Military Review

 

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Política, guerra e o povo estadunidense MacArthur 2018 1st

Como a liderança política inconstante dos EUA prejudica sua capacidade de vencer

 

Maj Jeremy Shields, Reserva da Força Aérea dos EUA

 

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Walt Rostow (à direita) usa um modelo topográfico em 15 de fevereiro de 1968 para atualizar o Presidente Lyndon B. Johnson

Apesar das enormes vantagens econômicas, tecnológicas e militares dos Estados Unidos da América (EUA), o país tem a tradição de alcançar vitórias a duras penas. Será que a vitória final se deve à liderança política ou à forma como o país se organiza, treina e se equipa?

Colin Gray afirma que o modo de guerra estadunidense promove uma tradição de métodos apolíticos e não estratégicos que favorecem o poderio tático de suas Forças Armadas.1 Essa teoria é consistente e bem-sucedida no caso de um conflito rápido, decisivo e limpo com um fim militar claramente definido. No entanto, muitos dos engajamentos das Forças Armadas estadunidenses desde a Segunda Guerra Mundial tinham objetivos políticos mal definidos, que não precisam necessariamente do poderio militar para serem alcançados.2 Essas linhas imprecisas contribuíram significativamente para o histórico irregular de vitórias dos EUA, principalmente devido à falta de uma liderança nacional fora do controle ou persuasão das Forças Armadas.

As dificuldades dos EUA em questões de guerra são meramente manifestações da liderança de seu complexo sistema político, bem como de sua incapacidade de definir e conduzir a estados finais militares apropriados. A famosa frase de Carl von Clausewitz sobre a guerra como uma continuação da política por outros meios se manifesta no sistema político estadunidense, que se apoia, intrinsicamente, na guerra para alcançar quaisquer objetivos políticos que o país tenha fora de suas fronteiras.3 No entanto, inúmeros envolvimentos na história dos EUA demonstraram que os objetivos políticos não se encaixam facilmente nas capacidades específicas de violência. As Forças Armadas não são adequadas à construção nacional, neocolonialismo ou operações de segurança em terras distantes, depois que os objetivos essencialmente militares são alcançados e se dá início aos objetivos políticos voltados para modos não violentos.

Foto cedida pela Marinha dos EUA

Devido à separação física dos EUA em relação à grande parte do mundo por dois oceanos que margeiam o continente da América do Norte, a opinião pública muitas vezes revela tendências não intervencionistas à medida que escaramuças ocorrem ao redor do mundo. Com frequência, as escaramuças estrangeiras são percebidas como um problema de outro país. Mesmo atualmente, alguns estadunidenses ainda questionam por que o Presidente Joseph Biden consideraria ajudar a Ucrânia, convencidos de que a guerra é claramente um problema europeu, em vez de uma ameaça existencial à autodeterminação e aos direitos das nações soberanas em todos os lugares de existir pacificamente. Grande parte desse isolacionismo vem da tradição saudável de cautela em relação ao envolvimento externo. Além disso, a falta de compreensão global do estadunidense médio sobre como muitas questões estão inter-relacionadas em um mundo interconectado diminui o apetite interno pela intervenção dos EUA. Como resultado, seus líderes políticos são lentos para despertar para os desafios que uma intervenção militar futura acarretará. O que permanece nesse vazio é o vácuo da verdade e líderes políticos relutantes em mostrar ao povo estadunidense a conexão entre os acontecimentos mundiais, a necessidade de ajuda dos EUA e o fato de que as questões em terras estrangeiras chegarão no país em algum momento. Essa falta de visão e compreensão faz com que a norma para os EUA seja tentar pôr-se em dia em vez de liderar o mundo nas respostas a realidades difíceis e preocupantes.

Antes das duas guerras mundiais, as atitudes estadunidenses em preparação para a guerra seguiam um caminho semelhante de isolamento e comedimento, refletindo a ideia de que o papel estratégico principal das Forças Armadas era a defesa continental das fronteiras do país e a proteção territorial de posses no Pacífico.4 O pensamento predominante nos períodos entre guerras foi de antipatia pela guerra, o que levou a uma falta de objetivos políticos estratégicos em preparação para a eclosão da Segunda Guerra Mundial.5 Em seu livro sobre planos e preparativos pré-guerra, o Gen Mark S. Watson resumiu sucintamente a abordagem estadunidense da guerra, afirmando que a estratégia para fatos militares desenrola-se quase inteiramente no teatro de guerra, ao som das armas.6

Imagem de Arin Lynn Burgess

Esse histórico de incerteza na direção, liderança e políticas estratégicas nacionais não começou com um único presidente e continuou como uma tradição. No início da Segunda Guerra Mundial, no continente europeu, os comandantes militares estadunidenses perceberam que não compreendiam totalmente a estratégia do presidente para a defesa nacional.7 O padrão recorrente de prontidão militar que precede a política externa dos EUA tem sido e continua sendo um dos problemas de liderança política mais desafiadores, que afetam o sucesso fácil em todos os esforços militares estrangeiros.

Após a Primeira Guerra Mundial, as populações de todas as nações estavam cansadas da guerra, marcadas por perdas e sem recursos para enfrentar mais conflitos.8 Os EUA entraram na Grande Guerra sem nenhuma voz ou poder de influência sobre quem era o inimigo ou sobre os melhores métodos para derrotá-lo. O princípio norteador foi a desilusão com a guerra e a necessidade de aproveitar o dividendo de paz subsequente. Na prática, isso significou que a estratégia se concentrava unicamente na preservação da paz, com a criação de órgãos institucionais pacíficos não militares, como a Liga das Nações e outros instrumentos de união mundial, para garantir que um sentimento de paz seria possível e duradouro. No entanto, o Congresso, como órgão do povo estadunidense, rejeitou a abordagem liberal do presidente Woodrow Wilson, por causa da preocupação de que os outros membros imperiais da Liga envolveriam os EUA em guerras incessantes, ao buscarem a hegemonia sobre suas posses coloniais. Em termos gerais, isso significava o fim da intervenção militar e o início da liderança política. Isso, porém, não aconteceria nos anos que se seguiram.

Os oficiais militares sabiam que a ordem mundial não permaneceria estática por muito tempo. Já em 1937, mesmo quando o comandante em chefe continuou seguindo uma política de paz, os comandantes militares perceberam os sinais ao começarem a fazer planos de contingência para possíveis cenários envolvendo guerra ofensiva.9 Como demonstrado pela carta de novembro de 1940 do Alte Esq Harold Stark, a máquina militar trabalhou em diferentes planos para abordar diversos cenários — uma tradição que se mantém até hoje — que as Forças Armadas enfrentariam com pouca direção política ou governamental. O chamado “Plan Dog Memorandum” passaria a servir de base para a resposta de todo o governo à futura guerra de duas frentes.10 A ordem inversa de etapas, na qual as Forças Armadas elaboraram o que se tornaria a política oficial do governo dos EUA, erra o alvo e ressalta a disfunção no país naquela época, algo que se agravou desde os tempos dourados de Franklin D. Roosevelt. Um retorno às diretrizes firmes e decisivas da liderança política dos EUA comunicando-se e em sintonia com a liderança militar conterá essa história lastimável de planejamento fracassado entre as Forças Armadas e as classes políticas.

O estado final de rendição incondicional na Segunda Guerra Mundial significava que as Forças Armadas não estavam mais ligadas a uma guerra limitada sem um estado final militar ou objetivos adequados para atingir aquela meta. O conceito de guerra total de neutralização das Forças Armadas alemãs e japonesas enquanto se enfraquecia a disposição dos civis para apoiar novas agressões significou que as Forças Armadas não estavam restringidas por limitações políticas à consecução de seus objetivos. Nesse momento, o objetivo geral das Forças Armadas era de suma importância à extensão da política, quando as condições ideais haviam sido alcançadas para concretizar o dogma clausewitziano de guerra como método de avanço político. Além disso, ao estabelecer a condição de rendição completa, a liderança estadunidense inferiu que os soviéticos e britânicos não poderiam propor sua própria paz com a Alemanha até que as Forças Armadas Aliadas tivessem alcançado o estado final desejado. Desde aqueles dias, não tivemos uma política mais clara e direta para nossa estratégia militar.

A liderança dos EUA era forte e assertiva no que era necessário para restaurar a ordem mundial e derrotar atores malignos. A coalizão dos parceiros Aliados que alcançou a paz após a Segunda Guerra Mundial compartilhava os objetivos comuns de repelir o fascismo, restaurar a ordem mundial e destruir os pilares que sustentavam essas estruturas malignas, para que não pudessem se reconstituir e ameaçar novamente a paz e a ordem.11 Isso foi conseguido principalmente com a derrota da máquina militar nazista e a detonação de duas bombas atômicas no Japão Imperial. Com a subjugação de atores malignos pela guerra total das Forças Armadas, teve início o árduo trabalho de estabelecer a ordem mundial a partir de uma posição de meios diplomáticos e políticos. Então por que essa capacidade de liderança esteve tão ausente desde aquela época?

Imagem de Arin Lynn Burgess

O período após a Segunda Guerra Mundial permitiu que os líderes políticos e militares dos EUA debatessem, contemplassem e compreendessem o novo modo de guerra após a detonação das armas atômicas no Japão.12 Parecia estar clara a definição do tipo de estrutura militar necessária para a era nuclear, bem como a forma como as Forças Singulares seriam alinhadas e em que tipos de guerras o país se envolveria. Havia uma oportunidade de combinar o aspecto político e o militar e organizar-se de tal forma que o poder militar de combate fosse utilizado apenas como último recurso em um emprego vigoroso e completo de todos os instrumentos de poder. A estratégia de contenção apresentou um caso único de abordagem de governo como um todo à segurança nacional, que arregimentou os domínios político, militar, diplomático e profissional rumo a um só objetivo.

Duas outras guerras significativas nas quais os EUA empenharam vidas e recursos tiveram resultados diametralmente opostos devido, principalmente, à forma como foram concebidas e executadas. As guerras do Vietnã e a Operação Desert Storm não se assemelham em nada, exceto pela impressionante demonstração do poder de combate que os EUA conferem a todas as lutas. Entretanto, para entender como uma guerra poderia ser tão absolutamente desmoralizante e a outra, um enorme sucesso político e militar, é preciso examinar as contribuições de liderança do Gen Colin Powell, que atuou em ambas, para entender a tendência de comedimento no envolvimento militar combinada com o esgotamento de todos os outros meios, não violentos. Surge, então, a Doutrina Powell, que recebeu o nome do general.

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O Dr. Matthew J. Schmidt afirma que o pensamento estratégico requer a subjetividade de uma abordagem qualitativa para a resolução de problemas no que se refere ao término de um conflito pela promoção de uma ordem estável na população derrotada que possa ser mantida sem uma participação militar maior e contínua do vencedor do campo de batalha. Consequentemente, a derrota militar dos inimigos deve ser vista apenas como um pré-requisito à vitória estratégica final, não como sua conclusão.

Para ler “War a Political Work: Using Social Science for Strategic Success”, da edição de Julho-Agosto de 2014 da Military Review, acesse https://www.armyupress.army.mil/ Portals/7/military-review/Archives/English/MilitaryReview_20140831_art012.pdf. [O artigo traduzido, intitulado“A Guerra como Trabalho Político: Como Utilizar as Ciências Sociais para o Êxito Estratégico”, consta da edição brasileira de Janeiro-Fevereiro de 2015, https://www.armyupress.army.mil/Portals/7/military-review/Archives/Portuguese/MilitaryReview_20150228_art013POR.pdf]

A importância da Doutrina Powell é refletir sobre o “e daí” dos resultados antes de considerar a ação militar. Isso obriga os comandantes a examinar como a projeção de poder será vinculada aos objetivos políticos e o que virá após o fim das hostilidades. Assim como seu mentor e ex-chefe, Caspar Weinberger, Powell percebeu que a posição dos EUA como líder do mundo livre tornava impossível ignorar os problemas em outros lugares e impraticável acolher o isolacionismo que, de forma persistente, compõe a estrutura ideológica estadunidense.13 Embora não tenham pedido essa responsabilidade, os EUA receberam tal incumbência após a Segunda Guerra Mundial. Como dito anteriormente, as lições provenientes daquela época revelam que os problemas em outros lugares acabam alcançando o país. A forma como os líderes políticos escolhem responder a esses chamados pode ser obtida a partir das questões específicas da Doutrina Powell.

Em primeiro lugar, a Doutrina Powell busca oferecer uma clareza política arbitrária, mas alcançável, à realidade muitas vezes confusa e hermética da política partidária. Ao apresentar diversos questionamentos, a doutrina faz a classe política refletir. Por exemplo, há interesses vitais dos EUA em jogo? A ação tem o apoio do povo estadunidense? Nossos aliados concordam com nossa abordagem? O uso dessa metodologia tem o potencial de alinhar os objetivos políticos estratégicos dos EUA com os de suas Forças Armadas. Dito isso, o que falta hoje é que a liderança nacional do país insista na consideração de tais esforços.

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Não havia, na Guerra do Vietnã, um programa coerente de comunicação social para convencer o povo estadunidense da razão pela qual era tão importante dar fim à disseminação do comunismo no sudeste asiático.

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Um segundo aspecto da Doutrina Powell enquadra-se no caso da Guerra do Vietnã. A ambiguidade e o enquadramento incremental do problema central no Vietnã, combinados com a escalada de forças gradual, condenaram ao fracasso uma estratégia coerente de longo prazo que alinhava os fins estratégicos gerais dos EUA.14 Como exemplo oposto, na Guerra do Golfo, Powell colaborou com líderes políticos para codificar o que era viável do ponto de vista militar depois de esgotados outros instrumentos de poder. Ele então trabalhou junto a líderes militares para conceber planos que possibilitassem o sucesso estratégico.15 Dentro desse conceito, a definição de objetivos claros tornou alcançável o elemento militar na Guerra do Golfo, exatamente o oposto do resultado da Guerra do Vietnã.

Para ilustrar ainda melhor as impropriedades na Guerra do Vietnã como um exemplo extremo de estratégia militar não alinhada com as políticas nacionais, devemos contemplar as expectativas não realistas de sucesso em uma guerra limitada.16 Como ocorreu na Segunda Guerra Mundial, o braço político das instituições democráticas dos EUA pouco fez para aproximar o país de seus objetivos no Vietnã à medida que a violência se agravava, a contagem de corpos aumentava e os estadunidenses debatiam o valor de lutar na guerra de outros. Embora os EUA contassem com uma estratégia geral para conter a disseminação do comunismo no exterior desde o fim das hostilidades na Segunda Guerra Mundial, não havia, na Guerra do Vietnã, um programa coerente de comunicação social para convencer o povo estadunidense da razão pela qual era tão importante dar fim à disseminação do comunismo no sudeste asiático. Contudo, enquanto a guerra avançava, ficou cada vez mais difícil vender a um público estadunidense cético a tênue conexão com a tentativa de bloquear o comunismo e obter apoio capitalista no mundo em descolonização. Como evidência dessa estratégia ambígua e contraditória, o governo de Johnson passou a mensagem de que os objetivos e estados finais da guerra deveriam ser mantidos tão ambíguos quanto possível para preservar o capital político, caso os esforços do Vietnã fracassassem.17 É assim que queremos que os EUA liderem o mundo livre?

Em justaposição à Guerra do Vietnã, a Guerra do Golfo contra o Iraque e a Guarda Republicana de Saddam Hussein talvez seja o último e maior exemplo de guerra como um meio de último recurso. A Doutrina Powell foi posta à prova, pois, desde o início da agressão iraquiana no Kuwait, os EUA lideraram o mundo com diplomacia agressiva, disseminação de informações especializadas, demonstração paralisante de poder econômico e o maior desdobramento de poder de combate estadunidense desde a Segunda Guerra Mundial. A preparação para a Guerra do Golfo foi um golpe de mestre no exercício de todos os instrumentos de poder e na condução do mundo livre a um momento de decisão. O Presidente George Bush trabalhou durante meses para demonstrar que a ocupação iraquiana do Kuwait era inaceitável e apresentar uma política para devolver o status quo à região, pré-guerra. Quando essas alavancas diplomáticas e econômicas falharam, Bush definiu, na Diretriz de Segurança Nacional 54, quatro objetivos estratégicos principais a serem cumpridos pelas Forças Armadas.18 Esses objetivos claramente definidos e um estado final desejado específico permitiram que as Forças Armadas estadunidenses executassem um nível de guerra inigualável para o alcance de um fim militar e, por extensão, político bem-sucedido.19

Dito isso, os EUA pouco aprenderam com o sucesso da Doutrina Weinberger ou Powell no Golfo Pérsico. Ao fim de mais de 20 anos de operações de contrainsurgência, contemplamos apenas três das oito questões da Doutrina Powell. A pergunta não respondida mais importante, relativa a contar com uma estratégia de saída plausível, atormentou três governos presidenciais e levou ao esgotamento desnecessário de vidas e recursos, com a reivindicação de uma vitória tênue. Embora seja fácil iniciar a opção militar, muitas vezes é difícil, tanto para os líderes militares quanto para os políticos experientes, vincular campanhas impecavelmente elaboradas com ideias claras sobre como deve terminar a guerra e começar a diplomacia.20

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Os profissionais militares mostram-se repetidamente bem-sucedidos quando recebem dados objetivos limitados, mensuráveis e realizáveis, com estados finais claramente definidos.

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Hoje, os ecos do período entre guerras intensificam-se lentamente. O continente europeu está envolvido em um conflito, pois outro déspota beligerante, Vladimir Putin, está focado na reconstrução de linhas históricas, linhas etnográficas e percebidas linhas geográfico-culturais. A paz tênue que instituições globais, como a OTAN, a União Europeia e as Nações Unidas, desfrutam há mais de 70 anos está ameaçada. Nos últimos sete anos, a mão outrora estável dos EUA tremeu diante de slogans como “Make America Great Again” e a arrogância isolacionista do “America First”. Conforme essas frases de ordem extremamente populares conquistam a mente dos estadunidenses e as políticas que buscam, elas servem principalmente para quebrar o compromisso dos EUA com os ideais liberais do mundo, demonstrando que os estadunidenses estão, mais uma vez, impermeáveis aos apelos por liderança e segurança de um mundo instável. A política de segurança nacional que os EUA podem remontar às ideias do liberalismo internacional e de Roosevelt está cada vez mais sob pressão. O que essa mudança significa para os profissionais militares de hoje e para a segurança nacional coletiva dos EUA?

Os profissionais militares têm todo o direito de exigir objetivos militares claros e atingíveis de seus líderes políticos, que apoiem a política estratégica estadunidense. Entretanto, desde o fim do século XX, o que tem perdurado é uma avaliação excessivamente otimista do fim das hostilidades patrocinadas pelo Estado e um narcisismo estratégico, em que se espera que o conflito desapareça ao investir timidamente em instituições internacionais que apoiam a paz mundial.21 Os profissionais militares mostram-se repetidamente bem-sucedidos quando recebem dados objetivos limitados, mensuráveis e realizáveis, com estados finais claramente definidos. Quando a ambiguidade, ampliação da missão e ciclos de planejamento estratégico míopes permeiam as soluções militares, os indicadores de êxito militar inclinam-se para fins inconstantes. O recente fim de nossa guerra no Afeganistão está encapsulado nas palavras do Gen Div H. R. McMaster: “O Afeganistão foi uma guerra de um ano, travada outras vinte vezes”.22 Isso cristaliza a falha da liderança política dos EUA em conectar estados finais militares.

O sistema político do país, por definição, é complexo, lento para reagir e, muitas vezes, equivocado em sua capacidade de orientar a narrativa global. O caráter transitório da estabilidade política estadunidense nos últimos 40 anos produziu uma estratégia nacional incoerente e instabilidade quanto à natureza de seus objetivos no exterior. Ainda que as instituições liberais internacionalistas sejam eficazes na manutenção do status quo — como o Joint Planning Board dos períodos entre guerras —, a liderança militar dos EUA não pode contar apenas com a direção estratégica de um presidente que só é realisticamente eficaz nos dois primeiros anos no cargo e de um congresso focado em batalhas partidárias mutuamente destrutivas. De apenas suprir poder de combate com pouca contribuição estratégica na Primeira Guerra Mundial à Guerra do Vietnã, desastrosamente vaga, a ambiguidade da abordagem estadunidense à guerra está ultrapassada. Limitar-se a reagir com capacidades de combate avassaladoras primeiro para só mais tarde elaborar os detalhes não é mais sustentável na guerra multidimensional e dinâmica do século XXI. Os EUA precisam ser um símbolo de liderança que ofereça uma voz coesa e constante de políticas estratégicas que harmonizem os instrumentos de poder rumo a estados finais alcançáveis. Uma liderança política unificada com um modelo mental e de políticas compartilhado é essencial para romper o ciclo de vitórias inconstantes. Nossos interesses nacionais exigem isso, e, mais importante, nossas Forças Armadas merecem isso.


Referências

 

  1. Colin S. Gray, Irregular Enemies and the Essence of Strategy: Can the American Way of War Adapt? (Carlisle Barracks, PA: Strategic Studies Institute, U.S. Army War College, 2006), p. 30.
  2. Rose Lopez Keravuori, “Lost in Translation: The American Way of War”, Small Wars Journal, 17 November 2011, acesso em 22 set. 2022, https://smallwarsjournal.com/jrnl/art/lost-in-translation-the-american-way-of-war.
  3. Harry G. Summers Jr., On Strategy: A Critical Analysis of the Vietnam War (New York: Bantam Doubleday Dell, 1984), p. 87.
  4. Maurice Matloff, The United States Army in World War II: Strategic Planning for Coalition Warfare, 1943–1944 (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 1959), p. 215.
  5. H. W. Brands, Traitor to His Class: The Privileged Life and Radical Presidency of Franklin Delano Roosevelt (New York: Doubleday, 2008), p. 444.
  6. Mark Watson, The United States Army in World War II: Chief of Staff: Prewar Plans and Preparations (Washington, DC: U.S. Army Center of Military History, 1950), p. 1.
  7. Michael D. Pearlman, Force Structure, Mobilization, and American Strategy for Global Coalition War (Fort Leavenworth, KS: U.S. Army Command and General Staff College, 1996), p. 170.
  8. Louis Morton, “The Color Plans, 1919–1938”, in The Legacy of American Naval Power: Reinvigorating Maritime Strategic Thought, ed. Paul Westermeyer (Quantico, VA: Marine Corps History Division, 2019), p. 34-43.
  9. Watson, The United States Army in World War II, p. 86.
  10. Harold Stark, memorando para o secretário, “Plan Dog”, 12 November 1940, acesso em 9 nov. 2022, http://docs.fdrlibrary.marist.edu/psf/box4/a48b01.html.
  11. Watson, The United States Army in World War II, p. 8.
  12. Susan Eisenhower, How Ike Led: The Principles Behind Eisenhower’s Biggest Decisions (New York: Thomas Dunne Books, 2020), p. 96.
  13. Caspar W. Weinberger, “The Uses of Military Power” (comentários, National Press Club, Washington, DC, 28 November 1984), acesso em 26 set. 2022, https://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/military/force/weinberger.html.
  14. H. R. McMaster, Battlegrounds: The Fight to Defend the Free World (New York: HarperCollins, 2020), p. 428.
  15. Rick Atkinson, “Unhappy Warrior, Part I and Part II”, Washington Post (site), 26 September 1993, 17, acesso em 22 set. 2022, https://www.washingtonpost.com/archive/lifestyle/magazine/1993/09/26/unhappy-warrior/da5e06be-0bde-44ee-abb8-9199836e3204/.
  16. Harry G. Summers Jr., On Strategy: A Critical Analysis of the Vietnam War (New York: Bantam Doubleday Dell, 1984), p. 18.
  17. McMaster, Battlegrounds, p. 428.
  18. National Security Directive 54, Responding to Iraqi Aggression in the Gulf (Washington, DC: National Security Council, 15 January 1991), p. 2.
  19. Richard B. Swain, Lucky War: Third Army in Desert Storm (Fort Leavenworth, KS: U.S. Army Command and General Staff College Press, 1994), p. 2.
  20. Fred Charles Iklé, Every War Must End, 2nd rev. ed (New York: Columbia University Press, 2005), p. 2.
  21. McMaster, Battlegrounds, p. 65.
  22. Ibid., p. 156.

 

O Maj Jeremy Shields é comandante da aeronave de instrução C-17A da Reserva da Força Aérea dos EUA, 452a Ala de Mobilidade Aérea, Base da Reserva da Força Aérea March, na Califórnia. Atualmente, estuda na School of Advanced Air and Space Studies na Base Aérea Maxwell, no Alabama. Shields começou sua carreira no Gabinete do Líder da Maioria do Senado dos EUA, onde se concentrou em questões militares relacionadas ao seu estado natal de Nevada.

 

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O autor de “The Need for a Brigade Politics-and-Policy Staff Officer” argumenta que os comandantes de linha de brigada envolvidos em tarefas inerentes às suas funções no Iraque muitas vezes não dispunham de um oficial de estado-maior capaz com conhecimento especializado, visão e clareza em relação ao ambiente político local que afeta suas áreas de responsabilidade. Com base em suas próprias experiências servindo nessa função, o autor afirma que os estados-maiores de brigada muitas vezes não tinham um procedimento claro ou alguém para ajudar a interpretar as decisões políticas do governo iraquiano, seja no nível do governo central ou regional, e para transmitir ao estado-maior da brigada as diferenças entre as autoridades e funções do Título 10 da força-tarefa conjunta combinada e as funções do Título 22 do Escritório de Cooperação em Segurança (Office of Security Cooperation) que opera no Iraque desde 2011. Essa falta de estrutura do estado-maior limitou a capacidade do comandante de brigada de entender plenamente o ambiente operacional, afetando negativamente as decisões sobre a melhor forma de aplicar o poder de combate. Essa lacuna resultou em uma reclamação recorrente sobre os oficiais superiores mais antigos e os comandantes militares superiores: que o “melhor conselho militar” que oferecem é, com muita frequência, sólido do ponto de vista tático, porém mal informado estratégica e politicamente.

Para ler “The Need for a Brigade Politics-and-Policy Staff Officer” da edição de Janeiro-Fevereiro de 2017 da Military Review, acesse https://www.armyupress. army.mil/Portals/7/military-review/Archives/English/ MilitaryReview_2017228_art009.pdf [O artigo traduzido, intitulado “A Necessidade de um Oficial de Assuntos Políticos no Estado-Maior da Brigada”, foi publicado no site da Military Review em 1o de agosto de 2017, https://www.armyupress.army.mil/Journals/Edicao-Brasileira/Artigos-Exclusivamente-On-line/Artigos-Exclusivamente-On-line-de-2017/Oficial-de-Assuntos-Politicos/]

 

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