacharoff e Mohamed El-Naggar sugerem que os “deslocamentos” de elétrons em múltiplas etapas permitem a condução em escalas de longo comprimento que antes eram consideradas impossíveis em sistemas biológicos e sugerem ainda que a compreensão desses processos é fundamental para a concepção de uma nova geração de “eletrônicos vivos”.12 Lembre-se de que as escalas de comprimento dos componentes eletrônicos tradicionais são muito mais longas do que as dos sistemas celulares. Essa discrepância é uma desvantagem para os primeiros e um possível obstáculo para a concepção de sistemas bioeletrônicos. Acredita-se que a base estrutural desse transporte de elétrons sejam os pili condutores de eletricidade (fibras celulares conhecidas como e-pili), que os microrganismos desenvolveram para interagir com o ambiente e entre si.13 A composição dos e-pili é fundamental, pois o aumento do conteúdo de aminoácidos aromáticos viabiliza o transporte de elétrons, disponibilizando uma tecnologia genética por meio da qual os criadores podem “ajustar” as características elétricas dos e-pili pela manipulação do conteúdo desses aminoácidos ao longo do comprimento da fibra. Derek Lovley afirma ainda que a capacidade de conceber geneticamente a composição dos e-pili sugere a possibilidade de fabricar um material eletrônico “verde” a partir de bactérias que podem ser facilmente fabricadas por fermentação. Essas matérias-primas renováveis têm o benefício adicional de serem biodegradáveis (veja a Figura 4).14

Nesta concepção artística, uma bactéria interage com um chip eletrônico por meio de seus nanofios condutores

Yang Tan et al. usaram os pili condutores de eletricidade da G. sulfurreducens para produzir “nanofios microbianos”.15 Eles manipularam geneticamente a bactéria substituindo o triptofano pela fenilalanina e tirosina carboxi-terminal para produzir nanofios eletrocondutores de alto coeficiente de comprimento (proporções extremas entre comprimento e largura) que são fisicamente resistentes e adequados ao uso como componentes eletrônicos. Para fins de escala, um cabelo humano tem cerca de 70.000 nm de espessura, uma célula bacteriana tem cerca de 1.000 nm e os nanofios têm alguns nanômetros. Outras espécies microbianas, como a Aeromonas hydrophila, produzem filamentos eletrocondutores que parecem viabilizar a comunicação intercelular. Laura Castro et al. manipularam geneticamente essa formação de nanofios adicionando acil-homoserina sintética e sugeriram que esses componentes poderiam ser úteis como condutores biológicos em dispositivos eletrônicos.16

O grande número de microrganismos que produzem e-pili, a relativa facilidade com que esses podem ser manipulados geneticamente e suas estruturas em nanoescala sugerem que há um grande reservatório natural de biomateriais que podem conferir novas características aos dispositivos eletrônicos tradicionais. Esses biomateriais podem ser produzidos com um impacto ambiental mínimo em comparação com os métodos atuais de fabricação de semicondutores, oferecendo outra vantagem dos sistemas biológicos em relação aos componentes eletrônicos.

Combinação de geração de energia bioeletrônica com dispositivos

Em um artigo de revisão de literatura pioneiro, Michael Stroscio e Mitra Dutta descrevem as muitas formas sutis pelas quais as estruturas e os processos biológicos podem ser combinados com dispositivos eletrônicos para criar novas funcionalidades.17 Eles destacam que a nanoescala dos dispositivos eletrônicos permite o contato direto com células eletroativas e estruturas subcelulares, como canais e receptores de íons, além de outras proteínas que atravessam a membrana celular e se comunicam com o ambiente externo. Há uma crescente literatura científica segundo a qual a proteína transmembrana bacteriorodopsina (BR) é usada como um elemento sensor — o “front-end”, conforme descrito anteriormente — para dispositivos eletrônicos. Por exemplo, Yu-Tao Li et al. analisaram a literatura sobre BR especificamente no que se refere à concepção de dispositivos bioeletrônicos.18 Eles descrevem aplicações fotoquímicas e eletroquímicas e especulam sobre novos projetos para dispositivos bioeletrônicos híbridos de alto desempenho baseados em BR.

Propriedades especiais dos componentes biológicos. Os canais e receptores de íons oferecem ainda um recurso “analógico” no qual as respostas aos estímulos ambientais não estão necessariamente “ligadas” ou “desligadas” como nos dispositivos eletrônicos tradicionais, mas são graduadas com respostas iniciais a perturbações químicas, físicas e elétricas muito pequenas no ambiente e que podem ser ajustadas quanto à sensibilidade e especificidade. A dependência cada vez maior das missões táticas em relação às armas inteligentes de precisão e, mais especificamente, aos sistemas autônomos exige a capacidade de responder a entradas com relações sinal-ruído muito baixas. Esse aspecto analógico dos sistemas biológicos permitiria respostas graduadas precisas.

Leon Juarez-Hernandez et al. descrevem uma interface bio-híbrida entre células e um polímero semicondutor de poli(anilina).19 As células permanecem funcionais, conforme avaliado pela eletrofisiologia padrão, que mede a atividade elétrica de uma célula e, portanto, a viabilidade, e isso foi obtido com células cardíacas, musculoesqueléticas e nervosas. Essas interfaces bio-híbridas também demonstraram propriedades memoristivas, ou seja, a capacidade de alterar a função em resposta à atividade elétrica prévia (experiência). Esse é um modelo primitivo de aprendizado e memória e análogo ao conceito de circuitos de Hebb no cérebro humano, um circuito de células cerebrais que se torna mais ou menos sensível e ágil com o uso e pode “lembrar” ações anteriores. Assim, juntamente com a inteligência artificial, o componente bioeletrônico poderia acrescentar flexibilidade ao repertório de respostas dos sistemas autônomos. Leon Chua foi o primeiro a propor o conceito de memoristor, que é hoje uma área ativa de pesquisa.20

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Houve outros casos notáveis em que componentes orgânicos demonstraram propriedades semicondutoras.21 O fato de os polímeros orgânicos poderem servir como semicondutores é bem conhecido e, na verdade, foi objeto de um Prêmio Nobel.22 A demonstração de que um pequeno peptídeo composto por dois aminoácidos de fenilalanina apresenta as propriedades ópticas e eletrônicas de nanocristais semicondutores foi totalmente inesperada e acrescenta novas dimensões importantes a essa área.23 Eles podem formar os elementos básicos dos pontos quânticos, que são cristais em nanoescala com propriedades semicondutoras de tamanho intermediário entre materiais de mesoescala e escala molecular, sendo “meso” um tamanho entre materiais de tamanho molecular e os grandes objetos da experiência cotidiana. Esse peptídeo também se automontou para formar nanotubos compostos por milhões de pontos quânticos. Os autores destacam que, diferentemente dos pontos quânticos à base de metal, esses são biodegradáveis e não tóxicos e, como são formados por uma única ligação peptídica, são baratos, fáceis de fabricar e têm um impacto ambiental mínimo quando descartados. Como existem 20 aminoácidos naturais e muitas centenas de aminoácidos não canônicos (criados pelo homem, não encontrados na natureza), a probabilidade de conceber pontos quânticos com propriedades não encontradas em materiais eletrônicos tradicionais é quase ilimitada (veja a Figura 5).

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Não há dúvidas de que as células biológicas, seus componentes e seus análogos sintéticos possibilitarão a concepção de novas classes de semicondutores e outros dispositivos bioeletrônicos com propriedades exclusivas e vantagens distintas…

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Assim como os pontos quânticos de peptídeos, muitos materiais biológicos se auto-organizam. Avanços recentes na fabricação de aditivos também levaram ao uso da impressão a jato de tinta para a fabricação de semicondutores orgânicos. Yoon-Jung Kwon, Yeong Don Park e Wi Hyoung Lee descrevem a impressão de um transistor de efeito de campo orgânico usando impressão a jato de tinta e tintas semicondutoras orgânicas. Os transistores de efeito de campo orgânicos têm a vantagem de apresentarem boa relação custo-benefício, serem compatíveis com a maioria dos plásticos e poderem ser adaptados conforme propriedades mecânicas específicas.24 Isso os torna adequados para dispositivos que precisam funcionar em um ambiente fisiológico, como interfaces homem-máquina e próteses para aprimoramento físico ou cognitivo, e como componentes para sistemas de robótica mole. Petri Ihalainen, Anni Määttänen e Niklas Sandler publicaram uma análise sobre a impressão rolo a rolo e a jato de tinta de proteínas, biomacromoléculas e células, e a aplicação dessas técnicas a biossensores, diagnósticos e sequenciamento de DNA.25 Vale notar também a relação inversa entre a biologia e os semicondutores, já que muitos organismos demonstraram sintetizar materiais semicondutores inorgânicos metálicos nanoparticulados com propriedades ópticas, eletrônicas e mecânicas singulares e possível alto valor para o setor.26

Obstáculos técnicos. Não há dúvidas de que as células biológicas, seus componentes e seus análogos sintéticos possibilitarão a concepção de novas classes de semicondutores e outros dispositivos bioeletrônicos com propriedades exclusivas e vantagens distintas em termos de capacidade de processamento de informações e consumo de energia e geração de calor bastante reduzidos. Como seria de se esperar em uma área de pesquisa tão nova, identificamos vários problemas teóricos e práticos que precisarão ser abordados. O mais desafiador deles é a imobilização precisa de células e/ou seus componentes funcionais nos semicondutores, a engenharia genética de células para introduzir interruptores de controle genético com os quais controlar a atividade celular, a conciliação das diferenças nas escalas de espaço e tempo das linguagens da biologia e da eletrônica para que possam se comunicar facilmente e a criação de células completamente artificiais com propriedades de design e equivalentes funcionais de células vivas. A biologia sintética será uma tecnologia essencial para a materialização de dispositivos bioeletrônicos totalmente integrados, que é a principal meta do consórcio SemiSynBio.27 Considerações mais prosaicas são a definição dos parâmetros de projeto para um simulador de fundição de bancada, um modelo em pequena escala de uma fundição de semicondutores para realizar os experimentos necessários, e a seleção e adaptação de técnicas analíticas, como a microscopia crioeletrônica, para a caracterização morfológica e eletroquímica em tempo real de micróbios imobilizados, conforme existem em um dispositivo eletrônico.

Discussão e conclusões

O setor de semicondutores está se aproximando rapidamente dos limites físicos dos materiais tradicionais. Já estão sendo buscadas técnicas alternativas capazes de concentrar capacidade de processamento maior em um espaço muito limitado. Conforme observado anteriormente neste artigo, uma célula biológica consome aproximadamente seis ordens de grandeza a menos de energia e gera aproximadamente seis ordens de grandeza a menos de calor do que semicondutores in silico comparáveis. Embora esses números sejam um tanto teóricos, eles apontam as vantagens relativas dos sistemas biológicos sobre os eletrônicos e o potencial de desestabilização do setor de semicondutores caso as células biológicas, sejam elas naturais, de bioengenharia ou artificiais, possam ser integradas aos semicondutores tradicionais. Além disso, a capacidade da célula para processar diversas modalidades de entrada/saída simultaneamente é vantajosa, assim como as redundâncias e os ciclos de feedback que admitem a autocorreção e o autorreparo. De fato, a capacidade dos circuitos celulares no cérebro para automodificar suas sensibilidades, os circuitos de Hebb descritos anteriormente, é um componente essencial da memória e sustenta a descrição teórica dos memoristores, descrita anteriormente neste artigo. Um semicondutor biológico híbrido também poderia conferir a vantagem da autorrecuperação às redes de computadores.28

O conceito de semicondutores biológicos híbridos provavelmente está no nível 2 de prontidão técnica do Departamento de Estado (DOD Technical Readiness Level-2), definido como um conceito cuja aplicação foi formulada. Conforme descrito anteriormente, o Programa de Tecnologia de Manufatura Avançada do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia financiou o desenvolvimento de um guia pelo consórcio SemiSynBio, sendo o SemiSynBio III da National Science Foundation a iteração mais recente. Novas classes de semicondutores de base biológica teriam amplas aplicações no controle inteligente de processos para sistemas autônomos, detecção química e biológica, dispositivos médicos integrados para melhorar o desempenho humano, processos de fabricação avançados, armazenamento de memória baseado em DNA, monitoramento e controle ambiental, além de economizar enormes quantidades de energia atualmente usadas para resfriar farms de servidores e reduzir as assinaturas de calor de sistemas militares no terreno. A sobreposição de semicondutores biológicos com o campo mais amplo dos biomateriais apresenta oportunidades para desenvolver biossensores, outros dispositivos biomédicos implantáveis e scaffolds de tecidos baseados em novos hidrogéis, polímeros tridimensionais nos quais o componente líquido é a água, que têm implicações importantes para a medicina militar, como a cicatrização de ferimentos e próteses físicas e cognitivas inteligentes.

Em resumo, aproveitar a capacidade dos sistemas biológicos para processar informações de forma mais eficiente do que os atuais semicondutores in silico prenuncia uma nova fronteira na tecnologia da informação. A eletrônica biológica oferece a possibilidade de redes resistentes a invasões e com capacidade de autorrecuperação, e a capacidade dos micróbios para modular sinais pode oferecer resistência aos pulsos eletromagnéticos.

Os recentes investimentos do Departamento de Defesa em biologia sintética e biotecnologia o deixam bem-posicionado para avaliar o potencial para aplicações militares. Os futuros sistemas militares se beneficiarão de avanços até então inimagináveis na interseção das áreas da biologia, da ciência dos materiais e da física. As descobertas revolucionárias resultantes proporcionarão maiores capacidades operacionais e benefícios de custo à postura de segurança da nação.

Os autores agradecem ao Cel Hans Miller, da reserva remunerada da Força Aérea dos EUA, ao Dr. Richard Potember e ao Dr. Patrick Nolan pela revisão do manuscrito e pelos comentários úteis. Este trabalho teve o apoio do Programa IR&D da MITRE e foi aprovado para divulgação pública, com distribuição ilimitada, Processo no 23-2214. A afiliação do autor com a MITRE Corporation é divulgada apenas para fins de identificação e não tem a intenção de comunicar ou insinuar a concordância da MITRE ou o apoio às posições, opiniões ou pontos de vista expressos pelos autores.


Referências

 

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  25. Petri Ihalainen, Anni Määttänen e Niklas Sandler, “Printing Technologies for Biomolecule and Cell-Based Applications”, International Journal of Pharmacology 494, no. 2 (2015): p. 585-92, https://doi.org/10.1016/j.ijpharm.2015.02.033.
  26. João Pinto da Costa et al., “Biological Synthesis of Nanosized Sulfide Semiconductors: Current Status and Future Prospects”, Applied Microbiology and Biotechnology 100, no. 19 (2016): p. 8283-302, https://link.springer.com/article/10.1007/s00253-016-7756-5.
  27. Johnson, “Synthetic Biology Ramps Semiconductors”.
  28. Dr. Starnes Walker, comunicação pessoal com Valdes, 2019.

 

James J. Valdes concluiu o Ph.D. em Neurociências pela Texas Christian University e foi pesquisador de pós-doutorado na Johns Hopkins University. Atuou como consultor científico do Exército para assuntos de biotecnologia, uma função sênior do Senior Executive Service e recebeu o Presidential Rank Awards do Presidente George W. Bush, pelo desenvolvimento de biossensores, e do Presidente Barack H. Obama, pelo desenvolvimento e implantação de um sistema tático de energia no Iraque. Participou de estudos do Office of Net Assessment do Departamento de Estado e, separadamente, do National Research Council sobre aplicações militares da biotecnologia. Como pesquisador sênior da National Defense University (NDU), foi editor sênior do livro Bio-Inspired Innovation and National Security. É autor de mais de 130 artigos científicos, 40 relatórios técnicos do Exército e da NDU e sete patentes. Atualmente, é Diretor Técnico do MSI STEM R&D Consortium, um grupo de 75 universidades que atendem a minorias.

James P. Chambers obteve o título de Ph.D. em Bioquímica pelo University of Texas Health Sciences Center at San Antonio e foi pesquisador de pós-doutorado em Bioquímica na University of Pittsburgh e em Genética Bioquímica na Washington University School of Medicine. Foi diretor do Metabolic Disease Laboratory do University of Texas Health Sciences Center at Houston e atualmente leciona Bioquímica na University of Texas at San Antonio. É editor-chefe do Journal of Pathogens e autor de mais de 175 publicações científicas.

Diane M. Kotras é estrategista de inteligência e Diretora de Políticas da MITRE Corporation. É especialista em políticas de segurança nacional para inteligência artificial (IA), adoção de IA e tecnologias de ameaças emergentes. Seu trabalho se concentra em viabilizar a adoção da IA nas organizações, nos avanços na tecnologia de IA, no engajamento internacional da IA e no combate a ameaças. Atuou no Gabinete do Subsecretário de Defesa para Políticas e Comunidade de Inteligência antes de ingressar na MITRE em 2017. É bacharel em Ciências Naturais pela Johns Hopkins University e mestre em Estudos de Segurança Nacional pela National War College.

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Terceiro Trimestre 2024