Operações em Múltiplos Domínios nos Escalões Divisão e Inferiores
Maj Jesse L. Skates, Exército dos EUA
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Quando críticos atacam o conceito de operações em múltiplos domínios, eles raramente se concentram nas ideias que ele oferece; em vez disso, questionam a maturidade ou viabilidade das soluções recomendadas. Por exemplo, uma das críticas mais comuns às operações em múltiplos domínios é que o conceito se aplica, supostamente, aos escalões acima de divisão e, portanto, não descreve o emprego da maior parte da força que serve nos escalões divisão e inferiores. Considerando que ele é o conceito operativo para todo o Exército dos Estados Unidos da América (EUA), essa é uma acusação realmente grave. Além disso, não é verdade: o conceito de operações em múltiplos domínios se aplica a todos os escalões.
Assalto divisionário e transposição de obstáculos
O conceito de operações em múltiplos domínios define soluções que capacitam o Exército a atuar nos escalões corpo de exército e superiores. Para os escalões divisão e inferiores, o conceito parece ser um enunciado de problema. Esse não é, necessariamente, um fenômeno novo. Sucessivas gerações de combatentes enfrentaram desafios práticos, que os conceitos não explicam em detalhe, e para os quais seus antecessores poderiam fornecer conselhos úteis, mas insuficientes. A única maneira de entender esses dilemas é desenvolver novas abordagens operacionais que possibilitem a integração eficaz de ideias não comprovadas, em condições ambientais emergentes. O Futures and Concepts Center (Centro de Futuros e Conceitos) tem feito justamente isso, utilizando eventos como o exercício conjunto Joint Warfighter Assessment e outros ambientes experimentais. Ao longo deles, os formuladores do conceito identificaram algumas implicações táticas iniciais, que podem ser explicadas com uma descrição das condições especiais enfrentadas pelas divisões nas operações em múltiplos domínios.
Antes de apresentar uma descrição de uma divisão durante operações em múltiplos domínios, cabe examinar a doutrina atual para possibilitar uma comparação entre abordagens contemporâneas e futuras em relação ao conflito. Na doutrina atual e nos adestramentos no nível de divisão denominados Exercícios Warfighter, uma divisão geralmente tem tempo para se deslocar e se concentrar em posições de ataque em preparação para operações de combate em larga escala. Com as capacidades críticas pré-posicionadas, a situação passa para o conflito. A divisão e suas formações subordinadas se desdobram de suas posições de ataque e começam a manobrar ao longo de vias de acesso designadas em uma operação simulada com duração de seis semanas.1 A divisão combate entre uma e três divisões inimigas providas de capacidades superiores de fogos. Mais ou menos no meio do combate, a divisão se posiciona e executa uma transposição preparada de curso de água, usando uma ou mais brigadas de combate (brigade combat teams, BCT).2 Durante a metade de um dia (cerca de 36 horas na simulação), a divisão conclui a transposição, perdendo, normalmente, um nível significativo de poder de combate e de meios de travessia, conforme a ameaça concentra suas capacidades para negar essa operação prioritária. Depois de concluir a transposição e reunir as forças, a divisão dá continuidade ao assalto, derrotando de forma decisiva ou isolando formações críticas da ameaça.3 Embora complicado e perigoso por si só, esse processo é comparativamente simples e não reproduz as operações complexas ou os requisitos inerentes a um campo de batalha de múltiplos domínios.
Nas operações em múltiplos domínios, uma divisão precisa manter a consciência situacional e a influência ao longo de, potencialmente, centenas de quilômetros em um período de 72 a 96 horas.4 Com pouco ou nenhum aviso prévio, a divisão se movimenta diretamente de um porto do teatro de operações ou base de treinamento para o combate. A divisão e suas brigadas combatem ao mesmo tempo que se desdobram, enquanto um exército ou corpo de exército faz capacidades em múltiplos domínios convergirem para degradar os fogos e meios de defesa antiaérea de longo alcance da ameaça (ambos com alcance superior a 400 quilômetros). Os fogos de longo alcance estadunidenses no nível de teatro de operações influenciam diretamente as operações de manobra tática ao degradarem a capacidade da ameaça para interditar a manobra no nível de divisão. A divisão manobra rapidamente até ficar dentro de 150 quilômetros da frente, onde os fogos de médio alcance da ameaça se tornam o principal problema, quando os sistemas de longo alcance do inimigo estão suficientemente degradados.5 Essa manobra é significativamente mais fácil se a divisão iniciar o movimento durante as fases finais de competição.6
Deslocar-se até o ponto onde os fogos de médio alcance da ameaça interditam o movimento não é fácil. De acordo com as atuais velocidades de progressão que constam dos modelos para um corpo de exército ou divisão em contato, um deslocamento de cerca de 300 quilômetros (mais ou menos a extensão da manobra desde a interdição inicial pelos fogos de longo alcance da ameaça até o início do alcance útil dos fogos de médio alcance inimigos) deve levar entre dois e três dias.7 Entretanto, nas operações em múltiplos domínios, a divisão tem de um a dois dias para concluir essa manobra, e a etapa seguinte requer maior velocidade em convergência e manobra.8
Se o corpo de exército não conseguir manter uma janela de oportunidade por 12 ou 24 horas, o comandante da divisão será forçado a tomar uma decisão. Deverá reunir forças para uma contestada transposição preparada de curso de água, que retarda o avanço, mas permite a concentração de meios de proteção?9 Ou deverá dividir forças na esperança de que pequenos elementos adquiram maior velocidade e capacidade de sobrevivência?10 A segunda opção é mais rápida, mas esgota logo os meios de travessia disponíveis. Além disso, se o inimigo destruir esses meios, o corpo de exército corre o risco de atingir o ponto culminante. O risco de culminar aumenta à medida que o corpo de exército utiliza recursos significativos de múltiplos domínios para conduzir várias operações de convergência em apoio a diversos eixos de progressão. Sem a convergência de recursos de múltiplos domínios, porém, a divisão não será capaz de entregar pontes de reposição às BCT dispersas. A fim de reduzir o risco de atingir o ponto culminante, a próxima geração de viaturas de combate precisa ter capacidades avançadas de deslocamento na água, o que reduziria consideravelmente a complexidade e aumentaria a velocidade das operações de transposição.
NT1: Veja o Panfleto 525-3-1 do Comando de Instrução e Doutrina, O Exército dos EUA nas Operações em Múltiplos Domínios 2028 (TP 525-3-1, The U.S. Army in Multi-Domain Operations 2028), p. vi, https://adminpubs.tradoc.army.mil/pamphlets/TP525-3-1.pdf. Segundo o TP 525-3-1, o termo stand-off refere-se “ao efeito estratégico e operacional que a Rússia, China e seus representantes estão tentando alcançar. É obtido com capacidades políticas e militares. […] é a separação política, temporal, espacial e funcional que possibilita a liberdade de ação em qualquer, alguns ou todos os domínios, espectro eletromagnético e ambiente informacional para alcançar objetivos estratégicos e/ou operacionais antes que um adversário possa responder adequadamente”.
NT2: Veja o Panfleto 525-3-8 do TRADOC, Conceito do Exército dos EUA: Operações de Armas Combinadas em Múltiplos Domínios nos Escalões Acima de Brigada 2025-2045 (TP 525-3-8, U.S. Army Concept: Multi-Domain Combined Arms Operations at Echelons Above Brigade 2025-2045), p. 96, nota no 30, https://adminpubs.tradoc.army.mil/pamphlets/TP525-3-8.pdf. Segundo a publicação, uma “campanha de fait accompli visa a alcançar objetivos militares e políticos rapidamente, apresentando um fait accompli — algo consumado e presumidamente irreversível — antes que uma resposta aliada possa impedi-lo”.
Ao chegar ao outro lado, a divisão continuará a avançar. Agora, a 70 quilômetros da posição do inimigo, a divisão (em grande medida, por conta própria, uma vez que os meios no nível de exército e corpo de exército continuam a se concentrar nas capacidades de longo e médio alcance da ameaça) aproveita suas capacidades orgânicas para conduzir operações de convergência tática. Com visibilidade e acesso limitados a capacidades de múltiplos domínios, a divisão e suas brigadas identificam alvos para o engajamento pelo exército e corpo de exército. Simultaneamente, engajam as capacidades de curto alcance do inimigo e a parte mais densa do sistema de antiacesso/negação de área (A2/AD). Nesse ponto do combate, empregar ativamente todos os meios disponíveis torna-se essencial para o sucesso.
As capacidades ampliadas de separação (stand-off NT1) do inimigo são poucas, mas extremamente letais e eficazes, exigindo menos tempo e capacidades mais sofisticadas para penetrar. Entretanto, uma quantidade maior de fogos de médio alcance requer tempo e capacidades consideráveis para atacar e degradar o suficiente para abrir janelas de oportunidade para a manobra. O corpo de exército, concentrando todas as capacidades disponíveis de múltiplos domínios, programa ataques contra os fogos de médio alcance inimigos de modo a possibilitar uma manobra divisionária contínua para a linha de frente, a fim de contestar operações de fait accompliNT2 (fato consumado ou situação irreversível) da ameaça.
Se, por exemplo, a transposição de curso de água ocorrer durante esse deslocamento de 150 quilômetros para 70 quilômetros de distância da linha de frente, a divisão terá 24 horas para avançar 80 quilômetros e conduzir a transposição. Presumindo que executar a manobra leve 12 horas, a divisão terá mais 12 horas para movimentar pelo menos duas BCT, com um mínimo de 7.000 pessoas e mil equipamentos através de um obstáculo de água. Isso equivale a menos de um minuto por veículo só para a transposição, sem levar em conta a instalação ou desmontagem do local de travessia. Esse tipo de travessia rápida seria difícil em condições ideais. No entanto, em condições futuras, as unidades de manobra tática provavelmente atravessarão vários locais de travessia, que se deslocam a cada 45 minutos a uma hora, para mitigar a ameaça de ataques de precisão do inimigo.
Passa a ser crucial garantir que todo carro de combate, plataforma móvel protegida de fogos, canhão e sistema de lançamento múltiplo de foguetes engajem eficazmente as forças inimigas, com a maior velocidade e frequência possíveis. É nessa fase da operação que mais capacidades de múltiplos domínios entram no espaço de combate por meio de operações de convergência em todos os escalões, sobrepujando o inimigo e impedindo seu avanço. Simultaneamente, as unidades se apressam em cruzar a última linha de controle e evitar o fait accompli, enquanto avançam mais profundamente em direção às capacidades de guerra eletrônica inimigas e mais adiante no plano de comunicações principal, alternativo, de contingência e de emergência (primary, alternate, contingency, and emergency, PACE). Esse ponto também delineia o período em que desembaraçar e eliminar conflitos entre fogos torna-se vital, mas excepcionalmente difícil. Para administrar o volume de efeitos e a natureza dinâmica do ambiente, uma combinação de medidas de controle e inteligência artificial ajuda os comandantes em todos os escalões a gerir o risco, integrar fogos de múltiplos domínios e proteger as forças.
NT3: Veja o Panfleto 525-3-8 do TRADOC, Conceito do Exército dos EUA: Operações de Armas Combinadas em Múltiplos Domínios nos Escalões Acima de Brigada 2025-2045 (TP 525-3-8, U.S. Army Concept: Multi-Domain Combined Arms Operations at Echelons Above Brigade 2025-2045), >p. 16, https://adminpubs.tradoc.army.mil/pamphlets/TP525-3-8.pdf. O TP 525-3-8 ressalta a distinção entre os termos disintegrate (desintegrar) e dis-integrate, traduzido neste artigo por “des-integrar”, da seguinte forma:
Desintegrar (sem hífen) é um dos quatro mecanismos para derrotar (isolar, deslocar, desintegrar e destruir) utilizados por forças amigas contra uma oposição inimiga. Nesse contexto, desintegrar significa desorganizar o sistema de comando e controle (C2) do inimigo, degradando sua capacidade para conduzir operações e, ao mesmo tempo, levando a um rápido colapso das capacidades ou determinação do inimigo para combater. Des-integrar (com hífen) é utilizado no âmbito de todo o conceito de [escalões acima de brigada] em um contexto de combate sistêmico mais amplo para expressar a convergência de capacidades de múltiplos domínios contra nós e percursos específicos de um sistema ou subsistema (incluindo o C2). A degradação sequencial de partes do sistema cria uma vulnerabiliade adicional, levando, por fim, à derrota geral do sistema mais amplo.
Cabe lembrar, porém, que as operações de convergência não constituem o fim, e sim os meios necessários para alcançar objetivos operacionais específicos. A convergência possibilita a penetração e a “des-integração”NT3 das defesas inimigas, permitindo, assim, que as divisões e brigadas manobrem e controlem os acidentes capitais, o que impede o inimigo de alcançar seus objetivos.
Implicações táticas
Obviamente, um avanço de divisão nas operações em múltiplos domínios gera demandas singulares. A convergência, especificamente, apresenta muitos desafios nos níveis tanto operacional quanto tático, particularmente em termos de disponibilidade de recursos. Durante a experimentação em operações em múltiplos domínios, os analistas ficaram cientes da oscilação de disponibilidade de capacidades em todos os domínios.11 Cada domínio tem limitações físicas, como a velocidade de órbita de um satélite; redes cibernéticas fechadas que requerem penetração física; ou tempos de reabastecimento, reparo e recarregamento para forças que operem nos domínios aéreo, marítimo e terrestre. Essas restrições físicas reduziram a disponibilidade de forças em todos os domínios. Em consequência, os comandantes podem optar por concentrar todas as forças por um curto período ou empregar uma certa parcela de suas forças por tempo indeterminado. Usando esta segunda abordagem, operações que durem mais do que apenas algumas horas geram ondas cíclicas de disponibilidade de recursos. Ao alinhar os picos das “ondas senoidais” dos múltiplos domínios com as operações táticas (veja a Figura), um comandante explora as janelas de superioridade nos domínios para obter a vantagem sobre o inimigo e atingir os objetivos da missão.
Entre esses períodos de convergência de picos, a heurística de otimização capacitou os comandantes a identificar combinações ideais de meios de múltiplos domínios a serem usadas contra os principais nós inimigos, conforme as oportunidades se apresentassem. A característica constante da convergência é que ela tira proveito de todos os domínios; melhora as taxas de utilização de capacidades normalmente latentes; amplia a letalidade geral das forças estadunidenses; e aumenta o número de dilemas enfrentados por um inimigo.
No entanto, ainda não está claro como isso funciona e, o que é igualmente importante, quem faz esse trabalho. Isso apresenta problemas táticos significativos para o Exército. Por exemplo, como é que as divisões e brigadas entendem e observam as janelas de oportunidade proporcionadas por operações de convergência dos comandos de exército e corpo de exército e as exploram em ambientes com comunicações degradadas? Após passar por uma janela de convergência, como uma brigada ou divisão faz suas capacidades orgânicas convergirem para penetrar e des-integrar ameaças táticas? Quiçá mais importante: se qualquer nó de comando e controle puder empregar qualquer plataforma de armas em qualquer momento para a convergência, as divisões e brigadas combaterão utilizando suas próprias capacidades?
Visualização das operações em múltiplos domínios
A identificação e a exploração de janelas de vantagem em um campo de batalha espalhado e extremamente letal de operações em múltiplos domínios requerem repensar as atuais abordagens de visualização e entendimento da situação. Atualmente, só para obter consciência situacional de todos os domínios, é preciso uma grande quantidade de servidores, instalações de processamento de informações ultrassecretas e compartimentos especiais de operações técnicas, cuja maioria está localizada em posições estáticas. Além disso, é difícil compartilhar informações com organizações subordinadas; aliados; e parceiros conjuntos, interagências, intergovernamentais e multinacionais devido às limitadas taxas de dados das atuais redes táticas, ao insuficiente acesso decorrente de requisitos de credenciamento de segurança e às limitações de compartilhamento de inteligência. De modo ideal, o acesso a dados de todos os domínios seria difundido, móvel e compartilhado com aliados e parceiros, mas, na realidade, não é.
As soluções para essas deficiências precisam ser identificadas e desenvolvidas, para explorar as janelas de oportunidade geradas pela convergência de efeitos. Além disso, toda solução deverá levar em conta as crescentes restrições relacionadas às comunicações, conforme a força integrar melhores sistemas autônomos e de automação. A computação quântica, os megadados (big data) baseados em nuvem e os computadores avançados de alta velocidade exigem uma infraestrutura de tamanho considerável, geralmente fixa e vulnerável. Essas novas tecnologias também poderiam limitar o emprego de forças e os comandos, caso elas exijam o acréscimo de grandes instalações e sistemas de ar-condicionado ou até mesmo resfriamento para o processamento de informações de múltiplos domínios.12
No entanto, as Forças Armadas dos EUA não podem trocar a mobilidade pelo processamento de dados. Isso impediria as formações táticas de explorar janelas de vantagem. Divisões, brigadas e batalhões menos móveis, apoiados pela automação avançada, mas imóvel, seriam capazes de prever vantagens efêmeras. No entanto, essas formações de manobra seriam incapazes de acelerar rapidamente em direção e através de brechas abertas nas defesas da ameaça.13 Além disso, proteger formações menos móveis exigiria a concentração de forças para defender infraestruturas críticas, esvaziando a capacidade do Exército para gerar múltiplos dilemas para uma ameaça. A manobra semi-independente é essencial no ambiente de operações em múltiplos domínios. A capacidade de dispersar e manobrar com base nas condições táticas imediatas aumenta a velocidade de progressão e o número de dilemas que as forças de A2/AD da ameaça comandadas centralmente têm de enfrentar. A convergência, aliada à velocidade da manobra independente, aproxima-se do impacto da Blitzkrieg, ataques relâmpagos que penetravam rapidamente nas defesas e sobrepujavam o inimigo em profundidade.14
Algo que complica tanto a convergência quanto a manobra é a necessidade de prever brechas de curta duração nas defesas inimigas, o que requer um entendimento completo das limitações físicas e das “ondas senoidais” dos domínios descritas anteriormente. É difícil programar o momento de avanço de um corpo de exército ou divisão que se desloca entre três e cinco quilômetros por hora contra defesas preparadas degradadas por operações de convergência. Explorar oportunidades de convergência de picos requer a integração eficaz de ataques de um jato que se desloque com a velocidade do som, armas hipersônicas e satélites que se desloquem com uma velocidade muitas vezes maior que a do som e ataques cibernéticos transmitidos ao longo de cabos de fibra óptica à velocidade da luz em operações de manobra. Embora algumas dessas capacidades estejam sempre disponíveis, outras não estão, e as forças de manobra precisam estar preparadas para explorar janelas de 90 minutos proporcionadas por uma capacidade disponível apenas por um breve período de cinco minutos. Ambientes de comunicações degradadas dificultam ainda mais esse processo ao desorganizar a coordenação quase em tempo real.
Após essa janela de 90 minutos abrir e forças amigas iniciarem as operações, diminui o acesso a informações e ao apoio de múltiplos domínios. As formações táticas precisam operar de forma independente. Durante esses períodos, as divisões e brigadas devem tornar-se bem mais capazes de aproveitar as oportunidades, utilizando seus sistemas e formações orgânicos para identificar e explorar vantagens emergentes.
As forças de manobra nos escalões devem, primeiro, operar de acordo com o planejamento original e, em seguida, rapidamente efetuar a transição para a execução descentralizada a fim de obter e manter a iniciativa em uma campanha de operações em múltiplos domínios. Essa transição requer acesso garantido a informações essenciais nos escalões táticos ao longo das operações, porque as unidades em avanço precisam entender mudanças na missão e intenção do escalão superior, visando prioridades e planos para a fase seguinte da operação, a fim de obter e manter a iniciativa.
Existem vários métodos para fornecer informações suficientes para operar em um ambiente informacional contestado. Esses métodos podem incluir sistemas de comunicação com maior mobilidade, pacotes de dados menores e transmissão garantida por diferentes vias em sistemas de baixa largura de banda. Então, a rápida e ampla distribuição de informações poderá ocorrer em toda a força, para permitir o entendimento compartilhado e a iniciativa disciplinada.
Por outro lado, o desenvolvimento de indicadores analógicos ajudará os comandantes na identificação de janelas de vantagem sem recursos de computador. Esses indicadores incluem a integração de caças de quarta geração dos EUA ou da coalizão nos ataques ou a falta de interdição eletrônica inimiga em certos pontos da operação. Esses indicadores ajudam os comandantes a entender o ambiente operacional mesmo que estes não tenham comunicações ou consciência situacional perfeitas. No entanto, os indicadores analógicos são insuficientes para apoiar processos decisórios extremamente centralizados em operações amplamente dispersas. Assim, nas operações em múltiplos domínios, os comandantes táticos, providos de autonomia, têm de assumir mais responsabilidade na tomada de decisões e execução das operações.
Um método final de coleta de informações para as operações pode incluir a delegação de uma melhor capacidade de automação a escalões inferiores e segurança de tipo blockchain, que protege informações comunicadas abertamente em plataformas de comunicações inseguras, mas comuns.15 Nessa opção, as formações utilizam capacidades de inteligência artificial (IA), que identificam e mitigam comunicações degradadas. Esses sistemas baseados em IA monitoram, então, o alinhamento das capacidades nos domínios e modificações imprevistas no planejamento. Então, a automação avançada modifica instantaneamente os planos e redistribui novas medidas de controle, incluindo limites e linhas de controle para forças em contato, com base em combinações ideais de capacidades nos domínios.16
Não existe uma única solução para operar em um ambiente informacional contestado, sendo necessária, para as operações em múltiplos domínios, uma combinação de sistemas de informação avançados, indicadores analógicos e estados-maiores com capacidade de IA. Essas soluções apenas capacitam as formações táticas a perceber e explorar janelas de oportunidade proporcionadas por escalões superiores. A próxima questão diz respeito à forma como as formações de manobra criam suas próprias oportunidades.
Penetração e des-integração táticas
Embora o The U.S. Army in Multi-Domain Operations 2028 destaque os escalões acima de divisão em sua análise sobre operações de penetração e des-integração, elas ocorrem em todos os escalões.17 Na verdade, o General Mark Odom, da reserva remunerada, um dos autores de The Army in Multi-Domain Operations 2028, reconheceu a relação direta entre proximidade às forças da ameaça e densidade das defesas exigindo penetração.18 Assim, a penetração e a des-integração tornam-se mais difíceis e essenciais quanto mais próxima uma formação tática estiver do combate. A seção a seguir explica como as operações de penetração e des-integração táticas potencialmente se desenrolam.
A penetração e a des-integração acontecem de muitas maneiras. Durante a competição, os comandos do Exército pré-posicionam as tropas com base em diretrizes políticas e na percepção das intenções inimigas. Por meio do pré-posicionamento durante a competição, as formações táticas penetram na cobertura de A2/AD da ameaça antes do conflito armado.
Após a transição para um conflito armado, os comandos de exército e corpo de exército atacam e sobrepujam sistemas de alto valor e longo alcance da ameaça, possibilitando que divisões e brigadas manobrem dentro da cobertura de A2/AD da ameaça. Essa vantagem é temporária e, em uma questão de horas, a janela se fecha. As forças adversárias, utilizando, agora, capacidades operacionais, localizam e atacam formações táticas das forças amigas com várias capacidades de drones, cibernéticas e fogos cinéticos.19 Simultaneamente, amplificam medidas de guerra eletrônica, dificultando os esforços para distribuir dados, evitar a detecção e coordenar operações subsequentes.
Dependentes, de modo geral, de capacidades orgânicas e de autoridade e meios limitados de múltiplos domínios, as unidades táticas amigas estabelecem contato com o inimigo, sondam suas defesas e identificam vulnerabilidades.20 Uma vez identificadas, formações menores de combate manobram ao mesmo tempo que engajam a ameaça com fogos, combatendo plataformas de maior alcance inimigas, começando com sistemas de lançamento múltiplo de foguetes e defesas antiaéreas de médio alcance.21 À medida que o exército, corpo de exército e divisão abrem cada camada do sistema de A2/AD inimigo, cria-se mais espaço de manobra, oferecendo aos comandantes mais oportunidades para explorar as vulnerabilidades da ameaça. Simultaneamente, as divisões e brigadas utilizam efeitos em múltiplos domínios para obscurecer suas forças e movimentos, ao mesmo tempo que degradam os nós de comando e controle nos fogos e sistemas integrados de defesa antiaérea inimigos.22 Com cada passo, os nós críticos do inimigo são atacados e sua coesão, destruída.23 Simultaneamente, mais componentes da força conjunta entram no combate, aumentando exponencialmente o poder ofensivo disponível e gerando múltiplos dilemas para o inimigo, fazendo a balança pender para o êxito das forças amigas.
A abordagem descrita parece semelhante às operações terrestres unificadas, por utilizar a mesma teoria operacional. No entanto, o escopo, escala e acesso necessários diferem do que as forças estadunidenses têm hoje. Por exemplo, as forças estadunidenses foram capazes de estabelecer uma enorme superioridade em todos os domínios sobre Mosul durante operações contra o Estado Islâmico (EI) em 2017.24 Utilizando essas capacidades, os estados-maiores dos componentes terrestre e aéreo coordenaram ações deliberadas para explorar uma defesa relativamente estática em terreno isolado, capacitando as forças de segurança iraquianas a retomar Mosul.
O nível de constante acesso e superioridade nos domínios que as forças da coalizão obtiveram sobre o EI não existirá contra adversários com poder de combate equiparado. Enquanto várias camadas de fogos terrestres e apoio aéreo possibilitaram que três divisões das forças parceiras manobrassem contra uma brigada de combatentes do EI em Mosul, um corpo de exército de forças estadunidenses manobrará contra várias formações inimigas valor corpo de exército no futuro.25 Cada formação da ameaça terá seus próprios fogos, meios de guerra eletrônica, forças de fim específico, guerrilheiros e defesas antiaéreas.26
NT4: Por vezes, o termo “enabler”, traduzido neste artigo por “capacitador”, pode ser entendido como “multiplicador do poder de combate”, por vezes, como “elemento em reforço”. Meios associados à Inteligência, Operações Psicológicas, Assuntos Civis, Operações Especiais, Guerra Eletrônica, Guerra Cibernética, dentre outros, são, frequentemente, citados como “enablers”, segundo uma perspectiva mais ortodoxa das operações de combate em larga escala.
O adversário emprega esses meios quase simultaneamente a fim de gerar múltiplos dilemas para formações táticas em avanço, separando as forças terrestres do apoio aéreo aproximado e de outros capacitadoresNT4 de combate dos quais elas se tornaram dependentes.27 Para se oporem, as divisões devem maximizar o uso de outros domínios e integrar enxames de sistemas não furtivos e menos sofisticados, adaptando-se rapidamente a mudanças nas condições operacionais e efeitos meteorológicos. As brigadas devem, então, explorar as vantagens criadas pelos escalões divisão e superiores, manobrando rapidamente contra formações inimigas com menor mobilidade e proficiência tática.
Quem combate com o quê?
Talvez a questão mais desconcertante quanto às operações em múltiplos domínios seja determinar quem combate com quais capacidades? Atualmente, a BCT é a unidade de ação primária. Nas operações em múltiplos domínios, a divisão passa a ser a principal unidade de emprego tático.
À medida que a unidade de ação muda, também mudam as expectativas para os comandantes táticos. Atualmente, os comandantes táticos combatem com suas próprias capacidades, executando tarefas táticas em apoio a objetivos operacionais mais amplos. No futuro, porém, os algoritmos de otimização podem interferir nesse processo. Conforme as divisões manobrarem suas capacidades orgânicas para explorar oportunidades emergentes, esses meios se tornarão a melhor opção para engajar uma gama mais ampla de capacidades inimigas. Simultaneamente, um número crescente de comandos terá acesso a esses efeitos cada vez mais automatizados. Sob o paradigma de convergência de qualquer sensor, qualquer nó de comando e de controle e qualquer plataforma de armas, a heurística de otimização utilizará dados para identificar a melhor combinação de meios de múltiplos domínios para o emprego contra capacidades específicas da ameaça. Os sistemas automatizados poderiam, então, recomendar, ativamente, o emprego de tais meios independentemente do domínio ou perspectivas humanas.
Isso criará uma competição pelas capacidades e recursos necessários para executar e sustentar o combate. Ponderar os processos de otimização excessivamente com base em considerações operacionais ou estratégicas poderia levar divisões e brigadas a esgotar, rapidamente, seus suprimentos críticos e sua capacidade para executar operações táticas. Por outro lado, ponderar considerações táticas excessivamente poderia reduzir opções para ataques contra alvos operacionais ou estratégicos cruciais. Assim, a calibração da automação, da mesma forma que o dispositivo de forças, deve apoiar adequadamente as prioridades estratégicas e operacionais, levando em consideração, ao mesmo tempo, questões táticas de iniciativa, proteção e consumo.
Conclusão
Este artigo inicia um diálogo sobre o emprego tático das operações em múltiplos domínios, descrevendo o conceito operativo mais recente do Exército dos EUA como um enunciado de problema para as forças táticas. A descrição de um ataque de divisão ajuda a tornar explícitos três desafios para a implementação das operações em múltiplos domínios. Ao analisar esses desafios em detalhe, o autor introduz, então, possíveis soluções para cada um deles.
O primeiro desafio foi o uso de dados no ambiente de operações em múltiplos domínios. As comunicações atuais não permitem que os comandantes combinem e empreguem, rapidamente, efeitos em múltiplos domínios. Não permitem a visualização de breves períodos de oportunidade — chamados de janelas de oportunidade ou vantagem — e prejudicam as operações de manobra e proteção. Futuras ferramentas devem fornecer análises avançadas capazes de identificar e empregar combinações ideais de capacidades nos domínios. Também devem fornecer ferramentas de visualização que permitam que os comandantes nos escalões antevejam janelas de vantagem. Além disso, a automação e comunicações futuras devem proporcionar essas capacidades sem impedir a mobilidade das unidades de manobra tática. Isso provavelmente requer uma revisão dos princípios fundamentais de nossa atual abordagem de coleta, uso e comunicação de dados.
O segundo desafio foi a penetração e des-integração táticas. Enquanto os escalões operacionais, como exércitos e corpos de exército, convergem para penetrar nos fogos e defesas antiaéreas de longo alcance de ameaças com alta capacidade, os escalões táticos penetram e des-integram uma densa rede de capacidades de menor alcance. Isso requer o emprego ativo do maior número possível de capacidades orgânicas, provavelmente exigindo melhor automação. A convergência de efeitos não é a única forma de penetrar e des-integrar. Na verdade, a manobra rápida, semi-independente e oportunista é um outro método — talvez o melhor — para derrotar unidades de A2/AD da ameaça controladas centralmente.
O último desafio tático foi a utilização do paradigma de qualquer sensor, qualquer nó de comando e controle e qualquer plataforma de armas sem prejudicar a iniciativa tática. Isso exigiu a calibração da heurística de otimização para levar em consideração requisitos tanto operacionais quanto táticos. Se devidamente gerida, a integração automatizada de forças aumentará a letalidade tanto operacional quanto tática.
Se o Exército encontrar soluções eficazes de doutrina, organização, adestramento, material, educação e liderança, pessoal, instalações e política para esses desafios, então as operações em múltiplos domínios, que são inviáveis atualmente, serão uma solução tanto viável quanto madura para o problema de stand-off apresentado por adversários dos EUA.
Referências
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- Bill Hix and Bob Simpson, “Accelerating into the Next Fight: The Imperative of the Offense on the Future Battlefield”, Modern War Institute at West Point, 26 February 2020, acesso em 15 out. 2020, https://mwi.usma.edu/accelerating-next-fight-imperative-offense-future-battlefield/.
- Edward N. Luttwak, Strategy: The Logic of War and Peace (Cambridge, MA: Belknap Press, 2003), p.123-30.
- Bettina Warburg, How the Blockchain will Radically Transform the Economy, TEDSummit Conference, June 2016, acesso em 10 nov. 2020, https://www.ted.com/talks/bettina_warburg_how_the_blockchain_will_radically_transform_the_economy#t-233404.
- Bandi, mensagem de e-mail.
- David Farrell (analista dos conceitos Russian New Generation Warfare Study and the Multi-Domain Battle, Multi-Domain Operations e Battlefield Development Plan), mensagem de e-mail para o autor, 23 abr. 2020.
- Mark Odom, “Multi-Domain Operations Briefing” (reunião geral, Army Futures and Concepts Center, Fort Eustis, VA, 18 October 2018).
- Bandi, mensagem de e-mail.
- Ibid.
- Odom, “Multi-Domain Operations Briefing”.
- Bob Simpson (desenvolvedor de conceitos sênior no Futures and Concepts Center), entrevista com o autor, 20 set. 2017.
- Veja uma visão geral das oito formas de contato em Army Doctrine Publication 3-90, Offense and Defense (Washington, DC: U.S. GPO, 31 March 2019).
- U.S. Army Training and Doctrine Command, Mosul Study Group Phase II Report (Fort Eustis, VA: Army Capabilities Integration Center, 31 July 2018).
- Ibid.
- Simpson, entrevista com o autor.
- Ibid.
O Maj Jesse Skates, do Exército dos EUA, é escritor de conceitos junto ao Futures and Concepts Center em Fort Eustis, Virgínia. É um dos autores do relatório Mosul Study Group Phase II Report e da publicação The United States Army in Multi-Domain Operations 2028. Concluiu o bacharelado pela Montana State University e o mestrado pela University of Texas, El Paso.
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