Revista Profissional do Exército dos EUA

Edição Brasileira

Artigos em Destaque

(Data de publicação original: Military Review Edição Brasileira Julho-Agosto 2011)

Como a Inteligência Emocional Pode Fazer a Diferença

Gerald F. Sewell

Resiliência: exibir a tendência de recuperar-se rapidamente após a ocorrência de contratempos, choques, lesões, adversidades e estresse, ao mesmo tempo em que conserva o foco na organização e na missão.

—Manual de Campanha 6-22 — Liderança no Exército: Confiante, Competente e Ágil (FM 6-22 — Army Leadership: Confident, Competent, and Agile)


Vocês verão que, provavelmente nos próximos 90 a 120 dias, divulgaremos um programa abrangente para a higidez: o Comprehensive Soldier Fitness (“Higidez Total do Soldado”). O que percebemos é que é preciso dar à higidez mental o mesmo grau de atenção conferido ao condicionamento físico, porque estamos lidando com as realidades da guerra. É possível cultivarmos a resiliência na saúde mental, do mesmo modo como desenvolvemos a resistência física com as flexões de braço.

—General George W. Casey Jr., Chefe do Estado-Maior do Exército, 14 Jan 09


Após oito anos de guerra, precisamos preparar melhor nossos soldados e suas famílias, para que possam perseverar diante dos desafios inerentes ao serviço militar. A chave para aumentar a resiliência é dedicar o mesmo entusiasmo que devotamos ao condicionamento do nosso corpo ao condicionamento de nossa mente e espírito.

—General Ed Cardon, Subcomandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA

Em outubro de 2006, a recém-revisada doutrina sobre liderança do Exército tornava-se oficial com a publicação do Manual de Campanha 6-22. O novo marco de liderança introduzido por esse Manual destacou 12 atributos e 8 competências de liderança necessários para que um líder possa “Ser, Saber e Fazer”. Entre os atributos relacionados encontra-se o comportamento denominado “resiliência”. Segundo o Manual de Campanha 6-22, “líderes resilientes são capazes de se recuperar rapidamente de contratempos, choque, lesões, adversidades e estresse, conservando, ao mesmo tempo, o foco na organização e na missão. Sua resiliência se baseia na força de vontade, na motivação interna que os impele a prosseguir, mesmo quando estão exaustos, famintos, com medo, com frio e molhados. A resiliência ajuda os líderes e suas organizações a levar a cabo missões difíceis”1.

Essa referência foi a primeira mostra de reconhecimento da importância da resiliência na doutrina do Exército sobre liderança. Infelizmente, os quatro breves parágrafos no Manual de Campanha 6-22 só examinam um aspecto desse atributo: o dos comandantes no combate.

Felizmente, o Exército reconheceu que a necessidade de resiliência transcende o campo de batalha — e não se aplica apenas aos militares, mas a todos os integrantes da família castrense. A necessidade de reforçar esse comportamento vital tornou-se ainda mais importante em função do estresse causado à Força por mais de nove anos de guerra. As citações de Casey e Cardon, apresentadas anteriormente, ilustram a maior importância dada pela liderança do Exército à resiliência do soldado e a preocupação com a adoção de medidas para ajudar não apenas os comandantes, mas todos os integrantes da família castrense a reforçar esse atributo. O fator mais importante desse reconhecimento e da intenção de desenvolver a resiliência na Força é a introdução da iniciativa denominada Comprehensive Soldier Fitness (“A Higidez Total do Soldado”).

Essa iniciativa tem como objetivo cultivar a resiliência não apenas nos comandantes, mas também em todos os integrantes da família castrense. Segundo o site da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA, o programa habilita os soldados, suas famílias e os funcionários civis a aumentar a resiliência com uma abordagem holística, que produz uma Força saudável e equilibrada, que se distingue em uma época de acelerado ritmo operacional e conflitos persistentes2.

As cinco dimensões de força

O objetivo declarado do programa, conforme disposto na Diretriz Geral do Exército, de 2009, é:

  • Aumentar a resiliência, obtida mediante uma combinação de treinamento específico e de melhor condicionamento nos cinco campos da saúde.
  • Diminuir o estresse pós-traumático.
  • Reduzir a incidência de comportamentos indesejáveis e destrutivos.
  • Aumentar a probabilidade de crescimento e êxito após adversidades3.

O programa identificou áreas-chave, a serem trabalhadas para incutir e aumentar a resiliência, como sendo as cinco dimensões da força de cada indivíduo:

  • Emocional
  • Social
  • Espiritual
  • Familiar
  • Física4

O objetivo é desenvolver a resistência e a higidez em cada dimensão, aumentando, assim, a resiliência do indivíduo, da família, da Unidade e do Exército.

O Exército e a Universidade da Pensilvânia desenvolveram, juntos, um plano de treinamento abrangente, para cultivar a resiliência por meio do fortalecimento do indivíduo em todas as dimensões. Todas são afetadas pelo grau de equilíbrio que ele tem no seu autoconhecimento e autoconfiança, nos seus relacionamentos com os outros e no seu ambiente. Para realmente tratar cada um desses elementos de forma holística, os programas de “higidez total” do Exército devem incluir a conscientização e o treinamento em inteligência emocional (IE).

Soldados disparam armas como parte do “tiro sob estresse” na Base Avançada de Operações de Sharana, Província de Paktika, Afeganistão, 09 Jan 11. (Exército dos EUA, Sgt Luther L. Boothe Jr.)

O Programa, em Resumo

O esforço inicial do Exército para aumentar o grau de resiliência da Força consistiu no treinamento de 32 graduados e funcionários civis como multiplicadores. O treinamento, conduzido pela Universidade da Pensilvânia, é um curso de dez dias, destinado a preparar sargentos e civis para ensinar aos seus chefes métodos para cultivar a resiliência em seus subordinados. Esse treinamento não é algo novo, concebido especificamente para o Exército, mas uma modificação do atual programa para os professores da própria universidade. Segundo o Army News Service (“Agência de Notícias do Exército”), esse treinamento é uma adaptação do Programa de Psicologia Positiva da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, que o desenvolveu para ensinar professores do ensino médio a incutir habilidades de resiliência aos seus alunos durante o ano letivo5. O currículo acadêmico inclui, como leitura obrigatória, o material atualmente recomendado no programa do Exército: The Resilience Factor, de Karen Reivich e Andrew Shatte. Esse curso de dez dias é oferecido, atualmente, na Victory University, do Exército, no Forte Jackson, Estado da Carolina do Sul. O Exército passou a integrar o treinamento sobre resiliência em todos os cursos de formação militar profissional para oficiais e praças6.

Como a Inteligência Emocional Pode Fazer a Diferença

Segundo Reuven Bar-On, a inteligência emocional lida com os aspectos emocional, pessoal, social e de sobrevivência da inteligência. Esses aspectos são frequentemente mais importantes para o funcionamento diário do que os aspectos cognitivos mais tradicionais da inteligência. A inteligência emocional diz respeito a entender a si mesmo e aos outros, relacionar-se com as pessoas e enfrentar e adaptar-se ao entorno imediato para ser mais bem-sucedido ao lidar com as demandas do ambiente7.

Embora apenas uma das dimensões da inteligência trate especificamente das emoções do militar e da família, a inteligência emocional é inerente a todos os aspectos da inteligência e aparece em todas as áreas da vida de um indivíduo. A natureza holística da inteligência emocional é justamente a razão pela qual ela pode influenciar a resiliência de maneira positiva. Reconhecendo a importância da inteligência emocional para esse atributo, Reivich e Shatte afirmam: “Embora não se possa fazer muito para melhorar seu QI, há muito que se pode fazer para melhorar sua resiliência, um componente-chave da inteligência emocional”8. Entender e aplicar as competências da inteligência emocional à vida aumenta a higidez e a resiliência.

A inteligência emocional consiste em entender as próprias emoções e as emoções alheias para tornar-se uma pessoa mais bem-sucedida. Uma pessoa bem equilibrada emocionalmente conseguirá antever a adversidade e seus impactos — nos âmbitos pessoal, profissional, relacional — assim como a possível reação dos outros à situação. Isso lhe permitirá desenvolver respostas adequadas às tribulações e recuperar-se rapidamente. A inteligência emocional ajuda os indivíduos a lidar com os fatores que geram estresse no ambiente, ao compreenderem as próprias emoções, assim como as emoções dos outros.

Modelo de inteligência emocional de Bar-On

O modelo de Bar-On, na Figura 2, define as competências da inteligência emocional em cinco campos principais, com 15 subescalas. Esses campos e subescalas destacam as principais áreas de foco para aumentar a resiliência do soldado.

Embora sejam aplicáveis a todos os campos do programa relativos à resiliência, duas áreas da inteligência emocional afetam mais diretamente as dimensões da higidez emocional e social. Essas duas áreas são o campo intrapessoal e o campo interpessoal, de Bar-On.

O Modelo de Bar-On

Campo intrapessoal. O campo intrapessoal, composto do que geralmente chamamos de “eu interior”, determina o quanto você está ciente dos próprios sentimentos e se você se sente bem sobre si mesmo e sobre o que está fazendo em sua vida. O sucesso, nessa área, significa que você é capaz de expressar seus sentimentos, de viver e trabalhar de forma independente, de se sentir forte e de ser confiante ao expressar ideias e opiniões. As escalas nesse campo incluem a autoconsciência, a assertividade, a independência, a autoestima e a autorrealização. Esse campo permite ao soldado desenvolver uma verdadeira consciência dos próprios pontos fortes, fraquezas e medos e cultiva a capacidade de lidar com cada um desses itens por meio da autoconsciência.

Campo interpessoal. A dimensão social do programa é tratada predominantemente pelo campo interpessoal de Bar-On. Esse campo engloba as três principais áreas nas quais os soldados precisam se tornar aptos, a fim de possuírem e manterem relacionamentos pacíficos e eficazes. Esses relacionamentos definem qual será o grau de efetividade de um soldado na dimensão social. Reconhecer as questões que o envolvem em relação à sua interação com os outros e trabalhar os pontos fracos irão melhorar a resiliência do soldado. As três subescalas desse campo — empatia, responsabilidade social e relacionamentos interpessoais — dizem respeito às competências sociais que, quando exercidas com eficácia, levam a uma boa interação com os outros. Os outros, aqui referidos, não são apenas os relacionamentos no trabalho, mas também com a família, os vizinhos, os professores, os instrutores, os mentores e todos os que façam parte da vida do militar.

Os três campos restantes do modelo de Bar-On enfatizam a importância de se desenvolver a higidez em inteligência emocional. Referem-se às áreas nas quais o indivíduo precisa desenvolver a competência e a força pessoal, que levam à resiliência. Esses campos são a adaptabilidade, o gerenciamento do estresse e o humor geral.

Campo da adaptabilidade. Esse campo inclui a capacidade de ser flexível e realista e de resolver uma gama de problemas, conforme forem surgindo. Trata da capacidade de dimensionar e reagir a uma ampla gama de situações difíceis9. Suas três escalas são teste da realidade, flexibilidade e resolução de problemas. É necessário lidar com essa área para desenvolver a resiliência porque ela se refere diretamente à capacidade de identificar e enfrentar problemas e eventos imprevistos.

Campo do gerenciamento do estresse. O campo do gerenciamento do estresse se refere à capacidade que um indivíduo tem para tolerar o estresse e controlar os impulsos. Esse campo inclui a capacidade de suportar o estresse sem se render, desmoronar, perder o controle ou sucumbir10. Suas duas escalas medem a tolerância ao estresse e o controle dos impulsos. A tolerância ao estresse se refere à capacidade do indivíduo de suportar eventos adversos e situações estressantes sem desenvolver sintomas físicos ou emocionais, lidando com ele de forma ativa e positiva11. O controle dos impulsos se refere à capacidade de adiar ou resistir a um impulso ou tentação de agir12. Essa última capacidade determina se um indivíduo toma boas decisões, considerando antes as alternativas e consequências.

Campo do humor geral. O campo do humor geral é fortemente influenciado pelo desempenho de um indivíduo em outros campos. Refere-se à perspectiva de vida, à capacidade de se divertir e de apreciar a companhia dos outros e a sentimentos de satisfação ou insatisfação13. Suas duas escalas são otimismo e felicidade. Elas descrevem esse campo e enaltecem as vantagens de se possuir uma perspectiva de vida positiva.

Avaliação e Treinamento em Inteligência Emocional

É necessário um ponto de partida para utilizar a inteligência emocional com o fim de desenvolver e ampliar a resiliência. A avaliação é a primeira etapa em desenvolvimento. Embora ela represente um campo de estudo relativamente novo, existem várias ótimas ferramentas de avaliação e programas de ensino e desenvolvimento da inteligência emocional.

Uma delas é o Inventário do Quociente Emocional (Emotional Quotient inventory — EQ-i) de Bar-On, que mede o grau de inteligência emocional de um indivíduo e fornece um relatório de avaliação que sugere um programa de desenvolvimento. A ferramenta de Inventário do Quociente Emocional deve ser aplicada por um instrutor/orientador credenciado, antes que os resultados sejam apresentados ao indivíduo. Esse orientador também ajuda o indivíduo a entender o relatório e a desenvolver um programa para aumentar sua pontuação.

Inteligência Emocional e Resiliência

As pessoas são, inerentemente, criaturas sociais emotivas, que extraem suas motivações e satisfações de outras pessoas e do seu grau de sucesso ao interagir com o ambiente.

O atual ritmo operacional do ambiente aumentou as pressões sobre a Força, levando o Exército a colocar mais ênfase na necessidade de assegurar e desenvolver a resiliência em indivíduos. O Exército desenvolveu o Programa de Higidez Total com essa finalidade. Entretanto, falta um componente vital no atual treinamento desse programa.

Uma reação lógica à necessidade de treinar criaturas sociais emotivas é lidar com os aspectos emocionais que possam ajudar a desenvolver a resiliência. A própria natureza da inteligência emocional leva o indivíduo a se fortalecer a partir do reconhecimento de suas próprias emoções. A capacidade de desenvolver a resiliência e a força pessoal é ampliada quando os indivíduos entendem os aspectos emocionais da sua personalidade que influenciam suas ações. Munidos dessa compreensão, eles podem começar a lidar com esses aspectos e a desenvolver a força emocional que leva à resiliência pessoal.


Referências

  1. Field Manual 6-22, Army Leadership (Washington, DC: Government Printing Office, October 2006), p. 5-3.
  2. Veja https://courses.leavenworth.army.mil/webapps/portal/frameset.jsp, acesso em: 22 out. 2009.
  3. Veja http://www.army.mil/aps/09/information_papers/comprehensive_soldier_fitness_program.html, acesso em: 22 out. 2009.
  4. Veja http://www.army.mil/csf/, acesso em: 24 nov. 2009.
  5. Veja http://www.military.com/news/article/army-news/preston-touts-comprehensive-fitness.html, acesso em: 26 jan. 2010.
  6. Veja http://www.army.mil/-news/2009/08/05/25494-army-developing-master-resiliency-training/, acesso em: 29 out. 2009.
  7. BARON, Reuven. Bar-On Emotional Quotient Inventory, Technical Manual (New York: Multi-Health Systems, 1997), p. 2.
  8. REIVICH, Karen; SHATTE, Andrew. The Resilience Factor (New York: Broadway Books, 2002), p. 18.
  9. STEIN, Steven J.; BOOK, Howard. The EQ Edge-Emotional Intelligence and Your Success (Ontario: Josey-Bass, 2006), p. 161.
  10. Ibid, p. 189.
  11. Ibid, p. 191.
  12. Ibid, p. 204.
  13. Ibid, p. 215.

Gerald F. Sewell é professor adjunto de Liderança Militar na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA, no Forte Leavenworth, Estado do Kansas. Trabalha no Departamento de Comando e Liderança e está envolvido no esforço de integrar a autoconsciência no currículo de liderança. É bacharel pela Bowie State College e mestre pela George Washington University.

Voltar ao início