Military Review

 

Isenção de responsabilidade: Em todas as suas publicações e produtos, a Military Review apresenta informações profissionais. Contudo, as opiniões neles expressas são dos autores e não refletem necessariamente as da Army University, do Departamento do Exército ou de qualquer outro órgão do governo dos EUA.


 

A Inteligência Militar Espanhola na Contrainsurgência

Contribuições para a Doutrina Militar Brasileira

Capitão Victor Almeida Pereira, Exército Brasileiro

Baixar PDF Baixar PDF

Um integrante da MINUSTAH interagindo com crianças em um orfanato no Haiti, evidenciando a importância da conquista do apoio da população local para o sucesso das operações de contrainsurgência. (Foto cedida pelo autor)

Diversos motivos fomentam o surgimento de conflitos entre Estados, povos e outros atores. Aspirações econômicas, disputa pelo poder, ideologias antagônicas e litígios territoriais são algumas das possíveis motivações para se ir à guerra. Hobbes atribui essa disposição à beligerância ao estado natural do homem1. Há, contudo, outros teóricos que realizam abordagens distintas sobre o assunto, mas o fato é que a guerra sempre fez parte da história da humanidade2, o que é igualmente corroborado por Bobbio conforme se verifica na assertiva abaixo:

a guerra sempre foi um dos temas obrigatórios e prediletos de toda filosofia da história, pelas características de terribilidade ou de fatalidade, que parecem ou quase sempre pareceram inerentes a ela. Se a filosofia da história é a reflexão sobre o destino da humanidade no seu conjunto, a presença da guerra em cada fase da história humana, pelo menos até hoje, constitui para essa reflexão um dos problemas mais inquietantes e fascinantes3.

 

Numa tentativa de sintetizar a classificação das guerras, Aron menciona que existem as guerras perfeitas ou interestatais, as guerras imperiais ou superestatais e as guerras infraestatais ou infraimperiais4.

O primeiro tipo remete à versão mais clássica das guerras: aquela que ocorre entre Estados. As grandes guerras mundiais simbolizam o auge desses conflitos, nos quais se destacam os numerosos exércitos convencionais, possuidores de uma ampla gama de material de emprego militar, aplicando, normalmente, a estratégia militar clássica5 para consecução de seus objetivos.

As guerras superestatais, por sua vez, são aquelas em que um dos atores envolvidos vence o conflito interestatal e é levado a exercer a hegemonia sobre os demais, como foi o caso da guerra do Peloponeso, na região da Grécia Antiga6.

Já as guerras infraestatais ocorrem entre o poder organizado e populações que se recusam a obedecê-lo. Como exemplos, pode-se citar a guerra de Secessão e as guerras de libertação nacional das ex-colônias europeias7. A esse respeito, Bobbio comenta que a guerra nem sempre busca restaurar a antiga ordem, mas, muitas vezes, busca subverter o status quo estabelecido8. É o caso desse tipo de conflito.

O que se observa no período pós-Guerra Fria é, justamente, um crescimento na ocorrência de guerras infraestatais, atualmente, definidas também como conflitos assimétricos, em que há discrepâncias entre o poderio militar dos contendores9. Aquele detentor do menor poder de combate aplica a estratégia indireta, em que busca a vitória por meio das outras expressões do Poder que não somente a militar10.

É, pois, nesse campo da assimetria, que se situa a insurgência, como forma de combate — via de regra — dos menos favorecidos militarmente11, e que requer uma maneira específica de abordagem para se contrapor a ela, porquanto possui características bastante marcantes que a distinguem dos demais tipos de conflito.

Diante disso, na condição de importante elemento de antecipação dos fatos e de neutralização de ameaças, a inteligência militar deve guiar todas as atividades de contrainsurgência, pois o conhecimento exato e oportuno da situação é decisivo para o êxito das operações12. Todavia, em face das características sui generis da insurgência, a doutrina militar espanhola preconiza algumas adaptações específicas de procedimentos na função de combate Inteligência, para se contrapor a essa forma de combate irregular.

A Insurgência como Forma de Guerra Irregular

Há entre os pesquisadores uma dificuldade em se definir a guerra irregular, sobretudo pelo caráter dinâmico, informal, mutável e flexível desse tipo de combate, contrariando assim a lógica cartesiana do combate convencional13.

Mas se, por um lado, a sua conceituação é dificultada, por outro, diversas características comuns às formas de combate irregular podem ser facilmente elencadas, a saber: a necessidade do apoio da população; ambiente político, social, histórico e cultural favorável; menor relevância dos aspectos militares; preponderância dos processos indiretos; estratégia prolongada; ações táticas efêmeras; não linearidade; difícil detectabilidade; busca de resultados psicológicos nas ações de combate; ausência de padrões rígidos de planejamento e execução, insubordinação a restrições legais, maior valor militar do combatente individual; achatamentos dos níveis decisórios; economia de forças; indefinição dos campos da segurança interna e da segurança pública; dicotomia dos parâmetros operacionais; e subordinação dos objetivos militares aos objetivos políticos14.

Alinhada com essas definições, a doutrina militar espanhola conceitua a insurgência como um movimento violento organizado que empreende uma luta prolongada, com a finalidade de alterar a ordem política estabelecida15. Desse conceito, depreende-se algumas das principais características da insurgência, quais sejam: a violência, a organização, o tempo prolongado para consecução de seus objetivos e a motivação política desse movimento. Em síntese, a insurgência se assemelha ao que a doutrina brasileira define como guerra revolucionária16, sendo, portanto, uma forma de combate irregular.

Para atingirem os fins políticos a que se dispõem, os insurgentes empregam basicamente técnicas e táticas de guerra irregular como a propaganda, a subversão, a luta armada por meio de forças de guerrilha, o terrorismo, tudo com a finalidade de obter legitimidade, mobilizar determinados setores da sociedade e lograr o apoio externo17.

De um modo geral, os fatores que originam uma insurgência decorrem de aspirações julgadas legítimas por alguns segmentos da população e que não são atendidas pelo governo vigente. Porém, deve-se ressaltar que essas condicionantes podem ser reais ou manipuladas, uma vez que os insurgentes buscam, ante o ambiente social conturbado, legitimar suas ações violentas.

Sendo assim, as causas mais habituais para o surgimento de um movimento insurgente são: movimentos separatistas nacionalistas, étnicos ou tribais; radicalismo religioso; o neocolonialismo em que interesses comerciais estrangeiros controlam setores críticos da economia de um outro país, ofendendo o sentimento nacional; o desejo de expulsar uma força de ocupação estrangeira; a frustração ante um governo vigente; o fracasso econômico; a explosão demográfica; a falta de expectativas na melhoria da qualidade de vida de certos segmentos da população ou de determinados grupos de imigrantes; apoio externo de outros países desafetos; e o caráter internacional18.

No entanto, ainda que a insurgência tenha logrado o apoio da população e que tenha conseguido manter o suporte externo, diversas vulnerabilidades podem ser observadas em seu modus operandi. A clandestinidade, por exemplo, limita a liberdade de ação de um movimento insurgente. As incoerências presentes na causa ideológica propagada podem igualmente ser um aspecto que dificulte a obtenção do apoio da população. A necessidade de se estabelecer uma base de operações pode ser encarada também como um ponto vulnerável, em razão da própria clandestinidade da insurgência. Ademais, o apoio externo, na condição de principal fonte de financiamento e de apoio logístico, consiste numa vulnerabilidade, pois o bloqueio das fronteiras tende a enfraquecer os grupos insurgentes. Pode-se elencar ainda a existência de divisões internas e de possíveis delatores como aspectos que dificultam a constituição de um movimento insurgente19. Enfim, todos esses fatores podem ser explorados para se contrapor a uma ameaça insurgente.

Como combater a insurgência

O conjunto de atividades políticas, diplomáticas, econômicas, sociais, militares, civis, psicológicas e de garantia da lei e da ordem necessárias para se derrotar uma insurgência são definidas como atividades de contrainsurgência (COIN)20.

Desse conceito, extrai-se um ponto importantíssimo no combate à insurgência: o caráter multifacetado da contrainsurgência, que requer uma abordagem interagências da problemática, sob pena de os efeitos de suas ações serem contraproducentes. A figura 1 ilustra a orientação dos esforços a serem empreendidos pela COIN, conforme a doutrina espanhola.

Figura 1 – Esforços de Contrainsurgência Segundo a Doutrina Espanhola (Fonte: ESPAÑA, 2008, p. 2-2, tradução nossa)

Pode-se observar, a partir do gráfico, que as atividades de contrainsurgência se desenrolam tanto no campo interno, como no externo, ou seja, direcionar o combate à insurgência somente para uma face do problema não surte efeito, posto que a atuação insurgente transcende os territórios nacionais.

Essas características peculiares da insurgência pressupõem alguns princípios básicos para combatê-la, os quais, para a doutrina militar espanhola, são fundamentais para o planejamento de uma operação de contrainsurgência. São eles:

Primazia política e objetivo político claro. Deve existir um objetivo político claro e definido, antes do desencadeamento de uma contrainsurgência. A priorização (primazia) da dimensão política do conflito implica a participação ativa de todos os líderes políticos e diplomáticos do Estado que enfrenta a ameaça insurgente. Deve-se ressaltar que o estado final desejado de qualquer campanha de contrainsurgência é o restabelecimento da autoridade e do controle do governo. Assim, tão logo o objetivo político seja estabelecido, deve-se difundi-lo à população, para que esta tome consciência, o quanto antes, das necessidades de luta contra os insurgentes.

A contrainsurgência é uma luta pela população e nunca contra ela. A população é o objetivo fundamental de toda campanha contrainsurgente, pois estará submetida a influências e manipulações que tratarão de orientar suas respostas e reações no ambiente operacional de luta contra a insurgência. Ainda que a prioridade inicial no interior da área de operações seja a conquista do apoio da população local, deve-se igualmente contar com o apoio da opinião pública dos países da coalizão (no caso de intervenções multinacionais) que participam da campanha, assim como é fundamental também o apoio ou a neutralidade de outros países externos ao conflito (isolamento da insurgência ou interdição do apoio externo). Cabe ressaltar que as ações e atividades que sejam realizadas contra os grupos insurgentes devem ser valoradas em função dos efeitos a serem gerados sobre a população local e não somente sobre a ameaça insurgente.

A busca pela legitimidade. A legitimidade é um dos elementos essenciais de toda luta contrainsurgente e implica dois aspectos: a legitimidade do governo local ante sua própria população; e a legitimidade da intervenção das forças militares ante a população do país ou da área em que estejam desdobradas as forças, ante as opiniões públicas das nações que participam da campanha e perante a comunidade internacional. Nenhum esforço de contrainsurgência terá êxito se o governo local não obtiver a legitimidade. Portanto, é imprescindível promover o desenvolvimento de um governo local legítimo e eficaz, a despeito de qualquer divergência regional ou internacional. Alguns indicadores da legitimidade podem ser enumerados: alto nível de aceitação do regime por parte das principais instituições sociais; nível de desenvolvimento político, econômico e social localmente aceitável; nível de corrupção culturalmente aceitável; e que a maioria da população se sinta devidamente representada pelo governo e pelas instituições do Estado.

Inteligência é vital para lograr êxito. A inteligência é o pilar fundamental de todas as atividades de COIN. Dispor de um serviço de inteligência desenvolvido e eficaz é a melhor forma que um governo possui para combater uma ameaça insurgente. A obtenção de informações precisas permite a realização de operações eficazes, ao passo que o êxito das operações produz mais informações que, por sua vez, geram mais inteligência. Em contrapartida, uma inteligência pouco efetiva e imprecisa será contraproducente.

Unidade de esforços. A estratégia eficaz para uma campanha de COIN se fundamenta em uma visão compartilhada do problema, em que se combinam soluções políticas, econômicas e de segurança. Nesse sentido, a COIN requer uma intensa cooperação interagências e em todos os níveis, a fim de garantir, na medida do possível, que os objetivos sejam comuns e que as ações e mensagens estejam sincronizados, conseguindo-se, assim, um efeito de sinergia.

Neutralização e isolamento da insurgência. Nunca se deve esquecer que o principal objetivo da campanha de COIN é neutralizar a insurgência e não eliminar os insurgentes. Deve-se atacar a raiz do conflito, incidindo sobre as causas que motivaram o seu surgimento, minimizando seus efeitos. A contrainsurgência deve fomentar todas as medidas que possibilitem ao abandono da causa insurgente. Vale enfatizar que as insurgências podem ser substituídas por outras rapidamente, motivo pelo qual a COIN deve cortar suas fontes de apoio, sobretudo em três aspectos: isolamento físico, por meio da interdição das fronteiras; isolamento econômico, através de ações legais e diplomáticas a nível nacional e internacional, para dificultar o apoio financeiro externo; e o isolamento psicológico, conseguido pelo apoio constante e mútuo de inteligência e de operações de informação.

Preparar-se para uma campanha de longa duração. A COIN exige um compromisso de longa duração, tanto na esfera política, como na militar. O poder político deve estar consciente do “custo humano e econômico” da campanha. A derrota militar dos insurgentes não caracteriza o fim do conflito. Deve-se continuar o desenvolvimento dos planos políticos, sociais e econômicos, no intuito de garantir a manutenção do apoio da população e de erradicar completamente as causas que motivaram a insurgência.

Estabelecer um ambiente seguro atuando dentro da lei. Toda atividade contrainsurgente deve estar dentro da legalidade. Qualquer ação ilegítima, violação das leis, dos direitos humanos ou o emprego desproporcional ou injustificado da força por qualquer elemento da contrainsurgência prejudica gravemente a consecução dos objetivos da campanha a curto e longo prazo. Sendo assim, deve-se criar, impulsionar, reformar ou consolidar o quanto antes as instituições do governo que sustentem o regime legal, respeitando-se sempre as peculiaridades locais, a fim de não prejudicar a obtenção da legitimidade por parte desses órgãos.

Ceder o quanto antes o protagonismo às forças locais. Isso oferece vanagens claras sob o ponto de vista político, pois reforça as bases do Estado e evita que as forças militares sejam consideradas pela população como tropas de ocupação. O ideal seria que a força de COIN não combatesse diretamente a insurgência, mas que apenas oferecessem o suporte necessário às forças locais (inteligência, apoio logístico, engenharia, saúde, adestramento de quadros etc).

Aprender e adaptar-se rapidamente. Uma força contrainsurgente eficaz é uma organização com capacidade de aprendizagem. Os insurgentes mudam constantemente de táticas e procedimentos e, por essa razão, os contrainsurgentes devem ser dotados de elevada adaptabilidade e destreza na aprendizagem, a fim de se manterem continuamente atualizados quanto ao modus operandi da ameaça.

Esses princípios mostram a complexidade das operações de contrainsurgência que, muitas vezes, abrangem situações que contradizem o método cartesiano de solução de problemas militares. Nesse sentido, na tentativa de traduzir essa discrepância com o classicismo do combate convencional, a doutrina militar espanhola, na mesma linha de pensamento adotada por Cohen, Crane, Horvath e Nagl, apresenta alguns paradoxos da contrainsurgência:

  • quanto mais se proteja a força, menos segura ela estará;
  • quanto mais força se emprega, menos efetiva ela será;
  • quanto mais eficaz é uma contrainsurgência, menos força ela empregará e mais riscos terá que assumir;
  • às vezes, a melhor reação é nada fazer;
  • as melhores armas da contrainsurgência não disparam;
  • é preferível o aceitável, feito por uma nação anfitriã, ao melhor, feito pelas forças de uma coalizão;
  • se uma tática funciona esta semana, poderá não funcionar na próxima; se funciona nessa província, poderá não funcionar em outra;
  • o êxito tático não garante nada; e
  • muitas decisões importantes não são tomadas pelos generais21.
A baixa qualidade de vida da população do bairro haitiano de Bel Air, na cidade de Porto Príncipe, fator que pode se constituir em causa de um movimento insurgente. (Foto cedida pelo autor)

É lícito afirmar, desse modo, que o entendimento desse problema militar requer dos planejadores um elevado grau de flexibilidade de raciocínio e adaptabilidade, em face das variações bruscas no modus operandi da insurgência e no ambiente operacional como um todo22. Do contrário, a obtenção da consciência situacional23 será prejudicada, afetando negativamente o processo decisório, motivo pelo qual a inteligência militar deve estar sintonizada com essas especificidades, a fim de se antever a esse tipo de ameaça.

A Inteligência na Contrainsurgência

Como ferramenta de apoio à decisão, a inteligência militar consiste numa atividade de assessoramento permanente ao comandante de qualquer nível. No planejamento das operações militares, a inteligência recorre ao Processo de Integração Terreno, Condições Meteorológicas, Inimigo e Considerações Civis (PITCIC), o qual segundo a doutrina espanhola é conhecido como INTE24, cuja metodologia é bastante semelhante à brasileira.

O INTE na COIN se realiza basicamente em três etapas: avaliação do espaço de batalha, avaliação da ameaça e a integração.

A avaliação do espaço de batalha é realizada nas seguintes fases: delimitação do espaço de batalha, estudo do terreno, estudo da meteorologia e estudo de outros fatores.

Por sua vez, busca-se com a avaliação da ameaça compreender suas capacidades e vulnerabilidades. Para isso, deve-se responder alguns questionamentos que servem para criar um perfil da ameaça. O Quadro 1 mostra as perguntas mais frequentes para se criar esse perfil.

Quadro 1 - Avaliação da Ameaça Insurgente (Fonte: ESPAÑA, 2008, p. 2-2, tradução nossa)

Após então se proceder ao estudo do movimento insurgente, ocorre a integração, na qual são determinadas as linhas de ação da ameaça. A obtenção dessas linhas de ação se centra em dois níveis de análise: um primeiro nível, em que se verifica a estratégia geral ou a combinação de estratégias que os líderes insurgentes selecionaram para alcançarem seus objetivos; e um segundo nível, no qual se determinam as linhas de ação táticas empregadas para executarem a estratégia delimitada25.

Segundo a doutrina espanhola, por meio de uma análise histórica, podem ser enumerados seis modelos estratégicos adotados pelas insurgências, a saber: conspirativo (controle das estruturas governamentais pela clandestinidade), de inspiração militar (aplicação de força militar convencional ou guerrilheira), urbano (terrorismo urbano prolongado segundo preconiza Marighella), de guerra popular prolongada (maoísta), identitário (conquista de apoio conforme afinidades com a cultura, a religião ou a ideologia da população) e estratégias mistas ou coalizões (adaptadas às situações e conjunturas vividas pelo movimento)26.

Já no que concerne às táticas empregadas, os insurgentes podem operar por intermédio de: emboscadas; assassinatos seletivos; incêndios provocados; artefatos explosivos; armas químicas, biológicas e nucleares; manifestações; desinformação; sequestros; ameaças de bomba; fogos indiretos (morteiros, foguetes); infiltração e subversão; propaganda; ataques a infraestruturas críticas e sabotagens27.

Em suma, o que se observa nos movimentos insurgentes é um modus operandi altamente flexível e adaptável a diversas conjunturas, o que os torna uma ameaça de difícil compreensão. Desse modo, para se contrapor a essa característica das insurgências, os analistas de inteligência em todos os níveis devem estar constantemente informados e atualizados, permitindo assim a obtenção de uma adequada consciência situacional e, com isso, de uma melhor compreensão da força oponente.

Considerações Finais

De fato, a conjuntura mundial na atualidade tem se caracterizado por uma preponderância de ameaças assimétricas, o que tem refletido diretamente no modus operandi das forças armadas dos Estados-nação. Terrorismo, grupos insurgentes, organizações criminosas, movimentos sociais radicalizados são alguns exemplos dessas ameaças, que possuem caráter transnacional, afetando, com isso, diversos países.

Em que pese o Brasil não estar sendo palco de nenhum conflito, é fundamental que haja uma hipótese de emprego voltada para contrainsurgência, pois a própria projeção do país no cenário internacional pode atrair ameaças alheias ao território nacional. Ademais, o incremento da participação brasileira em missões de paz exige uma preparação nesse sentido, uma vez que os cenários encontrados nessas operações sob a égide da ONU são bastante propícios ao fortalecimento de movimentos insurgentes. Inclusive, muitos destes cenários já contemplam esse tipo de ameaça, como, por exemplo, Congo e Líbano.

Em território nacional, as operações de contrainsurgência são desencadeadas num quadro de grave e iminente instabilidade institucional, com grave comprometimento da ordem interna. Assim, um movimento que se propusesse a tomar o poder, por exemplo, alterando a ordem política vigente (guerra revolucionária), caracterizaria um quadro de não normalidade28, fomentando o desencadeamento desse tipo de operação29.

Dessa forma, guerra revolucionária e insurgência se equivalem, sendo, portanto, os conceitos da doutrina espanhola de contrainsurgência aplicáveis à doutrina brasileira de operações contra forças irregulares.

No tocante à atividade de inteligência, verifica-se que, nesses cenários, a avaliação da ameaça deve ser constante, alinhada com o último fundamento das operações de COIN (aprender e adaptar-se rapidamente), devido ao próprio caráter da ameaça assimétrica. Para tal, a manutenção de uma rede de informações capilarizada em todos os níveis torna-se imprescindível, pois, com isso, se consegue precisão nos dados obtidos. Essa capilaridade é interessante que também seja obtida em nível internacional, dado o caráter transnacional da ameaça.

O que se conclui, portanto, é que a multiplicidade de atores, a instabilidade conjuntural, a proximidade dos níveis decisórios, o elevado fluxo informacional e a ênfase na conquista pelo apoio da população exigem da inteligência militar na contrainsurgência redes de informações abrangentes, colaboração interagências, entendimento da cultura nativa, ações de busca descentralizadas e focadas na pequena fração e, por fim, flexibilidade de raciocínio dos analistas. Do contrário, o processo decisório é prejudicado, pois o comandante em qualquer nível não se torna capaz de avaliar corretamente a conjuntura e, principalmente, a ameaça insurgente, comprometendo assim o êxito das operações de contrainsurgência.


Referências

  1. HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de Rosina D’Angina. São Paulo: Martin Claret, 2014.
  2. ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.
  3. BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias da paz. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 2003.
  4. ARON, op. cit., p. 223.
  5. BEAUFRE, André. Introdução à estratégia. Tradução de Luiz de Alencar Araripe. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1998. 156 p.
  6. ARON, op. cit., p. 223.
  7. Ibid, p. 224.
  8. BOBBIO, op. cit., p. 79.
  9. SIMON, Jaime de Montoto y de; PORTUGAL, Jaime de Montoto y Coello de. História Militar: técnicas, estrategias y batallas. Madrid: LIBSA, 2013.
  10. BEAUFRE, op. cit., p. 121.
  11. Em que pese se tratar normalmente de uma forma de combate dos mais débeis militarmente, a insurgência pode ser estabelecida ou financiada por governos cujos exércitos são detentores de um maior poder de combate. É o caso, por exemplo, da crise na Ucrânia, em que o exército russo fornece apoio externo aos insurgentes no leste ucraniano.
  12. ESPAÑA. Ejército de Tierra. Mando de adiestramiento y doctrina. PD3-301: contrainsurgencia. Granada, 2008.
  13. VISACRO, Alessandro. Guerra irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história. São Paulo: Contexto, 2009.
  14. Ibid.
  15. ESPAÑA, op. cit., p. 1-1.
  16. Visacro (2009, p. 224) define guerra revolucionária como uma forma peculiar de luta armada que compreende as ações no campo militar de um fenômeno político-social bem mais amplo, de cunho extremista, destinado à conquista do poder, à transformação violenta da ordem vigente e à implantação de um novo sistema calcado em preceitos ideológicos.
  17. ESPAÑA, op. cit., p. 1-3.
  18. Bastante evidente nos movimentos comunistas e nos atuais grupos jihadistas como a Al Qaeda e o Estado Islâmico, que pretendem, em suas concepções, expandir, além das fronteiras de um país, os ideais por eles preconizados.
  19. ESPAÑA, op. cit., p. 1-19.
  20. Ibid., p. 2-1.
  21. COHEN, E.; CRANE, C.; HORVATH, J.; NAGL, J. Os princípios, imperativos e paradoxos de contra-insurreição. Military Review, Fort Leavenworth, p. 69-76, jul-ago. 2006. Edição brasileira.
  22. BRASIL. Exército. Estado-Maior. EB20-MF-10.107: inteligência militar terrestre. 2. ed. 2015.
  23. A consciência situacional é obtida por intermédio da disponibilidade de conhecimentos e da habilidade no trato das informações que, associadas à experiência profissional, às crenças e valores de um indivíduo, o colocam em vantagem operacional em relação ao seu oponente (BRASIL, 2015, p. 2-2).
  24. Abreviatura do termo Integración terreno, enemigo y otros factores, baseado no processo Intelligence Preparation of the Battlefield (IPB) adotado pela doutrina norte-americana e doutrina OTAN.
  25. ESPAÑA, op. cit., p. 5-13.
  26. Ibid., p. 1-A-1.
  27. Ibid. p. 5-14.
  28. Atualmente, a situação de não normalidade enseja o desencadeamento de operações para garantia dos poderes constitucionais, as quais ocorrem dentro de um contexto de aplicação de salvaguardas constitucionais, características de um Estado de Exceção (BRASIL, 2017, p. 3-16).
  29. BRASIL. Exército. Comando de Operações Terrestres. EB70-MC-10.223: operações. 5. ed. Brasília, DF, 2017.

O Capitão Victor Almeida Pereira, do Exército Brasileiro, Arma de Artilharia, é bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras em 2005 e especialista em Inteligência Militar pela Escola de Inteligência Militar do Exército (EsIMEx - 2008) e pela Escuela de Guerra del Ejército de Tierra (EGET - Madri/Espanha - 2013). Em 2010, exerceu a função de Adjunto da Seção de Coordenação Civil-Militar no 13º contingente do 1º Batalhão de Infantaria de Força de Paz no Haiti. De 2009 a 2013, exerceu funções no âmbito do Sistema de Inteligência do Exército. Concluiu o mestrado em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro em 2014. Atualmente, é instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras.

Voltar ao início

Segundo Trimestre 2018