Military Review

 

Isenção de responsabilidade: Em todas as suas publicações e produtos, a Military Review apresenta informações profissionais. Contudo, as opiniões neles expressas são dos autores e não refletem necessariamente as da Army University, do Departamento do Exército ou de qualquer outro órgão do governo dos EUA.


 

O Cerne da Questão

A Segurança das Mulheres, A Segurança dos Estados

Valerie M. Hudson,
Bonnie Ballif-Spanvill,
Mary Caprioli e
Chad F. Emmett

Baixar PDF

Refugiados civis

Quais são as raízes dos conflitos e da insegurança para os Estados? Alguns estudiosos afirmam que as diferenças civilizacionais, definidas por etnia, idioma e religião, são os principais catalisadores subjacentes dos conflitos e da insegurança1. Outros discorrem sobre a importância de se diferenciar entre tipos de regime democráticos e não democráticos ao explicar os conflitos no sistema internacional moderno2. Outros, ainda, consideram que a pobreza, exacerbada pela escassez de recursos em um contexto de desigualdade de acesso, está no cerne dos conflitos e da insegurança nos níveis micro e macro de análise3.

Neste artigo, sustentamos que existe um outro fator explicativo mais básico, e quiçá mais forte, do que os tradicionalmente propostos, o qual precisa ser considerado quando se examinam questões de segurança e conflito estatal: o tratamento dado às mulheres dentro da sociedade. Chegamos a essa conclusão com base em um trabalho de pesquisa detalhado, calcado em métodos qualitativos e quantitativos. Infelizmente, as análises estatísticas e descrições metodológicas comprobatórias são extensas demais e quiçá um tanto herméticas para serem descritas neste artigo relativamente curto; por isso, apresentamos apenas os resultados principais de nossas conclusões. Para os interessados em obter mais informações, análises mais detalhadas dos dados, acompanhadas de gráficos, são apresentadas em nosso livro, Sex and World Peace (“O Sexo e a Paz Mundial”, em tradução livre).

À primeira vista, nosso argumento não parece nada intuitivo. Como pode o tratamento dispensado às mulheres estar ligado a questões de alta política, como a guerra e a segurança nacional? Para alguns, as duas esferas não parecem ocupar o mesmo espaço conceitual. Para outros, a conexão entre o tratamento das mulheres e a segurança é algo óbvio. Por exemplo, em 2006, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, opinou: “O mundo está começando a entender que não existe política mais eficaz para promover o desenvolvimento, saúde e educação do que o empoderamento de mulheres e meninas. E eu arriscaria dizer que não há nenhuma política mais importante na prevenção de conflitos ou na obtenção da reconciliação após o término de um conflito”4.

Este artigo tem como objetivo analisar a afirmação de Annan, enfocando a seguinte questão: existe uma ligação significativa entre a segurança das mulheres e a segurança dos Estados?

Quando um dos coautores deste artigo levantou a questão durante uma reunião de pesquisa de seu departamento, a resposta foi um rápido e resoluto “não”. A opinião predominante era a de que a violência gerada pelos grandes conflitos militares do século XX constituía uma prova de que seria melhor que os estudiosos de segurança se concentrassem em questões mais amplas, como democracia e democratização; pobreza e riqueza; e ideologia e identidade nacional. Com base em uma escala de “sangue derramado e vidas perdidas” como sendo o devido foco de interesse de estudos sobre segurança, nossos colegas indagavam por que alguém escolheria examinar a questão das mulheres5.

Surpresos com essa declaração absoluta de que estávamos no caminho errado, levamos algum tempo para formular uma resposta. Ao examinar a questão do verdadeiro significado de “segurança do Estado”, como alguém explicaria o número de mortes entre as indianas em decorrência do infanticídio feminino e do aborto seletivo por sexo desde 1980 até o presente se não como uma autêntica “questão de segurança”? O número de mulheres mortas em questão é quase 40 vezes o total de mortes de todas as guerras da Índia desde, e incluindo, sua sangrenta luta pela independência. Esse fato, por si só, sugere vastas implicações adversas de segurança para a estabilidade e bem-estar econômico do Estado.

Ponderamos, assim, que seria esclarecedor considerar a escala pela qual as mulheres morrem por causas seletivas por sexo, investigando suas implicações para a segurança estatal. Utilizando a razão entre o número de homens e o de mulheres em uma população, ou razão de sexo, como um indicador aproximado para uma variedade de causas de morte em decorrência de uma pessoa ser do sexo feminino, consideramos os resultados apresentados na figura, em comparação aos grandes massacres do século XX6.

Além disso, como o número de mortes nas referidas guerras e conflitos inclui mortes de mulheres civis e combatentes, cremos que não seria um exagero sugerir que, em sua maioria, as instâncias de “sangue derramado e vidas perdidas” do último século foram, principalmente, de mulheres.

Infelizmente, ao pensarem em guerra e paz e segurança nacional, muitas pessoas restringem sua visão à imagem de um soldado fardado — homem — estirado morto no campo de batalha, convertendo essas importantes questões em assuntos do sexo masculino. Em contrapartida, talvez uma ótica nova, como a apresentada na figura, deva voltar os pensamentos daqueles que refletem seriamente sobre a segurança nacional e global para a menininha afogada em um riacho próximo ou o corpo carbonizado de uma jovem noiva assassinada em um “incêndio na cozinha” provocado por seus sogros. Para formular essa pergunta de maneira mais conceitual, haverá algo mais a investigar do que apenas o efeito da guerra sobre as mulheres — será possível que a segurança das mulheres, na verdade, afete a segurança dos Estados?

Amplos estudos demonstraram que há uma forte base lógica para afirmar que existe uma relação entre a segurança das mulheres e a segurança dos Estados7. A diferença sexual serve como um modelo crucial para o tratamento social da diferença entre indivíduos e entre coletividades. Uma longa tradição na psicologia social identificou três características básicas que as pessoas notam imediatamente ao conhecerem alguém, desde a infância praticamente: idade, sexo e raça8. Embora haja evidências preliminares de que o reconhecimento de diferenças raciais possa ser “apagado” quando cruzado com o aspecto de filiação a um grupo, não foi demonstrado nenhum mecanismo semelhante quanto ao reconhecimento de sexo9. Com efeito, a psicóloga Alice Eagly afirma: “Os estereótipos de gênero ultrapassam os de raça em todos os testes das ciências sociais”10. Assim, o sexo, como a idade, torna-se uma categoria básica de identificação e uma importante marca de diferença11.

As categorizações por sexo e por idade desempenham papéis distintos na sociedade. Todos passarão, um dia, para um outro grupo etário. Em geral, com algumas exceções, esse tipo de mudança não ocorre com respeito às categorias de sexo. A diferença sexual é, possivelmente, a principal diferença formativa fixa vivenciada na sociedade humana12, e a reprodução sexual é o mais forte motor evolutivo dos arranjos sociais humanos13.

Concordando com essas constatações de pesquisas nos campos da psicologia e evolução, a filósofa francesa Sylviane Agacinski reflete: “É sempre a diferença dos sexos que serve como modelo para todas as demais diferenças, e é a hierarquia homem/mulher que é vista como uma metáfora para todas as hierarquias interétnicas”14. Em consequência, diferenças sociais quanto a opiniões sobre o status dos sexos, refletidas nas práticas, costumes e leis, podem ter importantes consequências políticas, incluindo consequências para a política de segurança do Estado-nação e para conflitos e cooperação intra e interestatais.

Utilizando o modelo teórico que chamamos de “tese sobre as mulheres e a paz”, o qual relaciona o modo pelo qual as mulheres são tratadas com o modo pelo qual os respectivos Estados-nação se portam, examinamos, primeiro, a literatura empírica existente que conecta a situação da mulher com a situação dos Estados. Em seguida, conduzimos uma investigação empírica inicial das proposições do modelo, usando diversos bancos de dados existentes, que haviam compilado uma grande variedade de informações estatísticas relacionadas à situação das mulheres e à situação e conduta dos Estados. Nossos resultados, detalhados em Sex and World Peace, demonstraram relações fortes e significativas na direção prevista15.

Análise da Literatura sobre as Constatações Empíricas Existentes: as Mulheres e o Estado

Há um grande número de trabalhos que ligam o tratamento das mulheres a importantes variáveis no âmbito estatal. Pode-se dizer que a atenção acadêmica à ligação entre mulheres e o Estado teve início no campo do desenvolvimento. Já em 1970, Ester Boserup defendia que a omissão de aspectos de gênero do desenvolvimento levava ao fracasso de projetos. Desde seu trabalho pioneiro, assistimos a sucessivas ondas de pesquisa sobre o papel das mulheres no desenvolvimento econômico e qualidade de vida16. A literatura empírica nesse campo tem contribuído para o estabelecimento de fortes ligações, em âmbito internacional, entre variáveis de gênero e variáveis econômicas, incluindo PIB per capita, ranking de competitividade global e taxas de crescimento econômico17. As variáveis de saúde no âmbito do Estado, especialmente sobrevivência/mortalidade e desnutrição infantil, também apresentam uma significativa correlação com o status e escolaridade das mulheres18.

Figura – Comparação de Mortes Provocada

Figura – Comparação de Mortes Provocadas por Conflitos no Século XX e Mortes Decorrentes da Desvalorização da Vida das Mulheres na Virada do Século XXI

Essas pesquisas anteriores nos ajudam a entender a significativa correlação negativa entre índices de corrupção e índices dos direitos sociais e econômicos das mulheres19. Isso implica que a expansão dos direitos das mulheres oferece um benefício econômico adicional: reduções da corrupção política devido à maior justiça do empoderamento feminino na sociedade parecem, de modo geral, favorecer um aumento em investimentos e crescimento. Em outras palavras, aumentar a equidade entre gêneros promove o crescimento econômico20.

As ligações entre a situação e status das mulheres, por um lado, e as variáveis econômicas e de saúde, por outro, abriram o caminho para a pesquisa sobre variáveis políticas também. Vale ressaltar que as pesquisas iniciais nessa área indicam que as prioridades e perspectivas de um governo parecem mudar, conforme as mulheres se tornam mais visíveis e audíveis em suas fileiras. Estudos prévios demonstram que quanto mais mulheres houver no governo, maior será a atenção dada ao bem-estar social, proteção legal e transparência no governo e no setor empresarial21. Por exemplo, em uma pesquisa de opinião, 80% dos entrevistados disseram que a participação das mulheres restaura a confiança no governo22.

De modo geral, então, muitas pessoas, em todo o mundo, estão começando a reconhecer que o status das mulheres frequentemente influencia, de maneira considerável, importantes aspectos políticos dos Estados onde vivem. Esse reconhecimento, por sua vez, já levou, em muitos casos, a iniciativas inovadoras na formulação de políticas para tirar proveito dessas constatações23.

Apesar da impressionante gama de descobertas empíricas, quando voltamos o foco para questões sobre mulheres e a segurança nacional definida de uma maneira mais tradicional, há razões teóricas para acreditar que a segurança e a conduta de um Estado estão ligadas à situação e segurança de suas mulheres. Isso sugere linhas específicas de investigação: a evidência apoia essa assertiva? Em caso afirmativo, qual é a forma dessa ligação?

Duas principais linhas de investigação ajudaram a elucidar essa ligação: teoria acadêmica e análise de políticas. Um importante pilar da rica literatura teórica sobre estudos feministas de segurança enfatiza a relação entre o status das mulheres e as relações internacionais24. Além de iniciativas acadêmicas, vale ressaltar a descrição formal da necessidade de incluir mulheres em negociações de paz constante da Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (RCSNU) 1325, de 2000; o reconhecimento, na RCSNU 1820, de 2008, da necessidade de punir os que cometerem estupro durante conflitos; um programa mais amplo de organizações intergovernamentais/organizações não governamentais chamado Mulheres, Paz e Segurança (MPS), que resultou em uma maior integração da perspectiva de gênero em áreas como as Operações de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas (ONU); e uma nova Arquitetura de Gênero (GEAR) para a ONU, que resultou na criação da ONU Mulheres em julho de 201025.

Utilizando detalhados estudos de caso etnográficos, o mapeamento de processo e a análise de discurso pós-estruturalista, pesquisadores elaboraram vários excelentes trabalhos empíricos no campo de estudos feministas de segurança26. A seguir, examinamos trabalhos mais quantitativos.

Em uma recente análise empírica sobre as sociedades islâmicas, M. Steven Fish observou que as nações predominantemente muçulmanas não sofrem desproporcionalmente de violência política, mas sofrem desproporcionalmente de regimes autoritários27. O autor explora por que o islamismo parece desaprovar a democracia, constatando — após controlar diversas variáveis, incluindo desenvolvimento econômico, crescimento econômico, fragmentação étnica, etc. — que os indicadores relacionados à subordinação de mulheres, incluindo razão de sexo e diferença entre taxas de alfabetização, representam uma proporção considerável da relação entre o Islã e o autoritarismo. Ele formula a hipótese de que a opressão das mulheres — um dos primeiros atos sociais observados por todos na sociedade — fornece o modelo para outros tipos de opressão, incluindo o autoritarismo, em Estados-nação islâmicos. O tratamento das mulheres pode, então, afetar a tendência de uma sociedade a adotar um regime específico de governo, como o autoritarismo ou a democracia.

Outra importante questão de interesse se refere a como o tratamento das mulheres no âmbito interno tem um impacto sobre a conduta estatal no âmbito internacional. Essa questão é importante para mostrar a ligação entre gênero e segurança porque demonstra aos que tenham poder de decisão que o tratamento dispensado às mulheres tem consequências práticas que vão muito além do objetivo abstrato de obter a justiça social. Um conjunto de trabalhos empíricos convencionais, dirigidos por Mary Caprioli, relaciona medidas de desigualdade de gênero no âmbito nacional com variáveis estatais referentes a conflitos e segurança, com resultados estatisticamente significativos. A implicação evidente é a de que o sistema internacional pode apresentar maior ou menor grau de segurança dependendo da situação das mulheres dentro de suas unidades componentes.

Enterrando bebês na China

Caprioli utiliza três medidas de igualdade de gênero — igualdade política (porcentagem de mulheres no parlamento e número de anos desde a obtenção do direito ao voto), igualdade econômica (porcentagem de mulheres na força de trabalho) e igualdade social (taxa de fertilidade) — para mostrar que os Estados com níveis mais elevados de igualdade de gênero nos campos social, econômico e político apresentam uma menor tendência a apoiar-se na força militar para resolver disputas internacionais28. Em outras palavras, Caprioli observou que uma maior igualdade de gênero torna um Estado menos propenso a ameaçar, demonstrar ou empregar a força ou iniciar uma guerra após envolver-se em uma disputa interestatal. Portanto, Caprioli assevera, uma política externa que vise a criar a paz deve concentrar-se em melhorar o status das mulheres como um meio para atingir tal fim.

Em um outro estudo, Caprioli e Mark Boyer examinaram o impacto da igualdade de gênero sobre a conduta de um Estado durante crises internacionais, situação em que há uma grande probabilidade de violência. Eles tinham como objetivo verificar se a igualdade de gênero tem algum impacto sobre a conduta estatal quando o emprego da violência é extremamente provável. Sua pesquisa revelou que os Estados que exibem um elevado grau de igualdade de gênero, medido pela porcentagem de mulheres que integram o parlamento, também exibem menores níveis de violência em crises e disputas internacionais29. Analisando dados agregados ao longo de um período de 50 anos (1954-1994), eles observaram uma relação estatisticamente significativa entre o nível de violência em uma crise e a porcentagem de líderes do sexo feminino em cargos de autoridade.

Em geral, descobriram que os Estados com níveis mais elevados de igualdade de gênero na esfera política são menos propensos a envolver-se em pequenos confrontos, graves confrontos ou guerra no ambiente de alto risco de uma crise internacional. A pesquisa de Caprioli e Boyer constatou, ainda, que a igualdade de gênero tem um efeito sobre a conduta de política externa de um Estado no sentido de reduzir a violência durante crises internacionais.

Jovem recebe treinamento em um centro vocacional

Esse conjunto e análise de dados indicam, fortemente, que a igualdade de gênero tem importância quando os Estados estão envolvidos em disputas interestatais ou em crises internacionais. Caprioli amplia essa literatura e observa uma relação semelhante, ligada à escalada de violência por um Estado. Os Estados com os níveis mais elevados de igualdade de gênero exibem, de maneira estatisticamente significativa, níveis mais baixos de agressão em disputas interestatais, sendo menos propensos a empregar a força primeiro30. Assim, Estados com níveis mais elevados de igualdade de gênero demonstram menor tendência a desferir o primeiro golpe e, mesmo quando atacados, apresentam menor probabilidade de intensificar o emprego da violência.

Praticamente o mesmo padrão foi constatado com respeito a incidentes intraestatais de conflito31. Caprioli também estudou o impacto da igualdade de gênero sobre os conflitos internos. Ela constatou que Estados com níveis mais elevados de igualdade de gênero são menos propensos a sofrer conflitos internos. M. Steven Fish comentou: “O caráter repressivo e domínio incontestado [...] do homem nas relações entre homens e mulheres se reproduzem na sociedade mais ampla, criando uma cultura de poder, intolerância e dependência na vida social e política”32. Isso sugere que, embora decerto não seja o único fator importante, a promoção de um melhor tratamento das mulheres ajudaria a assegurar maior justiça social e paz e a prevenir conflitos internos em uma nação.

Buscando analisar abusos dos direitos humanos no âmbito interno das nações, Caprioli e Peter Trumbore criaram um indicador que engloba a desigualdade de gênero, a desigualdade étnica e a repressão política. Descobriram que Estados caracterizados por normas de desigualdade de gênero e desigualdade étnica, assim como abusos dos direitos humanos, tendem mais a envolver-se em disputas interestatais militarizadas e violentas; a serem os agressores durante disputas internacionais; e a valer-se da força quando envolvidos em uma disputa internacional33.

David Sobek e seus coautores confirmam as conclusões de Caprioli e Trumbore de que normas nacionais centradas na igualdade e no respeito aos direitos humanos reduzem os conflitos internacionais34. Em outros trabalhos, lições de cenários de jogos também parecem demonstrar que normas de desigualdade e violência no âmbito nacional, incluindo entre os sexos, podem ajudar a “reproduzir” a violência no âmbito internacional35.

Em suma, esse conjunto de obras empíricas demonstra que a promoção de igualdade de gênero vai muito além da questão por vezes abstrata de fomentar a justiça social por ela em si, tendo importantes consequências práticas para a segurança internacional. Com efeito, ele indica, fortemente, que a segurança internacional não pode ser alcançada sem a igualdade de gênero. O status das mulheres, ao que parece, é um dos principais fatores sociais da segurança internacional.

De fato, talvez as reflexões de Samuel Huntington sobre o choque de civilizações entre as nações devam ser vistas como um choque entre civilizações de gênero, sendo o tratamento das mulheres uma importante marca de divisão entre civilizações36.

Em apoio a essa revisão conceitual, ainda que não estivessem pesquisando a conduta do Estado-nação em si, Ronald Inglehart e Pippa Norris analisaram atitudes psicológicas em relação às mulheres nas “civilizações” definidas mais tradicionalmente em termos de religião ou etnia. Constataram que, ao contrário da impressão popular, opiniões sobre a democracia e outros valores políticos não são tão diferentes assim entre, digamos, culturas islâmicas e cristãs. Entretanto, as posturas sobre a igualdade de gênero são extremamente divergentes, algo que os autores enxergam como evidência de que a conceituação de cultura, Estado-nação ou civilização precisa ser redefinida para incluir um componente de gênero. Além disso, identificaram fortes associações entre atitudes psicológicas sobre as mulheres e indicadores como a porcentagem de mulheres eleitas para o legislativo nacional37.

Dados Específicos a Países em Relação às Mulheres – ou sua Ausência

Conforme os estudiosos e políticos começaram a reconhecer a importância da relação do status das mulheres com a estabilidade política e econômica e com a paz, índices sobre igualdade de gênero também assumiram maior importância. Apesar das diferentes concepções culturais sobre mulheres e suas vidas, alguns aspectos básicos podem ser avaliados em todas as partes do mundo, para determinar a segurança e o status de uma mulher em sua sociedade, e este último pode ser comparado entre nações. Segundo Martha Nussbaum, variáveis observáveis, como razões de sexo extremamente anormais favorecendo homens ou restrições que neguem às meninas o direito legal ou acesso à educação, podem ser comparadas entre nações para determinar crenças sobre o status dos gêneros, por estarem diretamente relacionadas ao status das mulheres e à segurança nacional38. Aplicamos essa mesma lógica para criar escalas para a comparação entre países, representando vários aspectos da segurança das mulheres, como uma etapa preparatória para a investigação de hipóteses derivadas da “tese sobre as mulheres e a paz”.

Formulando uma Efetiva Metodologia de Pesquisa para Testar nossa Hipótese

A criação de escalas para uma análise comparativa requer dados confiáveis para analisar. Felizmente, já foram feitas várias compilações úteis de informações estatísticas sobre mulheres, baseadas em diferentes índices, as quais utilizamos para realizar comparações e análises estatísticas. Entre elas estão o WISTAT, banco de dados e indicadores estatísticos sobre a mulher, da ONU (aproximadamente 76 dados estatísticos); GenderStats (21 dados estatísticos); e o Projeto Gender Gap, do Fórum Econômico Mundial (33 dados estatísticos).

Além de indicadores estatísticos individuais, também foram feitas algumas tentativas louváveis para criar índices multivariáveis sobre o status das mulheres. Dois desses índices, criados em 1995, são a Medida de Empoderamento de Gênero (MEG) e o Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDevG), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O novo IDG (Índice de Desigualdade de Gênero) substitui tanto o IDevG quanto o MEG, mas apresenta alguns dos mesmos problemas de seus antecessores. Além do MEG e do IDevG, a base de dados sobre direitos humanos CIRI também desenvolveu três índices sobre os direitos das mulheres39.

O Índice de Desigualdade de Gênero (Gender Gap Index, ou GGI, na sigla em inglês) do Fórum Econômico Mundial (FEM) é o projeto mais ambicioso até a presente data entre os esforços para representar mais plenamente a situação das mulheres. O FEM desenvolveu oito escalas. A codificação para quatro delas é obscura (autoridade paterna x materna; poligamia; mutilação genital feminina; e a existência de leis que punam a violência contra mulheres). Contudo, a codificação das outras quatro escalas — participação e oportunidade econômica (cinco dados estatísticos); nível de instrução (quatro dados estatísticos); empoderamento político (três dados estatísticos); e saúde e sobrevivência (dois dados estatísticos) — contém a habitual meia dúzia de dados estatísticos, conforme citados, além de variações. Por exemplo, a escala “nível de instrução” examina diferenças entre homens e mulheres não apenas quanto à taxa de alfabetização, mas também quanto ao número de matrículas nos níveis de ensino primário, secundário e terciário. Todas as escalas evidenciam uma dependência persistente em informações facilmente quantificadas, excluindo informações qualitativas, que poderiam fornecer uma visão mais matizada sobre a situação das mulheres. O Índice de Desenvolvimento e de Gênero Africano, da Comissão Econômica para a África (CEA) das Nações Unidas, chega bem mais perto do nosso ideal de medidas qualitativas e quantitativas multifatoriais utilizadas como base para a criação de uma escala mais rica de comparação do status das mulheres entre países, mas foi aplicado a 12 nações subsaarianas apenas40.

Os pesquisadores que queiram estudar o impacto da desigualdade de gênero sobre a segurança e conduta estatal enfrentam, assim, um grave desafio. Existem, aproximadamente, entre seis e dez variáveis referentes às mulheres que são facilmente quantificadas e formam a base para a maioria das análises sobre sua situação no mundo atualmente. Contudo, para apresentar um programa de pesquisa que possa ligar, de maneira definitiva, a segurança das mulheres à segurança dos Estados, ficou claro para nós que seria preciso desenvolver melhores capacidades, para ir além dos limites de apenas informações que pudessem ser mais facilmente obtidas, e incorporar não apenas dados estatísticos, como também informações qualitativas mais detalhadas.

Reconhecemos, então, que o programa de pesquisa empírica que queríamos conduzir exigia a criação dos meios pelos quais ele poderia ser efetivamente realizado. Para atender a essa necessidade, criamos o banco de dados WomanStats, que começou a compilar dados sobre mais de 320 variáveis referentes à segurança e situação das mulheres em 175 Estados, contendo, atualmente mais de 220 mil dados41. Novos pontos de dados são acrescentados todos os dias.

Tendo em vista as divergências que frequentemente existem entre a retórica, a lei e a prática, buscamos obter dados sobre os três aspectos de cada fenômeno em que estávamos interessados: lei; prática/costume; e informações estatísticas. Essa abordagem hoje permite que pesquisadores acessem dados úteis e confiáveis independentemente de seu método preferencial de investigação, seja quantitativo ou qualitativo. Pesquisadores de orientação quantitativa encontrarão dados estatísticos sobre a prevalência de práticas específicas tão facilmente quanto pesquisadores de orientação qualitativa poderão localizar relatos narrativos sobre as experiências e vidas das mulheres. Estamos aptos, assim, a oferecer uma fonte mais rica de dados para os pesquisadores que estejam insatisfeitos com indicadores relativamente superficiais e a capacitá-los a criar seus próprios índices.

Por exemplo, ao examinarmos o fenômeno da violência doméstica, colhemos dados não apenas sobre sua incidência e leis relevantes, mas também sobre os costumes e práticas a ela relacionados. Por exemplo, a violência doméstica é geralmente denunciada? Por que sim ou por que não? Qual é o grau de apoio da sociedade às vítimas da violência doméstica, com base, por exemplo, na existência de abrigos ou telefones de emergência? Como se determina a culpa em processos jurídicos relacionados à violência doméstica? Qual é a escala de punições para essa transgressão? A violência é, às vezes, sancionada pela cultura, como nos casos de “desobediência” de uma esposa ou filha? Existem diferenças regionais, religiosas ou étnicas na incidência de violência doméstica dentro da sociedade? Há outras barreiras à aplicação da lei, como baixas taxas de detenção e/ou condenação? No banco de dados WomanStats, há sete variáveis sobre violência doméstica; onze sobre o estupro; quinze sobre práticas relacionadas a casamentos; e assim por diante42.

Resultados

Uma metodologia que comparou e contrastou as análises de diversos bancos de dados forneceu evidências contundentes a favor de nossa hipótese. Apresentamos, adiante, um breve resumo de nossas conclusões43.

A Segurança Física das Mulheres. O primeiro grupo de hipóteses investigou se havia uma relação estatisticamente significativa entre nossos indicadores de segurança física das mulheres (PSOW, na sigla em inglês) e três variáveis dependentes: Índice Global da Paz (GPI, na sigla em inglês); Índice de Estados Preocupantes para a Comunidade Internacional (SOCIC, na sigla em inglês); e Índice de Relações com Países Vizinhos (RN, na sigla em inglês). As relações observáveis para esse primeiro grupo de hipóteses são extremamente significativas estatisticamente. Constatamos que a segurança física das mulheres, quer sua mensuração inclua ou não a realização da preferência por um filho homem por meio do infanticídio feminino ou do aborto seletivo por sexo, está fortemente associada ao caráter pacífico de um Estado; ao grau com o qual um Estado é preocupante para a comunidade internacional; e à qualidade das relações entre o Estado e seus vizinhos.

Desigualdade no Direito de Família e Poliginia. O segundo grupo de hipóteses investigou a relação entre direito de família; segurança das mulheres; e segurança do Estado, operacionalizada com os índices citados anteriormente (GPI, SOCIC, RN). Ao analisar o direito de família e as práticas relacionadas a questões como casamento, divórcio, guarda de filhos, herança e outras questões íntimas familiares, constata-se que eles podem atuar como um indicador que descreve até que ponto uma sociedade tem sido capaz de mitigar a hierarquia evolutiva de domínio masculino44.

Até o século XX, um direito de família injusto e favorável aos homens era a regra em praticamente todas as partes do mundo. Assistimos atualmente, no século XXI, a um verdadeiro espectro de sistemas de direito de família. Os sistemas variam de quase totalmente equitativos, de direito se não de fato, a praticamente intactos em relação a um milênio atrás.

WMD-journal

Banco de Dados WomanStats

WomanStats é um banco de dados sobre as mulheres em cada nação, utilizado para pesquisas acadêmicas e para servir de base para a formulação de políticas públicas (incluindo sua utilização tanto pela Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA quanto por vários órgãos da ONU). O banco de dados fornece uma plataforma a partir da qual diferentes tipos de temas de investigação sobre as mulheres podem ser abordados. Os principais colaboradores de pesquisa do projeto definem seus programas de pesquisa segundo suas disciplinas e interesses.

Os principais colaboradores e codificadores de pesquisa exploram a relação entre a situação e segurança das mulheres e a dinâmica entre segurança, estabilidade e conduta do Estado. Abordam questões com as relacionadas a seguir:

  • Os Estados com os maiores níveis de violência contra as mulheres apresentam um caráter menos pacífico, maior preocupação para a comunidade internacional e piores relações com Estados vizinhos?
  • O nível de divergência de um Estado na aplicação de leis que protegem as mulheres está relacionado com a não conformidade com normas, tratados obrigações internacionais?
  • A falta de equidade no direito de família está relacionada com a estabilidade do Estado?
  • Os Estados com uma prevalência da poliginia também apresentam níveis mais elevados de violência contra as mulheres?
  • O mundo islâmico é uniforme em seu tratamento das mulheres ou há diferenças marcantes conforme mensuradas por vários índices?
  • Existe uma relação entre o grau de estrutura patrilinear de uma sociedade e as variáveis saúde, riqueza, governança, composição demográfica e status de conflito?

O banco de dados do Projeto WomanStats tem sido utilizado como uma fonte primária para uma ampla variedade de trabalhos publicados no campo da pesquisa empírica, que ligam a segurança das mulheres à segurança dos Estados. Esses trabalhos publicados constam das revistas International Security, American Political Science Review, Journal of Peace Research, Political Psychology e Politics and Gender. Para obter acesso à base de dados ou mais informações, acesse: http://www.womanstats.org.

Além disso, dedicamos especial atenção ao estudo dos efeitos da poliginia (várias esposas) nessa análise. Embora preliminares, os resultados de nosso trabalho de pesquisa parecem oferecer fortes evidências de que a poliginia tem um impacto extremamente negativo sobre a segurança do Estado.

Essa conclusão também é amplamente corroborada por pesquisas anteriores. Antropólogos observaram a instabilidade e violência intrínsecas das sociedades onde predomina a poliginia. Como afirmou Robert Wright: “A poliginia extrema frequentemente caminha de mãos dadas com uma hierarquia política extrema, alcançando seu ápice nos regimes mais despóticos”45. Laura Betzig, em um fascinante estudo empírico de 186 sociedades, constatou que a correlação entre a poliginia e o despotismo é estatisticamente significativa46. Antropólogos também identificaram uma correlação significativa entre a poliginia e a quantidade de conflitos em que as sociedades se envolvem47. Boone chega a propor que as sociedades políginas têm maior propensão a conduzir guerras expansionistas como um meio de distrair os homens de baixo status, que podem ser deixados sem cônjuges48.

Divergência entre a Legislação Estatal e a Prática Social em Relação às Mulheres. Nossa análise pareceu apoiar a hipótese de que Estados que sejam indiferentes à aplicação das leis que protegem as mulheres em sua sociedade também sejam menos propensos a obedecer às normas internacionais com as quais tenham se comprometido. Podemos analisar essa questão examinando a associação entre “divergência entre a legislação estatal e a prática social em relação às mulheres”, de um lado, e a escala SOCIC, de outro. Uma comparação dos dados quantitativos nessa área mostra que os resultados são estatisticamente bastante fortes e significativos, o que respalda a observação de que os Estados que não se importam com suas mulheres também costumam não se importar com os compromissos internacionais assumidos49.

Conclusões da Pesquisa

Nossos resultados de pesquisa apontam para uma justificação empírica convencional para hipóteses que ligam a segurança das mulheres à segurança dos Estados. Há uma relação forte e estatisticamente significativa entre a segurança física das mulheres e três indicadores representando o relativo caráter pacífico dos Estados. Além disso, em testes comparativos com outros fatores explicativos convencionais, presumidamente relacionados com esses indicadores de segurança estatal — fatores que incluem grau de democracia, grau de riqueza e prevalência da civilização islâmica —, a segurança física das mulheres explica uma maior parte da variância nos mesmos três indicadores de segurança estatal, tanto na análise bivariada quanto na análise multivariada. Além disso, podemos mostrar que outras práticas que indicam um baixo nível de segurança para as mulheres — sejam a prevalência da poliginia; a falta de equidade no direito de família e na prática, favorecendo os homens; ou uma grande divergência entre a legislação estatal e a prática social em relação às mulheres — também são associadas de maneira forte e significativa com uma menor pacificidade dos Estados.

As evidências indicam que quanto maior for o papel das mulheres na governança

Isso não quer dizer que a igualdade de gênero seja o único fator importante a ser considerado ou abordado. O que é possível afirmar, porém, é que é improvável que a desatenção à desigualdade de gênero gere resultados sustentáveis em paz ou segurança. Em seu discurso no evento TEDWomen, em 2010, a então Secretária de Estado Hillary Clinton afirmou: “Os EUA fizeram do empoderamento de mulheres e meninas um dos pilares de nossa política externa, porque a igualdade das mulheres não é apenas uma questão moral; não é apenas uma questão humanitária; não é apenas uma questão de justiça. É uma questão de segurança; é uma questão de prosperidade; e é uma questão de paz [...]. É de vital interesse para os Estados Unidos da América”. Com base nos resultados de nossas pesquisas e nos de outros, concordamos com esse parecer50. Acrescentamos que é preciso conduzir um número bem maior de análises empíricas antes que esses resultados possam ser considerados definitivos; mesmo assim, são provocantes e desafiantes até mesmo em sua forma preliminar.

O que é a Segurança?

Os resultados descritos anteriormente nos levam a perguntar mais uma vez: o que constitui segurança? E como se pode obtê-la?

Afirmamos que as evidências indicam, fortemente, que quaisquer explicações sobre a segurança que não levem em consideração a violência contra as mulheres como um dos principais indicadores são incompletas. Constatamos a existência de uma relação forte e significativa entre a segurança física das mulheres e a pacificidade dos Estados. Também asseveramos que, quando as forças evolutivas que predispõem ao patriarcado violento não são controladas mediante o emprego da seleção cultural e aprendizagem social para atenuar a desigualdade sexual, modelos disfuncionais de violência e controle se difundem por toda a sociedade e se manifestam na segurança e conduta estatal.

Ao combinarmos nossos atuais resultados com os de iniciativas de pesquisa anteriores, não só não conseguimos refutar tal afirmação teórica com o uso de metodologias estatísticas agregadas convencionais para o teste de hipóteses, como encontramos maior justificativa empírica para tal afirmação do que para várias outras hipóteses já consagradas51.

Com base em nossos resultados, podemos imaginar novos temas de investigação para os estudos de segurança, consistindo em questões que só poderão ser levantadas se a ligação entre a segurança das mulheres e a segurança dos Estados for levada a sério. Por exemplo, o terrorismo é um tema que pode se beneficiar de uma análise de gênero: a poligamia leva a transtornos no mercado matrimonial, os quais também aumentam o apelo do terrorismo entre jovens rapazes sem esperança de casar-se um dia?52 O status de sujeição das mulheres contribui para o crescimento de grupos terroristas que prometem maior igualdade para as mulheres, conforme observado em Sri Lanka e Nepal?

Da mesma forma, a demografia da segurança é um novo subcampo que, a nosso ver, deve incorporar o prisma de gênero: por exemplo, a realização da preferência por filhos do sexo masculino mediante o infanticídio feminino e o aborto seletivo por sexo é um fator que predispõe um Estado para a instabilidade e belicosidade?53

E como ficaria o mapa de Huntington se o redesenhássemos com base em diferenças relacionadas à segurança das mulheres, em vez de noções relativamente abstratas de supostos blocos providos de uma afinidade cultural? Veríamos um novo tipo ou definição de “civilização” ao olhar tal mapa? E ele possibilitaria maior entendimento sobre questões de identidade, conflitos e segurança do que o mapa original de Huntington? Por exemplo, os padrões de alianças seriam mais bem compreendidos com base na filiação a uma mesma “civilização de gênero”? A capacidade recém-observada das populações para aumentar seu ponto de referência de felicidade ao longo do tempo tem alguma ligação com a crescente segurança das mulheres naquelas nações?54 E quais ramificações isso terá para a conduta estatal? No subcampo da análise de política externa, há diferenças observáveis nos processos e resultados decisórios dessa área em nações com níveis mais elevados de igualdade de gênero? O perfil psicológico típico e a orientação de política externa de dirigentes nacionais divergem entre países com níveis maiores ou menores de segurança para as mulheres?

Para que Servem os Estados?

Se a segurança é o objetivo do Estado, nossos resultados indicam que, para entender e promover a segurança nacional e internacional, a situação e tratamento das mulheres não podem ser ignorados. Os Estados que melhoraram o status das mulheres são, de modo geral, demonstravelmente mais saudáveis, mais ricos, menos corruptos, mais democráticos, mais seguros e mais poderosos no cenário mundial do início do século XXI. É quase como se a sorte favorecesse mais aqueles Estados onde as mulheres estão mais seguras. Não acreditamos que isso seja uma coincidência.

Afirmamos, portanto, que questões relacionadas à influência da igualdade de gênero sobre a segurança estatal não diminuirão e sim crescerão em importância com o tempo, à medida que a população mundial e a competição por recursos aumentarem. Vemos, no atual sistema internacional, Estados onde a segurança das mulheres está gravemente comprometida ascenderem ao status de grandes potências. Não podemos deixar de pensar na ascensão da Índia e da China, onde faltam quase cem milhões de mulheres na população em decorrência do aborto seletivo por sexo, elevadas taxas de suicídio entre as jovens e outros sintomas de uma grande falta de segurança para as mulheres. A nosso ver, isso significa que o verdadeiro choque de civilizações no futuro talvez não seja, na verdade, nos moldes previstos por Huntington, mas ao longo das linhas de falha entre civilizações que tratam as mulheres como integrantes em pé de igualdade da espécie humana e civilizações que não podem ou não querem tratá-las dessa forma. Além disso, prevemos que haverá uma maior prevalência de conflitos entre e dentro de nações pertencentes a este último grupo.

Da Teoria à Ação

Embora estejam profundamente arraigados na cultura de cada sociedade, os costumes relacionados ao tratamento das mulheres são passíveis de mudar. As mulheres obtiveram, recentemente, o direito ao voto e a candidatar-se a cargos políticos em países onde isso não lhes era permitido antes. As RCSNU 1325, 1820 e outras transformaram as práticas de manutenção da paz e resolução de conflitos no terreno. A aplicação mais rigorosa de leis contra o aborto seletivo por sexo tem reduzido anormalidades em razões de sexo ao nascer (RSN) em alguns países. Não há razão para nos sentirmos impotentes ao identificarmos a insegurança da mulher como um importante fator na insegurança e conflitos estatais. Ao contrário, o reconhecimento de que a segurança das mulheres afeta a segurança dos Estados oferece aos formuladores de políticas um valioso objetivo na busca de maior paz e estabilidade no sistema internacional como um todo.

Na opinião de Potts e Hayden:

[Um] modo de reduzir o risco de violência é empoderar as mulheres e maximizar seu papel na sociedade. Essa é, quiçá, a lição mais profunda da adoção de uma perspectiva evolutiva sobre a guerra: o empoderamento das mulheres reduz o risco de conflitos violentos. Longe de ser o que alguns enxergam como apenas uma noção politicamente correta de filosofia feminista, o papel das mulheres em reduzir o risco de guerra é corroborado por rigorosos estudos e experiências históricas [...] As nações ocidentais contemporâneas têm uma grande oportunidade para tornar o mundo mais seguro e reduzir o terrorismo ao fazerem todo o possível para empoderar as mulheres que vivam em países onde tenham, atualmente, poucas opções e pouco ou nenhum poder político [...] No exterior, os EUA pregam a democracia e o livre mercado, mas demoram a contestar as restrições tradicionais tão cruelmente infligidas às mulheres em muitos países em desenvolvimento — restrições que as impedem de participar em pé de igualdade na vida política e econômica55.

Implicações para as Forças Armadas

Voltando nossa atenção para a relevância prática dos resultados apresentados anteriormente para as Forças Armadas dos EUA, concluímos oferecendo a observação de que, em um mundo onde o alto-comando vem exortando os militares a se prepararem para “operações complexas”, um entendimento da frequentemente ignorada ou não reconhecida dinâmica de desigualdade sexual nas áreas operacionais deve ser uma consideração imprescindível no futuro.

Primeiro, em praticamente todas as futuras contingências que possamos imaginar envolvendo os EUA, suas Forças Armadas provavelmente serão o principal veículo dos valores humanitários nacionais utilizados para imprimir a estabilidade na fase de reconstrução das operações. Asseveramos que medidas vigorosas para promover a igualdade das mulheres nas populações como parte de tais operações de estabilização devem ser, de agora em diante, permanentemente reconhecidas como um componente-chave para o estabelecimento de uma estabilidade viável tanto em nações devastadas pela guerra quanto naquelas muitas vezes classificadas como nações em desenvolvimento. Em consequência, recomendamos, fortemente, a necessidade de incorporar na doutrina e instrução militar um requisito formal de promover o empoderamento das mulheres de modos apropriados nas populações como um objetivo principal em tais operações e nos exercícios conduzidos em tempos de paz junto a Forças Armadas estrangeiras de países que sofram os efeitos da extrema desigualdade entre homens e mulheres.

Segundo, o entendimento de nossas Forças Armadas sobre o ambiente onde atuam é incompleto sem o prisma de gênero. Ver como a tradição de pagamento à família da noiva e a poliginia criam condições nas quais grupos de rebeldes podem recrutar bem mais facilmente é ver mais do que está acontecendo — e isso tem implicações estratégicas e operacionais. Ver que as mães são frequentemente as primeiras a notar quando seus filhos estão se radicalizando, sabem onde não deixar seus filhos brincarem devido ao perigo de materiais bélicos escondidos e preservam importantes evidências do massacre de seus entes queridos é entender que o que acontece com as mulheres está integralmente relacionado com os objetivos militares. Ver como nossas militares do sexo feminino são, muitas vezes, consideradas parte de um “terceiro gênero” nas culturas de clãs patrilineares, estando aptas, assim, a neutralizar os conflitos baseados no conceito de honra, que teriam ocorrido em confrontos entre homens, tem importância tática. Entender que não se pode estabilizar um local até que as mulheres se sintam seguras o suficiente para organizar a vida da comunidade por meio de suas tarefas diárias, provendo alimentos, água e combustível às famílias, é desenvolver um entendimento mais profundo das operações de estabilização. Ter consciência de gênero significa ser mais inteligente em um sentido militar.

Contudo, conforme está implícito na primeira observação feita acima, é vital que o empoderamento das mulheres não seja visto apenas como um meio para obter maior sucesso em operações militares — o que, de fato, é — mas também como um fim em si e uma das próprias marcas do êxito militar. As iraquianas afirmariam que, ao provocarem o retrocesso na causa das mulheres por meio de sua intervenção militar, os EUA prejudicaram seus próprios objetivos militares naquele país, preparando o terreno para ameaças e instabilidade ainda piores. Está na hora de assumir maior realismo no pensamento militar — um realismo que reconheça a ligação bastante real entre a segurança das mulheres e a segurança de suas nações.

Muitas vidas e recursos foram perdidos na tentativa de exportar a democracia ou capitalismo de livre mercado, visando a relações internacionais menos conflitantes, com menos sucesso do que o esperado. As pesquisas sugerem, fortemente, que a exportação de normas de maior igualdade de gênero mostrará ser uma estratégia mais promissora e eficaz56. Essas normas de igualdade de gênero incluiriam não apenas a exigência de níveis mais elevados de segurança física para as mulheres, como também a forte promoção de equidade na lei (especialmente no direito de família), assim como paridade nos conselhos de decisão nacionais.

Longos trechos deste artigo, assim como a figura, foram reproduzidos do capítulo 4 do livro Sex and World Peace, com a permissão de International Security, de Valerie M. Hudson, Mary Caprioli, Bonnie Ballif-Spanvill, Rose McDermott e Chad F. Emmett, “The Heart of the Matter: The Security of Women and the Security of States”, International Security 33, no. 3 (2008/2009): p. 7–45. Os autores observam que eles têm atualizado seus resultados e dado continuidade à sua pesquisa, atualmente sob o U.S. Army Research Laboratory e o U.S. Army Research Office por meio de Minerva Research Initiative, do Departamento de Defesa dos EUA, bolsa de pesquisa W911NF‐14‐1‐0532.

Referências

  1. Samuel P. Huntington, The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order (New York: Simon and Schuster, 1996).
  2. Michael W. Doyle, “Kant, Liberal Legacies, and Foreign Affairs”, Philosophy and Public Affairs 12, no. 3 (Summer 1983): p. 205–35; Zeev Maoz e Bruce Russett, “Normative and Structural Causes of Democratic Peace, 1946–1986”, American Political Science Review 87 (September 1993): p. 624–38; James Lee Ray, Democracy and International Conflict: An Evaluation of the Democratic Peace Proposition (Columbia, SC: University of South Carolina Press, 1995); Paul Huth e Todd Allee, The Democratic Peace and Territorial Conflict in the Twentieth Century (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2003); Zeev Maoz, “The Controversy over the Democratic Peace: Rearguard Action or Cracks in the Wall?”, International Security 22, no. 1 (Spring 2003): p. 162–98.
  3. Thomas Homer-Dixon, Environment, Scarcity, and Violence (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2001); Lael Brainard e Derel Chollet, eds., Too Poor for Peace? Global Poverty, Conflict, and Security in the 21st Century (Washington, DC: Brookings Institution, 2007).
  4. Kofi Annan, “No Policy for Progress More Effective Than Empowerment of Women, Secretary-General Says in Remarks to Women’s Day Observance”, United Nations website, 8 March 2006, acesso em 28 fev. 2017, http://www.un.org/News/Press/docs/2006/sgsm10370.doc.htm.
  5. Embora seja óbvio que os Estados são compostos de pessoas e que mulheres representam cerca da metade delas, essa perspectiva de “segurança humana” é, na verdade, relativamente nova nos estudos sobre segurança, os quais, tradicionalmente, trataram o Estado como uma abstração, em vez de um grupo de seres humanos. É por isso que o indivíduo que fez essa pergunta pôde enxergá-la como sendo algo totalmente coerente.
  6. Valerie M. Hudson, Bonnie Ballif-Spanvill, Mary Caprioli e Chad F. Emmett, “The Heart of the Matter: The Security of Women and the Security of States”, chap. 4 in Sex and World Peace (New York: Columbia University Press, 2012), fig. 4.1, p. 97.
  7. Hudson et al., “Taking Wing”, chap. 7 in Sex and World Peace.
  8. Marilyn Brewer e Layton N. Lui, “Primacy of Age and Sex in the Structure of Person Categories”, Social Cognition 7, no. 3 (1989): p. 262–74; Susan Fiske e Steven Neuberg, “A Continuum of Impression Formation, from Category-Based to Individuating Processes: Influence of Information and Motivation on Attention and Interpretation”, Advances in Experimental Social Psychology 23 (1990): p. 1–74; Steven Messick e Diane Mackie, “Intergroup Relations”, Annual Review of Psychology 40 (1989): p. 45–81.
  9. Robert Kurzban, John Tooby e Leda Cosmides, “Can Race be ‘Erased’? Coalitional Computation and Social Categorization”, Proceedings of the National Academy of Sciences 98, no. 22 (2001): p. 15387–92.
  10. Apud Andrew Stephen, “Hating Hillary”, New Statesman online, 22 May 2008, acesso em 28 fev. 2017, http://www.newstatesman.com/north-america/2008/05/obama-clinton-vote-usa-media.
  11. Jacques Derrida, Of Grammatology (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1976); Jacques Derrida, Writing and Difference (London: Routledge, 1978).
  12. Ramaswami Mahalingam, Jana Haritatos e Benita Jackson, “Essentialism and the Cultural Psychology of Gender in Extreme Son Preference Communities in India”, American Journal of Orthopsychiatry 77, no. 4 (October 2007): p. 598–609. Reconhecemos que, em quase todas as sociedades, modernas ou históricas, as pessoas encontraram formas de modificar o gênero a elas atribuído. Contudo, isso envolve uma minoria bem pequena de pessoas, sendo a designação de gênero, de modo geral, algo imutável para a vasta maioria dos integrantes de uma sociedade.
  13. Joseph Lopreato, Human Nature and Biocultural Evolution (Boston: Allen and Unwin, 1984); Richard Wrangham e Dale Peterson, Demonic Males: Apes and the Origins of Human Violence (New York: Houghton Mifflin, 1996).
  14. Sylviane Agacinski, The Parity of the Sexes (New York: Columbia University Press, 2001), p. 14.
  15. Hudson et al., “When We Do See the Global Picture, We Are Moved to Ask How This Happened”, chap. 3 in Sex and World Peace.
  16. Hudson et al., “What Is There to See, and Why Aren’t We Seeing It?”, chap. 2 in Sex and World Peace; veja também Eva M. Rathgeber, “WID, WAD, GAD: Trends in Research and Practice”, Journal of Developing Areas 24, no. 4 (1990): p. 489–502; Martha Chen, “A Matter of Survival: Women’s Right to Work in India and Bangladesh”, in Women and Culture and Development: A Study of Human Capabilities, eds. Martha Nussbaum e Jonathon Glover (Oxford, UK: Clarendon Press, 1992), p. 37–60; Jodi L. Jacobson, Gender Bias: Roadblock to Sustainable Development (Washington, DC: Worldwatch Institute, 1992); Amartya Sen, “Women’s Survival as a Development Problem”, Bulletin of the American Academy of Arts and Sciences 43 (1989): p. 14–29; Geeta Chowdery e Sheila Nair, Power, Postcolonialism, and International Relations: Reading Race, Gender and Class (New York: Routledge, 2002).
  17. Ricardo Hausmann, Laura D. Tyson e Saadia Zahidi, The Global Gender Gap Report (Geneva, Switzerland: World Economic Forum, 2007), acesso em 28 fev. 2017, http://www3.weforum.org/docs/WEF_GenderGap_Report_2007.pdf; Andrew D. Mason e Elizabeth M. King, Engendering Development: Through Gender Equality in Rights, Resources, and Voice (Washington, DC: The World Bank, 31 January 2001); John Hoddinott e Lawrence Haddad, “Does Female Income Share Influence Household Expenditure Patterns?”, Oxford Bulletin of Economics and Statistics 57, no. 1 (2001): p. 77–97; veja também Hudson et al., “What Is There to See, and Why Aren’t We Seeing It?”, chap. 2.
  18. Duncan Thomas, “Intrahousehold Resource Allocation: An Inferential Approach”, Journal of Human Resources 25 (1990): p. 635–64; Duncan Thomas, Dante Contreras e Elizabeth Frankenberg, Child Health and the Distribution of Household Resources at Marriage (Los Angeles: RAND Corporation, March 1999), acesso em 28 fev. 2017, http://www.rand.org/content/dam/rand/www/external/labor/FLS/IFLS/papers/distpow.pdf; Mason e King, Engendering Development; Berta Esteve-Volart, “Sex Discrimination and Growth” (working paper, African Department, International Monetary Fund, Washington, DC, 2000), acesso em 28 fev. 2017, https://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2000/wp0084.pdf; Shireen J. Jejeebhoy, Women’s Education, Autonomy, and Reproductive Behavior: Experience from Developing Countries (Oxford, UK: Clarendon Press, 1995); T. Paul Schultz, “Investments in the Schooling and Health of Women and Men: Quantities and Returns”, Journal of Human Resources 28, no. 4 (1993): p. 694–725; Albino Barrera, “The Role of Maternal Schooling and Its Interaction with Public Health Programs in Child Health Production”, Journal of Development Economics 32 (1990): p. 69–91; Lisa C. Smith e Lawrence Haddad, “Overcoming Child Malnutrition in Developing Countries”, Food, Agriculture, and the Environment Discussion Paper 30 (Washington, DC: Food Policy Research Institute, 2000), acesso em 28 fev. 2017, http://cdm15738.contentdm.oclc.org/utils/getfile/collection/p15738coll2/id/125413/filename/125414.pdf.
  19. Daniel Kaufmann, “Challenges in the Next Stage of Anti-Corruption”, in New Perspectives in Combating Corruption, eds. Daniel Kaufmann e Miguel Schloss (Washington, DC: Transparency International and the World Bank, 1998), p. 139–64, acesso em 28 fev. 2017, http://siteresources.worldbank.org/INTWBIGOVANTCOR/Resources/challenges.pdf.
  20. Mason e King, Engendering Development.
  21. Hudson et al., “What Is There to See, and Why Aren’t We Seeing It?”, chap. 2.
  22. Inter-Parliamentary Union, “Politics: Women’s Insight”, acesso em 28 fev. 2017, http://www.ipu.org/iss-e/women.htm.
  23. Swanee Hunt, “Let Women Rule”, Foreign Affairs 86, no. 3 (May/June 2007): p. 10–20, acesso em 1 mar. 2017, https://www.foreignaffairs.com/articles/2007-05-01/let-women-rule.
  24. Cynthia Enloe, Bananas, Beaches, and Bases: Making Feminist Sense of International Politics, rev. ed. (Berkeley, CA: University of California Press, 2001); Jean Bethke Elshtain, Women and War (New York: Basic Books, 1987); Carol Cohn, “Sex and Death in the Rational World of Defense Intellectuals”, Signs 12, no. 4 (Summer 1987): p. 687–718; V. Spike Peterson, Gendered States: Feminist (Re)Visions of International Relations Theory (Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers, 1992); V. Spike Peterson, “Gendered National: Reproducing ‘Us’ Versus ‘Them’”, in The Women and War Reader, eds. Lois Lorentzen e Jennifer Turpin (New York: New York University Press, 1998), p. 41–49; Christine Sylvester, Feminist Theory and International Relations in a Postmodern Era (New York: Cambridge University Press, 1994); Christine Sylvester, Feminist International Relations: An Unfinished Journey (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2001); Christine Sylvester, “‘Progress’ as Feminist International Relations”, in Critical Perspectives in International Studies, eds. Frank P. Harvey e Michael Brecher (Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 2002), p. 150–67; J. Ann Tickner, Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security (New York: Columbia University Press, 1992); J. Ann Tickner, Gendering World Politics (New York: Columbia University Press, 2001); J. Ann Tickner, “Hans Morgenthau’s Principles of Political Realism: A Feminist Reformulation”, Millennium: Journal of International Studies 17, no. 3 (1998): p. 429–40; Rebecca Grant e Kathleen Newland, Gender and International Relations (Bloomington: Indiana University Press, 1991); Jan Jindy Pettman, Worlding Women: A Feminist International Politics (New York: Routledge, 1996); Marysia Zalewski e Jane Papart, eds., The “Man” Question in International Relations (Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers, 1998); veja também Francis Fukuyama, “Women and the Evolution of World Politics”, Foreign Affairs 77, no. 5 (September/October 1998): p. 24–40, acesso em 1 mar. 2017, https://www.foreignaffairs.com/articles/1998-09-01/women-and-evolution-world-politics. Uma nova geração dá continuidade a essa importante tradição. Veja, por exemplo Laura Sjoberg, ed., Gender and International Relations: Feminist Perspectives (New York: Routledge, 2009); Laura Shepherd, ed., Gender Matters in Global Politics: A Feminist Introduction to International Relations (New York: Routledge, 2010); Natalie Florea Hudson, Gender, Human Security, and the United Nations: Security Language as a Political Framework for Women (New York: Routledge, 2009), para citar apenas alguns trabalhos.
  25. Swanee Hunt e Cristina Posa, “Women Waging Peace”, Foreign Policy (May/June 2001): p. 38–47; Natalie Florea Hudson, “Securitizing Women and Gender Equality: Who and What Is It Good For?” (paper presentation, International Studies Association, Chicago, March 2007); veja também Peace Women website, acesso em 28 fev. 2017, http://www.peacewomen.org.
  26. Veja, por exemplo, Lene Hansen, Security as Practice: Discourse Analysis and the Bosnian War (New York: Routledge, 2006); Sandra Whitworth, Men, Militarism, and UN Peacekeeping (Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers, 2004); Dubravka Zarkov, The Body of War: Media, Ethnicity, and Gender in the Break-up of Yugoslavia (Durham, NC: Duke University Press, 2007); Dyan Mazurana, Angela Raven-Roberts e Jane Parpart, eds., Gender, Conflict, and Peacekeeping (New York: Rowman and Littlefield, 2005); Sylvester, Feminist International Relations; Mary Caprioli, “Feminist IR Theory and Quantitative Methodology: A Critical Analysis”, International Studies Review 6, no. 2 (2004): p. 253–69; veja também Mary Caprioli, “Making Choices”, Politics and Gender 5, no. 3 (2009): p. 426–31.
  27. M. Steven Fish, “Islam and Authoritarianism”, World Politics 55, no. 1 (October 2002): p. 4–37.
  28. Mary Caprioli, “Gendered Conflict”, Journal of Peace Research 37, no. 1 (2000): p. 51–68.
  29. Mary Caprioli e Mark A. Boyer, “Gender, Violence, and International Crisis”, Journal of Conflict Resolution 45, no. 4 (2001): p. 503–18.
  30. Mary Caprioli, “Gender Equality and State Aggression: The Impact of Domestic Gender Equality on State First Use of Force”, International Interactions 29, no. 3 (2003): p. 195–214. Esses resultados foram reproduzidos por Erik Melander, “Gender Equality and Interstate Armed Conflict”, International Studies Quarterly 49, no. 4 (2005): p. 695–714; veja também Monty G. Marshall e Donna Ramsey, “Gender Empowerment and the Willingness of States to Use Force”, Occasional Paper Series #2 (Vienna, VA: Center for Systemic Peace, 1999), acesso em 28 fev. 2017, http://www.systemicpeace.org/vlibrary/CSP2GenderEmpowerment1999.pdf.
  31. Mary Caprioli, “Primed for Violence: The Role of Gender Inequality in Predicting Internal Conflict”, International Studies Quarterly 49, no. 2 (June 2005): p. 161–78.
  32. Fish, “Islam and Authoritarianism”, p. 30.
  33. Mary Caprioli e Peter F. Trumbore, “Human Rights Rogues in Interstate Disputes, 1980-2001”, Journal of Peace Research 43, no. 2 (2006): p. 131–48; Caprioli e Trumbore, “Hierarchies of Dominance: Identifying Rogue States and Testing Their Interstate Conflict Behavior”, European Journal of International Relations 9, no. 3 (2003): p. 377–406; Caprioli e Trumbore, “Ethnic Discrimination and Interstate Violence: Testing the International Impact of Domestic Behavior”, Journal of Peace Research 40, no. 1 (2003): p. 5–23.
  34. David Sobek, M. Rodwan Abouharb e Christopher G. Ingram, “The Human Rights Peace: How the Respect for Human Rights at Home Leads to Peace Abroad”, Journal of Politics 68, no. 3 (2006): p. 519–29.
  35. Rose McDermott e Jonathan Cowden, “The Effects of Uncertainty and Sex in a Crisis Simulation Game”, International Interactions 27, no. 4 (2002): p. 353–80; Dominic Johnson et al., “Overconfidence in Wargames: Experimental Evidence on Expectations, Aggression, Gender and Testosterone”, Proceedings of the Royal Society (Biology) 273 (2006): p. 2513–20; Natalie B. Florea et al., “Negotiating from Mars to Venus: Gender in Simulated International Negotiations”, Simulation and Gaming 34, no. 2 (2003): p. 226–48.
  36. Huntington, The Clash of Civilizations. Para testar a explicação baseada em civilizações para o caráter pacífico de um Estado, é preciso identificar, primeiro, uma identidade particular associada com maiores níveis de conflito ou a falta de paz de um Estado. Nos primeiros anos do século XXI, a civilização islâmica — acertadamente ou não — foi acusada dessa dúbia distinção. Veja, por exemplo, Lee Harris, Civilization and Its Enemies: The Next Stage of History (New York: Free Press, 2004); Norman Podhoretz, World War IV: The Long Struggle Against Islamofascism (New York: Doubleday, 2007); Oriana Fallaci, The Force of Reason (London: Rizzoli, 2006). O próprio Huntington faz uma referência específica às “fronteiras sangrentas” do Islã.
  37. Ronald Inglehart e Pippa Norris, “The True Clash of Civilizations”, Foreign Policy 135 (March/April 2003): p. 63–70, acesso em 1 mar. 2017, http://foreignpolicy.com/2009/11/04/the-true-clash-of-civilizations/; Ingelhart e Norris, Rising Tide: Gender Equality and Cultural Change Around the World (New York: Cambridge University Press, 2003).
  38. Martha Nussbaum, Women and Human Development: The Capabilities Approach (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2000); Nussbaum, “Human Capabilities, Female Human Beings”, in Women, Culture, and Development, eds. Martha Nussbaum e Jonathon Glover (New York: Oxford University Press, 1995), p. 61–104.
  39. David L. Cingranelli e David L. Richards, “The Cingranelli-Richards (CIRI) Human Rights Data Project”, versão 2006.10.02, http://www.humanrightsdata.com.
  40. United Nations Economic Commission for Africa, “The African Gender and Development Index”, 2005, acesso em 28 fev. 2017, http://www.uneca.org/eca_programmes/acgd/publications/agdi_book_final.pdf.
  41. Mary Caprioli et al., “The WomanStats Project Database: Advancing an Empirical Research Agenda”, Journal of Peace Research 46, no. 6 (November 2009): p. 839–51.
  42. WomanStats Project, acesso em 1 mar. 2017, http://www.womanstats.org. Os dados são de livre acesso a qualquer pessoa com uma conexão de internet, facilitando assim a pesquisa sobre essas questões em âmbito mundial. A contribuição de dados via upload remoto também é possível para fontes aprovadas e credenciadas. Uma boa explicação básica sobre a regressão logística politômica, às vezes denominada regressão ordinal, consta de Marija Norusis, “Ordinal Regression”, in IBM SPSS Statistics 19 Advanced Statistical Procedures Companion (New York: Prentice Hall, 2010), p. 69–89, acesso em 1 mar. 2017, http://www.norusis.com/pdf/ASPC_v13.pdf; Richard Williams, “Statistics II: Ordered Logit Models-Overview” (South Bend, IN: Department of Sociology, University of Notre Dame, 21 February 2015), acesso em 1 mar. 2017, https://www3.nd.edu/~rwilliam/stats3/L11.pdf.
  43. Hudson et al., “The Heart of the Matter”, chap. 4.
  44. Valerie M. Hudson e Donna Lee Bowen, “Family Law, Violence Against Women, and State Security: The Hajnal-Hartman Thesis and the Issue of Legal Enclaves” (apresentação, International Studies Association, New Orleans, 17–20 fev. 2010).
  45. Robert Wright, The Moral Animal (New York: Vintage, 1995), p. 98.
  46. Laura Betzig, Despotism and Differential Reproduction: A Darwinian View of History (New York: Aldine de Gruyter, 1986).
  47. Marvin Harris, “The Evolution of Human Gender Hierarchies”, in Sex and Gender Hierarchies, ed. Barbara D. Miller (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1993), p. 57–79.
  48. James L. Boone, “Noble Family Structure and Expansionist Warfare in the Late Middle Ages: A Socioecological Approach”, in Rethinking Human Adaptation: Biological and Cultural Models, eds. Rada Dyson-Hudson e Michael A. Little (Boulder, CO: Westview, 1983), p. 79–96.
  49. Hudson et al., “The Heart of the Matter”, chap. 4., app. B, table B.15.
  50. Hillary Clinton, “Remarks at the TEDWomen Conference” (discurso, Ronald Reagan Building, Washington, DC, 8 dec. 2010), acesso em 1 mar. 2017, https://www.techwomen.org/press-release/remarks-at-the-tedwomen-conference.
  51. Johnson et al., “Overconfidence in Wargames”; Caprioli, “Gendered Conflict”; Caprioli, “Primed for Violence”; Caprioli, “Gender Equality and State Aggression”; Melander, “Gender Equality and Interstate Armed Conflict”; Sobek, Abouharb, and Ingram, “The Human Rights Peace”.
  52. Bradley A. Thayer e Valerie M. Hudson, “Sex and the Shaheed: Insights from the Life Sciences of Islamic Suicide Terrorism”, International Security 34, no. 4 (Spring 2010): p. 37–62.
  53. Valerie Hudson e Andrea Den Boer, Bare Branches: The Security Implications of Asia’s Surplus Male Population (Cambridge, MA: MIT Press, 2004).
  54. Ronald Inglehart et al., “Development, Freedom, and Rising Happiness: A Global Perspective (1981-2007)”, Perspectives on Psychological Science 3, no. 4 (2008): p. 264–85.
  55. Malcom Potts e Thomas Hayden, Sex and War (Dallas: BenBella Books, 2008), p. 25–26, p. 197, p. 301.
  56. Ibid., p. 14–15, p. 329, p. 369.

 

Valerie M. Hudson, Ph.D., é professora e Catedrática George H. W. Bush na Bush School of Government and Public Service da Texas A&M University. Sua pesquisa se concentra na análise de política externa, estudos de segurança, gênero e relações internacionais e metodologia. Teve artigos seus publicados nas revistas International Security, Journal of Peace Research, Political Psychology e Foreign Policy Analysis, entre outras. É autora ou editora de vários livros, incluindo Bare Branches: The Security Implications of Asia’s Surplus Male Population, com Andrea Den Boer, o qual ganhou o prêmio American Association of Publishers Award de melhor livro na área de Ciências Políticas e o prêmio Otis Dudley Duncan Award para melhor livro na área de Demografia Social. Hudson foi incluída na lista “Top 100 Global Thinkers” de 2009, da revista Foreign Policy.

Bonnie Ballif-Spanvill, Ph.D., é professora emérita de Psicologia e foi a última diretora do Women’s Research Institute da Brigham Young University. Anteriormente, trabalhou durante 25 anos como professora e diretora de departamento no instituto de pós-graduação da Fordham University, no Lincoln Center, em Nova York. Suas publicações e trabalhos de pesquisa sobre a motivação e emoção humana lhe conferiram o status de sócia da American Psychological Association, em 1984, e da Association for Psychological Science, em 1987. Suas publicações abordam a violência doméstica entre gerações; o impacto de testemunhar a violência e a concepção de técnicas para aumentar a pacificidade. Publicou, também, uma antologia mundial de poemas por mulheres, revelando suas experiências com a violência e suas resilientes visões sobre a paz.

Mary Caprioli, Ph.D., é professora associada de Ciência Política e diretora do Programa de Estudos Internacionais na University of Minnesota Duluth. Pesquisa o papel que a desigualdade estrutural baseada em gênero desempenha no conflito político e na violência. Caprioli abriu uma linha pioneira de investigação acadêmica sobre a segurança das mulheres e a conduta nacional e internacional dos Estados, confirmando sua ligação usando uma metodologia quantitativa. Sua pesquisa se concentra, de modo geral, em estudos sobre conflito e segurança, incluindo a violência interestatal e intraestatal, e, mais especificamente, em avaliar o papel da desigualdade estrutural baseada em gênero em prever a violência.

Chad F. Emmett, Ph.D., é professor associado de Geografia na Brigham Young University. É doutor em Geografia pela University of Chicago. Especializou-se em Geografia Política e na Geografia do Oriente Médio e do Sudeste Asiático. Fala árabe e indonésio, tendo viajado e pesquisado amplamente em ambas as regiões. Seu primeiro livro, Beyond the Basilica: Christians and Muslims in Nazareth, examina as relações entre cristãos e muçulmanos na maior cidade árabe de Israel. Também é professor na DePaul University. Participou do projeto WomanStats desde seu início.

MR Logo

RECOMENDAMOS

Sex & World Peace

Sex & World Peace

Columbia University Press, 2012

Valerie M. Hudson,

Bonnie Ballif-Spanvill,

Mary Caprioli e

Chad F. Emmett

 

Esse livro multidisciplinar examina a questão de tratamento desigual de gênero como um fator que tem uma influência decisiva na segurança mundial e, por extensão, no ambiente operacional. Incorpora perspectivas de estudiosos de Ciência Política, Geografia Cultural e Psicologia. Vale observar que ele fornece uma detalhada microanálise da dinâmica de questões de gênero em nações islâmicas.

 

A tese básica do livro é a de que o tratamento dispensado às mulheres é um componente importante, mas muitas vezes ignorado, dos assuntos internacionais e um sinal que pode ser correlacionado com a relativa estabilidade das sociedades, por estar ligado a condições propícias para a violência. Os autores argumentam que os graus de desigualdade de gênero na sociedade podem ser correlacionados com o grau de propensão para a violência, exploração humana e instabilidade social em geral. Afirmam, ainda, que essas normas de violência têm um impacto, proporcionalmente, em tudo, desde o crescimento populacional até a economia e tipo de regime.

 

Os autores discordam do acadêmico de Harvard Samuel Huntington (que afirmou que seria possível prever futuros conflitos com base em divisões culturais e religiosas) e asseveram, com base na pesquisa apresentada, que as futuras linhas de combate serão previstas por uma análise comparativa da desigualdade de gênero que atravessa divisões culturais e religiosas (ex.: quanto mais os Estados forem caracterizados pela desigualdade de gênero, maior a probabilidade de que eles empreguem a violência como um meio de resolver tanto as questões internas quanto as crises internacionais). Os autores afirmam, ainda, que, para serem confiáveis, os atuais e futuros estudos sobre segurança devem levar em consideração questões relacionadas à igualdade de gênero para explorar plenamente e tornar mais completa e compreensível a dinâmica do Estado e sistemas de segurança internacional em todos os níveis.

Quarto Trimestre 2017