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(Data de publicação original: Military Review Edição Brasileira Julho-Agosto 2011)

Uma Estratégia do Comandante para as Mídias Sociais

Thomas D. Mayfield III

Artigo originalmente publicado na edição do primeiro trimestre de 2011 da revista Joint Force Quarterly.

Precisamos manter nossas mentes alertas e receptivas à aplicação de métodos e armas não vislumbrados. A próxima guerra será vencida no futuro, não no passado. Precisamos seguir em frente; caso contrário, iremos fracassar.

—General de Exército Douglas MacArthur, 1931

Em 1931, o General MacArthur não poderia ter imaginado muitas das formas de combate que seriam utilizadas apenas alguns anos mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial. Entendeu, porém, que mudanças nos métodos e nas armas poderiam alterar a natureza do conflito. Assim como ocorreu com a metralhadora, o carro de combate e o avião, a natureza dos conflitos foi transformada pelo advento do telégrafo, do rádio, da televisão e, por fim, da internet. Os atuais avanços no mundo das informações, especificamente com a chegada das mídias sociais e das novas mídias, podem se mostrar tão profundos quanto os ocorridos com o advento de qualquer uma dessas invenções. Por isso, devemos observar e adaptar nossas estratégias de informações, a fim de não fracassarmos.

Um dos desafios que os comandantes enfrentam atualmente é o de desenvolver estratégias que reconheçam as mudanças decorrentes das mídias sociais impostas à natureza do combate. Já existem exemplos de Forças militares que ignoraram a realidade e sofreram por isso. O uso eficaz das mídias sociais tem o potencial de ajudar as Forças Armadas a entender melhor o ambiente em que atuam. As mídias sociais talvez possibilitem a utilização mais ágil de informações em apoio às operações. Além disso, podem ser exploradas para ajudar na obtenção da unidade de esforços com os parceiros, em um conflito. Encontrar formas inteligentes e inovadoras, que contribuam para a consecução dos objetivos almejados, pode ser a chave do sucesso no ambiente das mídias sociais, em contínua evolução.

As mídias sociais vêm transformando a forma pela qual as informações são transmitidas nas sociedades e no mundo. A rápida disseminação de blogs, redes de relacionamentos e tecnologia de compartilhamento de mídia (como o site YouTube), auxiliada pela proliferação da tecnologia móvel, também está transformando as condições nas quais os Estados Unidos conduzem operações militares. A velocidade e a transparência das informações aumentaram tremendamente. Acontecimentos que, há apenas alguns anos, podiam ser mantidos em sigilo por tempo indeterminado hoje são divulgados por todo o mundo em uma questão de minutos. Os papéis tradicionais das mídias estão mudando em função da onipresença da tecnologia de transmissão de dados. Qualquer cidadão que possua um telefone celular com câmera pode transmitir imagens desfavoráveis para o mundo, sem qualquer filtro, bastando apenas fazer uma ligação. As pessoas podem utilizar as redes de relacionamentos para mobilizar grupos em apoio a uma causa sem ter de se expor aos riscos e aos custos antes associados com o ativismo. Há pouco que governos e instituições possam fazer em resposta, para efetivamente impedir esse tipo de ação. Os acontecimentos no Irã, depois das eleições de junho de 2009, representam um exemplo de como as mídias sociais podem estar alterando a natureza do diálogo político e dos conflitos no mundo.

Integrante da Guarda Costeira dos EUA utiliza sistema de monitoramento das mídias sociais para auxiliar em resgates e evacuações médicas. (Marinha dos EUA, Walter Shinn)

Teerã, 20 de junho de 2009

Neda Agha-Soltan estava sentada em seu Peugeot 206, em meio ao trânsito da Avenida Kargar. Estava acompanhada do seu professor de música e grande amigo, Hamid Panahi, e de outras duas pessoas. Os quatro estavam indo participar dos protestos contra o resultado da eleição presidencial de 2009 no Irã. O ar condicionado do carro não estava funcionando direito e, por isso, Neda parou a certa distância da manifestação principal e saiu a pé para fugir do calor. Estava de pé, observando os protestos esporádicos na área, quando recebeu um tiro no peito (disparado, supostamente, por um membro da milícia iraniana Basij, pró-governo). De acordo com o que ficou registrado por um vídeo amador, ela caiu no chão e foi atendida por um médico e por outras pessoas na multidão. Alguém gritou: “Ela recebeu um tiro! Alguém, venha e leve-a daqui!” O vídeo se espalhou com grande velocidade pela internet, rapidamente chamando a atenção da imprensa internacional e do público. Discussões sobre o incidente no site Twitter fizeram com que o assunto se tornasse um dos mais vistos em todo o mundo, no final do dia1.

O que aconteceu em seguida revela o potencial das mídias sociais. Dentro de poucas horas, diversas versões do vídeo foram divulgadas no YouTube, com links em vários outros sites. Milhões de pessoas viram as fotos aterradoras da morte de Neda quando foram colocadas on-line. As imagens destacaram a reação severa do governo iraniano e alimentaram os dez dias de protestos violentos que se seguiram em Teerã. Muitas pessoas, no mundo inteiro, começaram a divulgar editoriais sobre os protestos e sobre as reações opressoras do governo iraniano. O site Twitter registrou milhões de tweets, e a maioria deles condenava o governo iraniano e seus partidários. Os estudantes iranianos começaram a utilizar o Twitter e o Facebook, assim como o Flickr (site social que permite que os usuários publiquem e compartilhem fotografias), para fornecer informações ao público iraniano sobre quando e onde seria realizado o protesto seguinte e sobre que ruas evitar, em função dos postos de controle da polícia ou da milícia2.

O caso de Neda demonstra que não é fácil conter as mídias sociais. Mesmo com todas as medidas tomadas pelo governo iraniano, as imagens dos protestos e os relatos sobre abusos por ele cometidos continuaram a chegar à internet. Os manifestantes rapidamente encontraram formas de contornar os esforços do governo de criar obstáculos à participação em redes sociais. O governo iraniano acabou conseguindo controlar a maior parte do tráfego on-line, mas já era tarde demais para conter os efeitos das mídias sociais. Teerã foi alvo de forte pressão diplomática de outros governos e da condenação da imprensa em todo o mundo, que exigiam que se desse fim à violência pós-eleitoral.

Em todo o mundo, as mídias sociais estão se tornando ferramentas comuns para o ativismo político e social. Se não compreenderem plenamente essas ferramentas, os comandantes militares talvez não se deem conta do significativo impacto que elas exercerão na natureza dos futuros conflitos. Hoje, os inimigos potenciais dos Estados Unidos estão utilizando essas tecnologias para ampliar seus esforços. As Forças militares estadunidenses podem participar do ambiente das mídias sociais com seriedade ou ceder esse terreno ao inimigo3. O desenvolvimento de estratégias que levem em consideração o impacto delas será uma das chaves para o sucesso em operações futuras.

A questão relevante é: como uma estratégia eficaz de uso das mídias sociais pode exercer impacto nos resultados das operações militares? Um artigo recente da Military Review descreveu a utilização de novas ferramentas de mídia durante a segunda Guerra do Líbano, em 2006, que envolveu as Forças israelenses e o Hezbollah4. O artigo a comparava com a Operação Cast Lead, quando as Forças israelenses atacaram a Faixa de Gaza, em dezembro de 2008 e janeiro de 2009. As abordagens distintas adotadas pelas Forças israelenses nas duas operações destacam como uma estratégia eficaz de novas mídias pode afetar os resultados estratégicos.

Durante o verão de 2006, o Hezbollah efetivamente integrou as operações de informações — incluindo mídias sociais — em suas operações táticas para combater os israelenses. O Hezbollah inseriu fotos e vídeos em blogs e no YouTube para promover uma imagem positiva e ressaltar as percepções negativas sobre as operações israelenses. O Hezbollah utilizou informações com eficácia para limitar as alternativas estratégicas de Israel. Depois de 33 dias de combate, foi declarado um cessar-fogo, e o Hezbollah alegou vitória. A organização foi capaz de criar uma “percepção de fracasso” para Israel, que ignorou a realidade das novas mídias e se ateve às políticas tradicionais de informações. Foi menos ágil que o Hezbollah e incapaz de se equiparar ao grupo na guerra de informações. Em comparação, na Operação Cast Lead, as Forças israelenses criaram uma estratégia mais efetiva para a utilização das mídias sociais e novas mídias. Desenvolveram uma estratégia de informações proativa, incorporando ferramentas de mídia social e mobilizando o apoio das comunidades virtuais israelenses, para estabelecer a “pauta” e controlar as percepções sobre o combate. O resultado foi que os israelenses utilizaram as informações com eficácia para conservar opções estratégicas que lhes permitissem alcançar seus objetivos5.

Os Fins

O marco estratégico utilizado pelo U.S. Army War College define estratégia como a relação entre fins, modos e meios. Para desenvolver uma estratégia, é preciso primeiro ter em mente seus propósitos — ou fins. Os fins são os objetivos buscados pelo comandante que formula a estratégia6. No que diz respeito às mídias sociais, quais são alguns dos fins que um comandante pode ter em mente?

Talvez o primeiro fim a ser considerado pelos comandantes, quando definem a estratégia, deva ser a obtenção de uma compreensão maior do ambiente ou melhor consciência situacional, mediante o uso eficaz das mídias sociais. Por meio da observação sistemática da comunidade virtual na sua área de responsabilidade, o comandante talvez seja capaz de desenvolver um entendimento progressivo da sociedade em questão, assim como de suas preocupações e interesses, e de identificar o aparecimento de tendências e padrões. Os blogs e as redes de relacionamentos podem oferecer informações sobre qualquer sociedade onde exista uma comunidade virtual significativa, particularmente onde a população seja relativamente jovem. O Departamento de Estado tem utilizado as redes de relacionamentos com eficácia para sondar os sentimentos existentes em sociedades.

Embaixadas dos EUA estão utilizando o Facebook e outras ferramentas de mídia social em diversos países — em locais como Podgorica, Damasco, Phnom Penh e Panamá —, para manter relacionamentos com as culturas locais, particularmente com os jovens, que são mais propensos a participar de redes sociais7.

A manutenção de uma presença em mídias sociais nos locais de emprego de sua Unidade também permite ao comandante entender ameaças potenciais e tendências nascentes dentro da área de responsabilidade. A comunidade virtual pode proporcionar um bom indicador do estado de ânimo predominante e de questões que estejam surgindo. É provável que muitos dos grupos locais de oposição utilizem mídias sociais para expressar suas queixas publicamente. Durante o outono de 2008, o General David Petraeus redigiu um artigo para a Military Review intitulado “Multi-National Force–Iraq Commander’s Counterinsurgency Guidance” , no qual apresenta a lista de tarefas fundamentais para seus comandantes no Iraque8. Ainda que as tarefas enumeradas tenham se referido especificamente ao combate à insurgência, muitas delas se aplicam a qualquer contexto. Por exemplo, ele afirma que é importante que o comandante “entenda a vizinhança” e “viva no meio do povo”. A manutenção de uma presença nas mídias sociais também pode ser parte integrante do esforço para compreender questões e posturas em um bairro ou em uma comunidade. A presença on-line pode desempenhar um importante papel quando se pretende viver em meio ao povo, em uma sociedade que possua uma comunidade virtual significativa. As mídias sociais não seriam, obviamente, a única ferramenta a ser utilizada pelos comandantes. Entretanto, elas podem capacitá-los a entender os ambientes e a obter melhor consciência situacional.

O segundo objetivo, com respeito a mídias sociais em um teatro de operações, pode ser o de ajudar o comando a fornecer informações públicas melhores, mais ágeis e mais confiáveis na área de responsabilidade (tanto as comunicações estratégicas quanto as informações locais ou táticas). Conforme demonstrado no exemplo das Forças de Defesa de Israel, a participação ativa no ambiente das mídias sociais pode ajudar um comandante a vencer a guerra de informações. A orientação do General Petraeus enfatiza a importância de várias tarefas inter-relacionadas. Ele afirma que se deve travar “a guerra de informações implacavelmente” e ser “o primeiro a expor a verdade”9. Não há dúvidas de que um programa de mídia social pode desempenhar um papel importante no cumprimento dessas tarefas. Com o entendimento de que as mídias sociais mudaram a forma e a velocidade com que são divulgadas as notícias, os comandantes estarão mais bem servidos se estiverem ativamente envolvidos e imersos nesse novo ambiente. Com uma forte presença virtual, os comandantes estarão mais aptos a combater relatos falsos e negativos, com o desenrolar dos acontecimentos. Poderão intervir e reagir melhor às más notícias, caso já estejam envolvidos nesse ambiente e entendam qual é a forma mais provável de divulgação de informações na área de responsabilidade. Enfim, ao serem proativos, os comandantes poderão evitar que os inimigos estabeleçam a “pauta”, por serem os primeiros a expor a verdade. Como ficou demonstrado na Operação Cast Lead, os comandantes podem utilizar as mídias sociais para ajudar a estabelecer essa “pauta”, de um modo que lhes seja favorável, estrategicamente.

O terceiro e último fim para os comandantes que utilizem as mídias sociais na área de responsabilidade é o aumento da unidade de esforços. Em sua orientação, o General Petraeus defende que os comandantes devem buscar unidade de esforços com a embaixada dos EUA, os órgãos estatais parceiros, os líderes governamentais locais e as organizações não governamentais (ONGs), para assegurar que todos estejam trabalhando em prol de um objetivo comum10. As características discutidas anteriormente, em relação à capacidade que as mídias sociais têm em ajudar na coordenação, podem ser utilizadas para aumentar a unidade de esforços com as entidades parceiras no teatro de operações. As Forças de Defesa de Israel utilizaram as novas mídias para mobilizar o apoio da “blogosfera” israelense, a fim de atingir um objetivo comum durante a Operação Cast Lead. Uma estratégia de mídia social proativa e inovadora, que explore redes de relacionamentos, blogs e recursos como os do site Twitter, pode ajudar os comandantes a fazer com que todas as entidades relevantes no teatro de operações estejam trocando as informações necessárias para trabalhar rumo a um objetivo comum.

Os Modos

O segundo elemento no desenvolvimento de uma estratégia é identificar os modos, isto é, como organizar e empregar os recursos11. Quais são os esquemas e métodos organizacionais necessários para alcançar os objetivos expressos pelo comandante? O primeiro modo é fazendo com que a utilização das mídias sociais se torne uma espécie de Programa de Mídias Sociais do Comandante. Em outras palavras, as mídias sociais devem contar com o apoio e o interesse do comandante e dos principais oficiais do seu estado-maior e sua utilização deve ser formalizada, resultando em um programa que atribua responsabilidades aos seus integrantes. O comandante deve enxergar as mídias sociais como uma vantagem, e não como uma ameaça. O planejamento em relação às mídias sociais deve ser incorporado em todo o espectro do conflito. O comandante deve declarar sua intenção quanto aos efeitos de informações, observando explicitamente a função que as mídias sociais devem desempenhar. Isso permitirá que seu estado-maior gere alternativas da mesma forma que o faz em relação a outros multiplicadores do combate. A inclusão de uma participação proativa nas mídias sociais, no planejamento operacional do comandante, provavelmente produzirá melhores resultados.

É claro que haverá alguns céticos quanto à necessidade de um programa do comando para as mídias sociais. Em um artigo intitulado “Eight Ways to Ruin Your Social Media Strategy” (“Oito Maneiras de Destruir sua Estratégia de Mídias Sociais”, em tradução livre), no site de mídias sociais do Departamento do Estado, o erro número um é “fingir que você não precisa ter uma”12. Como visto no caso da experiência das Forças de Defesa de Israel, ignorar as novas mídias significa correr um sério perigo.

O segundo modo de tirar vantagem das mídias sociais é estruturar o programa para o sucesso. As Forças militares experimentaram formas de se organizar para o sucesso nas comunicações estratégicas nos últimos anos. A experiência adquirida ao organizar-se para a comunicação estratégica também pode oferecer ideias sobre como se mobilizar para o sucesso nas mídias sociais. O Commander’s Handbook for Strategic Communication (“Guia do Comandante para Comunicações Estratégicas”), do Centro Conjunto de Combate (Joint Warfighting Center), apresenta cinco modelos utilizados para organizar as comunicações estratégicas. As opções incluem:

  • aumentar a ênfase no comando (mais econômica);
  • atribuir a tarefa a uma seção de estado-maior ou a um dos chefe de seção;
  • integrar uma equipe de planejamento direto;
  • centralizar o controle de todas as atividades relacionadas às comunicações estratégicas em uma seção separada (menos econômica);
  • designar um encarregado de comunicações estratégicas com um pequeno estado-maior de coordenação e uma equipe de apoio.

A última opção foi a que mais avançou no terreno, com vários comandos combatentes adotando uma estrutura semelhante13. Essa opção confere a capacidade de incorporar os melhores atributos das alternativas e de manter um grau adequado de ênfase do comando no programa de comunicações estratégicas. Embora os comandantes talvez decidam empregar uma metodologia semelhante para as mídias sociais, a integração desse tipo de planejamento em uma estrutura existente de comunicações estratégicas também pode ser um modo eficaz de garantir o êxito. Eles terão de avaliar os custos e compará-los com os benefícios potenciais em cada situação particular. A reação natural de muitos comandantes pode ser a de designar uma seção do estado-maior como sendo responsável por mídias sociais, atribuindo-lhe a responsabilidade pela integração. Embora essa abordagem seja mais fácil de implantar que algumas das outras opções, o risco é que o programa acabe sendo visto como algo muito especializado e que não receba a atenção que merece. Além disso, o programa de mídias sociais incorporaria os vieses naturais daquele elemento do estado-maior que foi designado, o que diminuiria sua efetividade. Por exemplo, se o J6 (Seção de Sistemas de Comando, Controle, Comunicações e Computadores) fosse o setor responsável, ele poderia gerar um viés técnico. Da mesma forma, a seção de Relações Públicas poderia estar propensa a utilizar as mídias sociais como uma ferramenta de difusão apenas. Assim, a ampla integração pode proporcionar a melhor oportunidade de alcançar os resultados desejados.

O terceiro modo de se beneficiar das mídias sociais é criar uma equipe de monitoramento dessa área, que sirva como os olhos e ouvidos da equipe de estratégia. Os integrantes da equipe poderiam ser vistos como os “exploradores das mídias sociais”, observando, monitorando e coletando informações sobre o estado da comunidade virtual na área de responsabilidade. A equipe de monitoramento representa uma forma sistemática de tirar proveito do conteúdo e das tendências nas mídias sociais. Sem uma abordagem sistemática, é pouco provável que se façam observações precisas e se extraiam conclusões corretas com base no tráfego de internet na área de responsabilidade. Se toda seção de estado-maior fosse monitorar, de forma independente, o Facebook, o Twitter, o YouTube ou as versões no idioma local das redes sociais e blogs, sem uma coordenação lateral dentro do estado-maior, provavelmente haveria lacunas consideráveis no monitoramento do ambiente das mídias sociais.

Para ser eficaz, a equipe de monitoramento deve conter uma ampla representação do estado-maior. Ela necessitará de integrantes com conhecimentos do idioma local, entendimento cultural e grande familiaridade com as ferramentas e protocolos das mídias sociais. Para serem eficazes, precisarão conduzir pesquisas de campo na área de responsabilidade. Também precisarão observar os cibercafés e os hábitos locais e se familiarizar com as plataformas populares de mídias sociais na cultura em questão.

…preocupações do Departamento de Defesa sobre a segurança das informações em função da experimentação com ferramentas de software social em seus computadores não é algo que possa ser desprezado.

O quarto modo de garantir o êxito em uma estratégia nesse campo é encontrar o ponto de equilíbrio entre a segurança e a necessidade de trocar informações. As preocupações do Departamento de Defesa sobre a segurança das informações em função da experimentação com ferramentas de software social em seus computadores não é algo que possa ser desprezado. Os oficiais de segurança da rede estarão propensos a não permitir a ampla utilização das mídias sociais em redes utilizadas para fins oficiais14. Há considerável debate sobre esse tema dentro do Departamento de Defesa. As Forças Armadas têm significativas divergências sobre o grau de acesso a ser permitido, quando este é confrontado com a necessidade de segurança. A política do Departamento de Defesa, divulgada em 25 de fevereiro de 2010, determina que “a NIPRNET [rede ostensiva] deve ser configurada para fornecer acesso a recursos de internet em todos os órgãos do Departamento de Defesa”15. Além disso, a política confere aos órgãos do Departamento de Defesa grande liberdade de ação para restringirem o acesso, a fim de se defenderem contra atividades maliciosas quando necessário. Talvez existam formas de utilizar firewalls ou redes separadas para garantir a segurança das informações, ao mesmo tempo em que se permite o benefício decorrente do uso das mídias sociais. Cada comando precisará avaliar qual o equilíbrio ideal e tomar uma decisão com base em suas necessidades.

Como a velocidade e a agilidade são elementos importantes em uma estratégia de mídias sociais bem-sucedida, o quinto modo de aumentar a probabilidade de êxito é estabelecer políticas que permitam que a campanha nessa área seja ágil. Requerer a aprovação por extensas cadeias de comando impõe lentidão e pode inibir a capacidade de operadores obterem bons resultados. Talvez a melhor abordagem seja possibilitar o planejamento centralizado e a execução descentralizada16. O inimigo não estará sujeito a um processo de aprovação complicado, que o impeça de publicar informações na internet e, portanto, será capaz de agir rápido. A Operação Valhalla, no Iraque, em 2006, oferece um bom exemplo.

Durante uma ação bem-sucedida contra as Forças de Jaish al-Mahdi, as Forças Especiais dos EUA e as Forças iraquianas eliminaram vários combatentes inimigos, resgataram um refém e destruíram um caché de armas — um grande sucesso, sob todos os aspectos. Quando as Forças estadunidenses e iraquianas chegaram de volta à base, alguém já havia reposicionado os corpos e removido as armas dos combatentes de Jaish al-Mahdi, fazendo parecer que eles haviam sido assassinados enquanto estavam orando. Fotografaram os corpos nas novas posições e publicaram as imagens na internet, acompanhadas de um comunicado à imprensa que explicava que os soldados estadunidenses haviam matado aqueles homens dentro de uma mesquita. O inimigo conseguiu fazer tudo isso em menos de uma hora. Como era possível prever, a reação do público foi negativa. As Forças estadunidenses contavam com uma câmera de combate durante a operação, e alguns soldados dispunham de câmeras no capacete. Dispunham de evidências para refutar as alegações, mas um processo de divulgação de informações complicado e extremamente centralizado impediu que a história certa chegasse à mídia por quase três dias. Quando as Forças estadunidenses finalmente divulgaram a versão correta da Operação Valhalla, já havia ocorrido o prejuízo estratégico17. A incapacidade de reagir imediatamente às alegações do inimigo no exemplo anterior deveu-se, em grande parte, às diretrizes em vigor. Para promover a agilidade, as diretrizes das Forças militares dos EUA devem permitir a execução descentralizada das operações que envolvam novas mídias.

Contudo, a descentralização da execução talvez obrigue os comandantes a aceitar níveis de risco que eles considerem preocupantes. Em essência, o comandante delegará a autoridade de divulgação de informações a escalões mais baixos. Talvez a distribuição de regras de engajamento claras a todos os possíveis operadores de mídias sociais minimize os riscos. A necessidade de agilidade muitas vezes irá de encontro à necessidade de controlar cuidadosamente a mensagem estratégica18.

Página do Facebook em apoio à Operação Cast Lead, das Forças de Defesa de Israel. Página do Facebook da ISAF–OTAN. (Facebook)

Um dos principais elementos para que os comandantes possam aumentar a agilidade do seu programa de mídias sociais é permitir e incentivar que as operações sejam executadas até mesmo pelos escalões mais baixos. Muitos dos relacionamentos mais próximos, estabelecidos em uma área de responsabilidade, são formados nos escalões batalhão e inferiores. Os dirigentes dos governos locais, os chefes tribais, a polícia e as milícias: todos vêm desenvolvendo relacionamentos nos escalões mais baixos. Os comandantes nessas Unidades saberão qual a melhor forma de interagir com a população. Sites, blogs e links para páginas no Facebook poderão ser utilizados para atividades nas redondezas. Na África, há exemplos de grupos locais que divulgam informações táticas, como avisos sobre barreiras na estrada e emboscadas, em sites estabelecidos por equipes do Departamento de Estado. O site as reúne, então, em um mapa que pode ser verificado pelos moradores quando estiverem viajando19. Os comandantes podem ser capazes de reforçar os relacionamentos locais com o uso positivo de mídias sociais no escalão Unidade.

O sexto e último modo pelo qual um comandante pode tirar proveito das mídias sociais é estabelecer redes de relacionamentos como uma ferramenta de difusão, para aumentar a unidade de esforços. Como o General Petraeus mencionou, em sua orientação, há vários parceiros importantes no teatro de operações, com os quais as Unidades precisam cooperar. Esforços aparentemente simples, como o estabelecimento de uma página no Facebook, podem permitir que organizações parceiras obtenham melhor entendimento da intenção do comandante. A Força-Tarefa Conjunta no Haiti, que apoiou operações de assistência após o terremoto de janeiro de 2010, utilizou as mídias sociais com eficácia, como uma ferramenta de difusão para as outras organizações envolvidas no esforço.

Há inúmeros relacionamentos importantes na área de responsabilidade, no que diz respeito à estratégia para as mídias sociais. Os mais óbvios são os relacionamentos com os governos locais, com a imprensa, com organizações civis e com a população em geral, assim como com as ONGs que atuem na área. Os comandantes também devem considerar a disseminação para a comunidade de blogueiros (se houver), empresas, provedores de internet e de telefonia celular. Esses relacionamentos permitiriam que o programa relativo a mídias sociais fosse mais efetivo e adaptável a mudanças.

Os Meios

O componente final no desenvolvimento de uma estratégia é a identificação dos meios. Os meios são os recursos disponíveis para alcançar os objetivos. Hoje, felizmente, há meios prontamente disponíveis para se conduzir uma estratégia de mídias sociais eficaz nas Forças Armadas dos EUA. Para empregar a estratégia descrita anteriormente, talvez seja necessário reorganizar e priorizar os recursos naqueles comandos que estiverem desdobrados — conforme explicado na discussão sobre os modos —, mas não haverá necessidade de habilidades ou equipamentos completamente novos.

Alguns dos principais meios são os talentos e as habilidades individuais dos integrantes das Forças Armadas. Operadores de informações, especialistas em Relações Públicas e habilidosos agentes e analistas de Inteligência já estão conduzindo operações em todos os escalões, nas Forças Armadas. O conhecimento de idiomas e culturas continuará a ser um fator crítico em nossa capacidade de conduzir operações em todo o mundo. Na utilização das mídias sociais, os operadores treinados para atuar efetivamente nas culturas em que estejam presentes serão meios vitais. Os “nativos digitais” também serão fundamentais para o sucesso no ambiente das mídias sociais. Os autores de um relatório do workshop “New Media and the Warfighter” (“Novas Mídias e o Combatente”), realizado no US Army War College, definem nativos digitais como “jovens integrantes da Força, habilidosos no uso de dispositivos, plataformas, redes e possibilidades das novas mídias — e que são meios insuficientemente explorados nas guerras centradas em informações contra novos adversários”20. Empregar esses operadores mais jovens e mais familiarizados com as tecnologias, em funções que tenham um impacto estratégico, requer algumas mudanças na mentalidade hierárquica tradicional. Operadores inteligentes e talentosos continuarão a ser a base do sucesso.

Esses nativos digitais não terão, provavelmente, o mesmo discernimento estratégico e a mesma compreensão que têm os estrategistas e planejadores mais antigos. Esses últimos terão de fornecer supervisão e orientações claras, para assegurar que as ações dos nativos digitais correspondam à intenção estratégica do comandante. Para que o relacionamento entre os comandantes e os operadores funcione, os primeiros devem entender os recursos e as limitações das mídias sociais. As mídias sociais podem representar um dos casos em que os comandantes devem ser treinados para se familiarizar com algo que os oficiais e praças subordinados já conhecem. A inclusão de uma “Introdução às Mídias Sociais” entre os cursos para os comandantes talvez seja uma boa iniciativa.

Finalmente, os laços das Forças militares com o meio acadêmico e com a indústria serão mais importantes do que nunca. Esses relacionamentos já foram estabelecidos. O Departamento de Defesa tem alguns laços eficazes com a comunidade de blogueiros e com várias companhias ativas na comunidade das mídias sociais. Os relacionamentos que o Departamento de Defesa possui hoje precisarão continuar a crescer a fim de assegurar o êxito de qualquer estratégia de mídia social.

As mídias sociais e as novas mídias estão transformando os modos pelos quais as informações são transmitidas em todo o mundo. A velocidade e a transparência das informações aumentaram, os papéis das mídias tradicionais e das novas mídias estão mudando, e as ferramentas das redes sociais permitem um nível de colaboração nunca visto. Sem dúvida, haverá mudanças na natureza dos conflitos em decorrência disso. Uma das chaves para uma adaptação bem-sucedida será a capacidade dos comandantes para desenvolver estratégias que tirem proveito das mudanças e que neguem ao inimigo “direitos exclusivos” nessa atividade. As Forças Armadas dos EUA dispõem das ferramentas para desempenhar as tarefas inerentes à estratégia, que lhes permitirão tirar proveito das tendências que forem surgindo na área de informações. Uma estratégia inovadora, que incorpore as lições já aprendidas no ambiente das mídias sociais, permitirá que as Forças Armadas melhorem sua capacidade de entender o ambiente, de comunicar-se mais efetivamente e de gerar a unidade de esforços por todo o campo de batalha.


Referências

  1. “‘Neda’ Becomes Rallying Cry for Iranian Protests”, CNN.com/World, acesso em 22 jun. 2009.
  2. “16 Azar Green Routes”, UnitedForIran, 6 Dec 2009, disponível em: www.flickr.com/photos/united4iran/4165827330/. Esse site fornece um exemplo de ferramentas de mídia social utilizadas para a troca de informações entre os manifestantes iranianos.
  3. AL SALEH, Huda , “Al-Qaeda Continues Using Modern Technology to Recruit Youth”, 5 Jan 2010, disponível em http://aawsat.com/english.
  4. CALDWELL, William B.; MURPHY, Denis M.; MENNING, Anton, “Learning to Leverage New Media: The Israeli Defense Forces in Recent Conflicts”, Military Review (May–June 2009), p. 2–10.
  5. Ibid.
  6. DORFF, Robert H. “A Primer in Strategy Development”, in U.S. Army War College Guide to Strategy, organizado por Joseph R. Cerami e James F. Holcomb (Carlisle, PA: Strategic Studies Institute, 2001), p. 11–18.
  7. The Social Media Hub, Department of State Office of Innovative Engagement, disponível em: https://www.intelink.gov/communities/state/smp/.
  8. 8 PETRAEUS, David H. “Multi-National Force Commander’s Counterinsurgency Guidance”, Military Review (September–October 2008), p. 210–212.
  9. Ibid.
  10. Ibid.
  11. Dorff, p. 11.
  12. TAYLOR, Catharine P. “Eight Ways to Ruin Your Social-Media Strategy”, disponível em: www.bnet.com/2403-13237_23-366324.html?tag=content;btmTier.
  13. Commander’s Handbook for Strategic Communication (Norfolk, VA: U.S. Joint Forces Command, Joint Warfighting Center, 2008), p. III–4.
  14. DRAPEAU, Mark; WELLS II, Linton. Social Software and National Security: An Initial Net Assessment, Defense and Technology Paper 61 (Washington, DC: Center for Technology and National Security Policy, 2009).
  15. DEPARTMENT OF DEFENSE, “Directive-Type Memorandum (DTM) 09–026—Responsible and Effective Use of Internet-based Capabilities”, Washington, DC, 25 Feb 2010.
  16. ROHOZINSKI, Rafal; COLLINGS, Dierdre. Bullets and Blogs: The New Media and the Warfighter (Carlisle, PA: Center for Strategic Leadership, U.S. Army War College, 2008).
  17. DAUBER, Cori E. “The Truth is Out There: Responding to Insurgent Disinformation and Deception Operations”, Military Review (January– February 2009), p. 13–24.
  18. ROHOZINSKI; COLLINGS.
  19. 19 HARRINGTON, Kimberly. Department of State, Office of Innovative Engagement, entrevista com o autor, Washington, DC, 19 nov. 2009.
  20. ROHOZINSKI; COLLINGS.

O Coronel Thomas D. Mayfield III, do Exército dos EUA, é Chefe da Seção de Planejamento (G3) do Comando do Exército dos EUA na Europa.

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