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Termo de arte

O que a doutrina conjunta não compreende sobre a arte operacional e por que isso é importante

 

Maj Rick Chersicla, Exército dos EUA

 

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Foto: MCC Barry Riley, Marinha dos EUA

O termo “arte operacional” é um dos mais controvertidos do léxico militar. Poucas definições doutrinárias variaram tanto ou passaram a significar tantas coisas quanto a arte operacional. Infelizmente para os planejadores, a atual doutrina conjunta complica excessivamente o termo “arte operacional” e oferece uma definição vaga com pouca utilidade e nenhum insight para a força conjunta. Não se trata apenas de preciosismo gramatical para pedantes da doutrina; uma definição confusa ou pouco clara da arte operacional poderia representar um desastre para a força conjunta em um conflito entre adversários com poder de combate quase equiparado no século XXI, tendo em vista que o futuro campo de batalha provavelmente envolverá o tipo de operações dispersas que exige uma aplicação especializada da arte operacional. Em vez de servir como uma visão geral histórica das origens do termo, este artigo discute os problemas com a atual definição conjunta, oferece uma solução e descreve por que a força conjunta precisa de uma definição mais clara da arte operacional para se preparar para os desafios modernos.

Corrigindo o problema

A edição de 2020 da Publicação Conjunta 5-0, Planejamento Conjunto (JP 5-0, Joint Planning), define a arte operacional como “a abordagem cognitiva dos comandantes e estados-maiores — com o apoio de suas habilidades, conhecimentos, expertise, criatividade e discernimento — a fim de desenvolver estratégias, campanhas e operações para organizar e empregar forças militares mediante a integração de fins, métodos, meios e riscos”.1 Há dois problemas com essa definição. Primeiro, é excessivamente prolixa — o pecado original de muitos termos doutrinários (embora seja comum). Em segundo lugar, mesmo com a remoção da segunda oração, trata-se de uma definição vazia que confunde a arte operacional com a formulação amplamente aceita de fins, métodos e meios normalmente associada à estratégia.2 A força conjunta seria mais bem servida se retornasse à definição oferecida na versão de 2016 da Publicação Doutrinária do Exército 3-0, Operações (ADP 3-0, Operations), ou uma variação dela. A edição de 2016 definia sucintamente a arte operacional como “a busca de objetivos estratégicos, no todo ou em parte, mediante a organização de ações táticas no tempo, espaço e finalidade”.3

O bom, o mau e o feio

Há, reconhecidamente, um componente positivo na definição atual da arte operacional. Expressar a arte operacional como uma “abordagem cognitiva” a enquadra, pelo menos, como uma forma de pensar. A arte operacional como uma abordagem cognitiva surgiu por necessidade, devido às mudanças no caráter da guerra. A gênese da arte operacional é o fim da era do combate decisivo. Depois de Napoleão, o escopo e a escala do combate impediram que um único combate decisivo determinasse o resultado de uma guerra.4 À medida que a guerra deixava de ser de um “ponto único”, os combates passaram a ser vistos como partes de um todo maior, e uma nova maneira de pensar tornou-se necessária para organizar os combates em campanhas.5 A arte operacional moderna surgiu como uma atividade cognitiva que utiliza combates ou ações táticas e os organiza, propositalmente, em campanhas para atingir o objetivo estratégico geral.6

Foto: MCC Barry Riley, Marinha dos EUA

Sem dúvida, devido à atual definição doutrinária excessivamente ampla, há muitas caracterizações errôneas da arte operacional. A arte operacional não é um nível de guerra, nem tampouco é a “totalidade da guerra”.7 Ao defini-la como “uma forma de pensar”, a arte operacional pode ser considerada uma atividade análoga à composição musical. O artista operacional organiza ações táticas para um objetivo estratégico mais amplo, assim como o compositor faz arranjos para uma sinfonia.8 Notas individuais tocadas por seções dessincronizadas podem ser, individualmente, agradáveis ao ouvido, mas, em conjunto, o resultado é incoerente e caótico — ruídos sem propósito. O compositor deve organizá-las no tempo e no espaço para criar a música, considerando aspectos como tempo, mudanças no andamento e como os instrumentos interagem uns com os outros. Embora possa ser enquadrada como uma metodologia, a arte operacional não é um processo prescritivo. Em vez disso, trata-se de uma “interação mental de equilíbrio entre o raciocínio estratégico e o tático”.9

Arte operacional não é o mesmo que estratégia — esta última requer um espaço de definição independente. Assim, a inclusão de qualquer referência a “fins, métodos e meios” serve apenas para gerar confusão quando se discute a arte operacional, já que essa tríade familiar já está associada ao modelo Lykke de formulação de estratégias.10 Em vez disso, a arte operacional é “serva” da estratégia; viabiliza a estratégia ao criar campanhas que ajudam a atingir objetivos estratégicos.11 A estratégia tem um alcance mais amplo do que a arte operacional e considera a distribuição e aplicação “de meios militares para atender aos objetivos da política” de forma mais ampla, possivelmente em vários teatros de operações.12 Como, em última instância, a arte operacional serve à estratégia, o objetivo estratégico da campanha é a “estrela guia” do artista operacional.

Por que é importante ter uma definição melhor

A necessidade de definir melhor a arte operacional vai além do esclarecimento de uma publicação doutrinária. Em vez disso, as prováveis mudanças no caráter futuro da guerra — ou seja, as operações dispersas modernas — exigem uma definição clara e uma compreensão mais profunda da arte operacional. Usar a definição de 2016 do Exército e enfatizar que o cerne da arte operacional é a “organização de ações táticas no tempo, espaço e finalidade” para atingir fins estratégicos orienta melhor o planejador ou estrategista para o que James Schneider chamou de característica definidora da arte operacional: “o emprego de forças em operações dispersas profundas”.13

As operações dispersas — em todos os domínios — provavelmente se tornarão uma característica definidora da próxima evolução no caráter da guerra. Como os jogos de guerra baseados em cenários estão confirmando, o poder de combate na forma de navios, aeronaves ou outras forças é especialmente vulnerável quando reunido para reforço mútuo, dado o tipo de armas modernas que nossos adversários possuem.14 A “massa” é, há muito, um princípio de guerra e, embora as forças modernas não precisem necessariamente se reunir fisicamente para concentrar os efeitos do poder de combate, historicamente as forças militares costumavam se concentrar fisicamente para combater. No entanto, não é de surpreender que, se a força conjunta estiver agregada e o inimigo dispuser de fogos de longo alcance, sensores e sistemas em rede modernos, a força estará vulnerável. Para se proteger, a força terá de ser desagregada, pois no futuro campo de batalha — definido, em parte, por sensores onipresentes — a concentração de forças se torna um beco sem saída literal e figurado.

O aumento da dispersão aumenta a necessidade de sincronização de ações táticas díspares no tempo, espaço e finalidade para que seus resultados individuais sejam registrados como efeitos operacionais cumulativos.

Além de prever as mudanças no caráter da guerra, uma definição revisada e simplificada da arte operacional prepararia melhor o Departamento de Defesa para lutar como uma força conjunta. A doutrina conjunta consiste em “princípios fundamentais” que permitem que os planejadores de todas as Forças Singulares falem uma linguagem comum; “oferece diretrizes oficiais a partir das quais as operações conjuntas são planejadas e executadas”.15 Uma definição imprecisa resulta em conceitos vagos que não podem ser compreendidos com um verdadeiro significado. Para algo tão importante quanto a arte operacional, uma definição pouco clara pode acarretar graves repercussões quando as ações táticas não se desenvolvem em uma campanha que alcance um objetivo político maior. A arte operacional organiza os combates em uma campanha para os propósitos da guerra — o objetivo estratégico.16 Como combates isolados não garantem mais a vitória em guerras, a arte operacional deve servir como ponte cognitiva entre tática e estratégia na elaboração de campanhas que atinjam objetivos estratégicos.

Definir e entender a arte operacional é o primeiro passo para garantir que os elementos da arte operacional estejam sincronizados. Não é exagero dizer que, em qualquer conflito hipotético na região do Pacífico ou na Europa, os Estados Unidos da América (EUA) e, presumivelmente, as forças aliadas e parceiras seriam obrigadas a combater em grandes distâncias, desafiando o alcance operacional. Os desafios de alcance operacional influenciam o ritmo e vice-versa, o que, por sua vez, afeta o ponto culminante: como os planejadores podem integrar os elementos da arte operacional se a definição abrangente do termo não esclarece aos planejadores o que o conceito deve fazer? A resposta é simples: não podemos esperar que os planejadores sejam hábeis na arte operacional se não conseguirmos, como força conjunta, definir o termo de forma sucinta.

Conclusão

A definição de 2016 do Exército transmite aos planejadores o que a arte operacional deve fazer de uma forma que a definição conjunta atual não faz. A arte operacional é descrita como o “arranjo” das ações táticas, ou seja, as ações táticas são os elementos básicos da arte operacional, e o artista operacional usa esses elementos para traçar o caminho rumo aos objetivos estratégicos. Enquanto as táticas são limitadas no tempo e no espaço e focam nos resultados dos combates, a arte operacional busca unir esses acontecimentos para um propósito maior. Enquanto as táticas determinam a conduta no campo de batalha em relação ao terreno e ao inimigo em locais específicos e se concentram na finalização do enfrentamento, a arte operacional pode ser vista holisticamente como o tecido conjuntivo que conecta essas ações táticas à estratégia por meio de campanhas eficazes.17

Simplificando, devemos definir de forma concisa a arte operacional como a organização de ações táticas no tempo, espaço e finalidade para atingir os objetivos estratégicos.18 Essa definição sucinta informa à força conjunta o que a arte operacional deve fazer e, ao mesmo tempo, implica que a arte operacional exige uma compreensão dos objetivos estratégicos gerais. Em comparação, a definição atual tenta fazer muito e, com isso, perde o foco e a utilidade. O uso da definição proposta e revisada também serve a uma função de imposição que não consta da definição atual; para organizar as ações táticas no tempo, espaço e finalidade, é preciso entender a interação dos elementos da concepção operativa (quando designada a um estado-maior conjunto) e a interação dos elementos da arte operacional (em um estado-maior do Exército).19 Para que um corpo de exército empregue a arte operacional, por exemplo, não basta entender a necessidade de bases — o Estado-Maior deve entender as bases no contexto de sua relação com o ritmo, o alcance operacional e o ponto culminante.20 A força conjunta deve descartar fraseados supérfluos e, em seu lugar, pensar na arte operacional nesses termos para se preparar melhor para operações dispersas em grandes áreas — o tipo de conflito que provavelmente surgiria durante um conflito com nossos dois principais rivais: China e Rússia.

O autor é grato pela introdução à arte operacional e à instrução que recebeu de Bruce Stanley e de Peter Schifferle, este já falecido, na School of Advanced Military Studies.


Referências

 

  1. Joint Publication (JP) 5-0, Joint Planning (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], 2020), p. IV-1, acesso em 29 jul. 2022, https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/pubs/jp5_0.pdf?ver=us_fQ_pGS_u65ateysmAng%3d%3d.
  2. Arthur Lykke Jr., “Defining Military Strategy = Ends + Ways + Means”, Military Review 69, no. 5 (May 1989): p. 2-8, acesso em 29 jul. 2022, https://cgsc.contentdm.oclc.org/digital/collection/p124201coll1/id/504/rec/8.
  3. Army Doctrine Publication (ADP) 3-0, Operations (Washington, DC: U.S. GPO, 11 November 2016), p. 4, acesso em 29 jul. 2022, https://usacac.army.mil/sites/default/files/publications/ADRP%203-0%20OPERATIONS%2011NOV16.pdf.
  4. Georgii Samoilovich Isserson, The Evolution of Operational Art, trad. Bruce W. Menning (Fort Leavenworth, KS: Combat Studies Institute Press, 2013), p. 16.
  5. Ibid., p. 19.
  6. Ibid., p. xi.
  7. Huba Wass de Czege, “Thinking and Acting like an Early Explorer: Operational Art Is Not a Level of War”, Small Wars Journal, 14 March 2011, p. 4, acesso em 29 jul. 2022, https://smallwarsjournal.com/blog/journal/docs-temp/710-deczege.pdf; Justin Kelly e Mike Brennan, Alien: How Operational Art Devoured Strategy (Carlisle, PA: U.S. Army War College, September 2009), acesso em 29 jul. 2022, https://publications.armywarcollege.edu/pubs/2027.pdf.
  8. Confutatis K.626 – Scrolling Score, vídeo de YouTube, publicado por “gerubach”, 26 October 2011, acesso em 8 ago. 2022, https://www.youtube.com/watch?v=UMwaiA581AQ. Esse pensamento é influenciado por um vídeo feito para representar graficamente uma conversa do filme Amadeus, incluindo a composição de uma sinfonia por Wolfgang Amadeus Mozart e Antonio Salieri.
  9. Wass de Czege, “Thinking and Acting like an Early Explorer”, p. 4.
  10. Lykke, “Defining Military Strategy”, p. 2.
  11. Kelly e Brennan, Alien, 2.
  12. B. H. Liddell Hart, Strategy (London: Faber & Faber, 1967), p. 321.
  13. James Schneider, “Vulcan’s Anvil: The American Civil War and the Foundations of Operational Art” (trabalho não publicado, 16 June 1992), p. 28, acesso em 29 jul. 2022, https://cgsc.contentdm.oclc.org/digital/collection/p4013coll11/id/9.
  14. Tara Copp, “It Failed Miserably: After Wargaming Loss, Joint Chiefs Are Overhauling How U.S. Military Will Fight”, Defense One, 26 July 2021, acesso em 29 jul. 2022, https://www.defenseone.com/policy/2021/07/it-failed-miserably-after-wargaming-loss-joint-chiefs-are-overhauling-how-us-military-will-fight/184050/.
  15. JP-1, Doctrine for the Armed Forces of the United States (Washington, DC: U.S. GPO, 2013 [incorporating Change 1, 12 July 2017]), p. xxv, acesso em 29 jul. 2022, https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/pubs/jp1_ch1.pdf?ver=2019-02-11-174350-967.
  16. Carl Von Clausewitz, On War, ed. e trad. Michael Howard e Peter Paret (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1976), p. 128. O trecho é uma paráfrase de Carl von Clausewitz, que escreveu que “tática ensina o emprego das forças armadas no engajamento. A estratégia, a utilização dos engajamentos para atingir o propósito da guerra”, no Livro II de sua obra seminal Da guerra [trecho extraído da tradução do inglês para o português do CMG (RRm) Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle, a partir da versão em inglês de Michael Howard e Peter Paret]. O uso de estratégia por Clausewitz está mais próximo de nossa definição moderna de arte operacional, o que faz sentido considerando seu contexto histórico como contemporâneo (e adversário) de Napoleão.
  17. Dan Madden et al. Toward Operational Art in Special Warfare (Santa Monica, CA: RAND Corporation, 2016), p. xvii, acesso em 29 jul. 2022, https://www.rand.org/pubs/research_reports/RR779.html.
  18. ADP 3-0, Operations, p. 4. Essa definição é inspirada e baseada em definições doutrinárias iniciais da arte operacional, em oposição à definição atual, excessivamente inclusiva.
  19. Field Manual (FM) 5-0, Planning and Orders Production (Washington, DC: U.S. GPO, 16 May 2022), p. 2-12, acesso em 29 jul. 2022, https://armypubs.army.mil/epubs/DR_pubs/DR_a/ARN35403-FM_5-0-000-WEB-1.pdf.
  20. Veja ibid., para. 2-472-76, para uma discussão aprofundada dos elementos da arte operacional.

 

O Maj Rick Chersicla, Exército dos EUA, é estrategista (Área Funcional 59), que serve como planejador conjunto, em Stuttgart, Alemanha. Concluiu o bacharelado pela Fordham University, mestrado pela Georgetown University e pela School of Advanced Military Studies.

 

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