Quatro minutos para formar um líder
Maj James Cowen, Exército britânico
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No filme O Resgate do Soldado Ryan, há uma cena em que o Cap John Miller, personagem de Tom Hanks, cambaleia na praia.1 Seu capacete foi arrancado, e ele tenta se situar. O som do combate é abafado por um zumbido que reproduz sua surdez temporária. Um de seus graduados está gritando a um palmo do seu rosto, mas ele não reage e não ouve. Finalmente, ele pega seu capacete e o coloca de volta na cabeça. Ao fazer isso, ele é levado bruscamente de volta à realidade, o barulho do combate retorna e seu entorno recupera o foco. Essa sequência dura apenas um minuto e meio. Ainda assim, para mim, esse é um dos momentos cinematográficos mais marcantes registrados em filme. Eu me vejo voltando àqueles noventa segundos com muita frequência. Eles me ajudam a reviver, de forma visceral, uma lembrança pessoal que é a pedra angular da minha abordagem de liderança. Isso se deve ao fato de eu ter sido o John Miller cambaleando na praia, dominado pelo choque, incapaz de voltar ao momento presente apesar da realidade que exigia toda a minha atenção. O que aprendi naqueles momentos serve como um insight extremamente valioso para um comandante. À primeira vista, muito do que aprendi poderia parecer limitado à liderança direta que a experiência exibe de forma mais óbvia. No entanto, como major recém-promovido, minha carreira me afastará gradualmente dessa função de liderança direta nos próximos anos.
No espírito de preparação para essa transição para a liderança organizacional, preciso retornar a esse momento decisivo em minha carreira. Marshall Goldsmith sugere que “o que o trouxe até aqui não o levará até lá”.2 Sua tese geral é que os hábitos de liderança que foram bem-sucedidos na liderança direta não serão necessariamente transferidos para a liderança organizacional. Naturalmente, essa é uma premissa preocupante para alguém cuja identidade como líder se baseia em uma experiência formativa do início de sua carreira. Por isso dediquei bastante tempo para extrair o que pude desse acontecimento para levar comigo nessa nova função. Obviamente, minha preocupação principal é evitar uma crise de identidade da liderança caso esse acontecimento formativo perca a importância.
O acontecimento que estou prestes a discutir é intrinsecamente pessoal. Portanto, é com algum receio que decido compartilhá-lo. Faço isso por três motivos principais. Em primeiro lugar, para demonstrar o papel dos líderes na superação do choque. Com isso, espero endossar expressamente os princípios da liderança transformacional e sua utilidade sob pressão extrema. A liderança transformacional é, sem dúvida, uma ferramenta valiosa para os comandantes diretos. Ainda assim, este artigo se concentrará em como os princípios desse conceito adquirem importância quando se trata de definir uma visão organizacional e estabelecer uma cultura.
Em segundo lugar, talvez de forma autoindulgente, gostaria de reconhecer o acontecimento em um fórum público. O acontecimento durou apenas quatro minutos do longo verão de 2012, na província de Helmand, no Afeganistão. No entanto, desde aquela manhã de agosto, esses minutos são reproduzidos na minha mente quase diariamente. Escrever sobre isso, tentar registrar esses minutos no papel, parece ser um passo fundamental para chegar a uma conclusão sobre o verdadeiro significado do que ocorreu.
Por fim, espero incentivar qualquer pessoa que reconheça o olhar de John Miller a tratar essas experiências com o devido respeito. Minha vocação, assim como a de muitos do público para o qual escrevo, coloca-nos em contato direto com o trauma com mais frequência do que gostaríamos de reconhecer. Registrar esse incidente traumático pela escrita terá valido a pena se o compartilhamento da minha história ajudar outras pessoas a encontrarem seus meios de catarse. Minha tentativa se segue a outros exemplos. O Chefe do Estado-Maior britânico, Gen Patrick Sanders, fez algo semelhante há dois anos, quando reconheceu sua trajetória de saúde mental.3 Este artigo é minha resposta ao vídeo curto que Sanders intitulou Time to Talk (“Hora de conversar”, em tradução livre). Isso normaliza a prática, e espero que tenha criado um ambiente em que outras pessoas se sentirão à vontade para fazer o mesmo.
O acontecimento
Às 11h35 do dia 9 de agosto de 2012, a sala de operações da nossa companhia, no distrito de Nad-e-Ali, província de Helmand, ficou em silêncio. Tínhamos acabado de ouvir o chiado assustador do rádio nos informando: “Contato, fogo de armas pequenas, homem caído, aguardem”. Não era a voz que estávamos esperando. Meu grande amigo Andy Chesterman era o comandante da patrulha no terreno, mas estava ausente da rede, o que nos alarmou. Uma cacofonia e uma atividade frenética substituíram o silêncio inicial após o informe de contato. Meus piores temores foram confirmados quando a voz anônima transmitiu pelo rádio a solicitação de evacuação médica. Andy já havia servido na Marinha, portanto, seu número ZAP (identificação pessoal) era diferente do número padrão do Exército. Ironicamente, usamos os números ZAP para proteger a identidade das vítimas. O número de Andy era tão inconfundível que era como se o operador de rádio estivesse gritando seu nome no aparelho ao transmitir o informe de contato. Também foi duro ouvir o restante das nove linhas da solicitação de evacuação médica; estava claro que Andy estava mal.
Fiquei paralisado, completamente sufocado. A sala saiu de foco e o som perdeu o sentido. Sem dúvida, eu estava em estado de choque agudo. Não ficou imediatamente claro por que fui tão afetado a ponto de ficar incapacitado. No entanto, tendo revivido aquele momento várias vezes nos anos seguintes, tenho uma boa ideia de por que reagi daquela maneira. Eu era um jovem de 23 anos vivendo a maior aventura da minha vida. Nós, a minha unidade, havíamos passado o verão combatendo um adversário feroz e vencendo continuamente sem um arranhão sequer. Nós nos considerávamos invencíveis. Mas essa ilusão, formada ao longo de meses, desmoronou em questão de segundos. O golpe foi ainda mais devastador porque, no momento em que foi atingido, meu amigo foi roubado de tudo o que fazia dele quem ele era. Em seu lugar, havia apenas os seis dígitos do número ZAP e os sinais vitais em rápida deterioração que eram constantemente transmitidos pelo rádio. O subtenente da companhia (company sergeant major), Gavin Paton, havia percebido minha reação. Ele viu minha angústia do outro lado da sala e agiu rapidamente, levando-me para fora.4 Quatro minutos após o informe de contato inicial, eu estava de volta à sala de operações, ajudando no esforço de evacuação médica. Naqueles quatro minutos, fui consolado, repreendido, motivado e enviado de volta ao combate por um líder experiente.
Liderança transformacional
Pode parecer um pouco exagerado aplicar um conceito como o de liderança transformacional a um período de quatro minutos. Em seu livro Leadership, James Burns, o proponente inicial do termo, enfatiza que a liderança transformacional não é uma ocorrência pontual ou uma solução rápida, mas sim um processo contínuo.5 Grande parte do trabalho de base para liderar dessa forma se alcança expressando e dando o exemplo de um conjunto de valores e crenças. Basicamente, refere-se à cultura organizacional. O subtenente estabeleceu a cultura na companhia. Ele exigia total profissionalismo, que recompensava com níveis elevados de confiança. A companhia era unida, o que nos permitia ser extremamente francos em todos os níveis. Paton nos condicionou dessa forma pois sabia que isso criaria resiliência individual e de equipe, uma característica de que a companhia precisaria durante a longa temporada de combates. Como explicarei, o valor desse investimento reside nas reservas de resiliência, confiança mútua e dedicação com as quais contamos em uma crise.
Esta seção conduzirá o leitor pelos quatro minutos que se seguiram aos fogos que atingiram Andy Chesterman. Em seguida, usando os princípios da liderança transformacional, demonstrarei a eficácia de um estilo transformacional no calor do momento. Em conjunto, a consideração individualizada, a estimulação intelectual, a motivação inspiradora e a influência idealizada — os “quatro Is” da liderança transformacional — demonstrarão como o investimento de Paton na equipe estabeleceu as bases de que precisaríamos em nosso pior dia em Helmand. Isso será fundamental para ampliar a relevância de minha experiência para meu futuro como líder organizacional.
Consideração individualizada
Consideração individualizada é a capacidade do líder para compreender as necessidades únicas de cada seguidor e oferecer apoio e orientação personalizados para ajudá-lo a atingir seu potencial máximo.6 Os líderes transformacionais constroem relacionamentos sólidos com os seguidores e priorizam seu bem-estar e crescimento.
A sinopse acima sobre o primeiro pilar da liderança transformacional atende muito bem ao meu objetivo. A primeira metade trata da identificação das necessidades particulares de cada seguidor. Nos segundos que se seguiram ao informe de contato, Paton me levou para fora e, em poucas palavras, lembrou-me de que eu tinha um trabalho a fazer. Ele também me lembrou de que era minha função manter meus subordinados motivados. Como líder, tinha de demonstrar coragem física e compromisso altruísta. Ele adaptou perfeitamente suas palavras para mim. Sua execução agiu como uma sacudida brusca dos meus sentidos; ele não usou meios-termos e eu saí do meu estado de torpor. Sua franqueza era arriscada; é claro que o tiro poderia ter saído pela culatra, mas não saiu, e acredito que Paton sabia que isso não aconteceria.
Os líderes transformacionais desafiam seus seguidores a superar suas próprias expectativas e a alcançar resultados que nunca imaginaram ser possíveis.
A segunda metade da sinopse da consideração individualizada trata da importância de criar relacionamentos sólidos. Antes de escrever este texto, eu não havia considerado esse acontecimento em um contexto mais amplo. A relevância daquela conversa estava limitada ao impacto da intervenção naquele momento. No entanto, sob meu ponto de vista atual, consigo reconhecer o esforço prolongado e deliberado de Paton com os integrantes da companhia nos meses anteriores ao desdobramento. Cada interação que teve com a equipe era significativa e concebida para corresponder à sua visão final para a Companhia C, uma visão baseada na confiança mútua e no total profissionalismo. Paton queria poder falar francamente com quem precisasse ouvir palavras francas. Para isso, dedicou tempo para conhecer a equipe. Paton executou uma consideração individualizada perfeita nos seis meses que antecederam aquela conversa e naqueles quatro minutos comigo.
Estimulação intelectual
Os líderes transformacionais desafiam seus seguidores a superar suas próprias expectativas e a alcançar resultados que nunca imaginaram ser possíveis. Criam um senso de urgência e entusiasmo que inspiram as pessoas a trabalhar com mais afinco e alcançar mais do que imaginavam ser possível.7
O início de agosto foi um dos períodos mais delicados de nosso desdobramento. Nossa cadeia de comando habitual estava fragmentada e desarticulada. Eu estava substituindo o subcomandante da companhia (2IC) pois o comandante estava de licença no Reino Unido. Da mesma forma, o 2IC regular estava agora no comando. Nossa resiliência organizacional não estava em 100%. Naquele dia, eu estava encarregado de administrar a sala de operações. Portanto, eu era a pessoa responsável por coordenar evacuações médicas.
Quando um líder conta com uma base sólida que complemente e apoie sua visão, consegue gerar uma resposta positiva durante uma crise.
Imediatamente antes de ser conduzido para fora pelo CSM, lembro-me vagamente de um operador de rádio pedindo que eu decidisse sobre um curso de ação. Assim como o Cap Miller do filme, quando seu subordinado gritava para chamar sua atenção, eu não reagia e estava surdo para tudo ao meu redor. Parte do que contribuiu para o meu choque foi o peso da responsabilidade que, subitamente, recaiu sobre mim. Para dar a Andy as melhores chances de sobrevivência, eu teria de tomar decisões sob um nível extremo de pressão que era novo para mim. Paton tinha seu papel em retirar Andy do terreno. Ele se deslocaria até Andy e o levaria até o local de pouso do helicóptero. Antes de fazer isso, ele precisava ter certeza de que a sala de operações estava funcionando como deveria. A última coisa que o subtenente me disse antes de me mandar de volta para a sala foi: “Chesterman precisa de você”. Retornei à sala de operações e peguei o aparelho de rádio, determinado a desempenhar meu papel no que viria a seguir. Ele sabia que eu encontraria estimulação intelectual ao me colocar de volta em ação. Paton me deu um foco único para direcionar o fluxo de emoções que eu estava experimentando. Ele havia criado o “senso de urgência e entusiasmo que inspiram as pessoas a trabalhar com mais afinco”.
Motivação inspiradora
Com base na explicação de Burns sobre a motivação inspiradora, pode parecer difícil vincular esse pilar da liderança transformacional a um acontecimento isolado. De acordo com Burns, a motivação inspiradora se baseia, em última análise, em fundamentos morais e ideológicos, e não em uma mera busca por ganhos de curto prazo.8 Argumentarei aqui que um líder transformacional que tenha condicionado sua equipe ao seu estilo de liderança pode adaptar esse estilo para obter resultados de curto prazo. “A Companhia C será a melhor companhia do 3 RIFLES [batalhão de infantaria mecanizada do Exército britânico]” é a visão da qual me recordo para a unidade. Se perguntassem a qualquer um de nós naquela época qual era a melhor companhia no Afeganistão, ainda mais o 3 RIFLES, sei o que a maioria responderia.
Os membros da Companhia C estavam bem condicionados para essa visão. Operávamos em um ambiente de total profissionalismo e confiança mútua. Éramos responsáveis primeiramente por nós mesmos, mas também uns pelos outros e uns para os outros. Dito isso, a execução de uma visão de excelência envolve alguns riscos. Em primeiro lugar, suponha que a “excelência” seja uma ilusão ou um manto concedido sem apoio concreto. Nesses casos, a resiliência organizacional sofrerá em caso de crise. Simplificando, não haverá nada de concreto para se apoiar e as estruturas desmoronarão. Da mesma forma, se a base não for mantida, a ilusão de excelência poderia persistir apesar da erosão dessas bases. Acreditávamos ser a melhor companhia no Afeganistão porque confiávamos totalmente na equipe. Dessa crença nasceu a ousadia com que combatemos os insurgentes nos primeiros três meses do desdobramento. É por isso que fiquei tão abalado quando o inimigo acabou atingindo um dos nossos. Superei essa reação emocional graças à intervenção corretiva imediata de Paton. Precisei apenas de uma intervenção rápida por causa da nossa resiliência individual e de equipe. Quando um líder conta com uma base sólida que complemente e apoie sua visão, consegue gerar uma resposta positiva durante uma crise.
Quando Paton e eu retornamos à sala, ele se dirigiu à equipe por 30 segundos. Deixou claro que nós, na sala de operações, servíamos às pessoas no terreno e que precisávamos usar todos os nervos de nosso corpo coletivo para tirar de situações de apuros os que estavam em combate. Ele nos disse que nossa prioridade era a evacuação médica e a prevenção de outras baixas. Ele direcionou nosso foco ao que estava por vir. Quando todos já tivessem sido resgatados, “a Companhia C encontraria o atirador e retomaria a iniciativa das mãos dos insurgentes”. Essa visão de curto prazo se baseava na ideia de longo prazo de que a Companhia C era a melhor do 3 RIFLES. Paton apelou para a resiliência que havia criado em nossa equipe. Ao terminar, vestiu seu colete balístico e saiu para ajudar na evacuação médica. Não havia nada do estilo de Churchill em seu discurso. Foi prático, realista e disse exatamente o que precisávamos ouvir. Ficamos inspirados e nos pusemos a trabalhar.
Influência idealizada
Bernard Bass sustenta que a influência idealizada é o alicerce sobre o qual os outros três princípios se apoiam. Para Bass, significa o grau com que os líderes atuam como modelos, demonstram padrões elevados de conduta ética e moral e fazem sacrifícios pessoais para atingir as metas do grupo.9 Prefiro imaginar os quatro “Is” como pilares independentes que sustentam o conceito geral de liderança transformacional. Isso se deve ao fato de que, em seu trabalho original, Burns enfatiza o carisma de um líder como o veículo para alcançar a influência idealizada.10 Se o carisma é uma característica pessoal crucial para a influência idealizada, pode-se deduzir que somente pessoas carismáticas podem executar a liderança transformacional. Prefiro muito mais a confiança de Bass nos padrões elevados e na conduta ética e moral como características mais importantes de um líder do que o carisma.
Na verdade, Paton encarnava tudo o que Bass descreve como requisito para alcançar a influência idealizada. Tinha padrões elevados que exemplificava e exigia dos outros. Da mesma forma, Paton sempre demonstrou uma base ética firme e conduta moral irrepreensível. Uma das coisas que mais admirava naqueles seis meses foi sua disposição para se colocar na linha de fogo pelos soldados junto de quem lutava. Dar o exemplo foi o que fez naquele dia, ao sair para resgatar Andy. Talvez valha a pena compartilhar aqui outra história envolvendo Paton. Ele é enorme. Quando os talibãs faziam nossa contagem ao sairmos da base de patrulha (um procedimento que ouvíamos ao interceptar suas transmissões de rádio), eles se referiam a Paton por um apelido. Eles contavam: “1, 2, 3, o urso, 5, 6”. Paton sabia que sua presença no campo de batalha afetava a todos. A Companhia C sabia que ele iria nos resgatar se fôssemos feridos. Da mesma forma, os insurgentes sabiam quando ele estava saindo e o temiam. Ele sabia que seu lugar era no campo de batalha. Ao dar esse exemplo pessoal de coragem física, a companhia testemunhou um modelo a ser seguido de agir certo em um momento difícil — uma influência idealizada.
Conclusão
Quando comecei a escrever este artigo, eu tinha três objetivos principais. O primeiro era usar minha experiência de liderança forte como antídoto contra o choque para endossar um estilo de liderança transformacional bem executada. Fiz isso para provar que minha identidade como líder permaneceria intacta mesmo com a transição para a liderança organizacional. Pude verificar que a advertência de Goldsmith de que “o que o trouxe até aqui não o levará até lá” é apenas parcialmente válida. Não preciso descartar as lições de liderança direta daquele verão. Elas continuarão tão relevantes como sempre, principalmente porque me ensinaram a construir e manter relacionamentos sólidos e significativos. Escrever este artigo me possibilitou descobrir uma fonte rica de lições que serão extremamente relevantes no nível organizacional. Não alcançamos a excelência por sermos os melhores em tiro ou os mais agressivos no campo de batalha. Pelo contrário, cumprimos uma visão de excelência baseada na confiança, no profissionalismo e na construção de relacionamentos. Talvez o mais pertinente seja o fato de que agora posso enxergar esse momento de extrema emoção e violência através de uma lente mais ampla. É claro que, para um profissional militar, liderança vai muito além desses momentos. Esses momentos são a exceção, não a norma. Mas para um líder organizacional que espera imunizar sua equipe contra os efeitos do choque, o que está claro para mim agora é que a resiliência é conquistada com muito esforço e exige investimento dedicado. Aprendi a liderar ou, pelo menos, o que é liderança, em um batismo de fogo que mantive muito próximo durante toda a minha carreira. Essa é uma base sólida que será útil à medida que sigo meus estudos sobre a arte e ciência da liderança.
Vi, em primeira mão, não apenas após aquela missão, mas ao longo de toda a minha carreira, que a maioria de nós vive com nossos traumas.
Em segundo lugar, tomei as rédeas da minha jornada de saúde mental. Acredito que este artigo se assemelhe a um fluxo de consciência em algumas partes. Eu me recuso a editá-lo porque esse propósito de catarse é mais importante para mim do que o primeiro. Paton formou uma equipe resiliente na qual nos preocupávamos uns com os outros. Na manhã seguinte aos tiros, o comandante do batalhão parou nos degraus do lado de fora da sala de operações. A companhia inteira se reuniu para ouvi-lo. Eu sabia o que ele estava prestes a dizer, mas mesmo assim suas palavras me atingiram como um trem de carga. “O Ten Chesterman lutou bravamente durante a noite, mas não sobreviveu aos ferimentos.“11 Antes que eu conseguisse processar as palavras, senti uma mão nas minhas costas e outra segurou minha mão. Dois fuzileiros, soldados, reagiram da maneira como Paton nos treinou e estavam apoiando um colega. Naquele momento, percebi a diferença entre definir uma visão e alcançá-la. Essa era a verdadeira marca da excelência e o motivo pelo qual a Companhia C era a melhor companhia do 3 RIFLES e a melhor no Afeganistão. De cima para baixo, nós nos apoiávamos mutuamente.
Por fim, eu queria contribuir para a conversa sobre saúde mental de forma mais abrangente. Vi, em primeira mão, não apenas após aquela missão, mas ao longo de toda a minha carreira, que a maioria de nós vive com nossos traumas. Escrever sobre o assunto não será o caminho de todos, mas gostaria de ecoar as palavras de incentivo do Chefe do Estado-Maior: é hora de conversar. Algo que me tocou muito ao reviver esses acontecimentos foi o impacto que deixar uma equipe como a Companhia C teve sobre mim, como indivíduo. Quanto mais o tempo me distancia daquele verão em Helmand, mais me distancio da experiência de ter sido parte daquela equipe. Essa é uma emoção relativamente comum para um militar, mas merece ser considerada. Essas equipes muito coesas são formadas para oferecer apoio mútuo e superar os momentos difíceis. A conversa mais ampla sobre saúde mental deve continuar para nos ajudar a lidar com a vida cotidiana após um trauma.
Não, Andrew Chesterman não sobreviveu aos seus ferimentos. Ainda assim, nos unimos em torno de sua morte e fomos atrás dos insurgentes com ferocidade renovada. No resto do verão, nos saímos muito bem. O tom foi definido nos quatro minutos após o recebimento do informe de contato. Serei sempre grato a Paton pela forma firme, porém sensível, com que me conduziu do precipício da tristeza autoindulgente à determinação implacável. Desde então, minha carreira tem sido dominada por duas prioridades pessoais: preservar a memória de Andy Chesterman e liderar seguindo o exemplo transformacional de Paton.12
Referências
- Saving Private Ryan, dirigido por Steven Spielberg (Universal City, CA: Dreamworks Pictures, 1998).
- Marshall Goldsmith, What Got You Here Won’t Get You There: A Round Table Comic: How Successful People Became Even More Successful (Mundelein, IL: Writers of the Round Table Press, 2011), p. 10.
- It’s Time to Talk by General Sir Patrick Sanders, vídeo do YouTube, publicado por “NSDF”, 4:10, 8 July 2021, https://youtu.be/xibIUgr_xoo.
- Grafia da infantaria leve britânica para “sargento”[com “j”, em vez de “g”].
- James MacGregor Burns, Leadership (New York: Harper & Row, 1978), p. 20.
- Ibid.
- Bernard M. Bass e Ronald E. Riggio, Transformational Leadership, 2nd ed. (New York: Psychology Press, 2005).
- Ibid., chap. 6.
- Ibid., p. 14.
- Burns, Leadership, p. 16.
- Título do registro do diário do autor em 11 de agosto de 2012. A imagem do comandante do batalhão de pé nos degraus do lado de fora da sala de operações tornou-se uma lembrança persistente e recorrente. O impacto da perda de Andy foi determinante na vida e carreira do autor.
- “Lieutenant Andrew Chesterman Killed in Afghanistan”, UK Ministry of Defence, 9 August 2012, acesso em 27 jun. 2023, https://www.gov.uk/government/fatalities/lieutenant-andrew-chesterman-killed-in-afghanistan.
O Maj James Patrick Cowen é oficial de reconhecimento do Exército britânico. Atualmente, é aluno da U.S. School of Advanced Military Studies, tendo concluído recentemente o Curso de Comando e Estado-Maior. Formou-se na Royal Military Academy Sandhurst em 2013, onde foi nomeado oficial na unidade 1st The Queen’s Dragoon Guards. Missões no Afeganistão, Serra Leoa, Malawi, Zâmbia e Mali pontuaram seu trabalho como integrante do estado-maior nos escalões batalhão e brigada.
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