Prática deliberada e aquisição da expertise militar
Ten Cel Sebastian K. Welsh, M.D., Exército dos EUA
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O estudo da história pelos oficiais tem sido uma parte da educação profissional militar frequentemente defendida, mas difícil de justificar. Pesquisas sobre o desenvolvimento da expertise provam que o estudo da história militar oferece um método para alcançar um desempenho militar especializado, principalmente nos níveis operacional e estratégico da guerra. Após as recentes desventuras militares dos Estados Unidos da América (EUA) no Iraque e no Afeganistão, a pergunta surge mais uma vez. Por que uma força tão hábil do ponto de vista técnico e tático continua perdendo guerras?1 Após a Guerra do Vietnã, Peter Paret e Colin Gray encontraram a resposta na falta de expertise estratégica.2 O mundo continua a enfrentar um ambiente estratégico cada vez mais complexo com o retorno da guerra ao continente europeu, a competição entre grandes potências e a ”guerra irrestrita” chinesa.3 A abordagem atual da educação profissional militar e do treinamento nas Forças Armadas dos EUA gera uma assimetria em favor da expertise tática e técnica, sem cultivar a estratégica. Essa assimetria prepara os atuais e futuros líderes militares mais antigos para se destacarem no nível tático da guerra, ao mesmo tempo que fracassam nos níveis operacional e estratégico.
Faz-se necessária uma definição de expertise para que se possa avaliar a utilidade do estudo da história militar. Uma vez definida a expertise, segue-se uma discussão sobre os vários métodos para obtê-la. O treinamento e a educação profissional militar estadunidenses, em termos históricos e atuais, dão origem à expertise tática e técnica adequadas, mas não geram especialistas estratégicos. No entanto, pesquisas modernas sobre a aquisição de expertise profissional demonstram que a prática deliberada em história e teoria pode ajudar a gerar a proficiência necessária à execução de operações militares bem-sucedidas. Além disso, o estudo histórico é de baixo custo e não oferece risco de lesões, diferentemente de outros métodos de treinamento militar. A prática da análise crítica e da redação durante toda a carreira pode resultar nas horas de prática necessárias para alcançar um desempenho de nível especializado. A prática deliberada do estudo da história e da teoria é essencial ao desenvolvimento de especialistas militares de classe mundial em planejamento e estratégia operacional.
Definição de expertise
É necessária uma definição clara para que se possa compreender o valor da expertise militar nas operações militares. Em sua obra Da guerra, Carl von Clausewitz descreve as características do “gênio” militar.4 Ele inclui o intelecto, a força mental e o rápido reconhecimento da verdade. Sua descrição do coup d’oeil de um gênio militar prenuncia o entendimento atual da expertise. No entanto, Clausewitz, com um entendimento adequado à sua época, acreditava que essas características eram herdadas.5 Ele também inclui vários atributos, marcadores e comportamentos que não eram elementos do desempenho de especialistas, como força de caráter e coragem física.6 Os dons intelectuais do gênio militar de Clausewitz são mais conhecidos atualmente como expertise. Ainda assim, conforme definido por Clausewitz, o termo gênio militar é muito vago e inclui características adicionais que ampliam a definição mais do que o necessário para a expertise militar.
Malcolm Gladwell popularizou a expertise profissional e o desempenho especializado em seu livro Outliers (intitulado Fora de série: Outliers, no Brasil). Ele definiu especialistas como aqueles que praticaram uma habilidade em um grau extremo, ou a “regra das 10 mil horas”.7 Usando outra literatura sobre expertise, ele determinou que ela é definida pelo tempo dedicado a um ofício. Embora seja inegável que a prática faz parte da formação de um especialista, o tempo de prática por si só não é a definição de expertise. A definição de desempenho especializado usada na literatura varia conforme o domínio que está sendo investigado.8 Os pesquisadores distinguem entre desempenho especializado e não especializado com base na rapidez, precisão e reprodutibilidade demonstradas por uma pessoa ao executar uma tarefa.9 A leitura rítmica de uma música ou a resolução de quebra-cabeças de xadrez são exemplos de funções que um especialista pode realizar com mais rapidez e precisão do que um não especialista. Na expertise militar, isso começa a se assemelhar ao coup d’oeil de Clausewitz.
O Manual de Campanha 6-22 do Exército, Desenvolvendo Líderes (FM 6-22, Developing Leaders), define a expertise como “as habilidades e o saber especializados desenvolvidos a partir da experiência, do treinamento e da educação”.10 Essa definição aborda a expertise militar em termos do domínio do conhecimento. Sustenta que a expertise tem apenas um componente: a posse de fatos ou compreensão. Com essa definição, os militares adquirem expertise principalmente pela leitura e regurgitação da doutrina. A definição não inclui um nível de desempenho. O especialista resultante não seria funcional fora de um conjunto restrito de parâmetros predefinidos. Por exemplo, uma pessoa pode saber sobre um procedimento cirúrgico ao ler um texto cirúrgico. Porém, só poderia ser considerado um especialista com prática, discernimento, alta proficiência em habilidades cirúrgicas e desempenho exemplar replicável. A combinação dessas definições deve resultar em uma definição útil para compreender a expertise militar e investigar sua aquisição.
Nesse contexto, a expertise militar significa o domínio do conhecimento e das habilidades necessárias para realizar tarefas militares em um nível extremamente elevado. Essa definição permite uma análise das tarefas militares além das táticas e das condutas de combate que já são treinados de forma rigorosa. As funções militares em todos os níveis da guerra, inclusive operacional e estratégico, estão implícitas na definição. Um grau de proficiência diferencia um especialista de alguém com uma habilidade incipiente ou um conhecimento mínimo. Um curso introdutório de história, por exemplo, não faz de uma pessoa um especialista em história militar. Uma definição específica da expertise militar possibilita agora a investigação dos métodos de aquisição dessa expertise.
Tipos de prática
Prática deliberada. Anders Ericsson define diversos tipos de prática para entender sua aplicação em diferentes domínios profissionais. Prática deliberada é aquela elaborada por um professor para um aluno.11 O aluno pratica e recebe feedback e correção do professor em tempo real. Estudos sobre essa forma de prática geraram a regra das 10 mil horas de Gladwell. Os pesquisadores estudaram músicos para determinar como os artistas de classe mundial treinavam para alcançar esse nível.12 Um ponto fundamental da prática deliberada é que o aluno pratica com a intenção de aprimorar uma habilidade. O professor elabora a prática para aquele aluno e corrige os erros em tempo real. Veja, a seguir, um exemplo de prática deliberada em história militar. Um professor de história escolhe um estudo de caso apropriado para o aluno e especifica os objetivos da tarefa. O aluno analisaria o estudo de caso e produziria um trabalho escrito conforme orientado pelo professor. O professor, então, faria sugestões e correções para que o aluno melhorasse a compreensão, a análise e a produção escrita ao longo de sua prática. A relação entre Gerhard von Scharnhorst e Clausewitz é um exemplo excelente de uma dinâmica professor-aluno que deu origem a um especialista de destaque por meio da prática deliberada.13
Prática intencional. Prática intencional é uma prática solitária em que o indivíduo se concentra em um aspecto específico do desempenho, com feedback intermitente ou sem feedback de um instrutor ou professor.14 Assim como a prática deliberada, a prática intencional requer a intenção do indivíduo de melhorar alguma parte do seu desempenho. Duas diferenças importantes são a necessidade de mais orientações externas sobre a forma de prática e a falta de feedback de um instrutor ou professor. A prática intencional em conjunto com a prática deliberada pode aumentar o desempenho confiável e de alto nível. Ainda assim, a correlação é muito menos clara do que com a prática deliberada.15 Um exemplo de uso da prática intencional por um especialista militar seria a seleção e análise de estudos de casos históricos, sem assistência na seleção e sem feedback. O Exército encaixa nessa categoria a maior parte do desenvolvimento profissional, como autoaperfeiçoamento.16
O estudo deliberado da história e da teoria militar pode ajudar a gerar a expertise necessária à execução de operações militares bem-sucedidas, ao melhorar a compreensão dos níveis operacional e estratégico da guerra.
Prática estruturada. A prática estruturada reflete a abordagem atual do estudo histórico no Command and General Staff College. Prática estruturada é uma atividade prática orientada por um professor para um grupo de alunos em atividades de grupo sem individualização ou adaptação ao nível de habilidade específico de cada um.17 A prática estruturada viabiliza o treinamento de um grupo grande. A disparidade nas capacidades dos alunos acarretará desafios para alguns, enquanto outros se beneficiarão menos. Além disso, o feedback do instrutor é menos específico e menos frequente do que na prática deliberada.
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Prática ingênua. Prática ingênua é aquela realizada, no trabalho ou lazer, para outros objetivos que não o desenvolvimento de uma habilidade.18 A prática ingênua é, basicamente, o treinamento na função que muitos militares recebem. Embora essas atividades estejam relacionadas a um domínio, estudos revelaram que essa prática não conduz, de forma confiável, a um desempenho especializado.19 Além da educação profissional militar, o treinamento e a educação no Exército dos EUA frequentemente se enquadram dentre as práticas ingênuas. O estudo ou a leitura de textos históricos por lazer seriam classificados como prática ingênua, pois o objetivo é o prazer, e não o aumento de uma determinada habilidade ou conhecimento específico em um domínio.
Na meta-análise conduzida por Ericsson, a prática deliberada, a prática intencional e a prática estruturada são combinadas ao estimar as horas de prática. Portanto, até o fim deste artigo, a prática deliberada significará qualquer uma dessas três atividades.20 Os pesquisadores não incluem a prática ingênua, pois seu foco principal não é aprimorar a habilidade.
A prática deliberada em quantidade suficiente gerou expertise de classe mundial em diversos campos de desempenho comportamental complexo.21 Portanto, o estudo deliberado da história e da teoria militar pode ajudar a gerar a expertise necessária à execução de operações militares bem-sucedidas, ao melhorar a compreensão dos níveis operacional e estratégico da guerra. A quantidade de prática para um desempenho especializado continua imensa, na ordem de milhares de horas, dependendo do domínio.22 Mesmo quando realizada regularmente, a prática deliberada exige anos de esforço para que se alcance o patamar de expertise. A maioria dos especialistas iniciou a prática deliberada na infância ou no início da vida adulta. Os violinistas profissionais começaram entre quatro e seis anos de idade, acumulando 10 mil horas de prática deliberada por volta dos 20 anos de idade.23 A idade inicial mais precoce está associada a taxas mais elevadas de alcande do desempenho de alto nível em vários domínios, incluindo esportes, xadrez e música.24
Treinamento e educação de oficiais
Na profissão militar, a prática começa com o treinamento inicial e é periódica durante toda a carreira, conforme a educação profissional militar. A maior parte do treinamento e da educação durante a primeira metade da carreira militar concentra-se na expertise técnica e tática.25 A história militar como forma de prática não começa até que os oficiais tenham praticado seu ofício por dez anos ou mais. Os estudos estratégicos só começam a sério quando os alunos ingressam na Escola de Guerra do Exército dos EUA (U.S. Army War College). Na turma de 2023 da Escola de Guerra do Exército dos EUA, a idade média dos alunos era de 45 anos.26 Com uma prática diligente, esses oficiais alcançarão a condição de especialista por volta dos 60 anos de idade, supondo que a aquisição da expertise ocorra no mesmo ritmo na meia-idade que na infância e adolescência (provavelmente uma premissa errada). O início tardio do estudo deliberado da história resulta em uma curva de aprendizado rápida que muitos oficiais não conseguirão acompanhar pelo resto de suas carreiras. O resultado é um corpo de oficiais que atende aos padrões, mas raramente atinge um desempenho especializado reproduzível nos domínios que o estudo histórico mais beneficia — o pensamento operacional e estratégico.
O resultado é um corpo de oficiais que atende aos padrões, mas raramente atinge um desempenho especializado reproduzível nos domínios que o estudo histórico mais beneficia — o pensamento operacional e estratégico.
Os modelos anteriores de educação de oficiais reconheciam os benefícios do estudo da história, mesmo sem pesquisas modernas sobre a aquisição da expertise. Scharnhorst fundou novamente a Kriegsakademie (Academia de Guerra) para selecionar e treinar oficiais altamente qualificados para completarem o currículo de três anos e formarem o Estado-Maior prussiano.27 Esse treinamento gerou expertise que rendeu dividendos confiáveis ao longo do século XIX e início do século XX. Desde sua fundação, a Kriegsakademie incorporou estudos históricos, embora somente em 1826 tenha incorporado muitas das sugestões de Clausewitz para que o currículo se concentrasse menos em matemática.28 O currículo incluía de seis a sete horas de história militar e não militar por semana, o que, em um curso de três anos, equivale a aproximadamente mil horas.29 Além de ser um comprometimento de horas considerável para a aquisição de expertise militar, o projeto do curso gerou uma análise contrastante com a escola equivalente do Exército estadunidense.
O contraste entre a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA (U.S. Army’s Command and General Staff School, CGSS) e a Kriegsakademie do período entre guerras ressalta a importância de cultivar a expertise por meio da prática deliberada. Na época, a CGSS consistia em um exercício de mapas e manobras em sua maioria, com pouco espaço para a criatividade ou análise pelos alunos.30 A CGSS desenvolveu oficiais prontos para gerenciar uma divisão, mas isso não resultou em expertise militar. Enquanto isso, a Kriegsakademie apresentava problemas desafiadores para indivíduos e pequenos grupos com feedback direto dos instrutores.31 Esses adeptos do estudo deliberado da história tornaram possíveis os 57 comitês do Gen Hans von Seeckt e os estudos diligentes que criaram.32 Exemplos históricos, principalmente da experiência prusso-germânica, apontam os benefícios da análise histórica, mesmo em ambientes com recursos limitados, como os existentes sob os Tratados de Tilsit e de Versalhes.
O Exército dos EUA também enfrenta um ambiente de recursos limitados em termos de verbas, tempo de treinamento e risco aceitável para as forças em guarnição. O último Manual de Campanha 3-0, Operações (FM 3-0, Operations) enfatiza a “vantagem humana” em todo o espectro da competição.33 Em preparação para as operações de combate em larga escala, o Exército dos EUA concentrou recursos significativos na criação dessa vantagem humana nos centros de treinamento de combate (CTCs) para elementos valor brigada e exercícios Warfighter a fim de simular manobras de divisão até corpo de exército.34 O foco nos escalões táticos até o nível operacional mais baixo da guerra revela a prioridade na manutenção da expertise técnica e tática. O foco contínuo, ao longo da carreira dos oficiais, na expertise técnica e tática deixa um tempo lamentavelmente curto para que os comandantes mais antigos desenvolvam a competência operacional e estratégica. Em comparação aos exercícios de CTC e Warfighter, o estudo histórico é um empreendimento de baixo custo. As verbas para estudos históricos no Exército representam menos de 1/20 do orçamento anual para os rodízios de CTC.35 A análise histórica também não apresenta os riscos inerentes ao treinamento militar ou às operações de combate.36 Até mesmo Clausewitz sofreu um ferimento de baioneta na cabeça.37 O aumento no número de horas orientadas durante a prática deliberada de história e teoria podem resultar em expertise militar sem redução da capacidade do Exército de financiar o combate. Isso permitirá que os alunos se posicionem em milhares de campos de batalha e considerem implicações estratégicas ilimitadas com baixo custo e sem risco de lesões. Essas lições operacionais e estratégicas podem atenuar a falta de expertise estratégica no Exército.
Um modelo de prática deliberada de história e teoria militar deve se concentrar nos componentes essenciais de leitura, análise crítica, elaboração de tese e argumentação escrita. Praticar a história dessa forma desenvolve diversas habilidades essenciais que são pouco praticadas fora das ciências humanas. Uma das habilidades iniciais é a leitura crítica para determinar o valor de fontes com opiniões contraditórias.38 Um estrategista deve comparar várias fontes e formas de textos de inteligência, de mídias e políticos ao considerar fins, métodos e meios. A análise crítica é necessária, pois muitas dessas fontes terão argumentos conflitantes ou diretamente contraditórios. Os historiadores naturalmente comparam, contrastam e ponderam argumentos de fontes primárias e secundárias, utilizando esses argumentos para elaborar uma tese.
Elaborar uma tese e defendê-la por escrito exercita diversas habilidades de alto nível. A redação histórica exige especificamente raciocínio indutivo e uma visão holística que muitas vezes está ausente na redação científica. A utilização dessa forma de raciocínio pode ajudar a compensar a assimetria gerada pelo foco no raciocínio dedutivo. A escrita avançada utiliza a lógica e a memória operacional além do uso superficial nas formas básicas da escrita.39 Gerar um contexto essencial no estudo de casos históricos e princípios subjacentes é essencial para compreender como as operações militares se inserem no quadro geopolítico mais amplo. Não há simulador ou centro de treinamento capaz de criar a fidelidade e o grau de complexidade dos acontecimentos reais. Ao praticar a pesquisa arquivística, considerar diversas fontes e escrever, os profissionais adquirem inúmeros benefícios de pensamento crítico e resolução de problemas, incluindo a redução da probabilidade de manter crenças injustificadas (por exemplo, falsas premissas).40 Com a definição de um modelo de prática deliberada, um método de aplicação ao longo da carreira militar resultará em horas de prática adequadas à obtenção da expertise.
Qualquer programa de cultivo da expertise teria de ser voluntário. As horas necessárias para alcançar a expertise excedem em muito as expectativas e as horas disponíveis para treinamento na educação profissional militar. A prática deliberada ao longo da carreira militar começaria com instruções de redação básica e lógica no treinamento inicial, usando estudos de casos históricos como base. A instrução básica inicial é necessária porque muitos programas de ensino médio e de graduação não atingem um nível básico de proficiência em redação.41 O treinamento inicial poderia começar em qualquer momento, mas seria mais benéfico no início da carreira. Os oficiais e graduados que concluírem a instrução inicial, seminários esporádicos e tarefas escritas com foco no crescimento a longo prazo das principais habilidades de leitura, análise, elaboração de tese e argumentação escrita seriam designados por meio de um programa similar ao de aprendiz, no qual um historiador orientaria seu progresso. No decorrer de anos de prática, os aprendizes vitalícios criariam um portfólio com seus trabalhos nos vários níveis da guerra. A preparação criaria autores capazes, que poderiam facilmente superar as exigências de redação da educação profissional militar de oficiais superiores e mais antigos. Atualmente, o U.S. Army Command and General Staff Officer College (CGSC) tem um requisito de redação de história de, no máximo, 15 páginas.42 O componente essencial da prática deliberada é sua natureza contínua e progressiva. Hoje em dia, a educação profissional militar ocorre com anos de atrofia das habilidades, seguidos de um breve uso no ambiente educacional, antes de mais atrofia até a próxima iteração. O uso na função ou, como definido anteriormente, a prática ingênua, não gera o aprendizado e o desenvolvimento progressivos necessários para a verdadeira expertise. A prática ingênua não conta com o feedback e o foco na evolução que a prática deliberada tem, por definição. O aprendizado e a prática de história e estratégia ao longo da carreira podem cultivar a leitura, a análise crítica, a elaboração de tese e a argumentação escrita — habilidades essenciais para o pensamento estratégico.
Ao praticar a pesquisa arquivística, considerar diversas fontes e escrever, os profissionais adquirem inúmeros benefícios de pensamento crítico e resolução de problemas, incluindo a redução da probabilidade de manter crenças injustificadas…
Não há literatura que demonstre que o estudo da história aperfeiçoa o pensamento estratégico. Entretanto, vários teóricos militares, em cujos trabalhos se baseia a doutrina militar atual dos EUA, geraram suas ideias por meio de estudos históricos e do raciocínio indutivo. Em Strategy (intitulado Estratégia no Brasil), B. H. Liddell Hart resume suas teorias sobre estratégia após uma discussão minuciosa de casos históricos que contribuíram para suas conclusões.43 Alfred T. Mahan e Sir Julian Corbett criaram teorias modernas sobre o poder naval a partir de amplos estudos históricos.44 O estudo da história não é suficiente para criar pensadores estratégicos profundos, mas é necessário para apreender os conceitos, as taxonomias e o léxico empregados. Atualmente, o treinamento e a educação se concentram no consumo da doutrina e em sua aplicação sem o contexto subjacente de como essa doutrina surgiu e o contexto mais amplo do mundo no qual deve ser aplicada. As características do foco no poder de fogo, da dependência da tecnologia e da excelência logística descritas por Colin Gray em The American Way of War (“O modo estadunidense da guerra”, em tradução livre) exigem expertise técnica e tática.45 O foco nessas características minimiza a estratégia e a história, criando, como Gray descreve, um “déficit de estratégia”.46 Por esse mesmo motivo, em Makers of Modern Strategy (intitulado Os construtores da estratégia moderna no Brasil), Peter Paret, Gordon Alexander Craig e Felix Gilbert argumentam que o estudo da história e do fio narrativo presente na estratégia é essencial para compreender a guerra.47 A atual educação profissional militar no Exército dos EUA não apresentou nenhuma melhora em relação ao período entre guerras e pode ter piorado em relação à prática deliberada no estudo da história e da teoria militar.48 A Escola de Comando e Estado-Maior dedica 50 horas em sala de aula.49 Em 1992, o Deputado Ike Skelton observou o foco mínimo no estudo da história para desenvolver a expertise estratégica, o que totalizou 51 horas em 1988.50 O tempo dedicado ao estudo da história e à análise histórica não corresponde às milhares de horas de prática documentadas em pesquisas recentes sobre a aquisição de expertise. Há inúmeras oportunidades de treinamento para praticar condutas de combate e táticas. Porém, não há rodízios em CTCs para a prática deliberada da compreensão da história e da teoria. A prática deliberada do estudo histórico, começando no treinamento inicial, renderia milhares de horas de prática durante uma carreira. A aquisição da expertise ocorreria mais cedo na carreira de um oficial e aprimoraria a compreensão do ambiente estratégico.
Diante do entendimento atual sobre a aquisição da expertise, o problema e a solução se tornam logo aparentes. Se são necessários anos de prática e milhares de horas de prática deliberada para obter a expertise militar, então o Exército dos EUA não é capaz, verdadeiramente, de produzir especialistas militares. O resultado é um exército excelente do ponto de vista tático, mas sem expertise estratégica. Essa assimetria entre treinamento e educação se agrava ao longo da carreira militar, com a expectativa de que, em poucos anos, com oportunidades ocasionais de educação profissional militar, os comandantes mais antigos consigam compensar o déficit e se tornar especialistas em áreas que não praticaram anteriormente. O estudo da história e da teoria militar oferece um processo para a prática deliberada de habilidades essenciais nos níveis operacional e estratégico, criando expertise militar. Clausewitz descreve o estudo da história militar como “um ingrediente ativo do talento”.51 O método atual de treinamento para aquisição da expertise militar no Exército dos EUA carece desse ingrediente fundamental.
As opiniões expressas neste manuscrito são do autor e não refletem, necessariamente, a política oficial do Exército dos EUA, do Departamento de Defesa ou do governo dos EUA.
Referências
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O Ten Cel Sebastian K. Welsh, do Exército dos EUA, é Subcomandante de Serviços Clínicos do 549º Centro Hospitalar, em Camp Humphreys, Coreia do Sul, e atua como chefe-assistente de especialidades pediátricas no Tripler Army Medical Center, em Honolulu. Formou-se em Ciências Laboratoriais Clínicas pela Saint Louis University, em Medicina pela Uniformed Services University of the Health Sciences, em Bethesda, Maryland, e obteve o mestrado em Estudos Operacionais pelo Command and General Staff College, em Leavenworth, Kansas. É professor assistente de Pediatria na Uniformed Services University of the Health Sciences.
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