Como a Inteligência Emocional Pode Fazer a Diferença
Gerald F. Sewell
Resiliência: exibir a tendência de recuperar-se rapidamente após a ocorrência de contratempos, choques, lesões, adversidades e estresse, ao mesmo tempo em que conserva o foco na organização e na missão.
—Manual de Campanha 6-22 — Liderança no Exército: Confiante, Competente e Ágil (FM 6-22 — Army Leadership: Confident, Competent, and Agile)
Vocês verão que, provavelmente nos próximos 90 a 120 dias, divulgaremos um programa abrangente para a higidez: o Comprehensive Soldier Fitness (“Higidez Total do Soldado”). O que percebemos é que é preciso dar à higidez mental o mesmo grau de atenção conferido ao condicionamento físico, porque estamos lidando com as realidades da guerra. É possível cultivarmos a resiliência na saúde mental, do mesmo modo como desenvolvemos a resistência física com as flexões de braço.
—General George W. Casey Jr., Chefe do Estado-Maior do Exército, 14 Jan 09
Após oito anos de guerra, precisamos preparar melhor nossos soldados e suas famílias, para que possam perseverar diante dos desafios inerentes ao serviço militar. A chave para aumentar a resiliência é dedicar o mesmo entusiasmo que devotamos ao condicionamento do nosso corpo ao condicionamento de nossa mente e espírito.
—General Ed Cardon, Subcomandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA
Em outubro de 2006, a recém-revisada doutrina sobre liderança do Exército tornava-se oficial com a publicação do Manual de Campanha 6-22. O novo marco de liderança introduzido por esse Manual destacou 12 atributos e 8 competências de liderança necessários para que um líder possa “Ser, Saber e Fazer”. Entre os atributos relacionados encontra-se o comportamento denominado “resiliência”. Segundo o Manual de Campanha 6-22, “líderes resilientes são capazes de se recuperar rapidamente de contratempos, choque, lesões, adversidades e estresse, conservando, ao mesmo tempo, o foco na organização e na missão. Sua resiliência se baseia na força de vontade, na motivação interna que os impele a prosseguir, mesmo quando estão exaustos, famintos, com medo, com frio e molhados. A resiliência ajuda os líderes e suas organizações a levar a cabo missões difíceis”1.
Essa referência foi a primeira mostra de reconhecimento da importância da resiliência na doutrina do Exército sobre liderança. Infelizmente, os quatro breves parágrafos no Manual de Campanha 6-22 só examinam um aspecto desse atributo: o dos comandantes no combate.
Felizmente, o Exército reconheceu que a necessidade de resiliência transcende o campo de batalha — e não se aplica apenas aos militares, mas a todos os integrantes da família castrense. A necessidade de reforçar esse comportamento vital tornou-se ainda mais importante em função do estresse causado à Força por mais de nove anos de guerra. As citações de Casey e Cardon, apresentadas anteriormente, ilustram a maior importância dada pela liderança do Exército à resiliência do soldado e a preocupação com a adoção de medidas para ajudar não apenas os comandantes, mas todos os integrantes da família castrense a reforçar esse atributo. O fator mais importante desse reconhecimento e da intenção de desenvolver a resiliência na Força é a introdução da iniciativa denominada Comprehensive Soldier Fitness (“A Higidez Total do Soldado”).
Essa iniciativa tem como objetivo cultivar a resiliência não apenas nos comandantes, mas também em todos os integrantes da família castrense. Segundo o site da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA, o programa habilita os soldados, suas famílias e os funcionários civis a aumentar a resiliência com uma abordagem holística, que produz uma Força saudável e equilibrada, que se distingue em uma época de acelerado ritmo operacional e conflitos persistentes2.
O objetivo declarado do programa, conforme disposto na Diretriz Geral do Exército, de 2009, é:
- Aumentar a resiliência, obtida mediante uma combinação de treinamento específico e de melhor condicionamento nos cinco campos da saúde.
- Diminuir o estresse pós-traumático.
- Reduzir a incidência de comportamentos indesejáveis e destrutivos.
- Aumentar a probabilidade de crescimento e êxito após adversidades3.
O programa identificou áreas-chave, a serem trabalhadas para incutir e aumentar a resiliência, como sendo as cinco dimensões da força de cada indivíduo:
- Emocional
- Social
- Espiritual
- Familiar
- Física4
O objetivo é desenvolver a resistência e a higidez em cada dimensão, aumentando, assim, a resiliência do indivíduo, da família, da Unidade e do Exército.
O Exército e a Universidade da Pensilvânia desenvolveram, juntos, um plano de treinamento abrangente, para cultivar a resiliência por meio do fortalecimento do indivíduo em todas as dimensões. Todas são afetadas pelo grau de equilíbrio que ele tem no seu autoconhecimento e autoconfiança, nos seus relacionamentos com os outros e no seu ambiente. Para realmente tratar cada um desses elementos de forma holística, os programas de “higidez total” do Exército devem incluir a conscientização e o treinamento em inteligência emocional (IE).
O Programa, em Resumo
O esforço inicial do Exército para aumentar o grau de resiliência da Força consistiu no treinamento de 32 graduados e funcionários civis como multiplicadores. O treinamento, conduzido pela Universidade da Pensilvânia, é um curso de dez dias, destinado a preparar sargentos e civis para ensinar aos seus chefes métodos para cultivar a resiliência em seus subordinados. Esse treinamento não é algo novo, concebido especificamente para o Exército, mas uma modificação do atual programa para os professores da própria universidade. Segundo o Army News Service (“Agência de Notícias do Exército”), esse treinamento é uma adaptação do Programa de Psicologia Positiva da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, que o desenvolveu para ensinar professores do ensino médio a incutir habilidades de resiliência aos seus alunos durante o ano letivo5. O currículo acadêmico inclui, como leitura obrigatória, o material atualmente recomendado no programa do Exército: The Resilience Factor, de Karen Reivich e Andrew Shatte. Esse curso de dez dias é oferecido, atualmente, na Victory University, do Exército, no Forte Jackson, Estado da Carolina do Sul. O Exército passou a integrar o treinamento sobre resiliência em todos os cursos de formação militar profissional para oficiais e praças6.
Como a Inteligência Emocional Pode Fazer a Diferença
Segundo Reuven Bar-On, a inteligência emocional lida com os aspectos emocional, pessoal, social e de sobrevivência da inteligência. Esses aspectos são frequentemente mais importantes para o funcionamento diário do que os aspectos cognitivos mais tradicionais da inteligência. A inteligência emocional diz respeito a entender a si mesmo e aos outros, relacionar-se com as pessoas e enfrentar e adaptar-se ao entorno imediato para ser mais bem-sucedido ao lidar com as demandas do ambiente7.
Embora apenas uma das dimensões da inteligência trate especificamente das emoções do militar e da família, a inteligência emocional é inerente a todos os aspectos da inteligência e aparece em todas as áreas da vida de um indivíduo. A natureza holística da inteligência emocional é justamente a razão pela qual ela pode influenciar a resiliência de maneira positiva. Reconhecendo a importância da inteligência emocional para esse atributo, Reivich e Shatte afirmam: “Embora não se possa fazer muito para melhorar seu QI, há muito que se pode fazer para melhorar sua resiliência, um componente-chave da inteligência emocional”8. Entender e aplicar as competências da inteligência emocional à vida aumenta a higidez e a resiliência.
A inteligência emocional consiste em entender as próprias emoções e as emoções alheias para tornar-se uma pessoa mais bem-sucedida. Uma pessoa bem equilibrada emocionalmente conseguirá antever a adversidade e seus impactos — nos âmbitos pessoal, profissional, relacional — assim como a possível reação dos outros à situação. Isso lhe permitirá desenvolver respostas adequadas às tribulações e recuperar-se rapidamente. A inteligência emocional ajuda os indivíduos a lidar com os fatores que geram estresse no ambiente, ao compreenderem as próprias emoções, assim como as emoções dos outros.
O modelo de Bar-On, na Figura 2, define as competências da inteligência emocional em cinco campos principais, com 15 subescalas. Esses campos e subescalas destacam as principais áreas de foco para aumentar a resiliência do soldado.
Embora sejam aplicáveis a todos os campos do programa relativos à resiliência, duas áreas da inteligência emocional afetam mais diretamente as dimensões da higidez emocional e social. Essas duas áreas são o campo intrapessoal e o campo interpessoal, de Bar-On.
O Modelo de Bar-On
Campo intrapessoal. O campo intrapessoal, composto do que geralmente chamamos de “eu interior”, determina o quanto você está ciente dos próprios sentimentos e se você se sente bem sobre si mesmo e sobre o que está fazendo em sua vida. O sucesso, nessa área, significa que você é capaz de expressar seus sentimentos, de viver e trabalhar de forma independente, de se sentir forte e de ser confiante ao expressar ideias e opiniões. As escalas nesse campo incluem a autoconsciência, a assertividade, a independência, a autoestima e a autorrealização. Esse campo permite ao soldado desenvolver uma verdadeira consciência dos próprios pontos fortes, fraquezas e medos e cultiva a capacidade de lidar com cada um desses itens por meio da autoconsciência.
Campo interpessoal. A dimensão social do programa é tratada predominantemente pelo campo interpessoal de Bar-On. Esse campo engloba as três principais áreas nas quais os soldados precisam se tornar aptos, a fim de possuírem e manterem relacionamentos pacíficos e eficazes. Esses relacionamentos definem qual será o grau de efetividade de um soldado na dimensão social. Reconhecer as questões que o envolvem em relação à sua interação com os outros e trabalhar os pontos fracos irão melhorar a resiliência do soldado. As três subescalas desse campo — empatia, responsabilidade social e relacionamentos interpessoais — dizem respeito às competências sociais que, quando exercidas com eficácia, levam a uma boa interação com os outros. Os outros, aqui referidos, não são apenas os relacionamentos no trabalho, mas também com a família, os vizinhos, os professores, os instrutores, os mentores e todos os que façam parte da vida do militar.
Os três campos restantes do modelo de Bar-On enfatizam a importância de se desenvolver a higidez em inteligência emocional. Referem-se às áreas nas quais o indivíduo precisa desenvolver a competência e a força pessoal, que levam à resiliência. Esses campos são a adaptabilidade, o gerenciamento do estresse e o humor geral.
Campo da adaptabilidade. Esse campo inclui a capacidade de ser flexível e realista e de resolver uma gama de problemas, conforme forem surgindo. Trata da capacidade de dimensionar e reagir a uma ampla gama de situações difíceis9. Suas três escalas são teste da realidade, flexibilidade e resolução de problemas. É necessário lidar com essa área para desenvolver a resiliência porque ela se refere diretamente à capacidade de identificar e enfrentar problemas e eventos imprevistos.
Campo do gerenciamento do estresse. O campo do gerenciamento do estresse se refere à capacidade que um indivíduo tem para tolerar o estresse e controlar os impulsos. Esse campo inclui a capacidade de suportar o estresse sem se render, desmoronar, perder o controle ou sucumbir10. Suas duas escalas medem a tolerância ao estresse e o controle dos impulsos. A tolerância ao estresse se refere à capacidade do indivíduo de suportar eventos adversos e situações estressantes sem desenvolver sintomas físicos ou emocionais, lidando com ele de forma ativa e positiva11. O controle dos impulsos se refere à capacidade de adiar ou resistir a um impulso ou tentação de agir12. Essa última capacidade determina se um indivíduo toma boas decisões, considerando antes as alternativas e consequências.
Campo do humor geral. O campo do humor geral é fortemente influenciado pelo desempenho de um indivíduo em outros campos. Refere-se à perspectiva de vida, à capacidade de se divertir e de apreciar a companhia dos outros e a sentimentos de satisfação ou insatisfação13. Suas duas escalas são otimismo e felicidade. Elas descrevem esse campo e enaltecem as vantagens de se possuir uma perspectiva de vida positiva.
Avaliação e Treinamento em Inteligência Emocional
É necessário um ponto de partida para utilizar a inteligência emocional com o fim de desenvolver e ampliar a resiliência. A avaliação é a primeira etapa em desenvolvimento. Embora ela represente um campo de estudo relativamente novo, existem várias ótimas ferramentas de avaliação e programas de ensino e desenvolvimento da inteligência emocional.
Uma delas é o Inventário do Quociente Emocional (Emotional Quotient inventory — EQ-i) de Bar-On, que mede o grau de inteligência emocional de um indivíduo e fornece um relatório de avaliação que sugere um programa de desenvolvimento. A ferramenta de Inventário do Quociente Emocional deve ser aplicada por um instrutor/orientador credenciado, antes que os resultados sejam apresentados ao indivíduo. Esse orientador também ajuda o indivíduo a entender o relatório e a desenvolver um programa para aumentar sua pontuação.
Inteligência Emocional e Resiliência
As pessoas são, inerentemente, criaturas sociais emotivas, que extraem suas motivações e satisfações de outras pessoas e do seu grau de sucesso ao interagir com o ambiente.
O atual ritmo operacional do ambiente aumentou as pressões sobre a Força, levando o Exército a colocar mais ênfase na necessidade de assegurar e desenvolver a resiliência em indivíduos. O Exército desenvolveu o Programa de Higidez Total com essa finalidade. Entretanto, falta um componente vital no atual treinamento desse programa.
Uma reação lógica à necessidade de treinar criaturas sociais emotivas é lidar com os aspectos emocionais que possam ajudar a desenvolver a resiliência. A própria natureza da inteligência emocional leva o indivíduo a se fortalecer a partir do reconhecimento de suas próprias emoções. A capacidade de desenvolver a resiliência e a força pessoal é ampliada quando os indivíduos entendem os aspectos emocionais da sua personalidade que influenciam suas ações. Munidos dessa compreensão, eles podem começar a lidar com esses aspectos e a desenvolver a força emocional que leva à resiliência pessoal.
Referências
- Field Manual 6-22, Army Leadership (Washington, DC: Government Printing Office, October 2006), p. 5-3.
- Veja https://courses.leavenworth.army.mil/webapps/portal/frameset.jsp, acesso em: 22 out. 2009.
- Veja http://www.army.mil/aps/09/information_papers/comprehensive_soldier_fitness_program.html, acesso em: 22 out. 2009.
- Veja http://www.army.mil/csf/, acesso em: 24 nov. 2009.
- Veja http://www.military.com/news/article/army-news/preston-touts-comprehensive-fitness.html, acesso em: 26 jan. 2010.
- Veja http://www.army.mil/-news/2009/08/05/25494-army-developing-master-resiliency-training/, acesso em: 29 out. 2009.
- BARON, Reuven. Bar-On Emotional Quotient Inventory, Technical Manual (New York: Multi-Health Systems, 1997), p. 2.
- REIVICH, Karen; SHATTE, Andrew. The Resilience Factor (New York: Broadway Books, 2002), p. 18.
- STEIN, Steven J.; BOOK, Howard. The EQ Edge-Emotional Intelligence and Your Success (Ontario: Josey-Bass, 2006), p. 161.
- Ibid, p. 189.
- Ibid, p. 191.
- Ibid, p. 204.
- Ibid, p. 215.
Gerald F. Sewell é professor adjunto de Liderança Militar na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA, no Forte Leavenworth, Estado do Kansas. Trabalha no Departamento de Comando e Liderança e está envolvido no esforço de integrar a autoconsciência no currículo de liderança. É bacharel pela Bowie State College e mestre pela George Washington University.
Voltar ao início