Revista Profissional do Exército dos EUA

Edição Brasileira

Artigos Exclusivamente On-line de maio de 2019

Um Argumento Contra o Senso Comum

Liderança é Relacionamento

Subtenente Shawn F. Carns, Exército dos EUA

Este artigo foi publicado originalmente em março de 2019 pela revista NCO Journal.

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Militares da 3a Divisão de Infantaria do Exército dos EUA, junto com parceiros canadenses e poloneses, carregam um tronco de madeira durante uma série de exercícios em Yavoriv, na Ucrânia, em 28 Set 16. Esses militares foram desdobrados no leste europeu em apoio ao Grupo Multinacional Conjunto de Treinamento-Ucrânia (JMTG-U, na sigla em inglês). O JMTG-U se concentra no desenvolvimento de capacidades sustentáveis e duradouras, bem como nos sistemas de treinamento das forças terrestres ucranianas. (Cb John Onuoha/Exército dos EUA)

Em retrospectiva, agora percebo que quando eu era um graduado recém-promovido, de apenas 22 anos, eu não tinha noção do que era a verdadeira liderança. Obviamente, eu conhecia a definição do manual por estudar para comissões de promoção e durante o Curso de Desenvolvimento de Liderança Básica (agora chamado somente Curso de Liderança Básica). Porém, como a maioria dos graduados e oficiais, limitei-me a reproduzir o que já tinha visto pessoalmente, pensando que era assim que as coisas deveriam funcionar.

Decerto, eu não era um líder. Era simplesmente rude e indiferente. Minha unidade me chamava de “Morte Negra” e eu era suficientemente ingénuo para acreditar que isso era um elogio. Quando os soldados me viam chegando, corriam na direção oposta, e eu pensava que isso significava que estava agindo corretamente.

Como um comandante imaturo, eu entendia — e aproveitava — o poder inerente à minha função em toda sua plenitude, impondo com rigidez os padrões do Exército e a disciplina. Utilizando minha “mão de ferro”, eu tinha as esquadras e o grupo de combate mais disciplinados da nossa companhia. Entretanto, como líder, eu era parcialmente efetivo porque eu não tinha desenvolvido autênticas relações com meus subordinados. Eu sinceramente não me importava com quaisquer dos meus soldados além da sua disciplina. Por outro lado, eles também não se importavam comigo, já que eu era uma pessoa que deveria ser evitada a todo custo.

Eu não entendia o conceito de liderança em seu sentido mais amplo, até me tornar um sargento adjunto de pelotão. Levou mais de uma década para que eu percebesse que liderança não se restringe à gritaria e crueldade. É uma questão de formar relações e laços de confiança com aqueles ao seu redor. É sobre tutoria e como ser um mentor.

Meu entendimento sobre liderança não foi resultado do acaso, tampouco foi um processo que se deu de um dia para o outro. Como um jovem sargento adjunto de pelotão, tive o privilégio de ter três ótimos comandantes de GC (Sgt Stedelin, Sgt Shackleton e Sgt Fendley). Eles me ajudaram com meu próprio crescimento pessoal. Tenho uma dívida impagável junto a esses homens por me ensinarem que liderança é uma relação baseada em confiança e, em sua essência, é um vínculo entre o líder e seus seguidores.

O Sargeant Major do Exército do Comando Central (Oriente Médio), Joseph C. Cornelison, conversa com seus subordinados durante uma visita ao Camp Buehring, no Kuwait, em 12 Mai 18. (Sgt Thomas X. Crough/USARCENT)

Um grande líder deve tentar formar relações duradouras que sobrevivam além de apenas um rodízio de tropas ou desdobramento no exterior. Ele ainda consegue manter os padrões de desempenho elevados, mas seus subordinados cumprem a missão por amor e respeito, não por medo. Para fazer isso, precisamos reconhecer o valor de uma cultura positiva e delinear os passos necessários para fomentar essa postura dentro do Exército.

A Verdadeira Liderança

A liderança não é construída em um único dia. É desenvolvida ao longo do tempo, usando experiência e educação. Segundo Capodagli e Jackson, autores do livro The Disney Way (publicado no Brasil com o título O Estilo Disney), “Liderança é a capacidade de estabelecer e controlar um ambiente de respeito e confiança mútuos que motiva equipes e indivíduos para atingir as metas de longo prazo”1. A Disney é bem sucedida em uma indústria caracterizada pelo elevado nível de estresse. Seus princípios de gerenciamento provaram ser capazes de construir uma cultura positiva que produz resultados efetivos.

Os benefícios a seguir foram extraídos de um artigo de Alan Kohll, publicado pela revista Forbes em 2018, sobre a construção de uma cultura empresarial positiva no local de trabalho. O respeito por seus soldados pode afetar favoravelmente os seguintes aspectos na sua unidade2:

  • Recrutamento (Atrair os melhores soldados para a sua equipe);
  • Fidelidade (Quando se sentem respeitados, seus soldados priorizarão os requisitos da missão acima de suas próprias necessidades);
  • Satisfação Profissional (Soldados que amam seu trabalho e gostam da sua unidade irão contentes para o trabalho);
  • Colaboração (Soldados que se sentem valorizados são mais participativos nas soluções dos problemas);
  • Desempenho no Trabalho (Soldados valorizados são mais motivados e isso está vinculado a taxas mais elevadas de produtividade);
  • Moral dos Subordinados (A positividade é vinculada à moral elevada); e
  • Menos Estresse (O nível de estresse depende da operação, mas, dentro do quartel, soldados respeitados apresentam melhor desempenho profissional e melhores condições de saúde).
Um sargento da Reserva do Exército ensina uma jovem cadete como conduzir uma inspeção de manutenção da viatura M1097, na cidade de Corpus Christi, no Texas, em 13 Oct 18. Soldados designados ao 211o Grupo de Apoio Regional prepararam as viaturas da unidade para missões futuras de treinamento. (Maj Tomas Piernicky/ 4o Comando Logístico)

Definição de Liderança

A transformação do estilo de liderança do Exército dos tempos “da gritaria” para uma nova maneira mais respeitosa começa na própria definição do papel e da relação de um líder no Exército dos EUA. Segundo a Publicação de Referência Doutrinária do Exército 6-22, Liderança do Exército (ADRP 6-22, Army Leadership), “A liderança é o processo de influenciar ao prover propósito, direção e motivação a fim de cumprir a missão e melhorar a organização”3. Ainda que seja uma definição doutrinária padrão, ela é, também, uma lista de verificação viável. Embora os graduados não possam simplesmente marcar no checklist “formou relações com subordinados e superiores”, eles podem agendar uma reunião com seus soldados, a fim de abrir um canal de comunicação e começar a construir uma base sólida de confiança.

Por exemplo, quando eu era sergeant major de batalhão (graduado mais antigo da unidade), andava pelas companhias, sentava ao lado de soldados e me socializava com eles. Não havia uma agenda ou um desejo de impor a disciplina. Era, simplesmente, uma oportunidade para que eles falassem sobre seus problemas militares ou qualquer outra coisa. Essas reuniões me ajudavam a receber feedback sobre a nossa unidade segundo a perspectiva de seus próprios soldados (a “verdade nas fileiras do Exército”). Ademais, me ajudavam a criar uma relação entre eu e os meus subordinados, permitindo que eu tivesse a chance de aconselhá-los para o crescimento profissional de cada um deles em uma única reunião (como outros têm feito comigo).

Fazia essas reuniões uma vez por semana com uma companhia de cada vez. É pouco provável que uma única conversa, ou único evento, seja capaz de mudar a vida de alguém, mas a construção de um relacionamento pode mudar as atitudes, comportamentos e hábitos de um indivíduo. Isso se torna especialmente verdadeiro quando eles se sentem valorizados e recebem tutoria sobre o melhor caminho para a promoção e como eles podem se tornar líderes.

Influência

Relacionamentos são vínculos emocionais que fomentam um entendimento compartilhado e um interesse recíproco durante situações frequentemente complexas. São baseados em confiança, e confiança leva à influência. O Exército define influência como “relações onde líderes constroem afinidade positiva e edificam um relacionamento de confiança mútua, criando subordinados mais dispostos a cumprir as ordens”4. Se não há confiança entre os membros de uma equipe, então simplesmente não há equipe. Trata-se, tão somente, de pessoas aleatórias tentando colaborar na execução de uma tarefa.

Os relacionamentos com uma fé fundamental entre líderes e seus seguidores são essenciais para qualquer organização. Eles nos vinculam com outras pessoas dentro da equipe além de uma mera reunião matinal. Segundo John Maxwell, “Os sistemas e processos se limitam àquilo que pode ser feito. Para motivar pessoas a seguirem uma nova direção, precisamos influênciá-las5. Além disso, a influência só pode ser estabelecida depois da criação de uma conexão profunda calcada na credibilidade, confiança e coerência.

Jayson DeMers descreve sete maneiras de desenvolver influência dentro do ambiente de trabalho. Esses princípios se aplicam tanto às forças armadas quanto ao mundo corporativo6:

  1. Desenvolva Confiança com Seus Colegas de Trabalho (Soldados);
  2. Cultive Confiabilidade pela Coerência;
  3. Seja Assertivo, Não Agressivo;
  4. Seja Flexível;
  5. Aja de uma forma Pessoal;
  6. Concentre-se nas Ações em vez dos Argumentos; e
  7. Escute os Outros.

Conclusão

Meus dias de Morte Negra ficaram no passado e não tenho desejo de revivê-los. Esse estilo de pensamento orientado para o castigo está ultrapassado, pois é extremamente míope e não condiz com um líder que almeja produzir impacto significativo no Exército. Encontrar a linha entre disciplina e apoio não apenas pode afetar positivamente um GC ou um pelotão, mas pode mudar a cultura de uma unidade inteira.

Gritar com pessoas é fácil. Importar-se com os outros e orientá-los corretamente é uma tarefa extremamente difícil. Como um soldado e graduado do Exército dos Estados Unidos, sempre escolho o caminho mais difícil. O caminho certo. O caminho onde posso verdadeiramente fazer a diferença de forma duradoura.


Referências

  1. Capodagli, B. e Jackson, L. (2016). The Disney Way. New York, NY: McGraw-Hill, p. 77.
  2. Kohll, A. (2018, August 14). “How to build a positive company culture”. Forbes. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/alankohll/2018/08/14/how-to-build-a-positive-company-culture/#1797b49249b5.
  3. Headquarters, Department of the Army (2012). ADRP 6-22: Army Leadership. Washington, D.C.: Department of the Army, p. 1-1.
  4. Ibid, p. 6-2.
  5. Maxwell, J. (2007). The 21 irrefutable laws of leadership. Nashville, TN: Thomas Nelson, Inc., p. 14.
  6. DeMers, J. (2015, January 15). Sete maneiras para desenvolver influência no lugar de trabalho. Inc.com. Disponível em: https://www.inc.com/jayson-demers/7-ways-to-build-influence-in-the-workplace.html.

O S Ten Shawn Carns é infante no Exército dos Estados Unidos. Atualmente serve como o Adjunto de Comando da Escola de Preparação para Comando, em Fort Leavenworth, Kansas. Anteriormente serviu como o adjunto de comando na Força-Tarefa Conjunta-B, em Honduras, responsável pela Área de Operações Conjuntas que abrange os sete países da América Central.

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