Military Review

 

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Resolução de disputas civis MacArthur

Uma estratégia de vitória ignorada para o Afeganistão

 

Cel (Res) Cornelia Weiss, Força Aérea dos EUA

 

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O Estado será aquele que administrar a justiça.

—Robert Reilly

 

O sucesso do Talibã na prestação da justiça talvez seja seu meio mais eficaz de minar o governo de Karzai e se apropriar da legitimidade. […] Por si só, basta estabelecer seu controle e afastar o povo do governo, e ao fazer isso bem, o Talibã conquista a lealdade.

—Tom A. Peter

 

A ideia para este artigo surgiu há mais de uma década, no dia em que ouvi uma história sobre mulheres afegãs entregando aos talibãs a única coisa de valor que possuíam — suas joias — pela prestação de serviços de resolução de disputas civis. Por “resolução de disputas civis”, refiro-me a resolver disputas sobre terras e outras questões por meio de um processo não violento no qual as partes apresentam e pleiteiam seu pedido a um tomador de decisões. Dada a tensão entre minha compreensão do tratamento opressivo das mulheres pelo Talibã e minha formação no Estado de Direito, fiquei admirada inicialmente com o fato de que a necessidade por resolução de disputas civis era tanta que resultou no apoio àqueles que eram capazes de resolver disputas, independentemente do tratamento que dispensavam às mulheres. Mas no Afeganistão, após décadas de guerra que resultaram, por exemplo, em “destruição de documentos” e “apropriação de terras de proprietários que fugiram dos combates”, a resolução de disputas civis era uma necessidade primária.1 E, então, me perguntei por que os Estados Unidos da América (EUA) não aprenderam com Che Guevara sobre a necessidade de proporcionar a resolução de disputas. Segundo Guevara, um “departamento central de justiça, leis revolucionárias e administração (o conselho) compõem uma das características vitais de um exército de guerrilha completamente formado e com seu próprio território”.2 Diferentemente dos EUA, o Talibã parece ter entendido que a necessidade de resolução de disputas civis é tão avassaladora que conduz ao apoio a qualquer entidade, do governo ou antigoverno, que venha a supri-la, mesmo que tal entidade seja percebida como antimulheres. No entanto, os EUA, mesmo até o fim, agarraram-se a uma estratégia de um “sistema jurídico formal” (ou seja, construção de tribunais e outros elementos convencionais e previsíveis) que, em seu primeiro ano em Helmand, examinou apenas cinco casos, em vez de entender que sua estratégia deixou uma lacuna para que o Talibã cooptasse os “mecanismos informais e tradicionais de resolução de disputas preferidos no âmbito comunitário, em que cerca de 80% a 90% das disputas civis sempre foram resolvidas”.3 Resultado: o Talibã afegão não sucumbiu, apesar dos anos de pessoal e fundos militares dedicados a combatê-lo. Em vez disso, ao estilo estereotípico da insurgência, sobreviveu aos seus oponentes por ter conquistado o mercado de “resolução de disputas civis”. O não reconhecimento da necessidade da população pela resolução de disputas civis e a obtenção, pelo Talibã, desse mercado foram parte do calcanhar de Aquiles da teoria, doutrina e esforços dos EUA.4

Para ajudar a evitar resultados semelhantes no futuro, este artigo examina as estratégias, políticas e práticas relativas à resolução de disputas civis e o apoio ao Talibã por seus serviços de resolução de disputas civis. Os EUA não compreenderam, através da sua lente de resolução de disputas pela força armada, a necessidade de resolução de disputas civis para a população. A lição que deve servir para o futuro — a ser incluída na doutrina, políticas e prática — é que aquele que oferecer à população os melhores serviços de resolução de disputas civis em um período de conflitos se tornará o governante, não importa quem seja.

Inexistência de estratégias e políticas dos EUA para a resolução de disputas civis

A política estadunidense de resolução de disputas civis parecia ser inexistente. Embora afirmasse que “O compromisso dos EUA com a democracia, os direitos humanos e o Estado de Direito são fontes essenciais de nossa força e influência no mundo” (grifo nosso), a Estratégia de Segurança Nacional de 2010 não definiu “Estado de Direito” (também o caso das Estratégias de Segurança Nacional de 2015 e 2017).5

Da mesma forma, apesar de sustentar que “O poder militar complementa o desenvolvimento econômico, a governança e o Estado de Direito — os verdadeiros alicerces dos esforços antiterroristas” (grifo nosso) —, a Estratégia Militar Nacional de 2011 também não definiu “Estado de Direito”.6 (As Estratégias Militares Nacionais de 2015 e 2018 igualmente não o definiram.)7 E ainda que a Estratégia Nacional de Contraterrorismo de 2011 mantivesse que os EUA estavam “empenhados em defender nossos valores mais estimados como nação — não só porque fazê-lo é o correto, mas também porque aumenta nossa segurança” com “a adesão a esses valores fundamentais […], a manutenção do Estado de Direito nos permite construir amplas coalizões internacionais para atuar contra a ameaça comum apresentada por nossos adversários, ao mesmo tempo em que retira a legitimidade, isola e enfraquece ainda mais seus esforços” (grifo nosso) —, sua definição de Estado de Direito parecia limitada a “manter uma estrutura legal eficaz e duradoura para operações de contraterrorismo e levar os terroristas à justiça”.8 Ou seja, ignorou o aspecto de combater o terrorismo com medidas afirmativas de atendimento da necessidade da população na questão da resolução de disputas civis. E a estratégia de combate ao terrorismo de 2018 nem sequer menciona o Estado de Direito.9 O Departamento de Estado não se saiu melhor. O Relatório de Situação: Engajamento Civil no Afeganistão e no Paquistão (Status Report: Afghanistan and Pakistan Civilian Engagement) de novembro de 2011 do Gabinete do Representante Especial para o Afeganistão e o Paquistão reconheceu o seguinte:

  • O aprimoramento do Estado de Direito e o acesso à justiça são essenciais para a estabilidade a longo prazo no Afeganistão.
  • Para ajudar o governo afegão a oferecer ao seu povo mecanismos transparentes, economicamente acessíveis e eficazes de resolução de disputas, apoiamos iniciativas de Estado de Direito nos níveis distrital, provincial e nacional, focadas no aumento do acesso à justiça, capacitação e promoção da transparência e responsabilização.
  • Nós nos esforçamos para ajudar a aumentar a legitimidade do governo afegão, melhorar a percepção dos afegãos a seu respeito e promover uma cultura de valorização do Estado de Direito acima do interesse próprio.10

No entanto, observou que o programa carcerário, os esforços contranarcóticos e os centros de justiça provinciais não atenderam à necessidade da população de resolução de disputas civis.11 Além disso, embora afirmasse que “Continuaremos a concentrar nosso apoio na promoção da responsabilização na comunidade jurídica afegã e na expansão do sistema de justiça formal, com assistência seletiva ao sistema de justiça informal”, não abordou explicitamente o que faria e como.12 Mesmo mantendo que o Programa de Estado de Direito da United States Agency for International Development — USAID “também apoia mecanismos tradicionais de resolução de disputas e estimula vínculos entre os setores de justiça formal e informal”, declarou que continuará a concentrar seu apoio na “expansão do sistema de justiça formal” com “assistência seletiva ao sistema de justiça informal”.13 Em vez disso, sustentou que “o governo de Karzai” deve criar “mecanismos previsíveis e justos de resolução de disputas para eliminar a lacuna que o Talibã explorou com sua própria forma brutal de justiça (grifo nosso)”.14 No entanto, “apesar do financiamento do ‘Estado de Direito’, no total de 904 milhões de dólares somente dos EUA entre 2002 e 2010, com grande parte destinada a melhorar o judiciário”, estava evidente a ausência de fundos para eliminar “a lacuna”.15 (Ao mesmo tempo, a Declaração sobre a Política de Defesa do Hemisfério Ocidental [Western Hemisphere Defense Policy Statement] de outubro de 2012 reconheceu que “[corrupção e] sistemas judiciais ineficazes prejudicam a capacidade dos governos de ganhar e manter a confiança dos cidadãos”).16

Inexistência de raciocínio operacional militar dos EUA quanto à resolução de disputas civis

Enquanto alguns, como o Gen John Allen, pareciam entender que existia uma carência, as Forças Armadas dos EUA, aparentemente, não compreendiam que precisavam abordar a necessidade da população de acesso à resolução de disputas civis. Ele afirmou: “Enquanto o Exército Nacional Afegão combaterá os inimigos de sua nação e, nesse contexto, o Talibã, o combate pelo Afeganistão — a verdadeira luta — será ganha pela segurança pública justa, um judiciário funcional e um compromisso inequívoco com o Estado de Direito”.17

Embora afirmasse que “Estabelecer o Estado de Direito é um objetivo-chave e um estado final em contrainsurgência”, o manual de contrainsurgência de 2014 foi omisso na definição de “Estado de Direito”.18 Entretanto, expressou que os “aspectos-chave” do Estado de Direito incluíam o seguinte:

  • Um governo que recebe seus poderes dos governados e administra, coordena e sustenta com competência a segurança coletiva, bem como o desenvolvimento político, social e econômico.19
  • Instituições de segurança sustentáveis. Essas incluem forças armadas controladas por civis, bem como instituições policiais, judiciais e penais. As últimas devem ser percebidas pela população local como justas, equitativas e transparentes.20
  • Direitos humanos fundamentais. A Declaração das Nações Unidas sobre Direitos Humanos e a Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos oferecem um guia para os direitos humanos aplicáveis. Esta última prevê, no entanto, a derrogação de certos direitos em caso de estado de emergência. O respeito a toda a gama de direitos humanos deve ser o objetivo da nação anfitriã; a derrogação e violação desses direitos pelas forças de segurança da nação anfitriã muitas vezes são usadas como desculpa para atividades insurgentes.21

Ou seja, em vez de incluir em sua definição de “Estado de Direito” a necessidade da população pela resolução de disputas civis, o foco recaiu sobre os aspectos penais do “Estado de Direito” (como no Anexo F da “Avaliação Inicial do Comandante” do Gen Stanley McChrystal, de 30 de agosto de 2009).22 Contrastando com o manual de contrainsurgência de 2014, o Manual do Estado de Direito (Rule of Law Handbook) de 2011, em uma seção intitulada “Indivíduos têm acesso significativo a um sistema jurídico imparcial eficaz” (“Individuals Have Meaningful Access to an Effective an Impartial Legal System”), reconhece que “as pessoas devem ter acesso prático” às instituições judiciais, afirmando: “Pouco valem as leis escritas se não houver um mecanismo para sua aplicação na reparação das injustiças civis e criminais”.23 Entretanto, o foco era o sistema penal.24 O manual reconhece ainda que “a eficácia pode ser completamente comprometida pela corrupção […] preconceito de gênero […] ou mera ineficiência”, e que “uma nação com tribunais belamente construídos pode, no entanto, não conseguir alcançar o Estado de Direito, se os juízes desses tribunais forem arbitrários ou corruptos”.25 O manual especifica, para projetos de Estado de Direito, que a “tentação de definir metas mensuráveis empurra os projetos [de Estado de Direito] na direção de melhorias na infraestrutura física, como a construção de tribunais ou prisões, ou implementação de programas cuja conclusão pode ser facilmente monitorada, como a criação de programas de treinamento e medição do número de graduados no programa”.26

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O respeito a toda a gama de direitos humanos deve ser o objetivo da nação anfitriã; a derrogação e violação desses direitos pelas forças de segurança da nação anfitriã muitas vezes são usadas como desculpa para atividades insurgentes.

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Pode-se dizer que o governo do Afeganistão estava ciente do abismo entre pensamento e ação. Segundo Muhammad Ali Ahmadi, Vice-Governador de Ghazni, “A corrupção e a carência de instituições judiciais nos distritos geraram uma lacuna entre povo e governo e criaram uma oportunidade que as Forças Armadas opositoras [o Talibã] aproveitaram ao máximo”.27 Embora “o fortalecimento do sistema judicial e a legitimidade das instituições estatais seja uma das principais formas de combater a influência de atores não estatais”, parece que o governo não conseguiu preencher essa lacuna.28

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Embora o Talibã use o terrorismo para promover seus objetivos militares e políticos nas áreas do Afeganistão que controlam, sua maior arma não é a violência, mas sim a capacidade de prestar uma forma de justiça que seja percebida como honesta e eficiente.

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Estratégia, políticas e prática prósperas do Talibã na resolução de disputas civis

O Talibã, pelo contrário, compreendeu que para ganhar, para se tornar líder do Afeganistão, precisava conquistar o apoio da população. Para responder à pergunta “Que métodos de ‘governo de guerrilha’ estão atraindo o apoio das populações locais”, Patrick Devenny concluiu:29

  • Não há lugar melhor para começar do que o sistema judicial do Talibã, composto por grupos de estudiosos religiosos que analisam disputas sobre alocação de terras e direitos de propriedade — questões de vital importância no Afeganistão pastoral.30
  • Sua justiça é visível, imediata e familiar para os afegãos que, há séculos, têm confiado na resolução informal de conflitos.31
  • A atração dos tribunais está enraizada na ausência de alternativas eficazes, e não na afinidade ideológica. Os afegãos, desesperados por alguma espécie de ordem, recorrem frequentemente aos tribunais talibãs, mesmo que não apoiem os objetivos gerais da organização.32
  • Os tribunais são melhores na conquista do apoio local do que dezenas de atiradores ou fabricantes de bombas.33

Assim, “embora o Talibã use o terrorismo para promover seus objetivos militares e políticos nas áreas do Afeganistão que controlam, sua maior arma não é a violência, mas sim a capacidade de prestar uma forma de justiça que seja percebida como honesta e eficiente.”34 As razões apresentadas pelas quais os afegãos recorriam aos tribunais talibãs em vez dos tribunais do governo foram acesso, corrupção, eficiência, fiscalização e advertências do Talibã.

Acesso

De acordo com o Manual do Estado de Direito, mais de 80% da população não tinha acesso aos tribunais do governo pois estes não estavam presentes nas áreas rurais.35 Em contrapartida, o Talibã ofereceu acesso. Segundo um juiz talibã chamado Ramani, “Somos juízes móveis”. Às vezes vamos até as pessoas, às vezes elas vêm até nós. Não temos uma sala de audiências e não somos oficiais. Mas somos sancionados pela liderança talibã para fazer justiça aplicando a lei islâmica”.36 Ou seja, “Os tribunais talibãs dão apoio itinerante a localidades rurais remotas do Afeganistão” e não ficaram “presos a áreas urbanas, como muitas instalações do governo afegão”.37

Corrupção

Os EUA entenderam que a corrupção era um problema. Allen, então Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, testemunhou ao Congresso, em abril de 2014, que a corrupção era mais grave do que a insurgência.38 Um ditado no Afeganistão dizia: “Tribunais do governo para os ricos, justiça talibã para os pobres”.39 Ou seja, os tribunais do governo foram percebidos como sendo para os ricos por causa de seus juízes subornáveis. E a “parcela mensal dos subornos extorquidos pelos juízes locais” era destinada “ao Presidente da Suprema Corte”.40 De acordo com uma pesquisa da Integrity Watch de 2010 sobre as percepções relativas à corrupção no Afeganistão, metade da população afegã via os tribunais do governo como a instituição governamental mais corrupta do país.41 Conforme um relatório de fevereiro de 2013 da TV Tolo do Afeganistão, mais de 50% da população afegã usou os sistemas judiciais do Talibã em vez dos tribunais do governo devido à corrupção.42 Por exemplo, em uma disputa de direitos sobre água agrícola, de acordo com o litigante vencido, o vencedor havia pago “muito dinheiro aos advogados e subornado os juízes no tribunal”.43 Um quarto dos afegãos disseram que “se sentiam privados de justiça” por causa da corrupção e de um sistema movido a suborno.44 Isso também excluía as mulheres, já que elas geralmente não tinham recursos financeiros para subornar.45 Um ancião tribal estimou que 90% das pessoas em Helmand estavam do lado do Talibã, rotulando o governo como “corrupto”.46 Ou seja, “Ninguém pode confiar neles. Sempre que temos um problema, recorremos ao Talibã e ao tribunal talibã”.47

Nem todos os juízes talibãs eram incorruptíveis. Um ancião relatou um caso em que o juiz “proferiu uma decisão contra uma pessoa [que] deveria ter ganho a causa. A pessoa queixou-se à comissão [distrital]. Eles investigaram [e] descobriram que o juiz havia recebido subornos. O juiz foi condenado a seis meses de exílio e seu trabalho como juiz foi encerrado”.48 Ainda assim, de acordo com um ancião, os moradores locais preferiram usar o tribunal talibã para seus casos porque seus juízes não eram tão corruptos quanto os juízes do governo.49

Eficiência no lugar de ineficiência

Os cidadãos afegãos também mencionaram a celeridade, os baixos custos e o acesso aos tribunais talibãs como vantagens em relação aos tribunais do governo na resolução de disputas judiciais civis, incluindo indivíduos que viviam a apenas alguns quilômetros de um tribunal do governo:50

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No entanto, apesar das ‘advertências’, parece que o serviço de resolução de disputas civis do Talibã era superior ao do governo.

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Não gosto nada de nosso governo atual e também não gosto muito do Talibã. Mas posso passar meses no tribunal do governo e pagar subornos, ou posso ir ao Talibã e resolver o assunto em um dia. É uma escolha fácil.51

Os tribunais talibãs não perturbam as pessoas e lhes dizem que terão de esperar muito para serem ouvidas, nem exigem subornos. Quando você vai ao Talibã e pede ajuda, eles dizem que precisam de um certo tempo para estudar seu caso, e então dizem para voltar em um dia específico.52

Imposição das decisões

O fato de o Talibã ter — e usar — seu poder para fazer cumprir suas decisões serviu como fonte de “construção de legitimidade” para a organização.53

Quando encaminhamos o caso ao Talibã, a questão foi resolvida imediatamente, e agora não temos mais problemas. Se ainda houver alguma discordância sobre essa terra, o Talibã primeiro enviará uma advertência à parte que se opõe, depois lhe dará uma surra, e, se ainda insistir, será morta.54

A imposição das decisões pelo Talibã também é feita em nome das mulheres. Por exemplo, um marido recusava-se a conceder o divórcio à sua mulher, apesar da decisão de divórcio emitida por um tribunal paquistanês e uma fatwa de um mufti local. Quando um tribunal talibã ouviu o caso e ordenou que o marido concedesse o divórcio, ele obedeceu. Segundo o irmão da mulher, “Sob o Talibã, até mesmo os fracos têm direitos”.55 Em contrapartida, os tribunais do governo não apoiavam as mulheres em processos de divórcio. De acordo com o parlamentar afegão Shinkai Korakhail, os tribunais do governo concediam o divórcio às mulheres em apenas 1% dos casos.56

Advertências do Talibã

É evidente que os afegãos podem ter usado os tribunais talibãs apenas por causa de suas “advertências”. De acordo com um afegão, “O povo das aldeias não procura os tribunais do governo. Os talibãs estão advertindo que ninguém pode ir lá”.57 No entanto, apesar das “advertências”, parece que o serviço de resolução de disputas civis do Talibã era superior ao do governo. Assim, como explica Swenson, “Evitar os tribunais [do governo] era algo totalmente racional”.58

Conclusão

E assim, parece que a necessidade de resolução de disputas civis é tão grande que atrai o apoio a qualquer entidade, governo ou insurgência que a ofereça, mesmo que essa entidade seja percebida como antimulheres. No fim das contas, causa surpresa que uma mulher tenha apoiado o Talibã em vez de apoiar o governo? Espero que essa lição seja aprendida e incorporada à doutrina, estratégia, educação militar e ao planejamento e treinamento militares.

 

As opiniões e pontos de vista expressos são posições pessoais da autora e não representam necessariamente a opinião do governo dos EUA ou de qualquer um de seus componentes. Esta é uma versão condensada e atualizada do artigo que redigi como aluna do Curso de Terrorismo e Contrainsurgência de 2014 do William J. Perry Center for Western Hemispheric Defense Studies, ministrado pelo Gen (Res) Carlos Ospina Ovalle, ex-Comandante das Forças Armadas Colombianas, e pelo Dr. David Spencer.


Referências

  • Epígrafe. Robert Reilly, “Shaping Strategic Communication”, in Afghan Endgames: Strategy and Policy Choices for America’s Longest War, ed. Hy Rothstein and John Arquilla (Washington, DC: Georgetown University Press, 2012), p. 180.
  • Epígrafe. Tom A. Peter, “Leery of Courts, Afghans Seek Taliban Justice”, USA Today, 7 March 2012.

 

  1. Dan Murphy, “Dent in Afghanistan War Strategy: Why Kandahar Locals Turn to Taliban” Christian Science Monitor (site), 6 July 2010, acesso em 29 ago. 2022, https://www.csmonitor.com/World/Asia-South-Central/2010/0706/Dent-in-Afghanistan-war-strategy-Why-Kandahar-locals-turn-to-Taliban.
  2. Che Guevara, Guerrilla Warfare (London: Ocean Press, 2006), p. 103.
  3. Special Inspector General for Afghanistan Reconstruction (SIGAR), What We Need to Learn: Lessons from Twenty Years of Afghanistan Reconstruction (Arlington, VA: SIGAR, August 2021), p. 74.
  4. “Foreign Terrorist Organizations”, Department of State, acesso em 29 ago. 2022, http://www.state.gov/j/ct/rls/other/des/123085.htm. O Talibã do Afeganistão não estava na lista de organizações terroristas designadas pelos EUA; o Talibã do Paquistão estava e permanece.
  5. The White House, National Security Strategy of the United States of America (Washington, DC: The White House, 2010), p. 2.
  6. Veja as numerosas referências ao Estado de Direito na The White House, National Security Strategy of the United States of America (Washington DC: The White House, 2017); Chairman of the Joint Chiefs of Staff, National Military Strategy of the United States of America (Washington, DC: Joint Chiefs of Staff, 2011), p. 6.
  7. Chairman of the Joint Chiefs of Staff, National Military Strategy of the United States of America (Washington, DC: Joint Chiefs of Staff, 2015); The Joint Staff, Description of the National Military Strategy of the United States of America (Washington, DC: Joint Chiefs of Staff, 2018).
  8. The White House, National Strategy for Counterterrorism of the United States of America (Washington, DC: The White House, 2011), p. 4, 9.
  9. The White House, National Strategy for Counterterrorism of the United States of America (Washington, DC: The White House, 2018).
  10. Office of the Special Representative for Afghanistan and Pakistan, Status Report: Afghanistan and Pakistan Civilian Engagement (Washington, DC: Department of State, November 2011), p. 13.
  11. Ibid.; “Centros de justiça provinciais: Um programa-chave de Estado de Direito é o programa do Centro de Justiça Provincial (Provincial Justice Center, PJC). Existem atualmente cinco PJCs em desenvolvimento nas províncias de Herat, Jalalabad, Mazar-e Sharif, Kandahar e Khost. O conceito abrange o agrupamento de infraestrutura do setor da justiça, pessoal, registros, conhecimentos especializados e liderança associados a uma capital provincial.”
  12. Ibid.
  13. Ibid.
  14. Peter, “Leery of Courts”.
  15. Rod Nordland, “In Spite of the Law, Afghan ‘Honor Killings’ of Women Continue”, New York Times (site), 4 May 2014, p. 12, acesso em 29 ago. 2022, https://www.nytimes.com/2014/05/04/world/asia/in-spite-of-the-law-afghan-honor-killings-of-women-continue.html. Tais práticas do governo ocorriam apesar de “serem ilegais”.
  16. Department of Defense, Western Hemisphere Defense Policy Statement of October 2012 (Washington, DC: Department of Defense, 2012), p. 3.
  17. Deb Riechmann, “U.S. Gen: Corruption is top threat in Afghanistan”, Associated Press, 30 April 2014, acesso em 29 ago. 2022, https://apnews.com/article/fe8b8452860a4140ac3a94bec99d7799.
  18. Field Manual 3-24/Marine Corps Warfighting Publication 3-33.5, Insurgencies and Countering Insurgencies (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2014), p. 13-13, acesso em 29 ago. 2022, https://armypubs.army.mil/epubs/DR_pubs/DR_a/pdf/web/fm3_24.pdf.
  19. Ibid., p. 13-14.
  20. Ibid.
  21. Ibid.
  22. Stanley McChrystal, Commander’s Initial Assessment (Kabul, AF: International Security Assistance Force, 2009), Annex F.
  23. Rule of Law Handbook: A Practitioner’s for Judge Advocates (Charlottesville, VA: U.S. Army Center for Law and Military Operations, 2011), p. 6.
  24. Peter, “Leery of Courts”.
  25. Rule of Law Handbook, p. 6, 15.
  26. 26. Ibid., p. 15.
  27. Rahmat Alizada, “Reign of the Desert Court, Ghazni”, Afghanistan Today, 11 August 2011.
  28. Marc-Andre Franche, citado em “The Justice Bus: Mobile Court Tours Taliban-Hit Pakistan”, Al Arabiya News, 29 August 2013.
  29. Patrick Devenny, “Legal Advice from the Taliban”, Foreign Policy (site), 29 May 2009, acesso em 29 ago. 2022, https://foreignpolicy.com/2009/05/29/legal-advice-from-the-taliban/.
  30. Ibid.
  31. Ibid.
  32. Ibid.
  33. Ibid.
  34. Michael Schultheiss, “Taliban Attacks on Afghanistan Elections: Terrorism and the Shadow State”, Guardian Liberty Voice, 5 April 2014.
  35. Rule of Law Handbook, p. 222.
  36. Soraya Sarhaddi Nelson, “Taliban Courts Filling Justice Vacuum”, NPR, 16 December 2008, acesso em 29 ago. 2022, https://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=98261034.
  37. Peter, “Leery of Courts”.
  38. John Sopko, “Remarks Prepared for Delivery” (discurso, Middle East Institute, Washington, DC, 14 May 2014), acesso em 31 aug. 2022, https://www.sigar.mil/newsroom/ReadFile.aspx?SSR=7&SubSSR=29&File=speeches/14/Middle_East_Institute_speech.html; SIGAR, Quarterly Report to the United States Congress (Arlington, VA: SIGAR, 30 April 2014), v. Auditorias direcionadas para incluir um foco na assistência dos EUA aos programas de Estado de Direito no Afeganistão.
  39. Tim McGirk, “Behind the Taliban’s Resurgence in Afghanistan”, Time, 16 September 2009.
  40. Sarah Chayes, “The Military Must Hunt Corruption, Not Just Terrorists”, Small Wars Journal, 6 April 2014, acesso em 29 ago. 2022, https://smallwarsjournal.com/blog/the-military-must-hunt-corruption-not-just-terrorists.
  41. Peter, “Leery of Courts”.
  42. Jami Forbes, “The Significance of Taliban Shari’a Courts in Afghanistan”, CTC Sentinel 6, no. 5 (May 2013), acesso em 29 ago. 2022, https://ctc.westpoint.edu/the-significance-of-taliban-sharia-courts-in-afghanistan/.
  43. Antonio Giustozzi, Claudio Franco e Adam Baczko, “Shadow Justice: How the Taliban Run Their Judiciary?”, Library of Congress, acesso em 29 ago. 2022, https://www.loc.gov/item/2013359523/.
  44. Peter, “Leery of Courts”.
  45. Afghanistan: In Kabul with MP and Feminist Shinkai Karokhail, YouTube video, publicado por “France 24”, 2 October 2013, acesso em 30 ago. 2022, https://www.youtube.com/watch?v=u7d1PBaEDdY.
  46. Bill Meyer, “As Taliban Nears Kabul, Afghanistan, A Shadow Government with Religious Courts Takes Hold”, The Plain Dealer (site), 28 December 2008, acesso em 29 ago. 2022, https://www.cleveland.com/world/2008/12/as_taliban_nears_kabul_afghani.html.
  47. Ibid.
  48. Giustozzi, Franco e Baczko, “Shadow Justice”, p. 29.
  49. Ibid.
  50. Peter, “Leery of Courts”.
  51. Ibid.
  52. Ibid.
  53. Jeffrey Dressler e Carl Forsberg, The Quetta Shura Taliban in Southern Afghanistan: Organization, Operations and Shadow Governance (Washington, DC: Institute for the Study of War, 21 December 2009), p. 8, acesso em 29 ago. 2022, http://www.worldcat.org/title/511462829.
  54. Alizada, “Reign of the Desert Court, Ghazni”.
  55. Kahar Zalmay, “Taliban Justice. Then and Now”, Brown Pundits, 8 April 2014, acesso em 30 ago. 2022, https://www.brownpundits.com/2014/04/08/taliban-justice-then-and-now/.
  56. France 24, Afghanistan.
  57. Meyer, “As Taliban Nears Kabul”.
  58. Geoffrey Swenson, “Why U.S. Efforts to Promote the Rule of Law in Afghanistan Failed”, International Security 42, no. 1 (Summer 2017): p. 114–51, acesso em 29 ago. 2022, https://direct.mit.edu/isec/article/42/1/114/12167/Why-U-S-Efforts-to-Promote-the-Rule-of-Law-in.

 

A Cel (Res) Cornelia Weiss, da Força Aérea dos EUA, recebeu o Prêmio Keenan por fazer a contribuição mais marcante para o desenvolvimento do Direito Internacional. Formada pelo Inter-American Defense College, possui GED, AA do Colorado Mountain College, bacharelado pela University of Utah e mestrado pela Academia Nacional de Estudos Políticos e Estratégicos do Chile (ANEPE). É também formada em Direito pela Vanderbilt University School of Law. Entre outras honras, recebeu, em 2022, uma Bolsa de Pesquisa Acadêmica do Hoover Archives at Stanford University e atuou como Scholar-in-Residence na Law Library of the Library of Congress.

 

 

A revista NCO Journal é a única publicação oficial do Departamento de Defesa dos EUA dedicada aos graduados do Exército. Visa a estimular o intercâmbio de ideias e informações sobre seu treinamento, formação e desenvolvimento profissional, além de fortalecer os laços entre os integrantes dessa comunidade.

Os artigos publicados na NCO Journal são, em sua maioria, escritos por graduados no terreno. Assim, muitos dos autores compartilham experiências e conhecimentos pertinentes à profissão; abordam as competências necessárias para liderar, treinar e manter a prontidão; e oferecem conselhos práticos sobre as tarefas que desempenham em suas respectivas especialidades.

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Janeiro-Junho 2023