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Primeiro Trimestre 2021

A Evolução da Proteção de Civis e sua Inserção na Metodologia de Planejamento das Operações Militares das Nações Unidas

Maj Vanderson Mota de Almeida, Exército Brasileiro

Maj Rodrigo Rozas, Exército Brasileiro

Maj Jairo Luiz Fremdling Farias Júnior, Exército Brasileiro

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Crianças próximas a uma rede de concertinas localizada em uma área de proteção de refugiados. (Foto: Guilherme de Araújo Grigoli)

Os conflitos armados, constantemente, têm afetado as populações que se inserem no cenário bélico, sendo os civis as maiores vítimas das guerras nos últimos 60 anos1. Atualmente, a negligência em relação à proteção aos não combatentes2 nos campos de batalha pode colocar em risco o sucesso de uma missão3, já que a dimensão humana é considerada componente do ambiente operacional e afeta o transcurso das ações militares4.

Ainda que seja um debate antigo, após o término da Guerra Fria, com o alargamento dos debates sobre o alcance dos conceitos de segurança e defesa dos países5, a questão da salvaguarda da vida humana passou a receber maior visibilidade. Nesse contexto, o Relatório de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de 1994, elencou um modelo em que o centro do processo de segurança estaria deslocado do Estado para o indivíduo. Dessa forma, a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a amplificar os anseios da comunidade global pela preservação da vida, estendendo as responsabilidades do assunto nos mais diferentes aspectos das estruturas dos Estados6.

As Operações de Paz da ONU possuem um longo histórico de ações de proteção da vida de não combatentes. Já em 1960, o Secretário-Geral da ONU, Dag Hammarskjöld, autorizou que os peacekeepers mantivessem a segurança de civis contra atos de violência no Congo, evidenciando o pioneirismo dessa preocupação no seio das Nações Unidas7.

Assim, progressivamente, os aspectos de segurança de civis passaram a ser incorporados à metodologia de planejamento das Operações de Paz pelos componentes militares.

O presente trabalho descreve o processo de desenvolvimento legal da proteção de civis ao longo dos tempos e sua implicação para a formulação da atual metodologia de planejamento das operações militares desenvolvidas pela ONU.

Destarte, pretende-se atender ao seguinte problema: como a proteção de civis afeta os planejamentos de operações militares da ONU? Assim, de forma descritiva e qualitativa, é realizada uma breve revisão do processo histórico que envolve os não combatentes e os conflitos bélicos, bem como o desenvolvimento das leis, normas e regras que regem a preservação de civis no âmbito das operações sob a égide das Nações Unidas. Outrossim, é apresentada a metodologia adotada pelas Nações Unidas em Missões de Paz. Para isso, é realizada uma breve revisão bibliográfica e documental, que subsidia a argumentação em curso.

Esse estudo é relevante, já que permite entender de que forma os processos de desenvolvimento dos preceitos legais humanitários foram suficientemente importantes para modificar a aplicação do poder militar, resguardando os não combatentes de efeitos negativos advindos das operações.

Os conflitos armados, os civis e os regramentos

Ainda que não exista consenso sobre as origens da guerra ou sobre como os embates armados se desenvolveram ao longo do tempo8, já na pré-história, os grupos nômades lutavam entre si com o objetivo de obterem alimentos e garantirem sua sobrevivência. Nesse contexto, os combatentes invadiam terras férteis e massacravam seus ocupantes, como ocorreu em Nataruk, no Quênia, há 10 mil anos9.

Na Antiguidade, os conflitos foram marcados pela brutalidade das forças bélicas contra as cidades conquistadas, a exemplo da Revolta da Jônia, por volta de 499 a.C., na qual os atenienses, ao vencerem os persas, destruíram a cidade de Sardes, ateando fogo nas casas e nos templos sagrados, além de matar e escravizar a população local10, ações que faziam parte da concepção militar da época.

Na Idade Média, a questão religiosa foi uma das responsáveis pelas guerras que ocorreram nesse período, com o objetivo de expandir a fé cristã para outras regiões e impedir o crescimento do islamismo, que ocorria no Oriente Médio. Com isso, entre os séculos XI e XIV, os combates travados por essas motivações religiosas provocaram intensa mortalidade entre pagãos, hebreus, muçulmanos e cristãos durante as campanhas militares das Cruzadas11. Nessa época, não se cogitava poupar inimigos rendidos, mulheres, enfermos e crianças. Todos eram inimigos de Deus e todos tinham de ser castigados. Não eram respeitados princípios modernos de humanidade12.

Durante a Idade Moderna, a Guerra dos Trinta Anos, ocorrida entre 1618 e 1648, foi outro evento que também causou violência contra a população civil. Esse conflito gerou a morte de aproximadamente 4 milhões de pessoas, o que representava quase um quinto da população da Europa Central à época13. Além disso, em casos pontuais dessa guerra, alguns soldados saqueavam e queimavam vilarejos com o objetivo de destruir todo o suprimento que pudesse ser aproveitado pelo inimigo que passasse por aquela posição, causando profundo sofrimento à população local14.

Já diante da consumação do Estado territorial e da formação de exércitos nacionais, Henry Dunant, no ano de 1859, presenciou, no norte da África, a batalha de Solferino. Chocado diante do cenário de mais de 40 mil mortes, Dunant produziu, em 1862, Un souvenir de Solférino (“Memórias de Solferino”, em tradução livre), um relatório de guerra voltado para a questão dos feridos. Após ganhar notoriedade entre os governantes europeus, a obra contribuiu para a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em 1863, e seu reconhecimento, em 1864, durante uma convenção em Genebra15. Naquele momento, era dado início a um processo de valorização e preservação de vidas humanas em conflitos e calamidades.

Levantamento de informações junto a habitantes locais durante uma patrulha de reconhecimento em área dominada pelo grupo armado Cheka. (Foto: Maurilio Ferreira da Silva Jr.)

Ainda nesse contexto, no ano de 1868, em meio ao conflito entre russos e ingleses na Ásia Central, o czar Nicolau II negociou alguns meios e formas de condução da guerra. O documento, conhecido como Declaração de São Petersburgo, proibiu o uso de armas que causassem sofrimento desnecessário e de projéteis com menos de 400 gramas, bem como legitimou, unicamente, objetivos que enfraquecessem as forças bélicas oponentes16, preservando os não combatentes de danos colaterais advindos de ações militares durante o conflito.

As convenções de Genebra, inicialmente formuladas em 1864, foram revisadas em 1906, 1929 e 1949. Em 1868, foram estendidas proteções aos feridos e enfermos no mar, que foram aprimoradas nos anos seguintes. Os prisioneiros de guerra também passaram a receber atenção especial, nos tratados de 1929 e de 1949. Entretanto, somente após a Segunda Guerra Mundial, os civis passam a ter atenção especial, por meio da IV Convenção, que define os preceitos para a proteção de civis em tempo de guerra. Além disso, diante dos problemas gerados durante a Guerra Civil Espanhola, também são incorporados aspectos humanitários, incluídos no artigo 3o, comum às quatro convenções17.

Sob a égide da recém-criada Organização das Nações Unidas, outro importante regramento surgiu no ano de 1948, na cidade de Paris, ainda como consequência da Segunda Guerra Mundial: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Conforme o documento discorre, essa norma preconiza ideais comuns que promovam o respeito e a liberdade de todos os indivíduos18. Esse documento passaria, então, a constituir-se na base do campo dos Direitos Humanos, dentro do Direito Internacional, aumentando a responsabilidade dos Estados em preservar a vida humana.

Visita do componente militar da MONUSCO em conjunto com a UNICEF à localidade de Pinga para prestar assistência à população. (Foto: Maurilio Ferreira da Silva Jr.)

Em 1977, os Estados partes da Convenção de Genebra, julgando a necessidade de desenvolver as disposições que protegem as vítimas dos conflitos armados, resolveram celebrar os Protocolos Adicionais I e II da IV Convenção de Genebra. Nesses protocolos, foram fixadas regras em que as partes em conflito deveriam passar a dirigir suas operações unicamente para objetivos militares, sendo obrigadas a diferenciar a população civil dos combatentes e a não engajar bens de caráter civil. Além disso, as pessoas não participantes dos conflitos ou que houvessem deixado de participar das hostilidades não poderiam sofrer atentados contra a vida (assassinatos, tortura, mutilações, etc.), punições coletivas, atos de terrorismo, atentados à dignidade da pessoa e escravização, entre outros19.

Ainda que as consequências da guerra, sob a ótica realista, se fizessem presentes nos períodos seguintes, principalmente na conjuntura da Guerra Fria, os Direitos Humanos e as Convenções de Genebra garantiram o uso mais discriminado do poderio bélico dos Estados. Entretanto, após o esfacelamento da União Soviética, novos componentes foram adicionados à concepção tradicionalista e realista da segurança internacional, evidenciando o surgimento de novos aspectos na defesa dos Estados. O Relatório de Desenvolvimento Humano de 1994, do PNUD, ofereceu um modelo de segurança em que se deslocava o foco do Estado para o indivíduo, e a ONU enfatizou cada vez mais a preservação da vida nas diversas esferas do poder público20.

A década de 1990 foi marcada por duas grandes crises humanitárias, durante o transcurso de operações de paz sob a égide da ONU. A primeira delas ocorreu em Ruanda, em 1994, no embate entre hutus e tutsis, que resultou em mais de 800 mil mortes. A segunda, e não menos grave, se deu durante a crise nos Bálcãs, na cidade de Srebrenica, resultando no massacre de mais de 8 mil pessoas. Esses eventos corroboraram para que as missões de operações de paz fossem revistas21.

Em 1999, fortemente influenciada pelos episódios de Ruanda e de Srebrenica, a ONU emitiu um mandato com foco na proteção de civis no Estado de Serra Leoa22. Esse fato evidenciou que, cada vez mais, os militares, responsáveis pelo ambiente seguro e estável das missões de paz, também deveriam inserir-se nas questões de proteção de não combatentes, absorvendo essa temática em seus planejamentos operacionais.

Reunião do Force Commander da MONUSCO e do Comandante da Force Intervention Brigade com habitantes locais, em uma patrulha em área dominada pelo grupo armado FDLR. (Foto: Maurilio Ferreira da Silva Jr.)

A metodologia de planejamento da ONU e a proteção de civis

Desde sua criação, a ONU tem conduzido operações de paz nos mais variados continentes; entretanto, tais operações têm evoluído com o passar dos anos, demandando novas capacidades e abordagens. Nesse sentido, as operações de paz tradicionais, essencialmente operações militares voltadas para o monitoramento e o respeito aos acordos de cessar-fogo, foram substituídas por operações multidimensionais, que, diferentemente das citadas anteriormente, passaram a buscar um ambiente seguro, em áreas pós-conflito, pela conjugação de ações militares, policiais e civis23.

No bojo das operações multidimensionais, o conceito de proteção de civis cresceu em relevância. O novo contexto dos conflitos expôs a população das áreas conflagradas a diversas situações de vulnerabilidades e abusos, gerando, com isso, uma maior preocupação com as questões humanitárias e com a responsabilidade de proteger24.

Quando a ONU, por meio do Conselho de Segurança (CS), decide estabelecer uma operação de paz multidimensional, é comum que três áreas sejam abrangidas na resolução dos problemas do país anfitrião, sendo elas a assistência humanitária, o apoio ao desenvolvimento e as ações de paz e segurança, aumentando, com isso, a necessidade de integração entre os diversos atores durante o planejamento25.

Entretanto, até o início do século XXI, era comum que o planejamento das operações de paz da ONU se iniciasse somente após a aprovação da resolução por parte do CS. Com essa dependência temporal e legal, decisões importantes já haviam sido tomadas e o planejamento consistia, principalmente, na operacionalização da resolução, sendo o mesmo realizado apenas pelos departamentos de Operações de Paz (Department of Peace Operations, DPO), Assuntos Humanitários (Department of Humanitarian Affairs, DHA) e Assuntos Políticos (Department of Political Affairs, DPA). Essa deficiência acarretou severas falhas no planejamento de operações complexas como a Operação da ONU na Somália (UNOSOM I e II, 1992-1995) e a Operação de Transição de Administração da ONU no Timor Leste (UNTAET, 1999-2002)26.

No intuito de reduzir as deficiências de planejamento e se adaptar às novas realidades, a ONU realizou, em 2000, um Painel sobre Operações de Paz, o qual deu origem ao Relatório Brahimi. Esse documento, além de apresentar novos conceitos, como o uso da força em prol do mandato, procurou desenvolver uma abordagem integrada de planejamento, realizada por meio de forças-tarefas integradas específicas da missão, as quais contariam com a participação ativa do Secretariado da ONU (DPO e DPA) e outras agências, como o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, OCHA), o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (Office of the High Commissioner for Human Rights, OHCHR) e o PNUD27.

Com o passar dos anos e as experiências colhidas nas operações de paz, o DPO melhorou sua capacidade de planejamento operacional ao criar novas estruturas, planos e procedimentos padrão, resultando, em 2006, no chamado Processo de Planejamento para Missão Integrada (Integrated Mission Planning Process, IMPP)28.

Segundo Wiharta, o IMPP foi desenvolvido para garantir uma abordagem transparente e inclusiva no planejamento de operações multidimensionais, estabelecendo prioridades e uma clara definição de responsabilidades dentro do sistema da ONU29.

Contudo, a ONU percebeu a necessidade de aprimorar a integração e a coordenação entre os diferentes atores internos e externos à missão, harmonizando a realização de tarefas e propósitos a fim de alcançar eficácia operacional e evitar duplicação de esforços. Desse modo, em 2013, foi promulgado o Processo de Avaliação e Planejamento Integrados (Integrated Assessment and Planning, IAP) em substituição do IMPP30.

No nível estratégico, o processo de planejamento das Nações Unidas tem como base três pontos cruciais. O primeiro ponto observa que todas as avaliações, independentemente de quem as execute (liderança da missão, agências ou programas), devem ser conduzidas de forma integrada, principalmente, se tais avaliações tiverem implicações operacionais para diversas entidades31.

O segundo ponto essencial é que o planejamento integrado deve ser aplicado durante todo o tempo em que a ONU estiver presente no local da operação e não apenas nas fases iniciais da missão. Embora as avaliações estratégicas tenham grande importância no início da operação, elas devem continuar até o encerramento32.

O terceiro ponto crucial é a necessidade de uma análise de risco integrada. Em ambiente de conflito ou pós-conflito, é fundamental que os riscos existentes, para a ONU como um todo, para a população local ou para outro ator presente, estejam incluídos nas avaliações estratégicas, com sua natureza, valor, probabilidade e medidas de mitigação abordadas de maneira integrada e completa.

De forma geral, o IAP tem por meta conciliar os interesses dos diferentes departamentos da ONU (DPO, DFS, DPA, DSS, etc.), que se encontram representados na Força-Tarefa Integrada (Integrated Task Force, ITF), a fim de elaborar os documentos que serão empregados pela liderança da missão e seu estado-maior no planejamento operacional no terreno. Esses documentos são a Diretriz de Planejamento para o Representante Especial (Special Representative of the Secretary-General, SRSG), Coordenador Residente (Resident Coordinator, RC) e Coordenador Humanitário (Humanitarian Coordinator, HC), bem como o Quadro de Trabalho Estratégico Integrado (Integrated Strategic Framework, ISF).

A Figura apresenta, de forma sumária, a estrutura do planejamento no nível estratégico nas Nações Unidas. Ao observar-se a Figura, é possível verificar que, após o planejamento descer do nível estratégico (nas cores azuis) para o nível operacional (na cor bege), os três eixos da operação ficam bem evidenciados, destacando o lado humanitário da missão (à esquerda), o da construção da paz (ao centro) e o de desenvolvimento (à direita). Nesse viés, percebe-se que o planejamento operacional é aquele realizado pela liderança da operação e seu estado-maior no terreno, no qual são feitos todos os ajustes e redirecionamentos necessários ao planejamento estratégico. Após confrontar o IAP com a realidade vivida no local da operação, são consolidados os documentos operacionais, como, por exemplo, o Conceito da Operação, os Conceitos Operacionais dos Componentes, as Regras de Engajamento e outros.

Figura. Estrutura de planejamento integrado. (Fonte: Integrated Assessment and Planning Handbook, de IAP Working Group, ©2014 United Nations. Uso autorizado por Nações Unidas. Esta não é uma tradução oficial, sendo de total responsabilidade dos autores.)

As complexas e difusas ameaças existentes nos conflitos modernos exigem um planejamento operacional detalhado, focado em soluções contextualizadas e discutidas com todos os atores envolvidos. Destarte, não é difícil notar que o sucesso de uma operação de paz multidimensional está íntima e diretamente relacionado a um planejamento operacional eficaz e realista, ciente dos riscos e voltado à mitigação dos mesmos.

No trecho a seguir, Nunes destaca alguns óbices à realização de um adequado planejamento operacional:

O processo de planejamento operacional traz em seu bojo uma série de riscos que podem gerar o insucesso. A escassez de recursos, o não desdobramento rápido de pessoal e meios, a estabilização parcial do ambiente, a má qualidade de recursos humanos em componentes-chave da estrutura da missão, a baixa cooperação do UNCT, a liderança deficiente, a resistência do país anfitrião devido ao baixo consentimento e muitos outros fatores podem inibir ou mesmo incapacitar a Operação de Manutenção da Paz (OMP). O tempo é normalmente a commodity mais valiosa para a liderança da missão33.

 

Nesse cenário, a questão da proteção de civis aumenta em importância. Apesar de a responsabilidade primária de proteger a população local recair sobre o governo anfitrião, é sabido que tal tarefa não tem sido cumprida a contento nas operações mais atuais. Desse modo, um planejamento operacional inadequado ou realizado fora de um tempo oportuno, pode colocar em risco não só a integridade física de muitas pessoas, mas também a própria credibilidade da missão e da ONU.

Assim, é possível observar, ao menos de forma parcial, que o planejamento realizado no âmbito das Nações Unidas, quer no nível estratégico quer no nível operacional, tem como primazia a integração de esforços entre os mais variados atores, procurando enquadrar o conceito geral da operação com a realidade vivida no terreno, visando, com isso, ao pleno cumprimento dos mandatos.

Conclusão

Os civis são atores presentes nos conflitos armados que sofrem grande influência das operações militares. Ao longo da história, foram observados diversos episódios de atentados dirigidos contra não combatentes, evidenciando a fragilidade desse grupo.

Ainda nesse contexto, nota-se que o impacto gerado por ações desferidas contra não combatentes pode desestabilizar a estrutura social local e comprometer o cumprimento da missão, por parte do componente militar.

No intuito de dirimir esse efeito negativo, ao longo dos anos, diversas normatizações foram realizadas para limitar os danos contra aqueles indivíduos que não estão envolvidos nos combates. Nessa conjuntura, destacam-se as Convenções de Genebra e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proporcionaram maior proteção aos indivíduos, de maneira geral.

Esses instrumentos legais, juntamente com a emergência da temática de preservação da vida humana, crescente a partir do final da Guerra Fria, influenciaram as OMP das Nações Unidas, exigindo adequabilidades nos processos de planejamento de emprego militar de peacekeepers.

Ademais, os aspectos multidimensionais das OMP trouxeram, também, a inserção de importantes atores, como OCHA e ACNUR. Muitos desses atores reforçam a importância dos preceitos internacionais de proteção de civis, nos ambientes das ações das Nações Unidas.

Nesse contexto, o DPO desenvolveu metodologias de planejamento para as OMP que enfatizaram a importância de coordenação e integração de esforços. A sincronização de ações, buscada por esses processos de planejamento, permitiu que os riscos fossem mitigados, particularmente aqueles relacionados com os civis, estimulando a cooperação entre os mais variados componentes de uma Missão de Paz.

Assim, pode-se perceber que o incremento das normas que regem a proteção à vida impôs novos aspectos determinantes ao emprego do componente militar das Nações Unidas. Essas transformações foram muito sentidas nos planejamentos de níveis estratégico e operacional.

Conclui-se, portanto, que as normas internacionais ampliaram a proteção aos civis e geraram modificações na condução das OMP, particularmente pelo componente militar, limitando suas ações. Essa perspectiva foi determinante para que as Nações Unidas recuperassem credibilidade, superando fracassos de missões passadas, como aquelas de Ruanda e Srebrenica.


Referências

  1. Para obter mais informações, acesse https://www.icrc.org/pt/guerra-e-o-direito/pessoas-protegidas/civis.
  2. De acordo com as normas do Direito Internacional dos Conflitos Armados, consubstanciado no Manual de Emprego do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) nas Forças Armadas, do Ministério da Defesa do Brasil, de 2011, os não combatentes são um grupo de indivíduos protegidos dos ataques de forças militares. No presente artigo, os termos “civis” e “população” têm o mesmo valor de “não combatentes”.
  3. Larry Lewis and Sarah Holewinski, “Changing of the Guard: Civilian Protection for an Evolving Military”, PRISM 4, no. 2 (2013): p. 56-65, acesso em 14 set. 2020, https://cco.ndu.edu/Portals/96/Documents/prism/prism_4-2/prism57-66_Lewis_and_Holewinski.pdf .
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  8. Keith F. Otterbein, “The Origins of War”, Critical Review 11, no. 2 (1997): p. 251-277, publicado on-line 6 mar. 2008, acesso em 14 set. 2020, https://doi.org/10.1080/08913819708443456.
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  11. Gracilda Alves, “A guerra e a Paz de Deus” In Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster Sousa Leão, Por que a guerra? Das batalhas gregas à ciberguerra: uma história da violência entre os homens, 1a ed. (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018), p. 87-123.
  12. Mônica Teresa Costa Sousa Cherem, Direito Internacional Humanitário: disposições aplicadas através das ações do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2002).
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  20. Julian Harston, Protection of Civilians (Williamsburg, VA: Peace Operation Training Institute, 2016).
  21. Visacro, A Guerra na Era da Informação.
  22. Ibid.
  23. Javier Rodrigo Maidana, Operações de paz multidimensionais das Nações Unidas: Consolidação (ou não) desse instituto jurídico internacional para situações de pós-conflitos intraestatais a partir da experiência da MINUSTAH (dissertação de pós-graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 2012).
  24. Julian Harston, Introduction to the UN System: Orientation for Serving on a UN Field Mission, 4th ed. (Williamsburg, VA: Peace Operations Training Institute, 2015), p.18, acesso em 15 mar. 2020, https://www.peaceopstraining.org/users/courses/1017798/an-introduction-to-the-un-system/.
  25. Ricardo Vendramin Nunes, Os Princípios Fundamentais, o Planejamento das Operações de Paz e suas Perspectivas em face ao Conflito Moderno (trabalho de conclusão de curso, Especialização em Altos Estudos em Política e Estratégia, Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, 2016).
  26. Sharon Wiharta, “Planning and deploying peace operations”, SIPRI Yearbook 2008 (Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute, 2008), acesso em 16 mar. 2020, https://www.sipri.org/yearbook/2008.
  27. Report of the Panel on United Nations Peace Operations [Brahimi Report], U.N. Doc. A/55/305-S/2000/809 (21 Aug. 2000).
  28. Wiharta, “Planning and deploying”.
  29. Ibid.
  30. United Nations [U.N.] Secretary-General, Policy on Integrated Assessment and Planning (New York: U.N., 2013).
  31. U.N., Integrated Assessment and Planning Handbook (New York: U.N., 2013).
  32. Ibid.
  33. Harston, Introduction to the UN System.

O Maj Vanderson Mota de Almeida, do Exército Brasileiro, é, atualmente, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares, do Instituto Meira Mattos, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). É especialista em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO).

O Maj Rodrigo Rozas, do Exército Brasileiro, é, atualmente, aluno do Curso de Altos Estudos Militares, na ECEME. Concluiu o mestrado em Ciências Militares pela EsAO.

O Maj Jairo Luiz Fremdling Farias Júnior, do Exército Brasileiro, é, atualmente, aluno do Curso de Altos Estudos Militares, na ECEME. É mestre em Ciências Militares pela EsAO e doutorando em Ciências Militares pela ECEME. É, ainda, especialista em Cultura de Paz, Coesão Social e Diálogo Intercultural pela Universidade de Barcelona.

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