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Artigos Exclusivamente On-line de Novembro de 2017

O Comando de Missão no Exército Australiano

Um Contraste em Detalhe

Russell W. Glenn

Artigo publicado em: 28 de novembro de 2017

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As operações militares — quer sejam de combate, manutenção da paz ou humanitárias; de um único país ou multinacional — são complexas e imprevisíveis. A Inteligência, o entendimento das próprias capacidades e limitações e uma diretriz de comando cuidadosamente formulada, no melhor dos casos, oferecem um discernimento limitado de como enfrentar o que está por vir. Os adversários buscam dissimular e surpreender. As condições ambientais mudam. O entendimento das circunstâncias na ponta da linha pelos comandantes diminui progressivamente quanto mais se sobe na cadeia de comando, mesmo em uma era de capacidades de comunicações nem sonhadas pela geração anterior. O sargento liderando o seu grupo de combate vê o que o seu comandante de pelotão não pode ver. Aqueles que estão no batalhão, brigada e acima sabem pouco sobre o que afronta os seus subordinados nos escalões inferiores. O comandante militar sábio reconhece que sempre virão pela frente eventos imprevisíveis. Esses comandantes, portanto, exigem que seus subordinados estejam prontos para se adaptar ao inesperado.

O Comando de Missão — a prática de designar uma missão a um comandante subordinado sem especificar como deve ser cumprida — proporciona um meio de lidar com esse desafio1. Os Estados Unidos não são o único país dedicado ao emprego do Comando de Missão. Os exércitos da Austrália, Canadá, Alemanha, Holanda, Nova Zelândia, Singapura e Reino Unido têm adotado métodos simulares. Embora o conceito seja secular e a sua incorporação tenha sido parte das doutrinas militares por décadas, a implementação efetiva, contudo, tem se mostrado ilusória.

Os parágrafos seguintes se concentram na abordagem australiana para o Comando de Missão. A Austrália e os Estados Unidos têm uma longa parceria histórica. Os militares dos dois países serviram lado a lado em Timor Leste, Iraque, Afeganistão, Vietnã; nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial; e em outros lugares. Há grande valor em aprender com tais aliados e colegas parecidos, mas diferentes, de nós mesmos.

Este artigo apresenta os empregos do Comando de Missão durante as recentes operações no Iraque e no Afeganistão; os grandes conflitos anteriores a partir da Primeira Guerra Mundial; e a atual brigada do Exército Australiano. Os eventos incluem tanto confrontos com inimigos armados longe das costas australianas quanto desastres no próprio continente insular.

As Perspectivas Norte-americana e Australiana

As opiniões americanas e australianas sobre o Comando de Missão são semelhantes em conceito e em termos das expectativas dos dois países em relação ao que a filosofia exige dos comandantes superiores e subordinados. Os superiores precisam cultivar “confiança implícita entre e através de todos os elementos da força terrestre” de tal maneira que os subordinados desenvolvam a consciência situacional que lhes prepara para exercer o julgamento em apoio à Intenção do Comandante2. Dentro dessa ideia, o General Ulysses S. Grant, do Exército dos EUA, transmitiu que não determinaria um plano para o General de Brigada William T. Sherman, em 1864, mas lhe admoestou “a executar [o trabalho] da sua própria maneira”3. Essa troca de palavras revela que o conceito de Comando de Missão tem estado no Exército dos EUA por muito tempo, embora o termo não tenha sido introduzido na doutrina até 20034.

As definições conjuntas e do Exército dos EUA sobre o Comando de Missão são semelhantes em espírito, mas diferente nos detalhes. Na doutrina conjunta, o Comando de Missão é “a condução de operações militares pela execução descentralizada baseada em ordens de missão pela finalidade, [que direcionam] uma unidade a realizar uma missão sem especificar como deve ser cumprida”5. O Exército dos EUA define a abordagem como o exercício de autoridade e direção pelo comandante usando ordens de missão pela finalidade para capacitar a iniciativa disciplinada dentro da Intenção do Comandante para conceder autoridade aos comandantes ágeis e flexíveis na condução de operações terrestres unificadas... [Ele] enfatiza o intento centralizado e a execução descentralizada6.

Essa iniciativa disciplinada é “a ação na ausência de ordens, quando as ordens existentes já não são adequadas para a situação, ou quando oportunidades ou ameaças imprevistas surgem”7. Embora mais prolixa que a orientação conjunta, há pouco diferença entre as duas definições. A orientação do Exército observa, corretamente, que o Comando de Missão não é apenas uma responsabilidade do superior. Os oficiais subordinados em postos de estado-maior ou de comando apoiam os seus superiores ao mostrar iniciativa e agir, em outros contextos, dentro da orientação da Intenção dos escalões superiores.

O emprego consistente do Comando de Missão continua sendo ilusório tanto nas forças armadas dos EUA como nas da Austrália. A comunicação clara da Intenção do Comandante é essencial para que o subordinado entenda o que constitui a base da missão designada. A Intenção — “uma expressão clara e precisa do objetivo da operação e do estado final militar desejado ajuda na determinação das ações a ser tomadas por parte dos comandantes subordinados e os de apoio. . . mesmo quando a operação não se desdobra como planejado” — permite que comandantes subordinados tomem decisões apropriadas quando se deparam com imprevistos8.

Um comandante onisciente pode prover as instruções precisas e os recursos necessários para cumprir cada tarefa designada. Não há menção na História que algum comandante o tenha conseguido; portanto, comandantes precisam fornecer aos subordinados uma Intenção para orientar o discernimento quando as condições variam daquelas previstas. Em poucas palavras, uma Intenção eficaz transmite o que o comandante quer que seus subcomandantes e estado-maior lembrem quando enfrentam o imprevisto9.

A clareza das ordens e da Intenção, a tomada descentralizada de decisões e a confiança são as bases que permitem a unidade de esforço, por meio do exercício do Comando de Missão, na força terrestre australiana, como no Exército dos EUA10. Exercer o Comando de Missão enquanto evita-se riscos desnecessários recebe atenção explícita na doutrina conjunta australiana, da mesma forma que na americana, objetivando ter flexibilidade e adaptabilidade, para responder mais efetivamente ao inesperado11.

Onde as abordagens norte-americanas e australianas diferem é na quantidade de orientação doutrinária fornecida. A doutrina australiana tende a valorizar mais a simplicidade inerente da natureza do Comando de Missão, sem ignorar a dificuldade do seu proselitismo. O estado final não é diferente; a sabedoria subjacente é a mesma. Mas o Exército australiano parece satisfeito em evitar o palavreado que obscurece ao invés de esclarecer a filosofia. Oferecida no espírito da cooperação multinacional (e da simplicidade), usaremos a sua definição a partir daqui.

O Comando de Missão é a ação de designar uma missão a um comandante subordinado sem especificar como deve ser cumprida12.

Veremos, contudo, que essas poucas palavras exigem muito, tanto do superior quanto do subordinado.

Influências sobre o Emprego

Depois do comandante romano Vespasiano se tornar imperador, em 69 d.C., ele escolheu seu filho Tito para realizar a supressão de uma rebelião na Galiléia, Samaria e Judéia. A escolha foi baseada em mais do que nepotismo. Tito tinha demonstrado sua expertise como comandante e significativa experiência para a missão enquanto participou de campanhas ao lado de Vespasiano nos anos anteriores e quando comandou longe da supervisão direta do pai. Esses e outros fatores fizeram que Vespasiano confiasse em Tito. Esse tipo de confiança precisa, obviamente, ser a base da descentralização. Os comandantes precisam confiar no discernimento dos subordinados e, por sua vez, os subordinados precisam confiar em que seu comandante respaldará as suas decisões quando essas forem tomadas tendo em consideração das intenções do superior.

A familiaridade, que foi óbvio no relacionamento pai-filho de Vespasiano e Tito, exercerá um papel significativo na determinação do grau de liberdade operacional. Esse escopo será diferente conforme o indivíduo. O comandante subordinado bem conhecido, com capacidade demonstrada para operar sem supervisão rigorosa, merece menos supervisão do que um menos conhecido ou não testado. Uma supervisão estreita, menos liberdade de ação e mais orientação específica serão fornecidas aos comandantes não comprovados. O comandante, ao exercer mais controle, se responsabiliza pelo fato de não conhecer adequadamente o subordinado: quanto menos familiar estiver com as capacidades dos subordinados, maior a necessidade de que ele se assegure que a sua orientação seja clara e seguida à risca. Tempo gasto juntos antes de operações iminentes e a natureza da missão influenciarão o grau de liberdade concedida — o tempo porque pode reafirmar as capacidades de um novo subordinado ao comandante; a missão porque o mais brilhante comandante pode necessitar maior supervisão quando na busca de objetivos com os quais ele tem pouca experiência.

Mais familiaridade e confiança combinadas com um elevado nível de expertise do subordinado tenderia a resultar em menos risco na descentralização. A concessão da mesma responsabilidade a um indivíduo menos provado ou menos conhecido corresponderia à imprudência. Durante a Segunda Guerra Mundial, o General Friedrich-Wilhelm von Mellenthin, da Alemanha, recorreu à sua considerável experiência quando observou algo semelhante, “comandantes e subordinados começam a se entender durante a guerra. Quanto melhor que se conhecerem, mais breve e menos detalhada poderão ser as ordens”13.

A experiência e a expertise dos subordinados; a sua reconhecida capacidade de exercer julgamento sob condições operacionais relevantes; a familiaridade do comandante com esses indivíduos; e o grau de confiança que o comandante superior concede, dado essas e outras considerações, são, todos, fatores que influenciam a natureza da orientação proporcionada e a liberdade de ação concedida a cada subordinado. Precisa haver entendimento da razão pela qual um indivíduo recebe orientação mais detalhada e supervisão mais rigorosa do que um outro. A confiança desempenhará um importante papel, mas a confiança tem muitos componentes. Menos confiança, de forma alguma, precisa implicar que o superior questiona o julgamento ou a confiabilidade do subordinado, mas, em vez disso, que essas qualidades ainda não foram avaliadas. A confiança — de cima para baixo e vice versa — vem apenas do desempenho demonstrado, da validação e do decorrer do tempo. Mesmo o subordinado mais confiável descobrirá que o comandante diligente irá verificar, ocasionalmente, se as suas ações se encaixam dentro das limitações da Intenção do superior. O subordinado tem a responsabilidade de operar dentro dessas limitações, para assessorar os comandantes superiores sobre aspectos específicos de sua unidade, quando ela não for familiar para aqueles que estão acima na cadeia de comando e entender que os bons comandantes verificam o desempenho.

O Comando de Missão, no qual tanto os superiores quanto os subordinados entendem as suas responsabilidades, é cultivado por meio do ensino militar, incluindo instrução nas escolas militares onde os graduados e oficiais aprendem o seu ofício, os oficiais no meio da carreira adquirem conhecimentos em assuntos de estado-maior e de comando e os oficiais superiores se preparam para o apogeu das responsabilidades profissionais. O treinamento para exercer o Comando de Missão incorpora situações durante exercícios de adestramento que obrigam que os tomadores de decisões lidem com o imprevisto e, também, não apenas permitem, mas exigem, que comandantes superiores apresentem julgamentos bem intencionados, embora esses possam não ser perfeitos. A aprendizagem abrange o autoestudo guiado por mentores que possibilita que subordinados leiam [o Gen] Grant, o Marechal de Campo britânico William Slim e outros cujos estilos de comando demonstram o Comando de Missão em sua melhor forma. Ainda, há o desenvolvimento da cultura do Comando de Missão por meio de avaliações pessoais em que o líder demasiadamente conservador e averso ao risco é orientado que sua forma de liderança não é aceitável. A confiança, a familiaridade e a expertise obtidas no treinamento proporcionam as bases para o exercício do Comando de Missão durante operações, independente da força ser oriunda do hemisfério norte ou sul.

Essa discussão estabelece claramente que o exercício do Comando de Missão deve ser condicional em vez de absoluto. O tamanho único não serve a todos. Observamos que mesmo os subordinados conhecidos, completamente confiáveis e muito experientes exigem mais orientação do comando sob algumas circunstâncias. A disponibilidade de recursos influencia ainda mais o grau de descentralização. A liberdade de ação no emprego das próprias forças será, logicamente, maior do que em uma situação que envolve a alocação de meios de baixa disponibilidade, dos quais múltiplos comandos fazem uso14.

A cultura de uma força armada influencia, também, a natureza do Comando de Missão. A ressurreição norte-americana desse método durante a última década da Guerra Fria foi motivada, em parte, por percepções que uma luta contra um adversário maior do Pacto de Varsóvia no terreno compartimentalizado da Europa Ocidental significava que comandantes seriam incapazes de comandar pessoalmente todos os seus elementos subordinados. A agilidade inerente no emprego do Comando de Missão era considerada como uma vantagem sobre esses oponentes, adversários para quem uma grande variação nos planos era uma atitude contraditória15. Nesse sentido, pensava-se que as Forças de Defesa de Israel (FDI) tivessem preferência por operações táticas altamente descentralizadas. Contudo, as autoridades da FDI se sentiam desconfortáveis com o grau presumido de descentralização da sua força militar. Em vez disso, na realidade essas autoridades optaram por um “controle seletivo”, onde órgãos do escalão superior responsáveis por exercer a supervisão estabelecem ordens de missão pela finalidade e cobram a iniciativa, enquanto acompanham as operações em detalhe, ficando sempre preparados para intervir no caso de uma situação parecer além das capacidades do subordinado ou de uma oportunidade surgir que, de outra forma, poderia ser perdida16.

O controle israelense tem, aparentemente, se tornado até mais centralizado nos anos subsequentes. Embora as unidades de forças terrestres tenham recebido maiores quantidades de elementos de ligação de apoio aéreo durante a Operação Protective Edge (2014), em Gaza, os comandos que estavam na ponta da linha tinham que pedir permissão para uma autoridade central distante do campo de batalha para realizar ataques aproximados durante situações perigosas17. Algumas pessoas comparam os métodos britânicos de comando (e presumivelmente os das forças armadas australianas e de outros países com vínculos culturais e históricos semelhantes) com os dos EUA, sendo que o primeiro depende de objetivos designados em termos bastante gerais enquanto comandantes dos EUA fornecem orientação mais detalhada nas suas ordens. Considera-se que essa maior especificidade detalha mais como os objetivos serão alcançados, resultando em menos liberdade de ação pelos comandantes que recebem as ordens18.

As variações de emprego não são limitadas apenas às forças armadas nacionais. As organizações paramilitares têm, nos anos recentes, reconhecido o valor de adotar a filosofia do Comando de Missão. O Australian Fire and Emergency Services Council (Conselho Australiano de Bombeiros e Serviços de Emergência) descobriu que o método seria benéfico para as suas operações geograficamente dispersas. Semelhante aos conceitos militares sobre o Comando de Missão, as autoridades do Conselho comunicam a Intenção do Comandante e asseguram que os subordinados recebam os recursos necessários para realizar tanto as finalidades especificadas pela missão quanto as deduzidas pela Intenção19.

O Caminho do Exército Australiano

O nome “Comando de Missão” se originou quase cem anos após o Exército Australiano ter empregado o método em diversos campos de batalha por todo o mundo. Enquanto militares lutaram em Gallipoli, na Frente Ocidental da Europa, na Palestina e nas Ilhas Pacíficas ao norte da Austrália, os líderes do país perceberam que o êxito exigia a confiança, a tomada de decisões descentralizada, a orientação adaptada para as capacidades individuais e a fiscalização para garantir que subordinados agissem dentro das limitações dessa orientação. Os comandantes australianos de maior grau hierárquico lutaram primeiramente como subordinados aos britânicos, durante a Primeira Guerra Mundial, e, depois, subordinados aos americanos, durante a Segunda. Esse papel não impediu a adoção por eles do que seria, depois, o conceito principal do Comando de Missão.

Ao escrever sobre a Primeira Guerra Mundial, Peter Pedersen observou que antes de 1918 os “comandantes de divisão [australianos] já tinham sido testados . . . o que permitia que comandantes superiores pudessem aplicar um toque mais leve ao timão”20. Nessas ocasiões, esperava-se que os comandantes aliados que receberam tropas australianas nesses conflitos fornecessem exemplos de estilo de comando dignos de serem seguidos. Infelizmente, eles certamente forneceram mais exemplos negativos. O General americano Douglas MacArthur e seu estado-maior pouco tentaram descentralizar a tomada de decisões na sua Área, no Sudoeste do Pacífico, uma abordagem que, embora contrária aos Regulamentos dos Serviços em Campanha britânicos observados pelo Exército Australiano na época, foi fiel aos Regulamentos dos Serviços em Campanha do Exército dos EUA (US Army Field Service Regulations), da edição 1939, que estipulava que “contanto que o comandante possa exercer o controle efetivo ele não precisa descentralizar”21. Tal tensão caracterizaria as relações entre os exércitos australianos e americanos por toda a duração do combate no Sudoeste do Pacífico, onde MacArthur e o seu estado-maior acreditavam que o fracasso por parte dos comandantes do Exército Australiano de fornecer orientação detalhada aos subordinados demonstrava falha de planejamento enquanto os australianos estavam consequentemente irritados pela comprovada falta de confiança.

O passar do tempo não curou todos os ferimentos. As antipatias surgiriam mais uma vez quando militares australianos serviram sob comandantes americanos no Vietnã. O atrito entre os comandantes australianos e norte-americanos tendia a ocorrer nos escalões superiores. A doutrina australiana enfatizava a segurança da população, com base nas experiências de operações de contrainsurgência anteriores na Malásia e no Bornéu do Norte. As tensões iniciais surgiram devido à prioridade do General William Westmoreland: a destruição do exército norte vietnamita e dos inimigos vietcongues. Embora essa ênfase houvesse mudado em certo grau, quando Creighton W. Abrams assumiu o comando, após a partida de Westmoreland, os comandantes das tropas australianas no país se encontraram entre o que eles pensavam ser o afastamento da prioridade das operações entre forças por parte de Abrams e as determinações do General de Divisão Julian J. Ewell, o Comandante da 2a Força de Campanha no Vietnã (Abril de 1969 — Abril de 1970).

O General de Brigada australiano Robert Hay, Comandante da Força Australiana no Vietnã, achava que as diretrizes de Ewell eram não somente contrárias ao método preferido da Austrália e à intenção de Abrams, como também desnecessariamente detalhadas. O historiador Bob Hall observou:

A diretriz de Ewell mostrou um comandante decidido a orientar seus subordinados em detalhes, instruindo-os a aumentar baixas inimigas por meio de mais ‘dias de companhia no campo’ com ‘30% a 40% do esforço de companhia’ em operações ofensivas e emboscadas noturnas. Mais diretrizes orientavam as políticas relacionadas à verificação de alinhamento dos aparelhos de pontaria de fuzis; treinamento em tiro individual; técnicas de emboscada e de patrulhamento; e como melhor integrar novos reforços. Um memorando subsequente exortou comandantes subordinados a não empregarem seus soldados em tarefas de segurança da população ‘a menos que seja bastante evidente que o vilarejo será perdido a não ser que ajamos’22.

O resultado apresentou um dilema para as forças australianas. Embora a dependência de táticas de pequenas unidades frequentemente dispersas significasse que as abordagens do tipo Comando de Missão fossem características das operações de batalhão e abaixo, as autoridades militares do país acima desse escalão descobriram que estavam trabalhando em torno das orientações de comandantes dos EUA, para proteger os subordinados do que eles pensavam que eram ordens inapropriadas e demasiadamente detalhadas.

As subsequentes contingências australianas proporcionaram oportunidades renovadas para refinar métodos de comando adequados para comandantes operando longe dos seus comandantes superiores, frequentemente em ambientes carentes de comunicações confiáveis. Os militares australianos se encontraram na Somália, Timor Leste, Ilhas Salomão e, com a chegada do novo milênio, no Afeganistão e no Iraque. Os desafios associados com o emprego bem sucedido do Comando de Missão durante essas contingências mais recentes eram menos de natureza multinacional do que internos. Isso foi particularmente o caso em relação às interpretações pelos subordinados sobre o significado de Comando de Missão. Ambos, superior e subordinado, entenderam a necessidade para a tomada de decisões descentralizada dentro das limitações de uma missão e uma Intenção do Comandante. Alguns comandantes superiores, porém, se surpreenderam com as perspectivas dos subordinados sobre visitas desses superiores para verificar se a performance refletia a orientação do nível superior.

O Tenente-Coronel Chris Smith estava entre aqueles surpreendidos durante uma visita de comando ao seu grupo de combate (unidade nível batalhão), no Afeganistão. Ao investigar uma denúncia de um disparo acidental, Smith concluiu que um tiro de um AK-47 não autorizado quase tinha atingido um militar australiano. A arma esteve guardada atrás do assento do motorista de um veículo por um período de semanas, se não meses. Quando Smith questionou o comandante de seção responsável (equivalente a um comandante de Grupo de Combate do Exército dos EUA) se ele tinha inspecionado as viaturas, o subalterno respondeu que não, acreditando que isso seria uma quebra de confiança entre ele e seus subordinados. O comandante de seção deixou claro que ele considerava as verificações de Smith como uma violação de confiança. Mais discussão não conseguiu convencer o comandante de seção da sua responsabilidade de assegurar que ambas a sua orientação e a do superior fossem seguidas; em vez de uma quebra de confiança, a falta de verificação foi uma falha de liderança que refletia um entendimento profundamente errado das responsabilidades inerentes ao Comando de Missão. Ao lembrar o incidente, Smith observou que tais atuações levam a “práticas fajutas e atitudes superficiais”23.

Entender o que o Comando de Missão exige, tanto do superior como do subordinado, continua sendo um desafio tanto entre os profissionais do Exército da Austrália quanto entre a força terrestre principal dos EUA. As definições talvez pareçam claras. Contudo, vários comandantes descobrem que a coragem necessária para exercer a gama completa de responsabilidades do Comando de Missão é excessivamente intimidante. Vários subordinados, também, deixam de escutar após descobrir que o Comando de Missão incentiva a descentralização da tomada de decisões; eles escolhem ignorar a responsabilidade de verificar se as decisões e os comportamentos estão em linha com a orientação do comandante. Arraigado na história antiga, com o seu valor já provado repetidamente nas operações do Século XXI, o entendimento completo e o emprego efetivo do Comando de Missão permanecem ilusórios.

Observações Conclusivas

Os exércitos australiano e norte-americano enfrentam desafios semelhantes no emprego do Comando de Missão. Embora muitos comandantes tenham a coragem para confiar e descentralizar as decisões, vários permanecem comprometidos com o hipercontrole, a antítese da aplicação eficaz do Comadno de Missão. Vale lembrar, considerando as experiências dos comandantes australianos e os comentários dos comandantes norte-americanos, que subordinados reconhecem a natureza bidirecional do Comando de Missão: não é “disparar e esquecer”. Em vez disso, comandantes superiores têm a responsabilidade de confirmar que os subordinados entendam e operem dentro das limitações da Intenção e da missão do escalão superior. No entanto, essas não são as únicas semelhanças entre os dois exércitos profissionais. Os americanos e australianos operando juntos descobrem que têm mais características em comum do que diferenças. Os historiadores, políticos e militares tendem a enfatizar as diferenças e os atritos resultantes que surgem durante operações de coalizão. Ao contrário, o Comando de Missão oferece uma base comum pela qual a cooperação multinacional pode ser construída.

Os parágrafos anteriores estabelecem que uma natureza condicional do Comando de Missão é necessária para adaptar uma orientação e uma supervisão em relação às capacidades do subordinado. O que deve ser incondicional, contudo, é o emprego do método por todo um exército. O medo de que um subordinado venha a cometer um erro que pode ameaçar a carreira de um comandante superior aumenta a centralização24. As aprimoradas tecnologias de comunicações se tornam ferramentas de intrusão na tomada de decisões do comandante subordinado. Aqueles que acompanhavam suas tropas por cima, em helicópteros, durante operações no Vietnã, pelo menos percebiam que a folhagem da selva ou o capim-elefante obscureciam muito da sua visão. Não há tais filtros óbvios ao olhar para a claridade falsa da tela de um computador. Os conceitos “treinar para confiar” e “treinar para assumir riscos apropriados” precisam ser elementos constitutivos para a propagação do Comando de Missão. O comandante que tolera algo fora disso é um obstáculo para essa cultura.

As operações nos anos iniciais do Século XXI exigem, cada vez mais, uma abordagem abrangente que envolve todas as Forças Singulares; múltiplas nações com várias agências governamentais provenientes de cada uma; e capacidades que apenas entidades fora do governo, como organizações não governamentais, associações intergovernamentais e empreendimentos comerciais podem trazer para a mesa. A descentralização é um fato; tais operações nunca terão uma unidade de comando. A unidade de esforço é, talvez, uma meta atingível, com os esforços de várias organizações orquestradas por meio de uma intenção geral mutuamente combinada. As bases do Comando de Missão — intenção clara, confiança, iniciativa, entendimento do contexto e dos objetivos desejados, familiaridade com os subordinados, descentralização e a coragem para aceitar riscos — são alcançáveis, independentemente dos antecedentes históricos. Líderes, tantos militares como civis, reconhecem a necessidade de melhor empregar abordagens abrangentes. O Comando de Missão oferece um meio para conseguir a orquestração essencial para o êxito, independentemente da nação ou da organização em comando.

Da mesma forma, um entendimento comum do método oferece oportunidades para compartilhar preocupações e discernimentos sobre seu emprego. As tecnologias de comunicações cada vez mais sofisticadas, por exemplo, devem reforçar exigências por melhor assimilação do Comando de Missão por toda uma força armada. Os subordinados terão de recorrer à Intenção do Comandante quando as comunicações falharem, devido a interferência do inimigo ou da natureza. As organizações incapazes de empregar o Comando de Missão efetivo se encontrarão em desvantagem quando enfrentarem comandantes que “recebem orientações de operações gerais, mas possuem autonomia significativa para controlar as suas próprias operações”, como os do Estado Islâmico do Iraque e do Levante25.

O que isso significa para o comandante norte-americano que tem a sorte de ter uma unidade australiana sob seu comando?26 Que esses parceiros não serão menos profissionais que seus próprios soldados é um fato, como é a realidade que as diferenças doutrinárias, de liderança e outras merecerão reconhecimento e respeito por todos os participantes envolvidos. Quase com certeza haverá limitações sob as quais os comandantes das unidades australianas deverão operar diferente das impostas pelos líderes políticos ou militares dos escalões superiores dos EUA. O Comando de Missão em um ambiente multinacional pode ser melhor empregado em um modo mais inquisitivo em vez de diretivo. Uma declaração clara da missão e da Intenção do escalão superior não será menos crucial. Os comandantes inteligentes têm percebido, contudo, que a determinação de como um parceiro multinacional irá apoiar uma dada missão e Intenção pode requer uma abordagem bastante diferente daquela usada com subordinados dos EUA.

A determinação de ações específicas a serem executadas por parceiros podem cruzar linhas “proibidas” estabelecidas pelos seus superiores, deixando-os sem nenhuma outra opção além de recusar a acatar. Além de adaptar o grau de orientação fornecida ao subordinado dependendo das capacidades do indivíduo, o comandante superior precisa moldar a sua abordagem do Comando de Missão para as condições multinacionais. A adoção de uma atitude de definir a missão e a Intenção do escalão superior e, depois, perguntar como um parceiro multinacional pode melhor apoiar, proporciona uma base para as operações de coalizão bem sucedidas e evita a probabilidade de entrar em “território proibido”.

A consideração da abordagem do Exército Australiano para o Comando de Missão proporciona uma oportunidade de tirar partido das experiências de um aliado capaz. As experiências dos comandantes australianos mostram desafios inerentes ao Comando de Missão que abrangem fronteiras nacionais. Elas incluem não apenas a necessidade de entender e aderir aos princípios do conceito, mas também o desafio sempre presente de persuadir comandantes demasiadamente controladores a adaptar seu estilo. Da mesma forma, as experiências nos dois países trazem para o primeiro plano s necessidade menos reconhecida de convencer tanto comandantes como subordinados que, exercido apropriadamente, o Comando de Missão reforça, em vez de substituir, o velho ditado de que soldados fazem bem o que os comandantes fiscalizam.

Referências

  1. Australian Army, The Fundamentals of Land Power, Land Warfare Doctrine (LWD) 1 (Canberra, ACT: Australian Army, 2014), p. 45.
  2. Ibid.
  3. Ulysses S. Grant, Personal Memoirs of General Ulysses S. Grant (New York: Cosimo, 2007), p. 278.
  4. John Case, “The Exigency for Mission Command: A Comparison of World War II Command Cultures,” Small Wars Journal, 4 Nov. 2014.
  5. US Joint Chiefs of Staff, Department of Defense Dictionary of Military and Associated Terms, Joint Publication 1-02, (Washington, DC: Joint Chiefs of Staff, June 2015), p. 158.
  6. Headquarters, US Department of the Army (HQDA), Mission Command, Army Doctrine Reference Publication (ADRP) 6-0 (Washington, DC: HQDA, 2012), p. 1-1. As “ordens de missão pela finalidade” são definidas como “diretrizes que enfatizam os resultados desejados aos subordinados, não como eles devem realizá-los” (Ibid, Glossary-3).
  7. Ibid., p. 2-4.
  8. Ibid., p. 2-3.
  9. Russell W. Glenn, “The Commander’s Intent: Keep It Short,” Military Review 67, no. 8 (August 1987): p. 51.
  10. Australian Department of Defence (ADoD), Campaigns and Operations, Australian Defence Doctrine Publication (ADDP) 3.0 (Canberra, ACT: ADoD, July 12, 2012), p. 2-3.
  11. ADoD, Command and Control, ADDP 00.1 (Canberra, ACT: ADoD, 2009), p. 2-11.
  12. Australian Army, LWD 1, p. 45
  13. Como citado em Eitan Shamir, Transforming Command: The Pursuit of Mission Command in the U.S., British, and Israeli Armies (Stanford, CA: Stanford University Press, 2011), p. 106.
  14. Ministry of Defence of the Netherlands, Command and Control, Joint Doctrine Publication 5 (The Hague: Doctrine Branch, Netherlands Defence Staff, 2012), p. 59.
  15. Douglas A. Pryer, “Growing Leaders Who Practice Mission Command and Win the Peace,” Military Review 93, no. 6 (November-December 2013): p. 32.
  16. David S. Alberts e Richard E. Hayes, “Command Arrangements for Peace Operations” (Washington, DC: Command and Control Research Program, 1995), p. 69. O trabalho de Alberts e Hayes é resumido em Keith G. Stewart, “Mission Command: Problem Bounding or Problem Solving?,” Canadian Military Journal 9, no. 4 (2009).
  17. Russell W. Glenn, “Short War in a Perpetual Conflict: Implications of Israel’s 2014 Operation Protective Edge for the Australian Army”, Army Research Paper 9 (Canberra, ACT: Australian Army, 2016), p. 93.
  18. Alberts e Hayes, “Command Arrangements,” p. 70.
  19. Euan Ferguson, “Mission Command for Fire and Emergency Managers: A Discussion Paper,” Australian Fire and Emergency Services Council (AFAC), May 2014, disponível em: http://www.cfabellarine.com/uploads/1/3/0/0/13001256/mission_command_discussion_paper_may_2014.pdf.
  20. Peter Pedersen, “Mission command and the Australian Imperial Force,” in Trust and Leadership: The Australian Army Approach to Mission Command (título provisório), ed. Russell W. Glenn (Annapolis, MD: Naval Institute Press, vindouro).
  21. US War Department, Operations, Tentative Field Service Regulations FM 100-5 (Washington, DC: War Department, 1939), p. 34, como citado em Peter Dean, “Mission Command in World War II: Australia, MacArthur’s General HQ and the Southwest Pacific Area,” in Trust and Leadership.
  22. Headquarters, Australian Forces Vietnam, “Memorandum to HQ II Field Force Vietnam,” April 16, 1969, AWM98, R569-1-196, Operations-General-II Field Force Vietnam Operational Directives, Australian War Memorial. Citado em Bob Hall, “A Long Bridge in Time: The 1st Australian Task Force in Vietnam via Malaya and Borneo,” in Trust and Leadership.
  23. Chris Smith, “Mission Command and the 2RAR Battle Group in Afghanistan: A Case Study in the Relationship between Mission Command and Responsibility,” in Trust and Leadership.
  24. Gary Luck, Mission Command and Cross-Domain Synergy, Insights and Best Practices Focus Paper (Suffolk, VA: Joint Chiefs of Staff J7 Deployable Training Division, 2013), p. 4.
  25. Eric Schmitt e Ben Hubbard, “ISIS Leader Takes Steps to Ensure Group’s Survival,” New York Times, 20 Jul. 2015.
  26. Atualmente, o Exército Australiano possui três brigadas de manobra, que são as maiores unidades que um comandante americano poderia encontrar em uma parceria. Os grupos de batalha ou regimentos (respectivamente equivalentes às forças-tarefa de batalhão ou batalhões) são mais prováveis. A Austrália desdobrou grupos de batalha no Iraque e no Afeganistão durante a primeira década deste século.

O Dr. Russell W. Glenn Diretor de Planos e Políticas da 2a Seção do Comando de Instrução e Doutrina (TRADOC) do Exército dos EUA, recentemente serviu no corpo docente do Strategic and Defence Studies Centre da Australian National University. Seu livro mais recente, Rethinking Western Approaches to Counterinsurgency: Lessons from Post-Colonial Conflict (“Repensando os Métodos Ocidentais para a Contrainsurgência: Lições do Conflito Pós-Colonial”, em tradução livre), foi publicado em abril de 2015.

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