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Olhando para fora

Lições de assistência às forças de segurança extraídas da experiência francesa na África

 

Maj Daniel K. Dillenback, Exército dos EUA

 

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À medida que os Estados Unidos da América (EUA) entram novamente em uma era de competição entre grandes potências, a capacidade de desenvolver e manter uma forte rede de parceiros é fundamental para alcançar os interesses nacionais. Como o Exército é a única Força com conhecimentos especializados e sustentação necessários para preparar forças de segurança estrangeiras (Foreign Security Forces, FSF) em larga escala, os líderes do Exército têm um interesse especial em assegurar que a Força esteja preparada para desenvolver forças armadas parceiras que sejam competentes, capacitadas, comprometidas e confiantes.1 No entanto, as experiências no assessoramento e treinamento de forças armadas parceiras têm variado muito e não foram agregadas em um modelo confiável para o êxito. Este artigo apresenta um estudo de caso e suas conclusões após um projeto de pesquisa de nove meses que examinou o desenvolvimento de FSF.2 O estudo buscou tirar proveito da experiência internacional no treinamento de forças armadas parceiras em países em desenvolvimento, examinando exemplos, não estadunidenses, de nações que treinam e desenvolvem forças de segurança parceiras. Este artigo resume e apresenta as conclusões importantes das operações francesas na região do Sahel.

Quando a Operação Serval começou, em janeiro de 2013, seus objetivos eram totalmente voltados para o inimigo. As forças islâmicas haviam tomado a cidade maliana de Konna e se posicionado a uma curta distância da capital Bamako.3 A França decidiu não esperar que a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental reunisse uma força multinacional, embora sua política se propusesse a evitar uma intervenção unilateral. Com o apoio do Chade, a França lançou uma operação ofensiva no Mali para atingir os objetivos militares definidos pelo presidente François Hollande, de deter a agressão terrorista, tomar o Mali — onde há muitos cidadãos franceses — e permitir que o Mali recuperasse sua integridade territorial.4 Inicialmente, a França considerou sua intervenção como um paliativo militar de emergência para evitar a queda do governo do Mali e dar à Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental tempo para reunir uma força suficiente para executar outras operações.5 Mas, assim como na invasão estadunidense no Iraque, a França obteve êxito rapidamente e se viu, inesperadamente, envolvida no desenvolvimento das FSF em larga escala e a longo prazo.

Em 2014, a França consolidou suas inúmeras operações sob um único comando. A nova operação, intitulada Barkhane, buscou abordar a dimensão transfronteiriça da ameaça terrorista e concentrar os esforços militares na parceria.6 Em um comunicado à imprensa em inglês de 2020, o Comando das Forças Armadas da França declarou que a abordagem da Operação Barkhane tinha como objetivo apoiar as forças armadas das nações parceiras na faixa Sahel-Saariana, fortalecer a coordenação entre as forças militares internacionais e impedir o restabelecimento de refúgios seguros para terroristas na região.7 Desde 2014, a França aprendeu e adaptou novas teorias e melhores práticas para o que chama de le partenariat militaire opérationnel (parceria militar operacional). Esse conceito foi desenvolvido pelo Centro Terrestre de Parceria Militar Operacional (CPMO) do Exército francês. O estudo e trabalho do CPMO adaptaram sua cultura militar já expedicionária e se consideram especialmente adequados para o assessoramento expedicionário

Esse caso, selecionado por sua semelhança com a recente experiência estadunidense, estudou a aplicação moderna da parceria militar operacional francesa na região africana do Sahel e seus arredores. O Exército francês é organizado de forma similar, compartilha valores semelhantes e é um aliado de longa data da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). As perguntas da pesquisa dividiram as conclusões em duas categorias: ações que levam ao sucesso tático e ações que contribuem para o sucesso estratégico. Mediante o estudo dos níveis tático e estratégico da guerra, o pesquisador buscava obter uma melhor compreensão do nível operacional, cuja responsabilidade principal é vincular as ações táticas aos objetivos estratégicos. No decorrer das Operações Serval e Barkhane, o treinamento linguístico e a aceitação de riscos contribuíram significativamente para o sucesso tático do desenvolvimento das FSF, e essa gestão da informação contribuiu para o sucesso estratégico.

Uma breve história: 60 anos em 600 palavras

A França tem uma relação longa e complexa com a África que afeta diretamente suas operações atuais. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Império Francês ocupava aproximadamente 4,7 milhões de quilômetros quadrados do que hoje é a Costa do Marfim, Benin, Mali, Guiné, Mauritânia, Níger, Senegal, Burkina Faso, Togo e Nigéria.8 À medida que se retirava da África durante a era da descolonização, a França manteve e estabeleceu laços diplomáticos, econômicos e militares formais, criando uma rede de relações estreitas, frequentemente chamada de françafrique.9 O Presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouët-Boigny, usou o termo pela primeira vez para descrever os estreitos laços diplomáticos de seu país com a França.10 Entretanto, desde então o termo tornou-se controverso e passou a ser usado para criticar supostas atividades corruptas e sub-reptícias da França e diversas nações africanas.11 Independentemente da definição do termo, essa história e essa controvérsia continuaram a moldar e colorir as ações militares da França no Sahel e as diversas percepções sobre elas.

A história recente das Forças Armadas francesas no Sahel é dominada por duas grandes operações: Serval, a operação de aproximadamente 18 meses para derrotar os militantes jihadistas islâmicos no norte do Mali, e sua sucessora, Barkhane. A Operação Serval cumpriu uma solicitação do governo maliano e uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Consistia principalmente em operações francesas e chadianas contra jihadistas no norte do Mali.12 Em 2014, a Operação Barkhane consolidou esses esforços com várias outras missões na região do Sahel para permitir a sincronização, abordar o elemento transfronteiriço da ameaça e mudar o foco para o desenvolvimento das FSF.13 Embora a França tivesse uma longa e complexa história de colaboração com os países africanos pós-colonialismo, a Operação Serval marcou o início deste estudo devido às lições aprendidas e à mudança nos objetivos militares, que passaram da derrota das forças jihadistas ao desenvolvimento das FSF.

Houve vários exemplos de desenvolvimento de FSF pelos franceses na África antes da Operação Serval. O mais bem-sucedido e digno de nota foi a assistência da França ao Chade durante os últimos grandes ataques rebeldes em 2008 e 2009.14 Após o êxito da intervenção militar, durante um período de relativa paz, a França apoiou a consolidação das Forças Armadas chadianas sob o comando de Idriss Déby. O pesquisador Christopher Griffin explicou essa relação em seu artigo para o periódico Small Wars and Insurgencies:

A França está interessada no Chade pela sua localização central, o que permite ao Exército francês manobrar entre suas outras bases no continente e responder rapidamente a crises. O tratado de assistência militar com o Chade (não há tratado de defesa mútua) prevê que militares franceses em uniformes chadianos treinem o Exército chadiano. A França também se comprometeu a fornecer equipamentos militares (gratuitos e pagos), manutenção para esses equipamentos e apoio logístico. Em troca, o governo do Chade concede à França o direito de usar seu espaço aéreo e seus campos de pouso para voos militares e civis. A maioria dos tratados de assistência militar com os demais países francófonos tem praticamente os mesmos termos.15

Foto cedida por Wikimedia Commons

Griffin e outros argumentam que a relação da França com o Chade tem sido a mais frutífera entre as nações francófonas. Embora o Chade ainda enfrente desafios internos com o suposto autoritarismo e abusos de direitos humanos, o país se tornou, inegavelmente, uma potência regional.16 Na verdade, o Chade era a única nação africana disposta e capaz de apoiar de forma significativa a França em combate durante a Operação Serval.17 No entanto, é difícil sustentar que essa parceria continuará em uma trajetória semelhante desde a morte de Déby, em abril de 2021.18 Assim, as Forças Armadas francesas tiveram um êxito desigual no desenvolvimento de forças armadas parceiras antes da Operação Serval; seu principal ponto forte era a longa história entre a França e o norte da África, mas o maior ponto fraco consistia nas origens coloniais dessas mesmas relações.

O que leva ao sucesso tático?

O objetivo dessa pergunta de pesquisa era identificar práticas e vantagens que ajudam a assessorar uma nação parceira no nível tático da guerra. O pesquisador esperava encontrar “o que fazer e o que não fazer” específicos, como geralmente são apresentados em treinamentos culturais ou de assessoramento no Exército dos EUA. No entanto, as conclusões reais foram mais sutis, mas apresentam uma vantagem demonstrada em ambos os casos.

Idioma e cultura compartilhados. Um idioma compartilhado aumenta a interoperabilidade no nível mais fundamental. A capacidade de comunicação entre dois soldados é uma vantagem essencial no desenvolvimento de FSF. Em termos concretos, os franceses eram muito mais capazes de modificar e adaptar suas técnicas à situação no terreno, pois podiam esperar que qualquer um de seus soldados assessorasse de forma eficaz. O idioma compartilhado também aumenta a propensão dos assessores a aprenderem e adquirirem fluência na cultura da nação parceira. Se o assessoramento e o treinamento são a prática de transferir conhecimentos e experiências de uma pessoa para outra, o idioma é a base desse processo. Esse compartilhamento do idioma é tanto uma causa quanto um produto da parceria e das operações francesas na África. O colonialismo levou à disseminação da língua francesa, que atualmente é o idioma oficial de 19 países do continente. Os comandantes franceses, assim como seus subordinados franceses, podem se comunicar com seus homólogos com relativa facilidade.

Além disso, os comandantes franceses podem aproveitar essa longa história com seus homólogos para obter uma compreensão profunda do ambiente operacional, bem como de seus parceiros. Essa compreensão permitiu que treinassem e assessorassem nos níveis mais baixos possíveis. Em alguns casos, soldados foram designados a grupos de combate franceses para aprender, treinar e combater ao lado de praças franceses.19 Na verdade, esse idioma compartilhado é a diferença fundamental entre o desenvolvimento de FSF francês e o dos EUA ou do Reino Unido. A França se distingue dos EUA e do Reino Unido especificamente por esperar que toda e qualquer unidade militar seja capaz de assessorar, em vez de criar unidades especializadas, como as brigadas de assistência às forças de segurança (security force assistance, SFA).20 Seja pela expectativa de que todas as unidades assessorem as forças parceiras, pela cultura expedicionária ou pela história colonial entre a França e a África, nenhum dos conceitos desenvolvidos pelo CPMO seria possível se não fosse o idioma compartilhado entre os franceses e as forças de segurança parceiras.

Além do idioma, a familiaridade institucional e cultural da França com seus parceiros beneficiou seus esforços de assessoramento. Os franceses têm uma predisposição permanente ao entendimento cultural na África. Embora seja difícil de quantificar, isso foi expresso em fontes militares e não militares pelo uso de termos como “toque francês”, “savoir-faire” (saber fazer, conhecimento especializado) e “savoir-être” (saber ser, inteligência emocional).21 A maioria das fontes concorda que essa cultura compartilhada é, sobretudo, resultado da longa história colonial da França na África Ocidental. Os franceses estabeleceram seus primeiros postos comerciais no Senegal em 1624 e, na era seguinte, o idioma e cultura franceses se espalharam por todas as suas colônias. Embora essa predisposição seja definida e enquadrada em termos culturais, os acordos formais e as relações desenvolvidas durante e após a descolonização no século XX são a estrutura rígida do entendimento da França sobre o ambiente operacional. Esses laços, embora muitas vezes controversos devido à sua origem no colonialismo e no comércio de escravos, permaneceram relativamente intactos por mais de 200 anos. As relações duradouras conduziram a uma compreensão institucional e um conhecimento especializado na região. Todas as unidades do Exército francês têm alguma experiência, pois todas, em algum momento, passaram pela África em “missões de curta duração” de quatro meses. A natureza onipresente dessas operações contribuiu para o crescimento da mentalidade expedicionária da França.22

Aceitação de riscos. Os franceses têm muito orgulho de sua disposição para “combater lado a lado” com seus parceiros. Esse conceito exige maior tolerância ao risco. A doutrina francesa codifica essa expectativa de partenariat de combat (parceria de combate) e traz consigo um ônus e uma responsabilidade adicionais para o assessor, que deve se certificar de que seu parceiro esteja suficientemente pronto para as operações. No nível tático, o assessor que tem algo a perder garante simultaneamente a confiança em seus parceiros e cria legitimidade tanto para a força parceira quanto para a força patrocinadora. Ao contrário, na guerra soviético-afegã, que lembra a experiência dos EUA no Afeganistão e no Iraque, o assessoramento e a “parceria” consistiam em um ciclo de não confiar na nação anfitriã, assumindo a responsabilidade tática adicional, o que fez com que as FSF dependessem mais da nação patrocinadora, reduzindo sua própria independência e competência. Durante este estudo, foi fundamental observar que a aceitação de riscos foi além dos riscos normais do combate. Para desenvolver uma força de segurança, o comandante deve, de forma consciente e voluntária, expor seus soldados e sua unidade a um risco maior, executando operações ao lado de seus parceiros em vez de executar a missão por conta própria.

O compartilhamento do risco tático é o pilar do conceito de parceria militar operacional da França. Conforme ilustrado na Figura 1, a principal diferença entre o conceito francês e a doutrina estadunidense de SFA é o partenariat de combat, que consiste em acompanhamento e operações de combate conjuntas.23 Para enfatizar a importância de compartilhar esse risco, o CPMO afirma que as operações de combate conjuntas “colocam duas unidades em pé de igualdade, mesmo que sejam de nacionalidades diferentes, para projetar, planejar e conduzir operações em conjunto. Esse tipo de compromisso exige o compartilhamento dos mesmos riscos em combate e no acantonamento”.24 As operações de combate conjuntas são a única parte do CPMO que contradiz diretamente a doutrina estadunidense, que afirma que os assessores trabalham em ambientes permissivos e não permissivos, mas geralmente não participam de atividades de combate com parceiros.25 A parceria de combate representa uma aceitação institucional do fato de que um assessor deve estar disposto a se colocar em perigo por um objetivo compartilhado, a fim de aumentar a confiança e as capacidades das FSF. No modelo francês, isso não significa apenas que o assessor acompanha o comandante parceiro em uma missão liderada pelo último. Significa que eles integram completamente as duas unidades em algum escalão e até mesmo, em alguns casos, unidades maiores das FSF recebem o apoio de unidades francesas menores em combate. Compartilhar os riscos e, ao mesmo tempo, colocar líderes em parceria no comando proporciona um senso de responsabilidade e legitimidade à força de segurança, o que parece ser mais eficaz do que apenas colocar o parceiro à frente.

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No entanto, o CPMO também reconheceu que a aceitação de riscos deve ser equilibrada (veja a Figura 2). Embora a integração completa com as forças parceiras e o compartilhamento de riscos possam ser úteis para estabelecer a confiança entre os assessores e seus parceiros, isso tem um custo na forma de autonomia das FSF. O CPMO declarou que “há, portanto, uma escolha real a ser feita em termos dos objetivos a serem perseguidos: um investimento francês mais forte produz um parceiro menos autônomo”.26 Com esse fato em mente, o assessor deve planejar e ajustar cuidadosamente a organização do esforço de assessoramento a fim de garantir que o parceiro possa aprender e se desenvolver para que opere de forma independente. Esse conceito é aplicado de forma semelhante em vários exemplos ao longo da história, sem que haja, necessariamente, um reconhecimento tácito da relação entre investimento e autonomia. Os soviéticos reconheceram esse fato ao anunciar a campanha de “afeganização” e a retirada lenta. Da mesma forma, o CPMO comparou seus esforços no Sahel à abordagem da guerra contemporânea no Afeganistão: “ANA (Exército Nacional Afegão) primeiro, liderado pelo ANA, somente ANA”.27 Embora claramente não seja um conceito recém-inventado, desenha um modelo teórico que pode ser usado ao planejar os esforços de desenvolvimento de FSF no futuro.

O que contribui para o sucesso estratégico?

Essa pergunta de pesquisa é simples do ponto de vista conceitual, mas se revelou complexa e cheia de nuances. O desafio mais significativo e, de fato, a principal resistência dos acadêmicos a esta pesquisa foi o conceito de sucesso e fracasso estratégicos. Não há uma única resposta para o que constitui o sucesso estratégico, pois daí derivam várias perguntas: Sucesso de quem? Se um parceiro tiver sucesso, mas o outro não, isso ainda é sucesso? Quanto tempo deve durar o sucesso para que ainda seja considerado sucesso? Este artigo não pretende abordar essa preocupação, limitando-se a apresentar uma observação da contrapositiva. Um aspecto do caso francês claramente prejudicou sua capacidade de obter o sucesso no nível estratégico.

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Combatendo a narrativa do “neocolonialismo”. A França não conseguiu combater a narrativa persistente de seus críticos de que o envolvimento francês no Sahel não passava de uma tentativa de manter seu domínio da era colonial, um ponto de vista comumente chamado de “neocolonialismo”. Durante a guerra do Iraque, os EUA enfrentaram um desafio semelhante quando os críticos se uniram em torno da narrativa de que estavam tentando roubar o petróleo do Iraque. Mitigar as contranarrativas é um desafio para as democracias que operam no ambiente de informação moderno. Independentemente dos motivos, dos objetivos militares ou da condução das operações, pode-se presumir com segurança que qualquer tentativa de desenvolver uma FSF em parceria enfrentará alguma contranarrativa. Essas campanhas de informação podem degradar o apoio público à missão e, em última análise, levar ao seu término insatisfatório. Esse desafio continua sendo uma área de estudo e ênfase com o desenvolvimento do conceito de domínio informacional na doutrina do Exército estadunidense e o crescimento das operações de informação como disciplina. Entretanto, não há uma solução de curto prazo até a o momento de elaboração deste estudo.

O desafio moderno de gerir a informação é algo que cresce e muda constantemente. Com tantos indivíduos e grupos de interesse tendo o mesmo acesso à informação e a mesma capacidade de afetar o ambiente de informações, as grandes potências militares enfrentam um desafio que pode ser ainda insuperável. Os críticos apontaram principalmente para o passado colonial da França e usaram uma narrativa de neocolonialismo que afetou significativamente a percepção popular da presença militar francesa. Embora tenha feito tentativas contínuas e adequadas para gerenciar as informações que envolviam suas operações, a França nunca conseguiu superar essa narrativa ou a desconfiança geral em relação às potências europeias ou “ocidentais”, que era onipresente nos bastidores das Operações Serval e Barkhane.

A história colonial da França e o conceito de françafrique moldaram negativamente as percepções de seus esforços no continente.28 Estava fora do escopo deste projeto de pesquisa determinar exatamente como essa parte da história afetou o sucesso tático e estratégico. No entanto, a françafrique e as suspeitas em torno das intenções francesas tiveram destaque na mídia e nos escritos profissionais, definindo a visão nacional e internacional da ação francesa.29

Internamente, o envolvimento da França em ações militares no exterior, inclusive no Sahel, influenciou as eleições presidenciais de 2017, após a qual o presidente Emmanuel Macron procurou reparar a françafrique e redefinir as relações franco-africanas.30 Como o primeiro Chefe de Estado francês nascido após a independência das colônias francesas na África, Macron foi visto por muitos como representante de uma nova geração dedicada a reconstruir as relações com as nações africanas em pé de igualdade.31 Esse entendimento e estrutura retórica atingiram um ponto crítico quando Macron anunciou o fim da Operação Barkhane, em 17 de fevereiro de 2022.32 Críticos caracterizaram isso como uma resposta às eleições presidenciais francesas que se aproximavam, bem como às críticas crescentes à presença francesa por parte dos jovens africanos, que, muitas vezes, afirmam que as promessas de fim da françafrique tornaram-se um mero ritual.33

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Quando o sucesso inicial da operação tornou-se evidente e a assistência diminuiu, muitos malianos começaram a reexaminar o relacionamento com a França e a concluir que, na verdade, os dois países eram tão interdependentes como sempre haviam sido.

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Este estudo ofereceu uma visão do complexo cenário do desenvolvimento de FSF francês no Sahel. Os comandantes e assessores táticos podem não ter sido sobrecarregados com a história maior do colonialismo francês enquanto trabalhavam com seus homólogos, mas essa história moldou a percepção das forças de segurança francesas e das nações parceiras enquanto operavam. Celeste Hicks, jornalista estadunidense que vive no Mali, fez um relato em primeira mão da percepção popular sobre a Operação Serval em um artigo para o International Journal of Francophone Studies, oferecendo um vislumbre da psique dos cidadãos malianos.

Com o lançamento da Operação Serval, em 2013, esse processo gradual de distanciamento foi, aparentemente, virado às avessas. Aqui estava uma nação independente, antes orgulhosa, que havia tido um relacionamento pós-colonial muitas vezes difícil com a França, admitindo ser completamente incapaz de proteger seu próprio território. No entanto, quando o sucesso inicial da operação tornou-se evidente e a assistência diminuiu, muitos malianos começaram a reexaminar o relacionamento com a França e a concluir que, na verdade, os dois países eram tão interdependentes como sempre haviam sido. Questões importantes começaram a ser levantadas sobre até onde o Mali conseguiu chegar desde a independência e se era realmente um Estado soberano. Na verdade, havia muitas vozes no país — inicialmente abafadas pelo clamor popular por algum tipo de missão de resgate das mãos dos islamitas — que acreditavam que a decisão de recorrer à França representava, na verdade, uma profunda humilhação.34

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A SFA é um elemento de cooperação em segurança no desenvolvimento e na manutenção das parcerias estratégicas com nações estrangeiras que continuará sendo essencial ao fortalecimento da ordem internacional pós-Segunda Guerra Mundial.

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Essa observação vem de um momento anterior à Operação Barkhane, mas é suficientemente lúcida e universal para representar o tom subjacente da percepção popular em muitas nações francófonas nos últimos 20 anos. Muitas outras fontes, artigos de periódicos e entrevistas jornalísticas estudadas ao longo deste projeto expressaram preocupações, ansiedades e cinismo semelhantes em relação à presença francesa. Esse cenário de percepção popular no terreno pode ter sido menos evidente no nível tático, mas contribuiu muito para moldar a vontade política da França e, por fim, contribuiu para o término da Operação Barkhane. Com o fim de Barkhane e o passar do tempo, esse tópico merece mais pesquisas sobre os efeitos da narrativa do neocolonialismo nas percepções populares sobre a França e os governos locais.

Ironicamente, essa mesma história colonial beneficiou as operações francesas, mais notadamente no uso de um idioma comum. Os políticos, soldados e mídia franceses muitas vezes conseguiam se comunicar diretamente com seus homólogos africanos. Além disso, muitos periódicos africanos, publicados em francês, conseguiam apelar diretamente aos políticos ou cidadãos franceses, moldando o discurso internacional sobre o assunto. Conforme evidenciado pelo fim da Operação Barkhane, o idioma compartilhado não garante o sucesso da gestão da informação ou o apoio popular. Entretanto, permite que as forças militares e diplomáticas francesas se comuniquem diretamente com os cidadãos das nações parceiras, aumentando o diálogo geral.

Conclusão e implicações

Este estudo pretende servir de base para futuras decisões estratégicas com relação à definição, função e execução da SFA pelos EUA. A SFA é um elemento de cooperação em segurança no desenvolvimento e na manutenção das parcerias estratégicas com nações estrangeiras que continuará sendo essencial ao fortalecimento da ordem internacional pós-Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, o Exército dos EUA tem uma experiência limitada e mista no desenvolvimento das FSF, que terminou mais recentemente com a queda do governo afegão para o Talibã em 2021. O objetivo desta pesquisa era identificar as lições aprendidas e sintetizá-las em recomendações, fazendo a seguinte pergunta: como o Exército dos EUA pode desenvolver forças armadas parceiras para garantir tanto o sucesso militar duradouro quanto a parceria em segurança? Para responder a essa pergunta, a pesquisa explorou os programas, práticas e atividades que contribuíram ou prejudicaram o sucesso tático e estratégico do desenvolvimento de FSF.

A pesquisa determinou que os principais programas, práticas e atividades para ajudar a alcançar o sucesso tático incluíam a ênfase no idioma compartilhado antes da participação no desenvolvimento de FSF e a disposição de aceitar os riscos táticos de assessorar os comandantes na avaliação adequada de seus homólogos e no desenvolvimento de um relacionamento duradouro. Embora nunca haja garantias, a definição clara e com antecedência dos objetivos da missão e a eliminação da ampliação do escopo ou ajustes desses objetivos, o planejamento deliberado do desenvolvimento das FSF como parte de qualquer operação importante e a proteção da vontade nacional de longo prazo possibilitam o sucesso estratégico.

A Diretriz Estratégica de Segurança Nacional Provisória de 2021 (2021 Interim National Security Strategic Guidance) reconheceu o imperativo de criar parcerias além dos principais aliados dos EUA para alcançar os interesses nacionais.35 Esse entendimento permeou a abordagem estratégica da Estratégia de Defesa Nacional de 2018 (2018 National Defense Strategy) e é improvável que seja alterado na publicação não classificada de 2022.36 A SFA é uma parte essencial da cooperação em segurança para desenvolver e manter essas parcerias com as nações em desenvolvimento. Entretanto, os EUA têm pouca experiência no desenvolvimento bem-sucedido das FSF e não podem desenvolver esse recurso por meio de tentativa e erro.


Referências

 

  1. Joint Publication 3-22, Foreign Internal Defense (Washington, DC: U.S. Government Publishing Office [GPO], 2021), p. 4-1.
  2. Este é um termo não doutrinário necessário para esta pesquisa. Ao comparar doutrina e atividades entre as nações, havia várias incongruências nos conceitos. Desenvolvimento de força de segurança estrangeira (FSF) é usado para descrever todas as atividades, tarefas e operações com a finalidade de desenvolver a capacidade e competência de uma FSF parceira. Isso pode incluir as tarefas centrais de assistência às forças de segurança (SFA), partenariat militaire opérationnel (parceria militar operacional) e programas de educação profissional militar, como a criação de escolas para uma FSF. Para os fins desta pesquisa, o uso de termos doutrinários como SFA, defesa interna no exterior ou educação profissional militar seria insuficiente para descrever a gama de atividades do estudo.
  3. Michael Shurkin, France’s War in Mali: Lessons for an Expeditionary Army (Santa Monica, CA: RAND Corporation, 2014), p. 7.
  4. Ibid., p. 8.
  5. Ibid., p. 13.
  6. “Press Pack: Operation Barkhane”, Ministère des Armées [Ministério das Forças Armadas], acesso em 20 out. 2021, https://www.defense.gouv.fr/english/content/download/577214/9871585/20200212_NP_EMA%20CABCOM_DP%.20BARKHANE_EN.pdf.
  7. Ibid.
  8. New World Encyclopedia, s.v. “French Empire”, acesso em 8 March 2022, https://www.newworldencyclopedia.org/p/index.php?title=French_Empire &oldid=1004732.
  9. Christopher Griffin, “Operation Barkhane and Boko Haram: French Counterterrorism and Military Cooperation in the Sahel”, Small Wars and Insurgencies 27, no. 5 (2016): p. 900, https://doi.org/10.1080/09592318.2016.1208283.
  10. Maja Bovcon, “Franҫafrique and Regime Theory”, European Journal of International Relations 19, no. 1 (2011): p. 5-26, https://doi.org/10.1177%2F1354066111413309.
  11. Ibid.
  12. Mali: Ban Welcomes Bilateral Assistance to Stop Southward Onslaught of Insurgents”, United Nations News, 14 January 2013, acesso em 4 ago. 2022, https://news.un.org/en/story/2013/01/429822; United Nations Security Council, Resolution 2085, S/RES/2085 (20 December 2012), acesso em 10 ago. 2022, https://digitallibrary.un.org/record/740273/files/S_RES_2085%282012%29-EN.pdf?ln=en.
  13. “France Sets Up Anti-Islamist Force in Africa’s Sahel”, BBC News, 14 July 2014, acesso em 4 ago. 2022, https://www.bbc.com/news/world-europe-28298230.
  14. Géraud Magrin, “Les Ressorts de l’Intervention Tchadienne au Mali (2013)” [The source of the Chadian intervention in Mali (2013)], trad.[para o inglês] Daniel Dillenback, EchoGéo (2013): p. 2-13, https://doi.org/10.4000/echogeo.13444.
  15. Griffin, “Operation Barkhane and Boko Haram”, p. 903.
  16. “Rapport d’Information Fait au Nom de la Commission des Affaires Étrangères, de la Défense et des Forces Armées par le Groupe de Travail ‘Sahel’”, trad. [para o inglês] Daniel Dillenback, Droit des Militaires, 18 August 2013, acesso em 4 ago. 2022, https://www.droitdesmilitaires.fr/26623.
  17. Bernard Barrera, Opération Serval: Notes de Guerre, Mali 2013, trad. Daniel Dillenback (Paris: Editions du Seuil, 2015), p. 183, 198, 242.
  18. Marielle Debos, “Chad’s President Lived and Died by the Gun. Will the Country Shift Away from Militarized Rule?”, Washington Post (site), 7 May 2021, acesso em 11 mar. 2022, https://www.washingtonpost.com/politics/2021/05/07/chads-president-lived-died-by-gun-will-country-shift-away-militarized-rule/.
  19. Le Centre Terre pour le Partenariat Militaire Opérationnel [The Land Center for Operational Military Partnership] (CPMO), Partenariat de Combat: Etude Comparée entre l’Engagement Réel et les Modelés Théorétiques [Combat partnership: comparative study between real engagement and theoretical models], trad. [para o inglês] Daniel Dillenback (Paris: CPMO, 2021), p. 10.
  20. Alain Vidal, “Le Partenariat Militaire Opérationnel Aujourd’hui” [The operational military partnership today], trad. [para o inglês] Daniel Dillenback, 14 May 2019, acesso em 4 ago. 2022, https://docplayer.fr/148213821-Le-partenariat-militaire-operationnel-aujourd-hui-brennus-4-0.html.
  21. Ibid.
  22. Shurkin, “France’s War in Mali”, p. 31.
  23. CPMO, Partenariat de Combat, p. 4.
  24. Ibid.
  25. Field Manual 3-22, Army Support to Security Cooperation (Washington, DC: U.S. GPO, 2013), p. 4-9.
  26. CPMO, Partenariat de Combat, p. 26.
  27. Ibid., p. 24.
  28. Ministère des Armées, “Press Pack: Operation Barkhane”, p. 1.
  29. Celeste Hicks, “How the French Operation Serval Was Viewed on the Ground: A Journalistic Perspective”, International Journal of Francophone Studies 19, no. 2 (2016): p. 193-207, https://doi.org/10.1386/ijfs.19.2.193_7.
  30. Mucahid Durmaz, “Cornered by African Youth, Macron Intends to Repair FrancAfrique”, Al Jazeera, 12 October 2021, acesso em 4 ago. 2022, https://www.aljazeera.com/news/2021/10/12/cornered-by-african-youth-macron-intends-to-repair-francafrique.
  31. Christophe Chatelot, “How Emmanuel Macron Failed in the Sahel”, Le Monde (site), 7 April 2022, acesso em 4 ago. 2022, https://www.lemonde.fr/en/le-monde-africa/article/2022/04/07/how-emmanuel-macron-failed-in-the-sahel_5979930_124.html.
  32. Stephen Smith, “Macron’s Mess in the Sahel, How a Failed French Mission Gave Russia New Sway in Africa”, Foreign Affairs (site), 10 March 2022, acesso em 4 ago. 2022, https://www.foreignaffairs.com/articles/west-africa/2022-03-10/macrons-mess-sahel.
  33. Silija Frohlich, “Africa and France: An Unfulfilled Dream of Independence?”, Deutsche Welle, 8 March 2020, acesso em 4 ago. 2022, https://www.dw.com/en/africa-and-france-an-unfulfilled-dream-of-independence/a-54418511.
  34. Hicks, “How the French Operation Serval was Viewed on the Ground”.
  35. The White House, Interim National Security Strategic Guidance (Washington, DC: The White House, 2021), p. 10, acesso em 10 ago. 2022, https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2021/03/NSC-1v2.pdf.
  36. Department of Defense, Summary of the 2018 National Defense Strategy of the United States of America (Washington, DC: U.S. GPO, 2018), p. 9-10, acesso em 10 ago. 2022, https://dod.defense.gov/Portals/1/Documents/pubs/2018-National-Defense-Strategy-Summary.pdf.

 

O Maj Daniel Dillenback, Exército dos EUA, é aluno da Harvard University. É formado pela Boston University, tem mestrado pela Missouri University of Science and Technology e mestrado em Artes e Ciências Militares pelo Command and General Staff College. É fluente em inglês, francês e espanhol, e verteu [para o inglês] a maioria dos documentos em francês. Serviu como comandante de pelotão, comandante de companhia e chefe de operações de batalhão na 10a Divisão de Montanha, antes de trabalhar como planejador estratégico e redator de discursos para o Comandante do Combined Arms Center, em Fort Leavenworth, Kansas.

 

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Book Cover

Para visualizar “Operation Serval: Another Beau Geste of France in Sub-Saharan Africa?”, da edição de novembro-dezembro de 2014 da Military Review, acesse https://www.armyupress.army.mil/Portals/7/military-review/Archives/English/MilitaryReview_20141231_art014.pdf.

 

 

 

Book Cover

Para visualizar “Operation Sangaris: A Case Study in Limited Military Intervention” da edição de novembro-dezembro de 2016 da Military Review, acesse https://www.armyupress.army.mil/Portals/7/military-review/documents/Military-Review-20161231-art014.pdf. Disponível também em português: https://www.armyupress.army.mil/Journals/Edicao-Brasileira/Artigos-Exclusivamente-On-line/Artigos-Exclusivamente-On-line-de-2017/A-Operacao-Sangaris/.

 

 

 

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